O Maior de Todos os Acontecimentos

por

Rev. W. J. Grier, B.A.

Análise do que ensinam as Escrituras acerca da Segunda Vinda de Cristo

 

PREFÁCIO DO AUTOR À SEXTA EDIÇÃO

Os capítulos deste livro foram, originalmente, artigos escri­tos para "The Irish Evangelical" (hoje, "The Evangelical Presbyterian"), mensário que editei por mais de quarenta anos. Tais artigos apareceram nos números de Março de 1944 a Ju­nho de 1945. Depois disso, um grande amigo sugeriu que se facilitasse a sua divulgação em forma de livro. Assim, em Dezembro de 1945 apareceu a primeira edição da obra.

Sou reconhecido a meu colega de escola e meu amigo ao longo de toda a vida, o falecido Professor N. B. Stonehouse, por suas úteis sugestões a propósito de alguns pontos no capítulo 15. No texto, mencionei minha gratidão a outras pessoas. E, se em qualquer caso deixei de o fazer, apresento sinceras des­culpas.

Este livrinho alcançou uma circulação superior a todas as minhas esperanças. A sexta edição foi agora publicada por "The Banner of Truth Trust", a cujo ministério tantos são de­vedores. Está sendo lançada, neste novo formato, com uma prece no sentido de que possa contribuir para avivar a espe­rança e o anelo com respeito ao "maior de todos os aconteci­mentos" e à graça que nos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo" (I Pedro 1:13).

UMA PALAVRINHA DA TRADUTORA

Sempre me preocupou o fim do mundo. Pensava, desde criança: como será o milênio? Se Jesus estiver reinando na terra, ditará de Jerusalém as leis para o Brasil, para a Groen­lândia e a Patagônia? Serão as mesmas? Sendo um período de perfeita justiça, não ocorrerão crimes, por certo. E os pobres, os aleijados e os hospitais continuarão a existir? Haverá morte e nascimentos?

Confesso que durante meio século ouvi raros sermões acer­ca do assunto. Nenhum me satisfez.

Há algum tempo, de maneira estranha, veio-me às mãos um livro pequenino, intitulado "The Momentous Event", de W. J. Grier. Li-o quase que de um fôlego. Respondeu a todas as minhas indagações. Ou a quase todas. (Claro que nossa men­te finita não pode abranger o infinito. . .). Ocorreu-me, então, a idéia de traduzir o livrinho. Não fosse haver adoecido e o teria feito imediatamente, tamanha a sofreguidão. Então, caí em mim. Como editar a tradução? Não dispunha de um centavo.

Resolvi apelar para o meu hábito antigo: conversar com meu Pai. Disse-Lhe que minha intenção era apenas ajudar co­rações atormentados como fora o meu. Que se fosse para o livrinho trazer confusão às nossas igrejas, eu preferiria rasgar o pequeno trabalho. Mas se pudesse contribuir para a edificação de almas, para o fortalecimento da fé e da esperança, Ele me inspirasse no sentido de sua publicação, orientando-me para a Edi­tora por Ele mesmo escolhida, e suprisse o dinheiro necessário.

O resultado aí está. Meu Pai jamais deixou de me orien­tar a vida.

Tenho um pedido a fazer ao leitor: antes de iniciar o livro propriamente dito, leia o seu "Epílogo"; sim?

Muito obrigada.

CAPÍTULO I

O MAIOR DE TODOS OS ACONTECIMENTOS

No Credo APósólico, que nos chegou às mãos em sua forma original de meados do segundo século, a Igreja primitiva afirmou sua crença acerca da segunda vinda de Cristo: — "Ao terceiro dia, Cristo ressurgiu dos mortos; subiu ao Céu e está assentado à mão direita de Deus Pai, Todo-Poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos."

Em pessoa — O Novo Testamento nos ensina que o Senhor virá em pessoa. Conquanto as Escrituras se refiram a grandes eventos na história do indivíduo (como a morte) e a importantes fatos na história da Igreja (como o derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes e a destruição de Jerusalém) como sendo manifestações de Cristo, elas declaram, de forma inequívoca, que haverá uma volta final, triunfante, do Senhor, acontecimento esse que se erguerá muito acima de qualquer outra manifestação parcial e típica. "O próprio Senhor descerá dos céus." (1 Ts. 4:16).

Visível -— Está claramente ensinado, no Novo Testamento, que o Senhor voltará em forma visível. Sua primeira vinda foi literal e visível e podemos estar certos de que a segunda, que tantas vezes é àquela relacionada nas Escrituras, será igualmente autêntica e visível. "Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir." (At 1:11). Sua segunda vinda será tão visível quanto a ascensão. "Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória. E Ele enviará os seus anjos com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus." (Mt 24:30,31).

O falecido Dr. R. V. Bingham contou quão firmemente apoiava a doutrina comum de um aparecimento do Senhor às ocultas e um arrebatamento secreto dos santos, até que um dia sua esposa lhe pediu um texto bíblico que servisse de prova a essa crença. Descobriu, então, ser-lhe impossível apresentá-lo. Há abundância de passagens para provar o contrário. Claro que, se fosse para ser em segredo, não haveria "alarido, voz do arcanjo" nem "a trombeta de Deus" (1 Ts. 4:16).

Repentino e Inesperado — Discorrendo acerca da palavra "apocalipse" ou "revelação" do Senhor, empregada no Novo Testamento com respeito à Sua segunda vinda, assinala o Dr. Vos: "a própria idéia de um fato repentino e inesperado parece se associar intimamente a essa palavra." É como se uma cortina fosse descerrada, de repente, e o Senhor da Glória aparecesse. Sua vinda será "como um ladrão de noite. Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição." (1 Ts. 5:2,3). O próprio Salvador disse que Sua vinda seria "como o relâmpago" (Mt 24.27), igualmente repentino e universalmente visível. Ninguém a preverá e todos O verão ao mesmo tempo. Que advertência deve constituir esse aviso para os pecadores descuidados e professores de religião desatenciosos e displicentes!

Em Glória e Triunfo — Frequentemente se apresenta no Novo Testamento o contraste entre os dois aparecimentos de Nosso Senhor. Ele não virá outra vez no corpo de Sua humilhação, mas no corpo da Sua glória (Hb 9:28). As nuvens serão a Sua carruagem (Ap 1:7); os anjos, a Sua escolta (2 Ts 1:7); o arcanjo, o Seu arauto (1 Ts. 4:16); os santos, o Seu glorioso cortejo (1 Ts. 3:13). Virá como o Rei dos reis e Senhor dos Senhores, triunfante sobre todas as forças do mal (Ap 19:11-16).

Uma das palavras usuais, no Novo Testamento, para a “vinda" de Cristo seria mais propriamente traduzida por "chegada". Os escritores do Novo Testamento reconheciam, em verdade, que Cristo já tinha vindo, mas a "chegada", a verdadeira vinda, a que realmente deveria receber o nome, pertencia ao futuro. Tiveram avançado poder de perspectiva — para eles o magno acontecimento é a vinda do Senhor.

Outra palavra para a Sua segunda vinda — "a revelação" — é empregada da mesma forma, como se essa e não a primeira fosse a revelação por excelência.

Outro termo usado é "o dia" — "a noite é passada e vem chegando o dia" (Rm 13:12). Quando Ele vier, a escuridão desaparecerá para sempre e haverá libertação, alegria e felicidade para os Seus. Em verdade, Sua segunda vinda é descrita como "nossa redenção."

Comentando a passagem de Atos 1:11, J. A. Bengel diz, com beleza: "Entre a Sua ascensão e a Sua volta nenhum acontecimento intervém que se lhes iguale em importância. Portanto, os dois estão unidos. Naturalmente, então, os apóstolos consideraram o segundo (o dia de Cristo) como muito próximo. E, dada a Sua majestade, é justo que, durante todo o espaço de tempo entre a Sua ascensão e a Sua vinda, seja Ele esperado sempre, ininterruptamente."

Foi uma característica dos santos do Velho Testamento a espera da consolação de Israel, a vinda do Messias. Agora, é como que "um emblema de todo o verdadeiro crente a espera e o desejo de Sua segunda vinda."

O Novo Testamento mantém constantemente perante nós esse grande acontecimento e insiste em para ele nos chamar a atenção, a fim de que nos tornemos ativos, zelosos, pacientes, alegres e santificados.


CAPITULO II

"PÓS", "PRÉ" ou "NÃO"

Pós-Milenismo — Os Pós-milenistas ensinam que a segunda vinda de Cristo se seguirá ao milênio. Que o reino de Cristo existe agora e gradualmente distenderá seus limites através da pregação do Evangelho. No fim da dispensação da Graça, haverá um período de mil anos, em que o Cristianismo prevalecerá na terra. O mal, que progredirá ao lado do bem até o milênio, será restringido durante aqueles mil anos e Satanás será preso. Ao milênio sucederá imediatamente violento surto de maldade e um terrível conflito terá lugar com as forças do mal, lideradas por Satanás. Nesse momento, Cristo voltará, trazendo a ressurreição de todos os mortos e o julgamento final.

Pode-se objetar a esse ponto de vista (e percebemos haver força nessa objeção) que a Bíblia não apresenta a perspectiva de um mundo convertido antes da vinda do Senhor. Não crescerão juntos o trigo e o joio até a colheita, no fim do mundo? Além disso, parece não haver harmonia entre a idéia de um milênio, em que predominará a justiça, e a de, no seu fim, surgir Satanás comandando hostes dos quatro cantos da terra, para batalhar, multidão numerosa como a areia do mar (Ap 20:8). De onde virá tal multidão, se no mundo estará prevalecendo a justiça?

Pré-Milenismo — Ensinam os pré-milenistas que a segunda vinda de Cristo não seguirá, mas precederá o milênio. A ordem dos acontecimentos, conforme tal ponto de vista é, comumente, assim prevista:

1) — Um período de apostasia precedendo a vinda do Senhor.

2) — Cristo virá em oculto, ressuscitará os santos, que serão arrebatados juntamente com os crentes que estiverem vivos — acontecimento geralmente chamado: "arrebatamento secreto".

3) — Seguir-se-á um curto período de sete anos, de grande tribulação, durante o qual a terra será governada pelo Anticristo.

4) — Então, Cristo aparecerá, vindo do céu, às claras. Haverá a batalha do Armagedon e Cristo derrotará o Anticristo e as hostes do mal. Isso introduzirá o reinado glorioso do Redentor em Jerusalém, onde serão restaurados o templo e o culto sacrificial.

5) — Findos os mil anos, Satanás será solto, de novo, e provocará uma revolta contra Deus. Sua derrota esmagadora será seguida pela ressurreição dos ímpios e seu julgamento, e o "estado eterno".

Há pré-milenistas que não aceitam o esquema acima. Não crêem, em um arrebatamento secreto. Acreditam que a Igreja passará pela tribulação e estará na terra durante o aparecimento e o reinado do Anticristo. Assim, os que adotam este último ponto de vista rejeitam a idéia da vinda, em duas fases, antes do milênio e sustentam que Ele aparecerá à vista de todos, para levar os Seus santos, esmagar o Anticristo e estabelecer o Seu reino durante mil anos na terra. Tal modo de crer coincide com o mais antigo pré-milenismo, como era compreendido por alguns "pais" da Igreja primitiva.

Faz parte da teoria pré-milenista comum a idéia de que, quando esteve na terra, Cristo pretendia estabelecer o reino de Seu pai Davi -— seria um reino nacional. Como os judeus se recusaram ao arrependimento, a instituição desse reino foi adiada até a Sua segunda vinda, quando isso acontecerá e Ele reinará em Jerusalém. Tal teoria sofre objeções muito sérias. Desafia a afirmação de Jó: "Nenhum dos teus planos pode ser frustrado" (Jó 42:2). Insinua haver Jesus oferecido à nação dos Judeus um reino terreno, quando tal não se deu. Pelo contrário, quando quiseram fazê-lo rei, Ele a isso se recusou (Jo 6:15), Além disso, essa teoria apresenta o reino como uma instituição terrena e local, ao passo que o Novo Testamento prega claramente um reino espiritual é eterno, constituído de pessoas de todas as nações, tribos e línguas. Ainda mais: não explica como santos glorificados e pessoas ainda na carne poderão viver juntas, em comunhão, durante os mil anos. Em vez de "pessoas ainda na carne", poderíamos ter escrito "pecadores ainda na carne" pois, embora se suponha que a justiça prevalecerá durante o milênio, ao seu término Satanás deverá liderar uma multidão, numerosa como a areia do mar, que batalhará, vindo dos quatro cantos da terra (Ap 20:8)!

Finalmente, como afirma o Prof. Berkhof, o ponto de vista pré-milenista "procura, erradamente, seu principal ponto de apoio em uma passagem (Ap 20:1-6) que apresenta uma cena nos céus e não faz qualquer referência aos Judeus, ou a um reino terreno e nacional, nem à terra da Palestina."

O ensino comum do Novo Testamento não menciona duas, três ou até mesmo quatro ressurreições. Refere-se repetidamente à ressurreição dos justos e injustos ao mesmo tempo. Fala da vinda do Senhor, trazendo bênção aos Seus e, exatamente na mesma ocasião, "destruição" aos ímpios. O próprio Salvador ensinou a ressurreição do Seu povo no "último dia" (Jo 6:39, 40, 44, 54; Jo 11:24), exatamente no mesmo "último dia" em que sobrevirá o julgamento dos ímpios (Jo 12:48).

Não-Milenísmo — Os não milenistas acham que os "Pós" e os "pré-milenistas" se têm enganado ao interpretar o capítulo 20 do Apocalipse, dele deduzindo que haverá mil anos de bem-aventurança aqui na terra. Julgam, principalmente, errarem os pré-milenistas ao prever unia época na qual milhares de pessoas que rejeitaram a Cristo e sobreviveram à tribulação e ao advento compartilharão daquela bem-aventurança. Alguns Pós-milenistas, como o Dr. B. B. Warfield, concordam com a interpretação dada pêlos não milenistas a esse capítulo do Apocalipse. Baseando-se, contudo, em outros trechos das Escrituras, prevêem uma época áurea, antes da vinda de Cristo.

O não milenista não encontra nas Escrituras base para um milênio antes da vinda do Senhor e assegura que a possibilidade de vir a ocorrer depois da Sua vinda é excluída pelo ensino do Novo Testamento.

Concorda ele com o ponto de vista "pré" de que o mundo não será convertido antes da segunda vinda, pela pregação do Evangelho, ao passo que aceita a opinião "Pós" de que essa vinda trará consigo o fim do mundo, o juízo final e o estado eterno.

A sequência dos acontecimentos, de acordo com os não milenistas, é a seguinte:

I — A segunda vinda será precedida por uma generalizada aPósasia da fé verdadeira, que atingirá o clímax com o aparecimento do Anticristo.

