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Um Padrão Bíblico para a Lei Civil

CREMOS

A expressão mais excelente sobre a teologia da palavra inspirada de Deus – seu “padrão de sãs palavras” – pode ser encontrada na expressão sistemática e magistral da teologia reformada conhecida como a “Confissão de Fé de Westminster”. Este ano marca o 350º aniversário da convocação, por parte do Parlamento Inglês, de 121 teólogos piedosos de todo o reino (e mais tarde, oito comissários da Escócia) para a Assembleia de Westminster.

Na Confissão de Fé que eles produziram ao longo de vinte e seis meses, lemos essa declaração sobre a questão específica do uso moderno das leis civis da dispensação do Antigo Testamento (ou Mosaica): “A esse mesmo povo [o povo de Israel], considerado como um corpo político, Deus deu leis civis que terminaram com aquela nacionalidade, e que agora não obrigam além do que exige a sua equidade geral” (19.4).

Essa afirmação “teonomista” dos nossos antepassados reformados e puritanos é vista amplamente como um embaraço nos círculos teológicos contemporâneos. Nossa cultura considera repugnante pensar que as leis civis do Antigo Testamento expressam absolutos morais sobre os quais Deus não mudou de opinião. E muitos teólogos e pastores também veem essas leis civis do Antigo Testamento como estranhas e impraticáveis, sendo assim um embaraço que (argumentam eles) foi ab-rogado no Novo Testamento. Obviamente os puritanos não sentiam essa vergonha moderna. Eles honravam a santidade da lei de Deus como um reflexo da justiça e retidão pessoal de Deus.

Os teólogos de Westminster entenderam claramente que a forma histórica e cultural das leis judiciais do Antigo Testamento era apropriada para os dias e os tempos – e especialmente para o corpo político – para os quais essas leis foram originalmente reveladas. Todavia, o princípio subjacente que essas leis apresentam era perpetuamente requerido, confessaram eles, sendo uma declaração da forma como o Decálogo deveria ser entendido e aplicado. (Os Dez Mandamentos eram simplesmente “o sumário” da “lei moral”, de acordo com o Catecismo Maior # 98). Assim, os puritanos visaram fazer das leis da Escrituras (incluindo o Antigo Testamento) – onde elas se dirigem aos juízes e magistrados civis – a lei da sua própria nação. Cremos que esse deveria ser o nosso objetivo hoje também, pois não existem leis tão sábias e justas como aquelas entregues por Moisés (cf. Dt 4.6-8).

ANÁLISE

Pergunta: “Mas foi-me dito que a Confissão de Westminster, seção 19.4, está em oposição à ética teonomista, visto lermos que as leis judiciais terminaram”.

Resposta: Essa é uma leitura muito descuidada da Confissão, que vai contra o contexto literário e histórico no qual as palavras de 19.4 foram escritas e adotadas.

Olhe para o contexto literário da própria Confissão e dos Catecismos. De acordo com 20.1, a liberdade dos crentes do Novo Testamento foi alargada mediante uma liberdade da lei judicial? De forma alguma, mas somente pela liberdade da “lei cerimonial”. Lemos em 19.3 que as leis cerimoniais foram “ab-rogadas”, mas em 19.4 que a leis judiciais simplesmente “terminaram” – devido ao término desse “corpo político” para o qual elas foram escritas.

Isso deixa aberto a questão se os princípios morais subjacentes dessas leis morais ainda são requeridos hoje. E os puritanos acreditavam inequivocadamente que eles eram requeridos, visto que são citados prontamente na exposição do Catecismo Maior sobre os pecados e deveres abrangidos nos Dez Mandamentos. Como 19.4 diz explicitamente: essa “equidade geral” se “exige” hoje.

Olhe para o contexto histórico no qual essas palavras foram escritas pelos teólogos de Westminster.

Como o próprio João Calvino, o reformador suíço Heinrich Bullinger sustentava que “a substância das leis judiciais de Deus não foram anuladas ou abolidas”. Essa era a visão comumente defendida antes e durante a convocação da Assembleia de Westminster. Thomas Cartwright escreveu sobre a lei judicial que o magistrado deveria “manter a substância e equidade dela (como se fosse a medula)”, embora pudesse “mudar a circunstância delas à medida que os tempos, lugares e costumes dos povos exigisse”. Thomas Pickering considerava que as bruxas deveriam ser punidas com morte “pela lei de Moisés, cuja equidade é perpétua”. Henry Barrow as via como “a verdadeira exposição e execução fiel da lei moral de Deus”, afirmando que essas “leis não foram feitas apenas para o estado judeu”. Philip Stubbs defendia o código penal de Moisés, dizendo o seguinte: “cuja lei judicial continua em vigor até o fim do mundo”.

Logo após a Assembleia de Westminster, em 1652 John Owen pregou diante do Parlamento: “Sem dúvida há algo de moral naquelas instituições [do Antigo Testamento], as quais, sendo despidas da sua forma judaica, ainda continuam obrigatórias a todos da mesma forma”. Thomas Gilbert argumentou em 1648 que a lei judicial “ainda é o dever dos magistrados”.

A evidência mais significante de como os puritanos entendiam isso procede da pena de George Gillespie, o delegado escocês enviado à Assembleia de Westminster e universalmente considerado como o teólogo mais influente e competente ali. Quando atendendo à Assembleia em 1644, Gillespie publicou um tratado: “Severidade Robusta Reconciliada com Liberdade Cristã”.

Abordando a questão “se o magistrado civil tem a obrigação de observar as leis judiciais de Moisés”, Gillespie escreveu que “ele é obrigado a essas coisas nas leis judiciais, as quais continuam imutáveis e comuns a todas as nações”. Em particular, “o magistrado cristão tem a obrigação de observar essas leis judiciais de Moisés que apontam as punições de pecados contra a lei moral”. Era o parecer convincente de Gillespie que “a vontade de Deus concernente à justiça civil e aos castigos não é em nenhum lugar revelada tão claramente como nas leis judiciais de Moisés. Esse, portanto, deve ser o esteio e fundamento mais seguro para a consciência do magistrado cristão”.

As leis judiciais deveriam ser tratadas da mesma que as leis cerimoniais? “Embora tenhamos passagens claras e abundantes no Novo Testamento abolindo a lei cerimonial, não lemos todavia em nenhum lugar no Novo Testamento sobre a abolição da lei judicial, até onde diz respeito a punição de pecados contra a lei moral”. Para Gillespie, então, “aquele que era punível com morte sob a lei judicial ainda é punível com morte hoje”.

O que a igreja e a nossa cultura precisam hoje é mais teólogos de princípio e consistência bíblica, como os nossos antepassados puritanos na Assembleia de Westminster. Então poderemos esperar fornecer uma resposta inspirada e justa aos problemas sócio-políticos prementes dos nossos dias. Os puritanos não se envergonhavam da lei de Deus, mesmo em suas aplicações civis. Não nos envergonhemos dos discernimentos inflexíveis dos puritanos, pois honram a Deus.

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Fonte: The Counsel of Chalcedon XV:8 (Outubro, 1993)

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto – abril/2011

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