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Batman Begins

Batman Begins: produzido e distribuído em 2005 (nos cinemas e em vídeo), simultaneamente, em vários países. Ator principal: Christian Bale.

No mundo globalizado em que nos encontramos, a produtora nem se preocupou em traduzir o título deste filme que se propõe a contar o início do famoso personagem, Batman. Filmes sobre este mascarado, fantasiado como um morcego, que combatia os criminosos, começaram em 1943, com um seriado que passava antes do filme principal, nas sessões dos cinemas (15 capítulos). Um novo seriado foi feito em 1949, também com 15 capítulos. Posteriormente, em 1966, houve um longa metragem, com Adam West, seguido de uma série televisiva que inovou misturando caracteres gráficos animados nas seqüências das lutas do herói. A partir de 1989 tivemos quatro filmes mais recentes, dois dirigidos por Tim Burton (1989 e 1992) e dois por Joel Schumacher (1995 e 1997). Por que mais um Batman? Haverá algo diferente neste filme? Como essa fábula moderna se encaixa em nossa cosmovisão cristã?

Todos esses filmes mais modernos são parte de uma safra que têm levado às telas personagens de histórias em quadrinhos – Superman, Homem Aranha, Fantasma, Hulk, e vários outros. Retratam uma época onde os padrões de certo e errado estavam entrelaçados na moldura da sociedade ocidental, em grande parte devedora à influência do Evangelho que se fazia presente, pelo menos de forma subliminar na cultura Norte Americana, fonte de todas essas histórias que fizeram parte da infância de muitos dos nossos atuais presbíteros. Hoje, as novas gerações, tomam conhecimento desses personagens apenas pelas versões Hollywoodianas, a qual nem sempre é precisa em retratar o que eles representavam ou na forma em que lidavam com o crime e a criminalidade.

Este Batman difere das películas anteriores, pois se aproxima da visão cristalina entre o mal e o bem que era apresentada nas histórias em quadrinhos. Ele é semelhante à versão de 1989 pois apresenta o personagem principal, Bruce, sem o inseparável companheiro Robin, que sempre o acompanhou nos quadrinhos (incidentalmente, a maldade típica e característica de nossa era desenvolveu um imaginário de relacionamento homossexual entre os dois, quando, na história original das histórias em quadrinhos a relação era simplesmente de mentor-aprendiz, em todos os aspectos: pessoas que compartilhavam valores e trabalhavam, em conjunto com a estrutura policial da cidade, com o objetivo comum de confrontar os que quebravam as leis). No entanto esses filmes mais recentes, excetuando Batman Begins, perderam um pouco a intenção original, introduzindo uma visão gótica-grotesca da figura solitária. Neles houve considerável ênfase aos vilões, de tal forma que eles passaram a ser o foco principal do enredo: na interpretação histriônica do Jack Nicholson (“o Coringa); passando pela sensualidade inconseqüente da “Mulher-Gato” (Michelle Pfeiffer); na comicidade forçada do criminoso “Pingüim” (Danny deVito); e no aproveitamento gratuito da fama do Arnold Shwarzenegger como “Ice Man”.

Batman Begins segue a tendência cinematográfica contemporânea de contar uma história da trás para frente (lembram-se da seqüência do “Guerra nas Estrelas”?). O filme conta a história de como o herdeiro milionário se tornou Batman e ingressou no combate ao crime e procura resgatar alguns valores presentes na história original e que foram deixados de lado nos demais “Batmans”. A atuação é boa. O personagem principal (Christian Bale) parece ter se preparado a vida toda para este papel. O mordomo (Alfred) é magistralmente interpretado pelo veterano ator Michael Caine e o igualmente experimentado, Morgan Freeman, incorpora com excelência o papel de Lucius Fox, o cientista responsável por todas as bugigangas e dispositivos tecnológicos (incluindo o incrível batmóvel) que dão, ao Batman, uma certa vantagem sobre os criminosos – sempre muito bem armados e bem estruturados – como nos nossos dias.

Talvez a maior diferença desse filme é a clareza da linha demarcatória entre o certo e o errado. Nesse sentido, aproxima-se mais das situações apresentadas nas revistinhas de décadas atrás. Vivemos em uma era pós moderna na qual a mídia e os filmes retratam a noção de que “verdades” contraditórias não somente podem, mas devem coexistir pacificamente lado a lado. A verdade não é mais considerada algo importante, em nossa sociedade, mas sim a conscientização de que existe a “sua verdade”, a “minha verdade”, a “verdade dos demais”; e todos devem viver em condescendência mútua com o erro, em uma pseudo-felicidade politicamente correta de tolerância geral.

Em meio às denúncias diárias da corrupção que assola nosso país, ouvimos nossos governantes minimizando a distinção entre o certo e o errado. “Vocês não são corruptos, apenas cometeram erros”, disse o mais alto dignitário da nação, dirigindo-se a vários políticos que comprovadamente desviaram valores. Um outro personagem de escândalo e malversação de fundos indica não que está próximo ao arrependimento, mas, na medida em que os fatos se distanciam do presente, que está “cada vez mais convencido de que é inocente”. Recentemente um colunista escreveu sobre um roubo de milhões de reais, subtraídos por um túnel de uma caixa forte do Banco Central, indicando que ele estava intrigado com o seu próprio interesse sobre o assunto até que constatou a razão – pela primeira vez, em meses, estava perante um caso onde não havia controvérsia: os bandidos eram chamados de bandidos; a polícia era polícia; ninguém estava dizendo que não houvera roubo; não se achavam outros nomes e subterfúgios para descrever a ação criminosa – algo muito diferente do que ocorria no cenário político e na sociedade, como um todo.

Possivelmente por isso a ética retratada nas histórias em quadrinhos antigas, e agora resgatada neste filme, tenha algum apelo às mentes formadas em um entendimento cristão e bíblico da vida. Bandido é bandido; ladrão é ladrão; existe lei; existe erro; existe punição. Não que a sociedade retratada em Batman Begins seja perfeita ou ideal, mas ela é mostrada sob o prisma de que erro é erro. Na realidade, o filme apresenta inúmeros paralelos com os nossos dias – deterioração social; convivência da riqueza com a pobreza; insensibilidade social. A corrupção desenfreada também alimenta esta disfunção. Existem policiais comprados e políticos desonestos – a história parece ter sido escrita com base na sociedade brasileira, mas os fora da lei são retratados como o são. Rio ou São Paulo poderiam ser Gotham City (com uma pequena diferença: o trem “fura-fila” foi projetado, construído e entrou em funcionamento em Gotham-City, enquanto que em nossas cidades, vai ficando na visão enganadora dos políticos).

Não esperem encontrar um tratado de ética cristã em Batman Begins – apenas um pouco mais de visão cristalina dessa situação amorfa entre o certo e o errado. O filme tem também concessões ao espírito da era em que vivemos, como, por exemplo a inclusão politicamente correta da influência oriental na formação de Batman, ou no desenvolvimento do Bruce Wayne no personagem mascarado que combateria os criminosos. Instrutores, em um mosteiro no Tibet é que ensinam agilidade e destreza necessária à luta contra o crime – uma situação que nunca passou pela cabeça dos escritores originais das histórias de Batman. Muitas cenas violentas poderiam ter sido atenuadas e são desnecessárias à história. No entanto, no cômputo final, Batman Begins, é um intrigante estudo sobre a postura pessoal perante injustiças e pode motivar um debate produtivo sobre lei e ordem; corrupção na sociedade; crime e punição; justiça e impiedade.