II — Essa última rebelião contra Cristo será por Ele vencida, com o Seu aparecimento em pessoa, quando virá do céu buscar para Si mesmo o Seu povo, ressuscitando os crentes mortos e transformando os que estiverem vivos. III — Quando Ele vier, os ímpios mortos também serão ressuscitados, para julgamento. A terra e tudo o que nela existe serão consumidos por fogo (II Pedro 3) e surgirão um novo céu e uma nova terra em que só habitará a-justiça.

Esses três pontos de vista, ou melhor, essas três interpretações das Escrituras têm sido sustentadas por homens santificados. O ponto de vista "a-milenista" é substancialmente defendido por Dr. T. T. Shields, de Toronto. O "Pós-milenista" tem sido largamente adotado por teólogos ortodoxos, entre os quais John Bunyan e Dr. B. B. Warfield e o "pré-milenista", conquanto nunca tenha sido tão amplamente sustentado a ponto de assegurar um lugar entre as grandes doutrinas da Igreja, tem entre os seus adeptos homens consagrados como Andrew Bonar.


CAPITULO III
OS PAIS E O MILÊNIO

Dr. Charles Feinberg, um dos mais recentes advogados do pré-milenismo, assegura ser fato admitido que "durante os três primeiros séculos a Igreja toda, quase que como uma só pessoa, era pré-milenista."

Os escritos da Igreja primitiva foram traduzidos e qualquer leitor pode ter acesso a eles e verificar, por si mesmo, se foi realmente assim. Ser-nos-á interessante saber o que ensinavam os homens do tempo mais próximo dos apóstolos, nos dias da pureza da Igreja primitiva — homens como Clemente de Roma, considerado por alguns como sendo o companheiro do apóstolo Paulo citado em Filipenses 4:3, e Polycarpo de Smyrna, discípulo do apóstolo João que dizia ter convivido com pessoas que tinham visto o Senhor.


A primeira Epístola de Clemente é, algumas vezes, datada até do ano 90. Outros julgam tenha sido escrita em 97. Foi tida em grande consideração nos tempos antigos, aliás, merecidamente. Clemente menciona a segunda vinda de Cristo e uma ressurreição futura. Não faz, porém, a menor alusão a duas ressurreições ou a uma ressurreição dos justos apenas ou, ainda, a um reino de mil anos aqui na terra.

A chamada segunda Epístola de Clemente foi escrita, provavelmente, entre os anos 120-140. Faz referência à segunda vinda de Cristo, à ressurreição, ao juízo e à vida eterna, mas não diz uma palavra sequer sobre milênio na terra. O reino de que trata não é desta terra nem deste tempo. Nele, as promessas serão plenamente cumpridas — coisas que o olho não viu, nem o ouvido ouviu, nem penetraram no coração do homem. Polycarpo escreve (cerca do ano 110 da nossa era) a respeito de Cristo da seguinte maneka: "A Ele estão sujeitas todas as coisas no céu e na terra. A Ele serve todo espírito. Vem como Juiz dos vivos e dos mortos. Seu sangue será requerido por Deus daqueles que nEle não crêem. Mas Aquele que O ressuscitou dos mortos nos ressuscitará também." Polycarpo parece esperar um Juízo geral, quando Cristo voltar. Não usa de uma só palavra com respeito a um reino milenário na terra. Inácio, de cuja pena temos muitas cartas, escritas às vésperas de sua morte na arena em Roma, estava absorvido pela perspectiva gloriosa de morrer como mártir. Escreve: "Estes são os últimos tempos". Não diz, no entanto, cousa alguma acerca dos acontecimentos finais. Como quer que seja, Dr. Feinberg não encontra em Inácio o menor apoio.

O "Didache" ou "Ensino dos Doze Apóstolos" é um manual da Igreja, que foi preparado bem no princípio do segundo século. Damos a seguir o que diz, no 16.° capítulo, sobre o fim do mundo:

"Estai alertas. Não permitais que vossas lâmpadas se apaguem, nem estejam desatados vossos cintos, mas permanecei prontos, pois não sabeis a hora em que o Senhor virá . . . Nos últimos dias multiplicar-se-ão os falsos profetas e os assoladores. . . . quando a impiedade aumentar, eles odiarão e perse-guirão e um ao outro entregará. Então, aparecerá o enganador do mundo, apresentando-se como Filho de Deus, e fará sinais e maravilhas, e a terra lhe será entregue. E cometerá iniquidades como jamais houve desde o começo do mundo.

"Então, a humanidade entrará no fogo da tribulação e muitos se escandalizarão e perecerão. Mas aqueles que perseverarem na fé serão salvos, apesar da tribulação.

"Depois, aparecerá o sinal da verdade; primeiro, o sinal dos céus abertos; depois, a voz da trombeta e, em seguida, a ressurreição dos mortos. Não de todos, porém, como foi dito: "O Senhor virá e todos os Seus santos com Ele. Então, o mundo verá o Senhor vindo sobre as nuvens do céu."

Esse trecho ensina a vinda de um Anticristo pessoal, nele chamado "o enganador do mundo." As provações que ele trará não serão apenas para os Judeus ou os "santos em tribulação", conforme geralmente afirmam os pré-milenistas, mas para toda a raça humana. E não existe, absolutamente, a menor indicação de uin "arrebatamento secreto" antes do início desse período.

Insiste-se, todavia, em que aparece aí, no "Didache" uma distiBÇão entre a ressurreição de santos e a de ímpios e os pré-mileuistas se apressam a inserir os seus mil anos entre as duas. Enganam-se, contudo, na interpretação. A verdade é que a ressurreição dos santos é o último sinal precedendo a vinda do Senhor. Outros, além dos pré-milenistas, podem concordar com essa forma de expressão. O não-milenista Dr. Vos, na sua "Es-catologia Paulina", comentando I Cor. 15:23, 24, diz "deve-se presumir que pelo menos um intervalo breve terá de se verificar entre a ressurreição dos santos e "o fim". Não obstante, logo a seguir, ele insiste em que isso não autoriza, de forma alguma, o período "arredondado" de mil anos.

O "Didache" não faz qualquer alusão a um milênio na terra. Parece claro que se o seu autor tivesse crido nisso, o teria dito. Quem, algum dia, encontrou um pré-milenista que conseguisse deixar de se referir ao assunto? É um ponto de relevante importância em sua crença e ele se sente coagido a mencioná-lo.

A Epístola de Baraabé foi escrita na primeira metade do segundo século. Tem sido citada como pré-milenista. A passagem que vamos transcrever não confirma tal alegação:

"O Senhor julgará o mundo sem acepção de pessoas. Cada um receberá segundo o que houver feito: se for justo, sua justiça o precederá; se iníquo, encontrará a recompensa da sua iniquidade." Isso dá impressão de um julgamento geral. Isto também: "VerU o dia em que todas as cousas perecerão com o Maligno. O Senhor está próximo, trazendo a Sua recompensa." Insiste, ainda, com os seus leitores no sentido de procurar saber o que Deus requer deles e "fazê-lo, de forma a estarem seguros, no dia do Juízo."

O esquema histórico de Bamabé foi moldado pelo da semana da Criação, constante do capítulo 1.° do Génesis. A expressão: "E terminou em seis dias" significa, diz ele, que "Deus terminará todas as cousas em seis mil anos. As palavras: "Descansou no dia sétimo" contêm o significado profético de que quando Cristo voltar "destruirá o tempo dos maus e julgará os ímpios e mudará o sol e a lua e as estrelas. Então, realmente descansará no sétimo dia."

Os pré-milenistas consideram esse sétimo dia o milênio, mas estará algum deles disPóso a admitir que o milênio é introduzido pelo julgamento dos ímpios, segundo afirma Barnabé com respeito ao sétimo dia? De acordo com a Epístola de Barnabé, o sétimo dia não chegará antes de que "não haja mais impiedade, e todas as cousas se tenham tornado novas." O oitavo dia é "o princípio de um novo mundo." Contudo, toda a distinção entre o sétimo e o oitavo dias parece desaparecer, quando Barnabé declara que Deus, ao dar descanso a todas as cousas (o que acontece no dia sétimo), "faz começar o oitavo dia, isto é, o princípio de um novo mundo."

Um fato, de qualquer forma, está bastante claro: Barnabé não admite a possibilidade de um milênio na terra, durante o qual homens não regenerados viverão sob o reinado de Cristo. É evidente, outrossim, sustentar ele, como todos os da sua época, que os Cristãos e não os Judeus são os herdeiros do concerto. Curioso é observar que o Prof. D. H. Kromminga, um pré-milenista, diz poder-se presumir ter sido Barnabé o que hoje chamamos um "a-milenista."

A Epístola a Diognetus — bela e pequenina — fala de um reino futuro, mas no céu, e que será dado aos que amam a Cristo.

Em sua História Eclesiástica, Eusébio, o culto historiador do 4.° século, se refere a uma tradição narrada por um escritor eclesiástico de alto coturno, chamado Hegesippus. Essa tradição diz respeito a dois membros "da família de Nosso Senhor, aetos de Judas, Seu irmão." Contava-se que eram da família de Davi e o rumor-da existência de descendentes da família real-alarmou o Imperador Domiciâno (A.D. 81-96). Foram levados a sua presença e ele lhes perguntou se eram da raça de Davi e quais as propriedades e de que dinheiro dispunham. Embora da linhagem real, tinham apenas um terreno de 39 acres (aproximadamente 16 hectares). Mostraram-lhe as mãos calejadas, como prova do seu trabalho. Quando inquiridos a respeito do reino de Cristo, em que época e onde deveria surgir, responderam "que não seria um reino terreno ou temporal, mas celestial e angélico; que apareceria no fim do mundo quando, vindo em glória, Ele julgaria os vivos e os mortos e daria a cada um conforme as suas obras." Esses dois ilustres personagens do fim do primeiro século não criam, é óbvio, em um milênio na terra.

Na primeira metade do segundo século, há, realmente, apenas dois escritores que podemos apontar, com alguma segurança, como crendo num futuro reino de Cristo na terra por mil anos — Papias e Justino, o Mártir. Houve, também, sem dúvida, o herege Cerinthus.

A Ireneu e Eusébio devemos alguns fragmentos do que escreveu Papias. Ele descreve, em linguagem extravagante, a fertilidade da terra (dez mil por um) durante o milênio. Diz Eusébio que Papias narrou "algumas parábolas estranhas de Nosso Senhor e da Sua doutrina e algumas outras cousas demasiado fabulosas. Nesses escritos, Papias afirma que haveria um certo milênio depois da ressurreição, e, durante esse período, um reino de Cristo em pessoa aqui mesmo, na terra, cousas essas que parece haver imaginado, como se tivessem sido autorizadas pelas narrações aPósólicas, não as tendo compreendido corretamente. . . pois tem uma capacidade de entendimento muito limitada, conforme se verifica pêlos seus discursos." Eusébio, ao que parece, não tem em grande consideração o pré-milenismo de Papias. Foi devido a Papias, segundo Eusébio, que Ireneu e muitos outros "foram arrastados a uma opinião semelhante."

Quando Justlno, o Mártir, está se referindo ao reino esperado pêlos Cristãos, nega tratar-se de um reino humano: ;— "Pensais que falamos de um reino humano, quando nos referi mós àquele que está com Deus." Justino trata de um julgamento geral, na segunda vinda de Cristo, quando "a morte deixará, para sempre, aqueles que crêem nEle e desaparecerá; quando alguns serão julgados e condenados ao castigo eterno do fogo, mas outros passarão a viver livres do sofrimento, da corrupção, da mágoa.e em imortalidade."

Lendo tais afirmações, seria natural supor-se não haver nos ensinamentos de Justino lugar para um milênio na terra. Incongruentemente, entretanto, ele diz, em outro trecho, que haverá uma ressurreição dos mortos e mil anos em Jerusalém, cidade essa que será, então, construída em maiores proporções e adornada e "depois disso, terão lugar a ressurreição geral e o julgamento de todos os homens para a eternidade." No milênio de Justino não haveria, absolutamente, lugar especial para os Judeus, pois afirma, repetidamente, serem os Cristãos "a verdadeira raça Israelita." Diz-nos, ainda, que ele e outros, os quais "em tudo pensam acertadamente, sustentam essa noção de um milênio." Admite, porém: "muitos que professam uma fé piedosa e pura e são verdadeiramente Cristãos pensam de outra forma."

Papias e Justino são, portanto, os únicos, de todos os escritores da primeira metade do segundo século, que podem, com alguma propriedade, ser apontados como pré-milenistas. E Justino é decididamente contraditório. Outros, por suas declarações, excluem terminantemente essa doutrina. Os dois primeiros volumes dos "PAIS", na Biblioteca Ante-Nicéia, contêm 950 páginas, porém os índices citam apenas dois nomes sob o título "Milênio". Trata-se dos escritos de Papias e Justino.

Passemos, agora, dos Pais APósólicos para a Antiga Igreja Católica (A.D. 150-250). Esse é o período chamado, por dr. Shedd, "a era do desabrochar do milenismo." Ele assegura, porém, que mesmo naquela época a idéia "não se ajusta à fé católica, conforme está consubstanciada no seu Credo." O Credo APósólico, em sua forma primitiva, nos veio daquele tempo e, de conformidade com seus dizeres, não há o estabelecimento corpóreo de Cristo na terra depois de sua ascensão às alturas, até que deixe o Seu lugar junto ao Pai e venha diretamente "de lá" para o Juízo Final.

Ireneu (cerca do A.D. 180) ensinou a respeito de um milênio na terra, mas um milênio cujos benefícios seriam exclusivamente para os salvos e no qual não teriam participação os ímpios e os não regenerados. Faz referência a opositores de suas idéias mi-lenistas, os quais eram da fé católica.

Os Montanistas, uma das seitas mais fanáticas, floresceram no fim do segundo e no início do terceiro século. Pregavam a próxima chegada do reino milenário. Uma de suas profetisas principais, Maximilla, disse: "Após mira não haverá mais profecia, mas somente o fim do mundo." A Nova Jerusalém deveria descer na aldeia de Pepuza, na Frigia. Eles, os Montanistas, foram os mais ardorosos pré-milenistas na Igreja antiga e difundiram largamente esse ponto de vista.

Caio de Roma atacou os Montanistas e chegou ao ponto de atribuir a origem do pré-milenismo ao herege Cerinthus!

Hippolytus, o mais culto membro da Igreja de Roma no princípio do terceiro século, também se opôs aos Montanistas. Escreveu um tratado acerca do Anticristo — "Como ele provocará tribulação e perseguição contra os santos." A Igreja sofrerá tribulação sob o domínio do Anticristo, de acordo com o que diz Hippolytus e, "finalmente, aproximando-se a consumação de todo o mundo, que restará, senão a vinda de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo dos céus, Aquele que temos desejado, e que trará o justo juízo sobre todos os que se têm negado a crer nEle." Quando Cristo vier, diz Hippolytus, tudo o que é terreno será desfeito "para que possa surgir o reino eterno e indestrutível dos santos". Quando Ele vier, destruirá seus inimigos, e dará o reino eterno aos Seus santos. Em vista de tal linguagem, não se pode classificar Hippolytus como pré-milenista.

O terceiro século distinguiu-se por uma oposição firme e decidida à crença em um milênio aqui na terra. Orígenes pugnou contra essa idéia. Seus argumentos, afinal, obtiveram vitória completa. Lactando foi o único homem digno de nota, no quar to século, que ainda admitiu o milênio. Atanasio, o grande defensor da doutrina da divindade de Cristo, contra os Arianos, fala de Cristo vindo a julgar o mundo: os bons receberão, então, o reino celestial e os maus serão lançados no fogo eterno. Essa é a sua singela declaração com respeito à doutrina da volta do Senhor.

Agostinho, um dos maiores homens da Igreja Cristã d« todos os tempos, viveu de 354 a 430 A.D, A princípio, adotou o "pré-milenismo". Abandonou-o, todavia, considerando-o como uma idéia "carnal",

"Agostinho", diz S. J. Case "abateu" tão eficientemente o fantasma do (pré) milenismo, que durante séculos o assunto foi praticamente desconhecido.


CAPÍTULO IV
OS REFORMADORES E O MILÊNIO

Ao comentar o capítulo 20 do Apocalipse, Agostinho explicou o fato de Satanás ser atado como o cumprimento das palavras de Jesus: "Como pode alguém entrar na casa do valente e saquear seus bens, se primeiro não manietar o valente?" Ele considerava o reinado dos santos com Cristo como um fato atual, presente. Sua interpretação foi mui largamente aceita pela Igreja, durante os séculos seguintes.

Pondera dr. Shedd que durante a Idade Média dificilmente se pode descobrir a existência de milenismo como doutrina. Ao se aproximar o ano 1.000, generalizou-se (citamos Shedd) ura "temor indefinido e certa tensão entre as massas ante a idéia de que aquele ano seria o da segunda vinda do Senhor." Isso não se deveu a qualquer crença em pré-milenismo, mas à noção largamente difundida de que os mil anos citados no capítulo 20 do Apocalipse haviam começado com o nascimento de Cristo, sendo o estabelecimento da Igreja Cristã considerado como a "primeira ressurreição." Por esse motivo, esperava-se que o ano 1.000 trouxesse o fecho da História. Passou-se o ano e os que tinham jogado fora seus tesouros e abandonado propriedades como cousas sem qualquer valor passaram ao extremo oPóso. Puseram-se a construir em grandes proporções, como se este mundo fosse durar eternamente.

Quando ocorreu a Reforma, de novo surgiu o milenismo. Passou a fazer parte da teologia dos violentos Anabatistas. Os Reformadores opuseram-se firmemente ao ensino dessa seita. A Confissão de Augsburgo, preparada por Melancthon, aprovada por Lutero e submetida ao Imperador e aos regentes da Alema nhã como a Confissão da Fé Protestante, condenou o milenismo como "uma opinião judaica", rejeitando-a, bem como a outra doutrina anabatista de um castigo futuro limitado.

A "Confissão de Eduardo VI" da Inglaterra, da qual foram, mais tarde, condensados os 39 Artigos, também condena o milenismo, nos seguintes termos: "Os que tentam reviver a fábula do milênio se opõem às Sagradas Escrituras, atirando-se imprudentemente aos absurdos judaicos."

Calvino demonstra desprezo pelas idéias pré-milenistas, ao dizer, no capítulo acerca da "Ressurreição Final", nos seus "Institutos", que Satanás tem tentado corromper a doutrina da ressurreição dos mortos usando várias ficções. E acrescenta: "Não é preciso mencionar que começou a se opor a ela já nos dias de Paulo; não muito depois, fez surgirem os Milenistas, que limitaram o reino de Cristo a mil anos. Essa ficção é demasiado pueril para exigir ou merecer refutação."

A "Confissão Belga", amplamente adotada na Holanda, na Bélgica e na Alemanha, preserva a doutrina da segunda vinda de Cristo pelo ensino de que o seu tempo é desconhecido de todos os seres criados e só ocorrerá quando estiver completo o número dos eleitos. Isso protege contra uma das piores características do pré-milenismo, a saber, que haverá salvação depois da volta de Cristo aos Seus.

A "Segunda Confissão Helvética", adotada na Suiça, Escócia, Hungria, França, Polónia e Boémia, diz, em linguagem muito forte: "Rejeitamos os sonhos judaicos de que antes do Dia do Juízo haverá uma idade áurea na terra, e que os santos tomarão posse dos reinos do mundo, depois de terem sido subjugados os seus inimigos, os ímpios." A Confissão prossegue, citando as Escrituras contra tais "fantasias judaicas".

Em verdade, quando, durante a Reforma, os homens voltaram à Palavra de Deus, lá não encontraram milenismo.

Em último lugar, consultemos o Catecismo Maior dos Teólogos de Westminster:

"Cremos que no último dia haverá uma ressurreição geral dos mortos, tanto dos justos como dos maus, quando os que estiverem vivos serão transformados num momento e os mesmos corpos dos mortos que estiverem nos túmulos serão reunidos às suas almas para sempre, ressuscitados pelo poder de Cristo. Os corpos dos justos, pelo Espírito de Cristo e pela virtude da Sua ressurreição como Cabeça deles, serão erguidos em poder — espirituais, incorruptíveis e tornados semelhantes ao Seu corpo glorioso; e os corpos dos ímpios serão ressuscitados em deshonra, por Ele, como um Juiz ofendido.

"Imediatamente após a ressurreição haverá o julgamento geral e final de anjos e homens. Esse é um dia e essa, uma hora inteiramente desconhecidos dos homens, para que todos vigiem e orem, e estejam sempre preparados para a vinda do Senhor." (ResPósas, 87 e 88)."

Os Teólogos de Westminster apoiam essa declaração com uma convincente relação de provas escriturístícas,

A posição histórica Protestante não é milenista. Pelo contrário, insiste em que a segunda vinda de Cristo será o sinal para o julgamento geral e final.


CAPÍTULO V
INTERPRETAÇÃO DA PROFECIA DO ANTIGO TESTAMENTO

Um profeta era cheio de autoridade e infalível ao ensinar a vontade de Deus. A idéia generalizada de ser o profeta alguém que predizia o futuro é incorreta. É verdade que fazia previsões de fatos ainda por acontecer mas isso, algumas vezes, constituía uma parte relativamente pequena do seu trabalho. O profeta falava como intérprete de Deus e no seu falar havia lições de verdade e deveres, de fé e esperança para o presente, interpretação do passado, bem como predição do futuro. Facilmente o comprovamos, quando estudamos os livros de Oséias, Jeremias, Ezequiel, ou qualquer outro dos profetas. Mas, no presente estudo, estamos considerando a palavra "profecia" na sua significação mais limitada, ou seja: predição do futuro.

No capítulo II, observamos que os Pós-rnilenistas, que espe

ram por um mundo convertido antes da vinda do Senhor (é

justo assinalar — muitos "Pós" não o fazem) não estão era

terreno firme. Vimos, também, que a suposição dos pré-mile-

nistas de que haverá um milênio de bém-aventurança terrena,

após a vinda de Cristo, é totalmente excluída do Novo Testa

mento. Os defensores deste último ponto de vista (a saber, os

pré-milenistas) sentem-se em posição muito forte, quando ape

lam para o Antigo Testamento. Por outro lado, o grande espe

cialista no Antigo Testamento, Prof. Robert Dick Wilson, de

Princeton, costumava dizer a alguns de seus alunos, entre os

quais se contou o autor, que as profecias do Velho Testamento,

em vez de favorecerem a crença dos pré-milenistas, são forte

argumento contra ela.

Foi um estudo meticuloso das profecias do Velho Testamento, particularmente de algumas partes do livro de Ezequiel (junto com um repetido estudo das Escrituras do Novo Testamento sobre a segunda vinda), que forçou este autor a abandonar a crença pré-milenista.

Os pré-milenistas geralmente se apegam muito à letra, na interpretação da profecia do Antigo Testamento. E deduzem que o Senhor Jesus, visivelmente, em pessoa e em um trono em Jerusalém, remará sobre o povo de Israel, restaurado na Palestina. Seu reino se estenderá sobre as nações Gentias, com os Judeus, entretanto, acima dos outros povos (Isaías 60:1-22), Acontecerá, porém, que a obediência das nações a Cristo será simulada. Durante aquele período, as pessoas, que terão corpos mortais, viverão em casas, comerão de vinhas, terão filhos, serão sujeitas a doenças e à morte, embora não tanto como agora (Is. 65:20, 21). O templo será restaurado com as suas cerimónias e sacrifícios sangrentos como ofertas pelo pecado, para expiação das culpas do povo (Ezeq. 45:17). Os sacerdotes do templo ensinarão ao povo a diferença entre as coisas limpas e as impuras (Ezeq. 44:23). As tribos da.terra subirão todos os anos a Jerusalém, para comemorar a festa dos tabernáculos. Cristo entrará no templo pelo portão oriental, enquanto os sacerdotes estarão preparando as Suas ofertas queimadas e as ofertas de paz (Ezeq. 46:2). E de novo será praticada a circuncisão, sob o Seu reinado (Ezeq. 44:9)1

A própria profecia do Velho Testamento contém uma advertência contra tal literalismo. Deus disse que falaria aos profetas do Antigo Testamento em sonhos e visões e em palavras obscuras (Num. 12:6-8, Oséias 12:10). Assim, devemos estar preparados para a leitura de linguagem figurada e enigmática. Até a primeira profecia (Gên. 3:15) está encoberta por uma forma velada e misteriosa. Emprega figuras de linguagem. Conforme disse Lutero: "Compreende e abrange tudo o que há de nobre e glorioso nas Escrturas," Fala de vitória sobre a serpente, usando do símbolo de se lhe esmagar a cabeça. Isaías fala da sua ruína, figurando-a como tendo pó por alimento e a criancinha pondo a mão na sua cova. João retrata Satanás (a "mesma serpente) como ligado com uma corrente. Génesis, Isaías e o Apocalipse dizem a mesma cousa e nos apresentam uma gloriosa verdade mediante o uso dessas imagens.

Existe outra profecia antiga, que diz: "O Senhor alargará a Jafé; e habitará nas tendas de Sem; e Canaã lhe será por.serva," (Gên. 9:27). Quem habitará nas tendas de Sem? Deus ou Jafé? Se o texto se refere a Jafé, ele habitará nas "tendas de Sem" como conquistador, súdito ou amigo? E de quem será Canáã serva, de Jafé ou de Sem?

Em última análise, o habitar nas tendas de Sem se refere ao recebimento dos Gentios, bem como dos Judeus, ao aprisco do Senhor. A linguagem é figurada e um literalismo crasso desviaria completamente o intérprete.

Quando Ezequiel fala do povo regressando à sua própria terra, dá a perceber que não devemos interpretar essa restauração no seu sentido literal, pois diz: "Davi, meu servo, reinará sobre eles." (37:24). Se tomarmos o assunto literalmente, então Davi deverá ressuscitar dos mortos para apascentar toda a casa dê Israel e sobre ela reinar — Davi e não Cristo. Não fica bem aos literalistas dizer que Davi, aqui, é o divino Davi, i.e,, Cristo. Devem manter coerência no seu literalismo.

Qualquer pessoa que se der ao trabalho de estudar as medidas dadas por Ezequiel para o templo restaurado, e a cidade, e as divisões de terras entre as tribos, chegará à conclusão de que não se adaptam à Palestina, absolutamente. E, tomadas no seu sentido literal, envolverão a anomalia de água jorrando para cima. Não satisfaz o se poder dizer, em resPósa, que todas as cousas são possíveis a Deus.. Em Sua Palavra, repetidamente, Ele nos conduz à crença em coisas que estão acima da razão,, mas jamais em coisas contrárias à razão.

Nos capítulos 38 e 39, Ezequiel fala de Gog, com todas as suas hordas e uma multidão subindo com ele contra Israel e cobrindo a terra como uma nuvem. É completamente derrotado. Israel leva sete anos para queimar a madeira de suas armas. Todos os Israelitas se empregam durante sete meses em enterrar os mortos. Tomando isso literalmente e fazendo-se um cálculo bastante modesto, deveria haver 360.000.000 de cadáveres. Pensemos, então, nos vapores pestilentos que emanariam de tal amontoado, no mau cheiro, sob o sol do oriente, enquanto tão grande número de mortos estivesse insepulto! Conforme diz o Dr. Patrick Fairbairn: "Quem resistiria, quem poderia viver ali? Isso desafia todas as leis na natureza.. . Insistir em que tal descrição possa ser compreendida de acordo com a letra o que faz é nivelá-la às fantasias mais extravagantes de novela ou às mais absurdas lendas do Papismo."

Os números "sete anos" e "sete meses" são, sem dúvida alguma, simbólicos; sete é o número da perfeição e o que se quer destacar no texto é a total, completa derrota da multidão dos inimigos do povo de Deus.

Quando Isaías nos diz; "a casa do Senhor será estabelecida no cume dos montes e se exalçará por cima dos outeiros", uma interpretação literal levaria à suposição de que a colina do templo em Jerusalém será tornada mais alta que os picos do Himalaia. Todavia, a explicação é simples: a elevação já se verificou, há muito •— quando Cristo apareceu em carne e a glória do templo ao qual Ele veio cresceu por tal fornia que toda a grandeza do mundo se tomou insignificante, se a Ele comparada (Veja-se Ageu 2:9).

Os literalistas, muitas vezes, atribuem grande importância às assim ditas incondicionais promessas da terra a Israel, para sempre, e da restituição do trono à linhagem de Davi. Deveriam lembrar-se, no entanto, de que Deus disse a uma geração de Israel, com respeito à posse da terra: "Não verão a terra de que a seus pais jurei." (Num. 14:23. Ver também I Samuel 2:30). De fato, como diz Fairbairn, só se poderia esperar o cumprimento das promessas, se a Igreja (do Velho ou do Novo Testamento) fosse fiel ao seu chamado (Ver Jerem. 18:9,10). Se ocorresse o contrário, então Israel se tornaria em "príncipes de Sodoma e povo de Gomorra" (Isaías 1:10) e "filhos dos etíopes" (Amos 9:7). Quanto à promessa de que não faltaria um homem de sua linhagem para se assentar no seu trono, Davi sabia perfeitamente estar ela sujeita a determinada condição. Tanto assim que, no leito de morte, ele citou as palavras que lhe haviam sido ditas pelo Senhor: "Se teus filhos guardarem o seu caminho para andarem perante a rainha face fielmente, com todo o seu coração e com toda a sua alma, nunca, disse, te faltará sucessor ao trono de Israel." (I Reis 2:4).

Houve profecias do Antigo Testamento que se cumpriram à risca na primeira vinda de Cristo. Outras — que descreviam Suas orelhas como sendo furadas, Ele afundando em águas profundas, cães andando ao Seu redor e Sua voz sendo ouvida através de chifres de unicórnios — não foram cumpridas. O literalista deve sustentar que tais profecias deverão ter cumprimento e que o Senhor ainda terá de sofrer novas humilhações.

Temos demonstrado que a interpretação literal da profecia do Antigo Testamento leva à extravagância e ao absurdo. Mostraremos, agora, que conduz, também, à própria contradição. Ezequiel diz quatro vezes que, no dia em que Israel for restaurado, o ofício de sacerdócio será reservado aos filhos de Zadoque, apenas (40:46; 43:19, 44:15 e 48:11). Jeremias declara que então todos os Levitas serão sacerdotes (33:18), enquanto que Isaías afirma que Deus levantará sacerdotes e levitas de todas as nações (66:20,21). Como poderão explicar isso os que se atêm exclusivamente à letra?

A interpretação literal não faz apenas que um profeta do Antigo Testamento contradiga outro, mas leva o Antigo Testamento a contradizer o Novo. Ezequiel fala do templo reconstruído e de sacrifícios pelo pecado. De conformidade com os pré-mi-lenistas, haverá sacrifícios, outra vez, durante o milênio. As "Notas Scofield" (v. nota abaixo) dizem: "Sem dúvida, esses sacrifícios serão "in memoriam", i.e., unicamente comemorativos do grande sacrifício de Cristo na cruz." Isso é inaceitável, porém, uma vez que Ezequiel os qualifica como "ofertas pelo pecado" e os descreve como "expiatórios". Ora, o Novo Testamento insiste em que todo o sistema de cerimónias carnais está abolido, em vista de sua inutilidade. Os estatutos e ritos foram para sempre pregados na cruz de Cristo. Da lei cerimonial e dos sacrifícios podemos dizer com Martinho Lutero: "Como Moisés, estão mortos e enterrados e que nenhum homem saiba onde se encontram." — "Um templo onde houvesse o ritual de holocaustos, agora, seria a mais ousada negação do todo-suficiente sacrifício de Cristo e da eficácia do Seu sangue para expiação. Aquele que dantes oferecia sacrifícios confessava o Messias. Quem o fizesse agora O negaria, solene e sacrilegamente." ("A Estrutura da Profecia", de Douglas, citada na obra "Ezequiel", de Fairbairn). Podemos acrescentar que, quando Jesus disse: "A hora vem e agora é quando nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai", Ele determinou o desaparecimento total, e para sempre, de todo culto meramente localizado.

Se o leitor ainda se sente perturbado porque as profecias de reconstrução do templo e de restauração à terra parecem, de fato, dever ser interpretadas literalmente, faça a si mesmo a seguinte pergunta: — Se os profetas se tivessem referido à Igreja do Novo Testamento sem empregar imagens de Israel de antigamente, mas em termos da graça e da verdade neo-testa-mentárias, teriam sido compreendidos? Se houvessem proclamado as glórias do povo de Cristo, não mediante os símbolos da terra, do templo e dos sacrifícios, mas na riqueza e plenitude da linguagem do Novo Testamento, nada teriam transmitido. Nenhuma mensagem teriam levado aos santos daquela época, pois não poderiam suportar tal excesso de luz.

Lembremo-nos de que, quando Cristo veio, foi tão difícil — mesmo aos Seus discípulos, por Ele escolhidos — compreender Sua mensagem, que certa vez lhes disse: "Tenho ainda muito o que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora." Só se utilizando de figuras conhecidas como a terra, o templo e os sacrifícios, podiam os profetas descrever o desconhecido. As bênçãos marcantes do passado seriam a porção do Israel de Deus, mais plenamente, sob a Nova Aliança. Assim, o reinado de Davi, que tinha levado libertação e felicidade a Israel, é usado para simbolizar libertação maior: "Meu servo Davi será príncipe entre eles." Os males que tinham advindo ao povo pêlos seus pecados, na Velha Aliança, seriam removidos sob a Nova. Um dos maiores males, nos tempos do Antigo Testamento, foi a divisão entre Israel e Judá. Assim, o período abençoado do Novo Testamento é apresentado sob a imagem de Israel e Judá reunidos. Não foi o Antigo Testamento uma dispensação típica?

Deve-se observar, de passagem, que, mesmo no Novo Testamento, não se evita o emprego da língua Judaica tradicional, quando se fala do reino de Deus. No fim do livro de Atos, por exemplo, a fé que Paulo demonstrava em Cristo, a qual o havia levado a ser preso, é descrita como "a esperança de Israel" (Atos 28:20). Expressões do Velho Testamento como "consolação de Israel", "redenção de Israel" e "restauração do reino de Israel", são empregadas tanto com referência aos Gentios como aos Judeus (ver Lucas 2:25,32).

Com frequência, pronunciam os profetas maldições sobre Edom, Philistia, Assíria, etc. Os que se atêm à letra afirmam que essas maldições ainda pertencem ao futuro. Entretanto, onde se encontram os Edomitas, os Filisteus, os Assírios? Quem os pode encontrar? Zacarias predisse que as famílias de Davi, Nathan, Levi e Simei pranteariam cada uma a sua linhagem à parte (12:12-14). O literalista sustenta que isso ainda está por acontecer, mas ninguém, sobre a face da terra, pode hoje identificar a descendência de qualquer dessas famílias.

Quando contemplamos os vívidos quadros das coisas futuras descritas pêlos profetas, muitas vezes com pequenos detalhes, devemos nos recordar das condições em que escreveram, a fim de que os possamos compreender. Usualmente, eles profetizavam em estado de êxtase, em circunstâncias sobrenaturais (v. I Samuel 10:10-12). Não perdiam as faculdades mentais; contudo, como Paulo, quando foi levado ao terceiro céu, talvez não pudessem dizer se estavam no corpo ou fora do corpo. En centramos nas profecias, repetidamente, expressões como: "Eu estava no Espírito e ouvi"; "a mão do Senhor estava sobre mim;" "O Espírito do Senhor veio sobre mim." Devemos ter cuidado para não tomar ao pé da letra a descrição do que eles viram quando em condições sobrenaturais. Em êxtase ou transe, Pedro teve uma visão: um lençol e dentro dele animais quadrúpedes, répteis e aves. A princípio, considerou a visão sob o ponto de vista literal. Depois, compreendeu sua significação espiritual. Quando a mão do Senhor estava sobre Ezequiel e lhe foi determinado dramatizar tal fato, deitando-se sobre o seu lado direito durante 390 dias, comendo alimento cozido com esterco (4:9-12), alertemo-nos contra uma interpretação literal. Quando Deus ordenou a Oséas ir e tomar uma esposa da prostituição — uma meretriz — se tomarmos isso ao pé da letra, colocamos uma mancha no caráter puro e santo de Deus. Conforme disse João Calvino, se Oséas realmente se casou com uma mulher dessa qualidade, melhor seria que se houvesse escondido posr toda a vida, do que desempenhar o papel de profeta.

Interpretar as profecias do Antigo Testamento sempre ao pé da letra, como muitos procuram fazer, é transformar em pedra o que Deus nos quis dar como pão.


CAPITULO VI
A INTERPRETAÇÃO DA PROFECIA DO VELHO TESTAMENTO NO NOVO

Argumenta-se contra o "a-milenismo" que ele não toma em consideração a profecia do Antigo Testamento. Nossa resPósa é que o milenismo não dá atenção à interpretação neo-testamentária das profecias do Antigo Testamento. Os escritores do Novo Testamento tomam profecias que, se entendidas sob o ponto de, vista literal, se referem a Israel, e aplicam-nas à Igreja Cristã. '*

Insistimos aqui: houve uma Igreja nos tempos do Velho Testamento e os crentes daquela época e os do Novo Testamento formam uma Igreja — a mesma oliveira (Romanos 11) — remida pelo mesmo precioso sangue e nascida do mesmo Espírito e os profetas do Velho Testamento apontaram direta e definidamente para a Igreja do Novo Testamento.

A alegação da maior parte dos pré-milenistas é que a formação da Igreja do Novo Testamento foi oculta dos profetas do Antigo (esse é o ponto de vista da Bíblia Scofield). Desejam acreditemos que os profetas, que tão claramente descreveram a pessoa, missão e obras do Messias, deixaram "de todo ausente da página profética o segundo acontecimento em importância, o fenómeno complementar, ou seja, o surgimento e o progresso da Santa Igreja por todo o mundo." Desejam creiamos que Cristo veio estabelecer aqui um reino visível, terreno, porém, tendo sido rejeitado pêlos Judeus nas condições proPósas, o oferecimento foi retirado e o reino, adiado até a Sua segunda vinda. Durante o intervalo entre as duas vindas, Cristo estabeleceu a Sua Igreja, que não é, segundo dizem, em qualquer sen tido, o cumprimento de promessas e profecias do Antigo Testamento, mas algo novo e desconhecido dos profetas. É um "parênteses" que já abrange quase dois mil anos, a cujo respeito nem uma palavra sequer foi claramente dita pela profecia do Velho Testamento. Esse é o ponto de vista de Dr. A. Ironside, que diz: "O relógio profético silenciou no Calvário. Nem um "tic" se ouviu desde então."

Ao nosso ver, no entanto, asseverar que os profetas do Antigo Testamento não fizeram menção da Igreja Cristã é uma injúria, em vista de muitas passagens do Novo Testamento, tal como Romanos 9:24-26, onde encontramos a declaração de Paulo de que a chamada de Judeus e Gentios para a Igreja Cristã era o cumprimento exato de uma profecia de Oséias. Em Atos 26:22, afirma o mesmo apóstolo que pregava "nada mais do que aquilo que os profetas e Moisés disseram devia acontecer." Em Atos, 2, Pedro declara que uma profecia de Joel estava sendo cumprida (nos tempos evangélicos). Referindo-se ao derramamento do Espírito Santo (Pentecostes), assim se expressa: "Mas isto é o que foi dito pelo profeta Joel: "E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne."

O relógio profético evidentemente continua a bater.

Inúmeras vezes, temos ouvido pré-milenistas escarnecer dos cabeçalhos de capítulos da Versão Autorizada da Bíblia Inglesa, tais como:

Isaías 30 — "As misericórdias de Deus para com a Sua Igreja" 34 — "Deus vinga a Sua Igreja"

43 — "Deus conforta a Igreja"

44 — "As promessas de Deus à Sua Igreja"

45 — "Ciro chamado por causa da Igreja" 50 — "A ampla restauração da Igreja" 54 — "A Igreja é confortada" 64 •— "A oração da Igreja"

Todos esses títulos estão errados — dizem os pré-milenistas — e demonstram espantosa ignorância dos que os redigiram, pois não havia Igreja nos tempos do Velho Testamento e os profetas não tinham conhecimento algum quanto à Igreja do Novo Testamento. Contudo, Estêvão falou de uma Igreja no tempo de Moisés (Atos 7:38) e Paulo diz que os crentes do Antigo e os do Novo Testamento formam uma só oliveira . . . (Rm 11.17).

Quando Paulo diz, em Efésios 3:5 e 6, que "noutros séculos não foi manifestado" como então fora "revelado" que os Gentios seriam co-herdeiros e participantes do mesmo corpo, não diz, absolutamente, que isso era de todo desconhecido no passado, porém, que não era sabido com a clareza e plenitude atuais (Ver também Rm 16:26).

Paulo afirma que a promessa do Velho Testamento foi feita a Abraão e à sua semente. Cita a promessa: "Tenho feito de ti pai de muitas nações" e insiste em que tal promessa está cumprida — não no sentido literal, mas na semente espiritual de Abraão (Rm 4). Aqueles que foram seus descendentes na carne e palmilharam o caminho de sua fé, bem como quantos, não sendo seus descendentes, têm participado da mesma fé, podem chamar a Abraão seu pai. Essa é a maneira de Paulo compreender as profecias do Velho Testamento e estamos em terreno bem firme seguindo o grande apóstolo.

No capítulo 3 da carta aos Gaiatas, Paulo declara que a profecia feita a Abraão no Velho Testamento: "Em ti serão benditas todas as nações da terra" está sendo cumprida agora, quando Deus justifica os Gentios por fé. À luz de tal asserção, parece-nos injustificado e até mesmo ousado declarar que as profecias do Antigo Testamento silenciam no tocante à Igreja do Novo Testamento e que não há "tic" do relógio profético nesta dis-pensação.

Atos 15:13-18 é uma passagem muito importante para o assunto em discussão. Paulo é atacado por alguns Cristãos Ju-daizantes por admitir Gentios crentes à Igreja. Reúne-se um concílio em Jerusalém para tratar especificamente desse assunto, com a presença de Pedro e Paulo. Tiago, o líder da Igreja em Jerusalém, diz que o rumo tomado por Paulo não era algo novo, pois havia sido seguido por Pedro bastante tempo antes, com expressa aprovação divina, conforme o próprio Pedro acabara de relatar. Mais do que isso, diz Tiago, esse recebimento dos Gentios na Igreja não tinha sido uma alteração nos planos de Deus, porém fazia parte deles desde o princípio, como atestavam os profetas. Continua Tiago citando os profetas (principalmente Amos), como se segue: "Depois disto, voltarei e reedificarei o tabernáculo de Davi, que está caído." Amos estava falando dos juízos que viriam sobre Israel, e, depois, transmite esta promessa de Deus: "Reedificarei o tabernáculo de Davi." Tiago afirma que essa reedificação do tabernáculo de Davi está ocorrendo com a visitação de Deus aos Gentios para tirar deles um povo para o Seu nome. Congregando os Gentios, Deus está consertando a Igreja do Antigo Testamento, que se encontra quebrada.

Lembremo-nos de que o assunto em debate no Concílio é apenas o recebimento dos Gentios na Igreja e Tiago está citando uma profecia de Amos em favor desse recebimento. Quão absurdo, assim, é a Bíblia Scofield sustentar que os Gentios mencionados por Amos não eram os Gentios do tempo de Tiago, mas do milênio, pelo menos dois mil anos mais tarde!

O Concílio não estava discutindo o mapa profético do futuro, mas um problema premente, do momento. Esse problema, repetimos, dizia respeito à admissão dos Gentios à Igreja e Tiago cita o que Amos diz acerca da reconstrução do tabernáculo de Davi, para justificar o recebimento dos Gentios. Isso ele faz com a evidente aprovação de Pedro, Paulo e de todo o Concílio. Em outras palavras, segundo o ponto de vista dos apóstolos, o tabernáculo de Davi se tornou o templo vivo da Igreja do Novo Testamento.

Há algum tempo, deparamos com alguém (pertencente a um grupo do qual seria improvável esse conceito) que admitiu haver Tiago realmente aplicado a profecia de Amos à Igreja Cristã. No número de março de 1944 de "A Testemunha", a revista mensal dos Irmãos Liberais, um escritor declara: "Pode-se deduzir também, de Atos, 15, que Tiago não tinha ido muito além (i.e., não sabia mais) do que os escribas do Velho Tes tamento, aos quais não havia sido revelado o mistério de Cristo e, por isso, mencionou Amos como profetizando acerca da abertura da porta da fé aos Gentios." Já é alguma cousa constatar-se a admissão de haver Tiago verdadeiramente interpretado Amos como prevendo que a porta da fé se abriria aos Gentios nesta dispensação, conquanto seja, de fato, muito triste testemunhar o amesquinhamento da autoridade apóstólica, por parte do escritor citado.

Nos capítulos 8 a 10 da Epístola aos Hebreus, verificamos que o escritor sacro proclama que o novo concerto (dos tempos do Novo Testamento) é o cumprimento destas palavras de Jeremias: "Eis que virão dias, diz o Senhor, em que com a casa de Israel e com a casa de Judá estabelecerei um novo concerto." Israel e Judá são, claramente, o Israel de Deus, a Igreja do Novo Testamento. Dessa maneira, os cabeçalhos de capítulos da Versão Autorizada da Bíblia, em inglês, que aplicam as profecias do Antigo Testamento à Igreja do Novo, têm o apoio do próprio Novo Testamento.

O Senhor Jesus mesmo fez referência à profecia do Velho Testamento no tocante à vinda de Elias e asseverou aos seus ouvintes: "Elias já veio" (na pessoa de João Batista — Marcos 9:12 e 13). Entretanto, alguns dos literalistas não estão satisfeitos e dizem que Elias ainda está para vir!

Zacarias profetizou: "Eis que o teu rei virá a ti... montado sobre um jumento. . . sobre um asninho, filho de jumenta... e o seu domínio se estenderá de um mar a outro mar, e desde o rio até às extremidades da terra." (9:9 e 10),

Mateus cita esse trecho (Zac. 9:9) e afirma que se cumpriu

na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém (Mateus 21). A Bíblia

Scofield considera a entrada triunfal como um mero oferecimen

to de Cristo para ser rei, afirmando que Ele não veio, na reali

dade, como tal. Todavia, Mateus declara ter Ele vindo como

rei. Alguns intérpretes apegados à letra esperam que venha a

montar em um jumento e entrar em Jerusalém, ainda no futuro,

porque não estava com o aparato de realeza, na ocasião descrita

por Mateus, no capítulo 21.

Em Atos, capítulo 2, versículos 30 e 31, Pedro diz de Davi: "Sendo, pois, profeta e, sabendo que Deus lhe havia jurado que um dos seus descendentes se assentaria no seu trono; prevendo isso, referiu-se à ressurreição de Cristo." (Versão Revista). Na opinião de Pedro, não necessitamos esperar até o milênio para termos Cristo no trono de Davi. Ele ali se assentou ao ressurgir. Isso é confirmado por outros textos das Escrituras, que falam de Cristo como já reinando (I Cor. 15:25), dispondo de todo o poder no céu e na terra (Mt 28:18), e tendo todas as cousas debaixo de seus pés (Efésios 1:22). Não se diga que o olho físico não O pode contemplar trajado com vestes reais, enquanto governa as nações da terra. Com os olhos da fé, nós O vemos como nosso grande Sumo Sacerdote atrás do véu; qual o obstáculo para que O vejamos, também, como nosso Rei? "Andamos por fé e não por visão."

O Novo Testamento nada diz com respeito a uma volta dos Judeus à própria terra, com Cristo reinando em um trono em Jerusalém sobre um mundo em que os Judeus terão preeminência como um país. Não se argumente, alegando que o Novo Testamento não se refere aos Judeus como um povo — Paulo, na realidade, trata do problema Judaico bastante profundamente em sua carta aos Romanos, capítulos 9 a 11. Não diz, todavia, uma só palavra com respeito a um futuro reino Judaico. Não se pode alegar que o apóstolo não via necessidade ou não tinha motivos para citar um reino futuro em que os Judeus sobressairiam como nação. Paulo descobriu a existência de duas pedras de tropeço para os Judeus. Uma era a cruz (I Cor. 1:23). Qual era a outra pode-se depreender de Atos 22, onde se lê, no versículo 22, que eles o ouviram até que disse haver sido enviado aos Gentios, depois do que fizeram tremenda algazarra. A segunda pedra de tropeço era a cristianização dos Gentios. Ora, se a glória antiga de Israel devesse um dia ser revivida sob o governo pessoal de Jesus Cristo, sem dúvida alguma Paulo se apressaria a assegurar aos Judeus que havia uma coroa como tinha havido a cruz. Era apenas uma questão de tempo, porquanto viria a existir um reino em que os Judeus ocupariam o lugar de maior destaque e Jerusalém passaria a ser a capital do mundo.

Assim, as pedras de tropeço teriam sido removidas. Contudo, o apóstolo não fez isso. Pelo contrário, afirmou que o muro de separação entre Judeu e Gentio estava derrubado e não apresentou a menor indicação da possibilidade de ser restaurado um dia. Crentes — Judeus e Gentios — são um em Cristo. Os escritores do Novo Testamento não falam em Cristo reinando em Jerusalém, sobre um trono terreno. Insistem, firmemente, no fato de que Ele já reina, hoje.

Um pré-milenista de projeção, Pres. L. S. Chafer, diz que após esta dispensação (da Graça) haverá o "re-ajuntamento de Israel, e a restauração do Judaísmo." Acrescenta existir "um povo terreno, que continuará como tal na eternidade, e um povo celestial, que habitará nas mansões celestiais para sempre", isto é, Deus terá dois povos distintos, um na terra e outro no céu, eternamente. Pode-se considerar essa idéia como um literalismo lógico, mas parece claro tratar-se de verdadeira insensatez.

O literalismo que insiste em interpretar as profecias do Antigo Testamento como se referindo ao povo de Israel segundo a carne não se coaduna, em absoluto, com a aplicação geral das promessas à semente espiritual, como se encontra no Novo Testamento. Este insiste em que não é Judeu o que o é exteriormente (Rm 2:28,29); que nem todos os de Israel são de fato Israelitas (Rm 9:6); que os que são de Cristo são descendência de Abraão (Gál. 3:29); que a bênção de Abraão veio aos Gentios por Jesus Cristo (Gál. 3:14) e que não pode haver Judeu nem Gentio (Grego) porque "todos vós sois um em Cristo Jesus" (Gál. 3:28}.

O literalismo que ainda está esperando que Cristo venha se assentar no trono de Davi, em Jerusalém, não se ajusta à afirmação de Pedro de que Ele já se assentou no trono de Davi, quando ressurgiu dos mortos.

O literalismo que aguarda uma restauração do templo de Jerusalém, com todas as nações vindo tomar parte nas suas cerimónias e sacrifícios pelo pecado, diverge da asserção do Novo Testamento de que tais cerimónias e sacrifícios foram abolidos (Hebreus 10:8 e 9).

Muitas profecias do Antigo Testamento foram cumpridas em seu sentido literal. Outras, muito numerosas também, apresentadas em linguagem figurada, o Novo Testamento declara cumpridas, não à risca da letra, mas em um sentido espiritual.

Quanto às profecias ainda não cumpridas, não se diga que, assim, será difícil saber quais as que devem ser consideradas literalmente e quais as de aplicação espiritual. Tudo o que é importante está claro; há, entretanto, detalhes que apenas os próprios acontecimentos esclarecerão. Foi assim quando da primeira vinda de Cristo. Assim será por ocasião da Sua segunda vinda, Lembremo-nos de haver sido um excesso de apego à letra que levou à rejeição de Jesus de Nazaré e é o que tem mantido os Judeus na incredulidade. Foi um literalismo exagerado, por parte dos Seus próprios discípulos, que lhes dificultou frequentemente a compreensão de Seus ensinos. Por exemplo: entenderam a Sua advertência: "Acautelai-vos do fermento dos Fariseus" como sendo uma censura por não terem levado pães. Foi, ainda, excesso de apego à letra que conduziu as multidões a criticar a referência feita à Sua obra de redenção, dizendo: "Como pode este homem dar sua carne a comer?"

A aplicação das profecias do Antigo Testamento no Novo nos leva a atribuir uma significação ampla e espiritual a promessas que, à primeira vista, poderiam parecer interessar exclusivamente aos Judeus.


CAPITULO VII
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS BASEADAS NO NOVO TESTAMENTO

Observemos, agora, certos filões que passam através do ensino do Novo Testamento, bem como alguns dos termos ali empregados com relação à vinda do Senhor.

Alguns Conceitos Neo-Testamentários

I — Os Ültímos Dias — Esta expressão é usada frequentemente referindo-se à Dispensação da Graça em que vivemos agora. "Deus falou-nos nestes últimos dias por Seu Filho" (Hebreus 1:1). Veja-se, também, Atos 2:17, Tiago 5:3 e I Pedro 1:20. Em Hebreus 9:26, lemos: "Mas agora, na consumação dos séculos, uma vez se manifestou para aniquilar o pecado, pelo sacrifício de si mesmo." Aqui, toda esta Dispensação é considerada como "a consumação dos séculos." Em outras palavras, a encarnação de Cristo introduziu o período final da história do mundo. Comentando as palavras: "é já a última hora", de I João 2:18, o rev. J. M. Ghysels observa: "É fora de dúvida que, de conformidade com as Escrituras, o último período da história do mundo se iniciou com a ascensão de Cristo e a descida do Espírito Santo. A época em que vivemos é a última no programa divino." Se este período é o último, então nada resta senão o estado eterno. Não há lugar para a inserção de um milênio.

II — Já Cidadãos do Céu — Cristo subiu e está à dextra de Deus e os crentes, unidos vital e misticamente a Ele, estão, portanto, com Ele, em um sentido espiritual, habitando o mundo eterno (céu). Ver Efésios 1:3, 2:6, Filip. 3:20 e Coloss. 3:1 a 3. O mundo celestial e a esfera terrena são, agora, estados paralelos, a ambos pertencendo o crente. Conforme nos faz lembrar Dr. Vos, o Cristão tem aqui na terra apenas os seus membros, que devem ser mortificados. Seu verdadeiro ser, no entanto, pertence aos lugares elevados, celestiais. Isso não significa uma diminuição de seu interesse pela vinda de Cristo. "Na realidade", diz Dr. Vos, "o fato de ser o Cristão apresentado como centralizado e potencialmente ancorado no céu não é uma deserção, porém, uma afirmação profunda e prática do teor sobrenatural da vida do crente." Embora na terra, ele já é um habitante do céu. Sua alma, em verdade, penetrará na mansão celestial, por ocasião de sua morte e, quando Cristo vier, o seu corpo herdará a eternidade, assim como a sua alma, completando-se, finalmente, a sua redenção.

Tal é já, agora, a posição do Cristão: habitante do céu. Vol-temo-nos, porém, para a descrição do milênio feita por Papias e por muitos depois dele. Citando uma suPósa declaração de Cristo, disse Papias que, durante o milênio, "as parreiras terão 10.000 galhos cada uma; em cada galho haverá 10.000 ramos; em cada ramo, 10.000 rebentos; em cada rebento, 10.000 cachos e em cada cacho, 10.000 uvas e cada uva, ao ser espremida, produzirá 225 galões (1.022 litros) de vinho. E quando algum dos santos pegar um cacho, um outro gritará: "Eu sou melhor, pegue-me." Cereais e ervas de toda espécie produzirão — assegura-nos Papias — "nas mesmas proporções" em que o farão as parreiras.

Parece-nos genuinamente cristão e de conformidade com as Escrituras reputar essa espécie de milênio como "carnal". É um sentimento cristão e escriturístico o preferirmos estar para sempre com o Senhor, no céu. Os que já são cidadãos do céu e vivem na perspectiva de gozar plenamente dos privilégios dessa cidadania bem podem voltar as costas a 10.000 vezes 10.000 uvas do milênio. Como os patriarcas, "desejam uma pátria melhor, isto é, a celestial" (Hebreus 11:16). Colocam seu afetuoso interesse nas coisas que são de cima, não nas da terra (Col. 3:1,2).

III — As Duas Épocas — O apóstolo Paulo diz que Cristo está entronizado "muito acima de todo o nome que se nomeia, não apenas neste mundo (literalmente, neste século), mas tam bém no vindouro" (Efésios 1:21). Nas expressões "neste século" e "no vindouro" engloba o apóstolo todos os tempos, presente e futuro, sob o poder de Cristo. O próprio Senhor Jesus usou linguagem semelhante. Prometeu aos discípulos que fossem fiéis "cem vezes tanto já neste tempo e, no século futuro, a vida eterna" (Marcos 10:30). O "século futuro" é, evidentemente, o estado eterno, pois nele há "vida eterna."

Cristo falou, também, do pecado para o qual não existe perdão "nem neste século, nem no futuro." Aqui se observa, de novo, claramente, que, ao mencionar essas duas épocas. Jesus está se referindo a todo o tempo: o presente e o porvir. Em Lucas 20:34-36, lemos: "Então, respondendo, Jesus lhes disse: "Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Mas os que são havidos por dignos de alcançar a era vindoura e a ressurreição dentre os mortos não casam nem se dão em casamento. Nem podem mais morrer, porque são iguais aos anjos, e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição." Mais uma vez, vemos, aí, todo o tempo — o presente e o futuro — sob as duas expressões: "deste mundo (esta época) e "a era vindoura" (aquela época)". Agora, porém, observamos que é mencionada a linha divisória entre as duas épocas: — a ressurreição dos mortos — que todos os cristãos compreendem como devendo ocorrer quando da segunda vinda de Cristo.

O pré-milenismo assegura que há três épocas: a atual, a milenária e a do estado eterno. O Novo Testamento, todavia, apresenta simplesmente duas épocas: a presente dispensação da Graça e a vindoura, que é o estado eterno, sendo a linha divisória entre elas o extraordinário acontecimento da segunda vinda de Cristo. Podemos observar, de passagem, que o Novo Testamento se refere à época atual como um "século mau" (Gaiatas l :4), de forma que não vale a pena esperar por um mundo convertido dentro dos limites desta dispensação.

Alguns Termos Neo-Tesíamentários

Vamos examinar, agora, alguns dos termos empregados no Novo Testamento com respeito à segunda vinda, a fim de obtermos uma base clara para a continuação de nossos estudos.

Os pré-milenistas comumente fazem distinção entre o "arrebatamento" e "a revelação", aquele devendo ocorrer quando Cristo vier repentinamente e em segredo, nos ares, para levar os seus santos; esta, tendo lugar depois de decorrido um período de sete anos de tribulação, que se seguirá ao "arrebatamento secreto." "A revelação" determinaria o início do milênio. "O arrebatamento concerne apenas à Igreja; a revelação é para toda a terra" diz Dr. Feinberg, pré-milenista, que faz distinção, também, entre "o dia de Cristo" e "o dia do Senhor", identificando "o dia de Cristo" com o arrebatamento e "o dia do Senhor" com a revelação. — A Bíblia Scofield, que tem sido instrumento na divulgação de tais idéias, adota os mesmos pontos de vista do Dr. Feinberg. Vejamos como interpreta I Coríntios 1:7: "De maneira que não vos falte nenhum dom, aguardando a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo."

"Estas palavras são usadas ern conexão com a volta do Senhor:

I — Parousia — que significa, apenas, a presença pessoal, e é empregada com respeito à volta do Senhor, relacionando-a com a felicidade dos santos e a destruição do homem do pecado.

II — Apokalupsis — "ato de desvendar", "revelação". O uso dessa palavra imprime ênfase à visibilidade da volta do Senhor."

Imediatamente a seguir, a Bíblia Scofield traz a seguinte nota:

"O dia de Cristo" se refere exclusivamente às recompensas e à bem-aventurança dos santos, por ocasião da Sua vinda, ao passo que "o dia do Senhor" se relaciona com julgamento."

Na realidade, a palavra "parousia" (cujo significado verdadeiro é "chegada") é usada, ao se tratar da vinda do Senhor, não somente como trazendo bemaventurança aos santos, mas também, juízo sobre os ímpios (Veja-se Mateus 24:37-39) onde a vinda, ou "parousia", é citada como trazendo julgamento como nos dias do dilúvio, enquanto que "apokalupsis" ("revelação"), que Feinberg aplica ao "dia do Senhor", é usada referindo-se à vinda de Cristo, para expressar a abençoada esperança dos Santos em I Cor. 1:7 e 2 Ts 1:7.

Não é exato, igualmente, que "o dia de Cristo" seja expressão usada unicamente para significar a recompensa e bemaventurança dos santos. Em Lucas 17:24,29 e 30, Cristo fala do dia do Filho do homem (sem dúvida o mesmo dia de Cristo) trazendo destruição, como o dia de Sodoma.

O "dia do Senhor" também não está relacionado só a julgamento. O "dia do Senhor" e o "dia de Deus" em II Pedro. 3 são evidentemente o mesmo (até a Bíblia Scofield tacitamente admite isso) e esse dia é mencionado como sendo de bênção, que os crentes devem "aguardar, apressando-se para a Sua vinda" (II Pedro 3:12), sendo que, além disso, trará grandes mudanças cósmicas, no firmamento e na terra.

Em sua segunda carta aos Tsalonicenses, capítulo 2, Paulo esclarece melhor o assunto, pois de sua leitura se depreende que "o dia do Senhor" se identifica com a "parousia", a saber, a vinda do Senhor e, assim, com "o dia de Cristo." Diz, em parte: "Rogamo-vos, com respeito à vinda do Senhor e à nossa reunião com Ele, que não vos abaleis em vossas mentes, nem vos perturbeis . . . como se o dia de Cristo estivesse já perto." Aqui, a vinda do Senhor ou "parousia" é claramente o mesmo dia do Senhor. Os crentes de Tsalônica pensavam que o bendito dia do Senhor, quando Ele viria para os Seus, estava iminente. Se Paulo tivesse idéias pré-milenistas, teria respondido simplesmente: "Não, vós estais enganados. O dia do Senhor não virá primeiro. O dia de Cristo ou, para empregar outra expressão, a "parousia" virá em primeiro lugar e só depois de decorridos sete anos de intervalo, chegará o dia do Senhor, ou a revelação." Mas o apóstolo não diz nada disso. O que diz é: "Primeiro virá a aPósasia e se manifestará o homem da iniquidade, o filho da perdição a quem o Senhor aniquilará pelo esplendor da Sua vinda (parousia) (versículo 8). Exatamente a mesma vinda (parousia) a que está ligada a reunião dos santos (versículo 1). Nada mais evidente do que se inferir que o dia do Senhor e a vinda do Senhor para os Seus santos são um e o mesmo acontecimento e que o Anticristo terá de ser revelado antes desse dia, a saber, antes da vinda do Senhor (parousia). A Bíblia Scofield faz um esforço quase desesperado para evitar essa conclusão. Procura inserir o "arrebatamento secreto" dos santos antes do aparecimento do Anticristo.

Lê-se em 2 Ts 2:7: "Porque já o mistério da iniquidade opera; somente há um que agora resiste até que do meio seja tirado." "Então, será de fato revelado o iníquo" (v. 8). Sobre isso diz a Scofield: "Essa pessoa não pode ser senão o Santo Espírito, na Igreja, que será tirado do caminho." Observe-se que a Scofield usa a expressão: "o Santo Espírito na Igreja", querendo dizer, naturalmente, o Espírito Santo e a Igreja. Essa não é uma forma louvável de se lidar com as Sagradas Escrituras, pois não há qualquer referência à Igreja nessa passagem. De acordo com a teoria Scofield, a Igreja deve ser retirada do caminho antes de que surjam o Anticristo e a tribulação que ele acarretará. E por um grande rasgo de imaginação exegética, a Bíblia Scofield consegue encontrar o "arrebatamento secreto" no versículo 7, citado.

Afirma o Dr. Feinberg que a aproximação do primeiro acontecimento (o arrebatamento ou o dia de Cristo) não será prevista por quaisquer sinais, ao passo que o segundo (a revelação ou o dia do Senhor) o será. Contraria frontalmente as palavras de Cristo, registradas em Mateus 24:29-33 o asseverar-se que não haverá sinais da aproximação da vinda de Cristo para os Seus eleitos. Claro que não poderia haver grande surpresa quando do segundo evento, se os pré-milenistas tivessem razão, porquanto, uma vez chegado o "dia de Cristo", viria o período de sete anos do Anticristo e a consequente tribulação. O período de sete anos, uma vez iniciado, se desenrolaria até o seu determinado fim e seguir-se-ia o "dia do Senhor" ou "a revelação". Acontece, porém, que os bons estudantes do Grego nos informam de que a palavra "revelação" (Apokalupsis) traz intimamente associada a idéia de algo repentino e inesperado. De acordo com o esquema pré-milenista, todavia, esse acontecimento não pode ser nem repentino nem inesperado.

O "dia do Senhor" terá de ser repentino e inesperado, de conformidade com 1 Ts. 5:3, embora os pré-milenistas assegurem que um aviso com sete anos de antecedência será dado pelo acontecimento tremendo e aterrador que será o arrebatamento.

Ousamos assegurar que todos os esforços para estabelecer qualquer diferença entre os termos "vinda", "revelação", "dia de Cristo" e "dia do Senhor" têm falhado e só podem falhar. Essas expressões são como que sinónimas, indiferentemente aplicáveis, referindo-se todas ao grande evento que ocorrerá no fim do mundo, quando Cristo virá trazer recompensa e bem-aventurança ao Seu povo e julgar o mundo com justiça.

CAPITULO VIII

O ENSINO DE CRISTO COM RESPEITO À SUA SEGUNDA VINDA

As Parábolas — Na parábola do trigo e do joio e na da rede (Mt 13:24-30, 36-43 e 47-50) o Senhor faz, conforme todos admitem, uma representação desta dispensação da Graça, que termina com a Sua segunda vinda. No reino, o trigo e o joio têm de crescer juntos até a colheita, no fim do mundo. Então, haverá a separação. Todos os filhos do Maligno, representados pelo joio, deverão ser eliminados da cena. Ao mesmo tempo que a maldição sobre os ímpios, recai a glória sobre os justos. 'Então, os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai" (vers. 43). Isso não deixa lugar para um milênio na terra. O atual reino do Filho do Homem será seguido pelo reino eterno do Pai (como se vê em I Cor. 15:24 e 25). Os justos e os injustos estarão juntos até o tempo da colheita, quando haverá completa e final separação. O fim desta dispensação trará condenação imediata e eterna aos ímpios, ao mesmo tempo que glória eterna aos justos.

A Bíblia Scofield tenta evitar essa conclusão, mediante o seguinte comentário: "O ajuntar cio joio em feixes para a queima não significa julgamento imediato. Ao fim desta época (esta dispensação), o joio é separado para ser queimado." Para responder a isso, basta-nos citar as palavras do próprio Senhor Jesus: "Pois, assim como o joio é colhido e lançado ao fogo, assim será na consumação do século. Mandará o Filho do homem os seus anjos que ajuntarão do seu remo todos os escândalos e os que praticam a iniquidade, e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes." (Mt 13:40-42). Surge a pergunta: Por que motivo se mostra a Scofield tão an siosa por livrar os feixes de joio do fogo em que o Salvador os figura como atirados? A resPósa é: as Notas Scofield ensinam que, depois da colheita, no fim desta época, haverá um milênio, em que multidões de não regenerados viverão sob o governo de Cristo e dos Seus santos. O Salvador, contudo, afirma que não haverá ímpios sobre os quais reinar, porquanto, ao terminar esta dispensação da Graça, eles serão lançados na fornalha de fogo.

A parábola da rede também ensina que, no fim desta dispensação da Graça, os ímpios serão lançados na fornalha de fogo (v. 49 e 50). É, realmente, um absurdo afirmar, como o fazem as Notas Scofield, que o joio é conservado em feixes durante mil anos para só depois ser queimado.

A parábola das minas (Lucas 19:11-27) mostra como, ao regressar o nobre, todos os servos, os fiéis como os infiéis, recebem a recompensa merecida, e ele dirá: "Quanto, porém, a esses meus inimigos, que não quiseram que eu remasse sobre eles, trazei-os aqui e executai-os na minha presença." (vers. 27). Essa parábola esclarece que, quando o Senhor voltar, não apenas recompensará os Seus servos, mas também visitará os ímpios com o seu julgamento final. Seus inimigos serão mortos e nenhum será deixado para o que os pré-milenistas chamam de "falsa obediência", durante o suPóso milênio.

A parábola das dez virgens é semelhante às anteriores. Ela indica, igualmente, que a volta de Nosso Senhor é o grande final, a consumação de todas as cousas. Há algo que ela esclarece perfeitamente: quando o noivo chega, fecha-se a porta (Mt 25:10). Um dos piores aspectos do ensino da maioria dos pré-milenistas é a segunda oportunidade. Afirmam eles que não será senão depois do glorioso aparecimento final de Cristo que o grande grupo dos salvos será levado para Deus. Sustentam haver esperança de salvação depois do Senhor ter vindo para os Seus, quer durante o período de tribulação, quer durante o milênio. No entanto, as Escrituras declaram que quando Ele vier para os Seus a porta será fechada, finalmente, e para sempre.

A parábola dos talentos (Mt 25:14-30) apresenta o mesmo ensinamento. A vinda do Senhor trará gloriosa recompensa aos Seus servos fiéis e, ao mesmo tempo, terrível maldição e condenação para os "inúteis e maus".

O discurso do Monte das Oliveiras — Não temos nesta passagem o ensino acerca do "arrebatamento"? Não leinos aqui: "um será levado e o outro, deixado (Mt 24:40)? Note-se, contudo, que não se fala em "arrebatamento secreto". Sua vinda será exatamente o contrário disso. Virá como o relâmpago, será visível e a reunião dos Seus eleitos será feita "com grande clan-gor de trombeta" (Mt 24:26, 27, 30 e 31). Atentemos, ou-trossim, para os versículos 37-40: "Como foi nos dias de Noé, assim será também a vinda do Filho do homem... e não o perceberam, até que veio o dilúvio e os levou a todos; assim será também a vinda do Filho do homem. Então dois estarão no campo, um será tomado, e deixado o outro." Aqui existe não apenas uma comparação entre o dia de Noé e o de Cristo. Os resultados desses dois dias são também comparados. No dia de Noé, alguns ficaram em segurança e outros foram levados a uma destruição terrível. Assim ocorrerá quando Cristo vier: alguns serão conservados em segurança e outros sofrerão uma sentença tremenda. Sua vinda trará destruição aos que O rejeitaram. Mais uma vez, chamamos atenção para o fato de não se esboçar aqui lugar para um milênio na terra (após a Sua vinda), durante o qual pessoas não nascidas de novo viveriam sob o governo pessoal de Cristo e de Seus santos.

A cena do Julgamento de Mateus 25 — Todas as nações serão reunidas perante o trono de glória de Cristo e ali separadas: ovelhas à Sua direita e bodes à esquerda. A seguir, lhes será determinado, respectivamente, vida eterna e castigo eterno. Parece claro tratar-se de um julgamento geral e final. Mas a maioria dos pré-milenistas o considera (como o fazem as Notas Scofield) um julgamento de "nações vivas", como nações. O "teste" neste julgamento — declara Scofield — é "o tratamento dado pelas nações ao remanescente dos Judeus, que terão pregado o Evangelho a todas as nações, durante a tribulação." W. E. Blackstone, autor do manual pré-milenista "Jesus is co-ming", por tal forma se impressionou com a obra dos Judeus durante o período de tribulação, e com a luta que teriam, que armazenou caixas de Bíblias em cavernas do Edom, onde su^ punha eles haveriam de se esconder. Parece-nos suficiente dizer que tal interpretação do termo "irmãos", empregado no vers. 40, não se ajusta à definição da palavra (dada por Cristo) em Mateus 12:49-50 (Comparar com Mt 28:10).

A dificuldade na interpretação desta cena de julgamento gira, em grande parte, em torno do significado da expressão "todas as nações" (Mt 25:32). Por que deveria ela ter sentido diverso daquele que tem em alguns capítulos adiante: "Ide, pois, e ensinai a todas as nações, batizando-as. . ." (Mt 28:19)? (V. também 24:14) Aí, "todas as nações" se interpreta como toda a humanidade. Por que lhe atribuir uma significação diferente em Mt 25:32? Em Romanos 16:26, onde Paulo diz que o mistério do Evangelho é tornado conhecido "a todas as nações", ele quer dizer todas as pessoas em geral. Por que não entender da mesma forma Mt 25:32?

O ambiente geral da cena demonstra tratar-se de julgamento de indivíduos e não de nações como nações. Quem poderia, jamais, pensar em nações sendo enviadas, como nações, a um castigo eterno ou a uma vida eterna? (Ver Mt 25:46). E quem jamais ouviu falar de nações visitando doentes e presos?

Além disso, convém observar que, conquanto a palavra "nações" seja um substantivo neutro em grego, o pronome que vem logo a seguir é masculino. "E todas as nações (neutro) serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros (masculino) como o pastor aparta dos bodes as ovelhas" (Trad. de Almeida). O uso do pronome masculino indica indivíduos e não nações.

Esta cena de julgamento assemelha-se notavelmente à descrita em Ap 20:11-15. Ambas dão ênfase à sua universalidade, assim como ao fato de tratar-se de um julgamento de obras — as obras evidenciando, está claro, a fé interior. Encontramos a mesma ênfase nas palavras do Senhor (Mt 16:27): "Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um conforme as suas obras." A mesma nota é patente nas solenes palavras: "Vem a hora em que os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo." (Jo 5:28, 29). Ao som da mesma voz, ouvida ao mesmo tempo, todos sairão dos túmulos para o julgamento. Nenhum dos Seus ouvintes, por maior que fosse o esforço de imaginação que fizesse, poderia compreender as palavras de Jesus como significando dois julgamentos separados por mil anos.

O chamado Credo de Atanásio é um excelente resumo da maior parte do que aprendemos dos ensinos de Jesus: "Subiu ao Céu, está assentado à mão direita de Deus Pai, Todo Poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos. À Sua vinda todos os homens se erguerão de novo com os seus corpos e darão conta dos seus atos."

Não se diga que toda esta discussão tem pouca importância. A idéia dos ímpios serem convocados à presença de Deus mais de mil anos depois dos justos leva, no mínimo, à diminuição do "terror do Senhor", um terror que as Escrituras repetidamente associam à Sua vinda, ao soar da última trombeta para o grande julgamento final e universal.

Além disso, quando serão julgados aqueles que — dizem — serão salvos durante o milênio? De conformidade com o quadro dos pré-milenistas, o julgamento dos santos já terá tido lugar e o dos ímpios é o único que terá ainda de ocorrer.

O Senhor Jesus ensina claramente que haverá um julgamento geral, universal, quando da Sua segunda vinda. Virá em forma visível e gloriosa. Para os ímpios isso significará juízo final, irrevogável. Para os santos não será a felicidade de um milênio mas, realmente, os céus dos céus, onde passarão a habitar — pois não disse Ele: "Vou preparar-vos lugar e depois que eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e levar-vos-ei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também (Jo 14:2,3)?

Regozijai-vos, salvos. Vós, pecadores impenitentes e des

cuidados mestres de religião, alertai-vos. Cristo virá e a porta

será fechada. A sentença será pronunciada: eterna bem-aven-

turança ou desgraça eterna.

CAPITULO IX

A SEGUNDA VINDA, NO ENSINO DOS PRIMEIROS APÓSTOLOS

Os Atos dos Apóstolos — No Livro de Atos, encontramos várias referências à volta do Senhor; na ascensão, descrita no capítulo l.°, os discípulos O fitavam, enquanto subia, "como que levando consigo os seus olhos e corações" para o Céu. Anjos lhes asseguraram que havia de vir assim como para o céu O tinham visto ir, isto é, em pessoa e em forma visível.

No capítulo 3:21, Pedro fala de Cristo: "ao qual é necessário que o céu receba até aos tempos da restauração de todas as cousas." A expressão "todas as cousas" não significa "tudo", no sentido absoluto, pois a Bíblia não ensina universalismo. O Filho de Deus, que encarnou, mas agora está glorificado no céu, ali deve ficar, diz este versículo, até que seja restabelecida toda a ordem possível e restaurada a comunhão com a Divindade de todos os que para isso Ele designou (Ver o livro "Comentário de Atos", escrito pelo Dr. J. A. Alexander). É necessário que Ele continue à mão direita de Deus, pois de lá guia todas as cousas em direção ao glorioso acontecimento, quando se concluirá o plano maravilhoso que está executando. Sua permanência no céu é o meio para a consecução desse plano. Pedro, que aqui está discorrendo acerca da "restauração de todas as cousas", refere-se, sem dúvida, à segunda vinda do Senhor, quando (conforme escreveu no capítulo 3 de sua segunda carta) haverá grandes transformações no mundo, sendo queimados céus e terra, surgindo, então, novos céus e nova terra. Ao voltar, o Senhor fará uma obra completa e, na terra renovada, não haverá pecado e cousa alguma fora do lugar.

Em Atos 10:42, Pedro diz: "E nos mandou pregar ao povo e testificar que Ele é quem foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos." Cristo é indicado como o futuro Juiz de toda a humanidade — de todas as gerações — passadas, presentes e futuras.

No capítulo 17:30, 31, Paulo afirma: "Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam. Porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça por meio de um varão que destinou." O julgamento será um tribunal solene para todo o género humano de uma vez. Não vamos discutir se o dia de juízo será um dia comum de 24 horas. A declaração de Agostinho merece consideração: "Deus fará que cada homem reviva na memória todas as suas obras — boas ou más — em visão mental, com rapidez maravilhosa" e, assim, "todos serão julgados ao mesmo tempo e, apesar disso, individualmente." Certamente, os ouvintes de Paulo, quando falou em "um dia" não pensaram querer ele dizer um período de mais de mil anos, com um julgamento no início e outro no fim.

No capítulo 24:15, Paulo assegura que "haverá uma ressurreição dos mortos, tanto dos justos como dos injustos." Uma ressurreição, não duas. Repetimos: o ressurgir dos mortos será geral, total, sem exceção.

Como é natural, o ensino aPósólico apresenta, com respeito à segunda vinda do Senhor, o mesmo testemunho dado por Ele próprio. É verdade, conforme diz o Dr. Warfield, que a vinda de Cristo para julgar foi "o centro e a real substância da pregação de Paulo aos gentios."

I Carta aos Tsalonicenses

A seguir, vamos considerar as cartas de Paulo aos Tsalonicenses. Foram as primeiras por ele escritas, embora não figurem em primeiro lugar, em nossa Bíblia.

1 Ts. 4:13-18 é um trecho muitas vezes citado em apoio do ponto de vista pré-milenista. Na realidade, nada há, nessa passagem, sobre um arrebatamento secreto, pois não pode haver segredo em "alarido, voz do arcanjo e a trombeta de Deus." Mas o que algumas vezes se alega é não se encontrar aí qualquer menção à ressurreição dos ímpios, de onde se depreender que será em época diferente da dos justos. Acontece, no entanto, que Paulo está escrevendo com o intuito de confortar os santos entristecidos pela morte de amigos crentes. Evidentemente, ocorria ali, como na Igreja de Corinto, haver alguns que di-vidavam da ressurreição mesmo dos que morriam em Cristo Jesus e, por isso, se entristeciam tanto quanto os pagãos (v. 13). Devemos ter na lembrança que essa comunidade, ainda muito nova, tinha acabado de emergir do paganismo. Paulo escreve a fim de a tranquilizar. "Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem Deus os tornará a trazer com Ele. Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós os que ficarmos vivos até a vinda do Senhor não precederemos os que dormem. Porque o Senhor mesmo descerá do céu com alarido, com a voz do arcanjo e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois, nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor. Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras."

Quando Paulo diz: "os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro", a palavra "primeiro" expressa precedência, não com respeito aos ímpios, mas aos santos que ainda estiverem vivos. Ele está asseverando aos crentes de Tsalônica que os santos mortos, ao chegarem à presença do Senhor, quando Ele vier, não ficarão um instante sequer atrás dos que estiverem vivos. Não está Paulo, absolutamente, pensando nos ímpios, quando escreve tais versículos. Repitamos: seu objetivo é confortar os crentes acabrunhados pela partida de seus queridos, embora mortos em Cristo. Daí ser perfeitamente natural o silêncio com relação aos ímpios.

Silencia, de todo, entretanto, o apóstolo com respeito ao destino dos ímpios? Leia-se a passagem imediatamente a seguir: 1 Ts. 5:1-11. Trata do mesmo assunto de 1 Ts. 4:13-18. O quinto capítulo está intimamente ligado ao anterior. Principia com a palavra "Mas". O quarto capítulo responde à pergunta: Que acontecerá aos nossos amados que morreram no Senhor, quando Ele vier? O quinto trata da pergunta: Quando terá lugar o grande evento? A maior parte dos pré-milenistas tenta mudar o tema do capítulo 5, porque faz distinção entre "o dia do Senhor" e o da Sua vinda para os Seus. Já vimos, neste trabalho, não ser possível estabelecer tal distinção. Claro que essa passagem não lhe oferece qualquer base. Está perfeitamente ligada à precedente:

"Mas, irmãos, acerca dos tempos e das estações, não necessitais de que eu vos escreva. Porque vós mesmos sabeis muito bem que o dia do Senhor virá como o ladrão de noite. Pois que, quando disserem: há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores àquela que está grávida; e, de modo nenhum, escaparão. Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que aquele dia vos surpreenda como um ladrão." (1 Ts. 5:1-4). Aqui desmorona completamente a concepção pré-milenista de que os santos são arrebatados vários anos antes do dia do Senhor. O vers. 4 diz que os santos também serão atingidos naquele dia, porém ele não os apanhará de surpresa, despreparados, como um ladrão tenta fazer.

Além disso, o capítulo 5 de 1 Tsalonicenses demonstra que o dia da segunda vinda do Senhor traz condenação para os ímpios. Paulo associa a essa vinda tanto a ressurreição e glorificação dos santos como a repentina destruição dos ímpios. Sem a menor sombra de dúvida, "aquele dia" abrangerá todos: salvos e não salvos. Os crentes devem aguardá-lo (1 Ts. 5:4-10), pois então lhes será concedida salvação em toda a sua plenitude (vers. 9). Passarão a viver com Ele (vers. 10), ao passo que aquele mesmo dia trará fim à falsa segurança dos não crentes, em "súbita destruição."

I1 Tsalonicenses

O objetivo do 1.° capítulo desta carta é, ainda, confortar. Neste caso, o conforto se faz necessário por causa de perse guições e tribulações. Paulo insiste em que os sofrimentos dos Tsalonicenses constituíam uma prova do favor de Deus, que demonstrava considerá-los dignos do reino. Mas "Deus dará em paga tribulação aos que vos atribulam e a vós, que sois atribulados, descanso." (2 Ts 1:6 e 7).

Quando dará Ele, em paga, tribulação a uns e descanso a outros? O apóstolo responde prontamente: "quando do céu se manifestar o Senhor Jesus, com os anjos do seu poder, em chama de fogo, tomando vingança contra os que não conhecem a Deus." Será a sentença executada sobre justos e ímpios ao mesmo tempo? De novo responde o apóstolo: Sim, pois continua: "Os que não conhecem a Deus e não obedecem ao evangelho de Nosso Senhor Jesus sofrerão penalidade de eterna destruição.

Quando? Ele dá a resPósa: "Quando vier para ser glorificado nos Seus santos, e para se fazer admirável, naquele dia, em todos os que crêem." (vers. 10).

Podemos observar que, quando vier para a libertação dos Seus santos atribulados, o Senhor o fará como "labareda de fogo". Não se fala em arrebatamento secreto aqui! Mais importante, ainda, é notar como estão entrelaçados a recompensa dos justos e o castigo dos ímpios no tocante ao tempo, ambos ocorrendo imediatamente ao vir o Senhor.

Esta passagem deveria bastar para esclarecer perfeitamente que não haverá um arrebatamento oculto para, decorridos vários anos, sobrevir o aparecimento do Senhor, em toda a Sua glória, ao mundo.

Fica, também, totalmente esclarecido: uma vez que a vinda do Senhor traz aos ímpios "eterna destruição", sendo eles "banidos da face do Senhor" (vers. 9), nenhum ímpio sobreviverá à Sua vinda. Não haverá, portanto, iníquos para serem governados depois, durante mil anos. Mas, de acordo com os pré-milenistas, deverão, ainda, existir sobreviventes ímpios. E até no fim do milênio haverá deles, numerosos como as areias do mar — segundo a interpretação que dão ao vers. 8 do capítulo 20 do Apocalipse.

Esta passagem em I1 Tsalonicenses deveria fixar definitivamente o fato de não haver duas ressurreições separadas por mil anos: a primeira, dos justos, que receberão bem-aventurança e recompensa e a segunda, dos injustos, que experimentarão Sua ira e vingança. Está absolutamente claro que se descreve apenas um grande acontecimento final. É de um evento que se fala, acompanhado de descanso para o povo de Deus e de sofrimento para Seus inimigos. Está patente que o apóstolo trata da ressurreição geral e do julgamento final como ocorrendo no momento da vinda do Senhor.

Se Paulo estivesse escrevendo com o definido objetivo de combater a idéia de um julgamento em etapas, dificilmente o poderia ter feito com maior clareza do que nesta passagem.

CAPITULO X

A VITÓRIA SOBRE A MORTE

Em I Coríntios 15:22-27, lemos: "Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo. Mas cada um por sua ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na Sua vinda. A seguir, virá o fim, quando tiver entregue o reino a Deus, i.e., ao Pai, e quando houver aniquilado todo o império, e toda a potestade e força. Porque convém que reine até que haja Póso todos os inimigos sob Seus pés. Ora, o último inimigo a ser aniquilado é a morte. Porque todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés. Mas, quando diz que todas as coisas lhe estão sujeitas, claro está que se excetua aquele que lhe sujeitou todas as coisas."

É a seguinte a interpretação pré-milenista desse trecho: Os versículos 23 e 24 apresentam três fases de ressurreição: a) de Cristo; b) de Seus santos, quando Ele vier e c)' "o fim" da ressurreição, a saber, a ressurreição dos ímpios. Entre "b" e "c" coloca o pré-milenista o milênio e mais alguns anos. O reino que Cristo entregará ao Pai, no fim, é o do milênio. Durante esse reinado, Ele destruirá toda a lei que Lhe for contrária e subjugará todos os inimigos sob os Seus pés, sendo que o último a ser vencido será a morte.

É uma interpretação plausível. Examinemo-la, contudo.

Em primeiro lugar, observemos que as Escrituras não falam em "fim da ressurreição", porém, simplesmente em "o fim". Sempre que essa expressão aparece, significa o fim de todas as cousas, ou o fim do mundo. É, por certo, forçar o seu sentido querer transformá-la, aqui, em "o fim da ressurreição."

A palavra "depois", na sentença: "depois virá o fim" não importa, necessariamente, num intervalo entre a ressurreição dos santos e o 'fim". É comumente usada indicando sequência imediata. Muitos pré-milenistas admitem isso. Notemos, também, que a palavra "virá" (ou "vem", conforme alguns tradutores) não tem equivalente no Grego, de forma que, no original, a frase é apenas: "então" ou "depois", o fim.

Ao pré-milenista que descobre nessa passagem uma ressurreição dos ímpios mais de mil anos após a vinda de Cristo, respondemos que a introdução dos ímpios aí é inteiramente desprovida de importância. Todo o esforço de Paulo, neste capítulo, é para informar que aqueles que estão em Cristo ressuscitarão dos mortos, quando Ele vier ou, se ainda estiverem vivos, compartilharão da gloriosa transformação que naquele momento se processará. Ele está focalizando tão somente os que estão em Cristo, como em 1 Ts. 4. E as palavras "depois" ou "então virá o fim" do vers. 24 significam apenas que a ressurreição dos justos e o "grand finale", o fim de tudo, ocorrem na mesma ocasião. Isso se corrobora, fortemente, pela expressão "a última trombeta" no vers. 52. Essa trombeta soará quando ressurgirem os santos, excluindo-se qualquer outra perspectiva. A última trombeta será, realmente, "a última".

Vejamos outra vez a ordem dos acontecimentos de conformidade com o esquema pré-milenista, em sua interpretação de I Cor. 15:

a) — Ressurreição de Cristo.

b) — Os crentes são ressuscitados ao terminar a dispensação da Graça.

c) — (Após um curto período de tribulação, segundo a maioria dos pré-milenistas) o Milênio, i.e., o reinado de Cristo aqui na terra, durante o qual Ele vence todas as forças hostis e coloca todas as cousas sob os Seus pés, a última das quais será a morte.


O milênio todo será gasto nesse trabalho de conquista.

As Notas Scofield declaram a respeito de I Cor. 15: "O reino dos céus assim estabelecido (no milênio) sob o divino Filho de Davi tem por objetivo a restauração da auto ridade divina na terra, que poderá ser considerada como uma província revoltada. . . Uma vez feito isso, o Filho entregará o reino (do céu) a Deus, a saber, ao Pai, para que Deus ((o trino Deus) seja tudo em todas as cousas."

d) — Ao findar o milênio, haverá um curto período durante o qual Satanás será solto e comandará uma multidão dos quatro cantos da terra, numerosa como as areias do mar. Então virá "o fim", que o pré-milenista interpreta como querendo dizer o fim da ressurreição, a sua última fase, i.e., a ressurreição dos ímpios.

Ocorre, imediatamente, perguntar: Se o glorioso Salvador reinou durante mil anos e colocou todas as cousas, até o último inimigo sob Seus pés, de onde virão as hostes malignas ("dos quatro cantos da terra") ao fim desses mil anos? Para essa pergunta não tem o pré-milenista resPósa satisfatória.

Mas o que desejamos estudar especialmente, agora, é o reino mencionado nos vers. 24 e 25, quando Cristo abolirá todo principado, toda potestade e poder. Qual será o seu início e quando o seu fim? Vimos que o pré-milenista o faz principiar após a segunda vinda de Cristo para os Seus e durar mil anos. Será assim? De nossa parte, parece fácil fixar a terminação desse reino que Cristo entregará ao Pai. Tendo fixado a terminação, ser-nos-á, então, possível — assim o cremos — determinar o seu início. Concordamos com as "Notas Scofield" quanto a parecer claro que as conquistas citadas nos vers. 24 e 25 levarão algum tempo. Observem-se as expressões: "Convém que Ele reine até que. . . e "o último inimigo." Finalmente, entretanto, o último inimigo, a morte, será abolido e, então, todas as cousas estando sujeitas a Cristo, Ele entregará o reino a Deus, o Pai (vers. 26 e 28). Assim, está claro que a morte é o último inimigo e, quando ela for derrotada, terminará esse reino. Mas o versículo 54 nos diz quando será abolida a morte: quando os mortos ressurgirem, incorruptíveis, e os vivos forem transformados. E os mortos ressurgirão e os vivos serão transformados quando Cristo vier (vers 52). Então, será a morte tragada pela vitória (vers. 54). "O espetáculo de multidões, não tocadas pela morte, recebendo seus corpos perfeitos e imortais será o grande aparato cénico da conquista da morte."

Que reino é esse, que assim termina à vinda de Cristo para ressuscitar os Seus santos? As Escrituras ensinam, conforme destaca o Dr. Charles Hodge, três aspectos do reino de Cristo:

1) — Aquele que Lhe pertence intrinsecamente, como um ser divino, reino esse que se estende sobre todas as criaturas e do qual Ele jamais se poderá despojar.

2) — O que Lhe pertence como o Filho de Deus encarnado, e que abrange todo o Seu povo. Esse também é eterno. Cristo será eternamente o cabeça e o soberano dos remidos.

3) — O domínio ao qual Ele foi exaltado, após Sua ressurreição, quando Lhe foi entregue todo o poder no céu e na terra. Esse reino, que governa como homem-Deus e que se estende por sobre todos os principados e potestades, Ele vai entregar, quando estiver terminada a obra de redenção. Foi investido dessa autoridade no Seu caráter de mediador, a fim de executar o Seu trabalho até a consumação. Feito isso, a saber, quando houver subjugado todos os Seus inimigos, então não mais reinará sobre o universo como mediador, mas apenas como Deus. E chefiará perpetuamente o Seu próprio povo.

Já vimos que o reino de Cristo como mediador deverá findar quando Ele voltar e derrotar Seu último inimigo — a morte. Quando começará?

Escrevendo aos Colossenses, no cap. 2:15 Paulo diz que Cristo triunfou, pela cruz, sobre os principados e potestades (as mesmas palavras gregas usadas em I Cor. 15:24). Assim, a vitória foi, em princípio, alcançada no Calvário e naquela primeira manhã da ressurreição. E Cristo deve reinar, nas alturas, até que essa vitória seja perfeitamente completada (vers. 25 de I Cor. 15). Podemos, agora, fixar o início desse reino na ressurreição de Cristo. Comparemos Mateus 16:28, Marcos 9:1 e Lucas 9:27. O Salvador ressurreto foi feito Senhor e Cristo (Atos 2:36). Ele é que foi elevado a Príncipe (Atos 5:31) e pôde asseverar: "Todo o poder me é dado no céu e na terra" (Mt 28:18).

O reino de Cristo como mediador já existe, portanto. Quando Ele vier de novo, o último inimigo (a morte) será destruído e Ele entregará esse reino ao Pai. Então, terá início o Reino de Deus, na plenitude de sua glória (vers. 50 de I Cor. 15). Nesse reino perfeito, carne e sangue não podem penetrar no seu atual estado. Apenas os santos glorificados, com seus corpos transformados, o poderão herdar (vers. 50 a 54). Mas os pré-milenistas fazem distinção entre o remo de Cristo, que dizem ser o milênio, e o reino de Deus, que qualificam de "estado eterno". De conformidade com o seu modo de entender, os santos glorificados, após a vinda do Senhor, deverão entrar no reino de Cristo — o milênio. Acabamos de demonstrar, todavia, que eles penetram, em verdade, no reino de Deus, em toda a sua glória (vers. 50-54) ou seja, no estado eterno, não no milênio (V. Mateus 13:39, 41 e 43).

Mesmo uma leitura superficial do trecho — I Cor. 15:22-28 — confirma isto: o reino de Cristo ali mencionado já existia (e continua a existir). Desses versículos se depreende, também, indubitavelmente, não se tratar de um reinado de milênio, Póserior à vinda de Cristo, mas do Seu reino como mediador, o qual chegará ao fim, ao ressuscitarem os Seus santos e ao serem, para sempre, libertos por Ele dos últimos vestígios do poder da morte. Então, será a morte tragada na vitória e se erguerá o grito: "Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde, a tua vitória?" (vers. 55).

É em consonância com esse ponto de vista a propósito do reino, exPóso no versículo 24 como sendo um reino atual, que em Efésios 1:21 Cristo é descrito já assentado acima de "todo o principado, e poder, e potestade, e domínio."

Quão glorioso é saber que Cristo está reinando agora! E reinará até que tenha Póso todos os Seus inimigos sob os Seus pés. "Então vem o fim" — a gloriosa consumação de todas as cousas.

CAPITULO XI NOVOS CÉUS E UMA NOVA TERRA

A Carta aos Romanos —

Nos versículos 3 a 16 do 2.° capítulo da epístola aos Romanos, lemos:

"E tu, ó homem, que julgas os que fazem tais coisas, cuidas que, fazendo-as tu, escaparás do juízo de Deus? Ou desprezas tu as riquezas da sua benignidade e paciência e longanimidade, ignorando que a benignidade de Deus te leva ao arrependimento? Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus. O qual recompensará cada um segundo as suas obras. A saber: a vida eterna aos que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, e honra e incorrupção, mas a indignação e a ira aos que são contenciosos, e desobedientes à verdade e obedientes à iniquidade; tribulação e angústia sobre toda a alma do homem que obra o mal; primeiramente do judeu e também do grego; glória, porém, e honra e paz a qualquer que obra o bem; primeiramente ao judeu e também ao grego. Porque, para com Deus, não há acepção de pessoas. Porque todos os que sem lei pecaram sem lei também perecerão, e todos os que sob a lei pecaram pela lei serão julgados ... no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, há de julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho."

Trata-se aqui, indiscutivelmente, do julgamento final. Mesmo a ressurreição dos justos está implícita, quando o apóstolo se refere aos que procuraram a imortalidade como a recebendo em "vida eterna." Nesta passagem, Paulo ensina que o julgamento dos justos e dos maus será simultâneo. "No dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens por meio de Jesus Cristo" duas cousas acontecerão: os que houverem procurado glória, honra e incorruptibilidade receberão vida eterna e aos que tiverem sido desobedientes sobrevirão indignação e angústia. Dr. David Brown diz: "Essa passagem é singularmente decisiva. Observe-se a alternação dos justos para os ímpios e dos ímpios para os justos, na descrição de um mesmo dia de julgamento." Diz o Bispo Walde-grave: "Ela nos instrui, declarando clara e reiteradamente que, assim como haverá uma convocação simultânea de justos e injustos, haverá igualmente simultâneo julgamento, sem exceção de um só indivíduo, no Tribunal de Juízo para a eternidade."

Não fica bem aos pré-milenistas tomar "o dia" aqui mencionado como um período de mais de mil anos, com um julgamento no seu início e outro no fim, citando, como apoio, o texto "um dia é para o Senhor como mil anos". Conforme sugere o Bispo Waldsgrave: "Poderíamos, com igual propriedade, sustentar que o resto do texto "e mil anos como um dia" dá a interpretação correia do "milênio" de Apocalipse, 20. Paulo, em Romanos, 2, e o seu Mestre, em Mateus 25, declaram, coincidentemente, o julgamento simultâneo de toda a humanidade. O apóstolo descreve um só evento, perfeitamente unificado, no qual são decididos os destinos de todos — para sempre.

A l.a Epístola de Pedro

No 1.° capítulo desta carta, lemos que o povo escolhido de Deus tem uma "viva esperança" de "uma herança incorruptível, incontaminável e que não pode murchar, guardada nos céus" para ele (I Pedro 1:3,4). A herança milenária, a cujo respeito muitos são tão entusiastas, não deixa de ser mesclada com o mal — uma parcela bem considerável de mal, que se manifesta, ao fim do período, em uma multidão de rebeldes cheios de perversidade infernal. Essa herança do milênio é terrena e de duração limitada. Mas a herança para a qual Pedro chama a atenção do crente não apresenta qualquer defeito; cousa alguma a macula. Sua felicidade é eterna e "no céu". Não é de admirar que Pedro exorte os crentes a colocar sua esperança, inteiramente, na graça que lhes estava sendo trazida "na revelação de Jesus Cristo." (I Pedro 1:13) pois que, quando Cristo aparecer, toda a Igreja resgatada será levada para estar para sempre com o Senhor, nas mansões celestiais, às quais não terão acesso o mundo, a carne, ou satanás.

A 2.a Epístola de Pedro

No capítulo 3 desta epístola, o apóstolo se dispõe a fazer lembrar a seus leitores verdades já bem conhecidas. Isso faz porque surgiriam escarnecedores, que zombariam da doutrina da volta de Cristo, dizendo: "Onde está a promessa de sua vinda?" Esses escarnecedores imaginariam que o mundo continuaria sempre como foi no passado. Mas Pedro assegura o contrário. "Os céus e a terra que agora existem" — diz ele — "são guardados e reservados para o fogo, para o dia do juízo e perdição dos homens ímpios... O Senhor não retarda a sua promessa... O dia do Senhor virá como ladrão de noite. . . os céus passarão com grande estrondo e os elementos se desfarão, ardendo se fundirão, e a terra e as obras que nela existem serão queimadas. Vendo, então, que todas essas cousas serão desfeitas, que pessoas vos convém ser em santo trato e piedade, aguardando e apressando-vos para a vinda do dia de Deus, em que os céus em fogo se desfarão e os elementos ardendo se fundirão? Nós, porém, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra em que habita a justiça. Pelo que, amados, aguardando estas cousas, empenhai-vos por ser achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis." (II Pedro 3:7-14).

Destaquemos alguns pontos nesta passagem:

I — Pedro não está ensinando cousa nova, pois expressamente diz estar repetindo verdades bem conhecidas, ensinadas por profetas e apóstolos. Usa a mesma figura empregada pelo Senhor Jesus e por Paulo, quando compara a vinda do Senhor à de um "ladrão" (ver II Pedro 3:10, Mateus 24:42-44 e 1 Tsal. 5:2).

II — O "dia do Senhor" e a "vinda" do Senhor são uma e a mesma cousa. Observemos a conexão. Escarnecedores dirão: "Onde está a promessa de Sua vinda?" A isso Pedro responde: "O Senhor não retarda a sua promessa. . . O dia do Senhor virá." E acrescenta: "nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra." Os escarnecedores podem zombar da "promessa de sua vinda" mas Pedro nos assevera, por duas vezes, que aquela promessa há de ser cumprida, com absoluta certeza, na vinda do dia do Senhor, que trará novos céus e uma nova terra. Notemos ainda: o Senhor referiu-se a Sua vinda comparando-a com à de um ladrão. Pedro fala do "dia do Senhor" comparando-o à vinda de um ladrão. Essa é uma nova indicação de que "a vinda" e "o dia do Senhor" são um mesmo acontecimento.

III — Por ocasião da "vinda" ou "dia do Senhor" haverá uma grande conflagração. Uma palavra grega muito forte é empregada com referência ao desaparecer dos céus e da terra

— uma palavra que indica um incêndio total. Haverá grandes transformações cataclísmicas, quando o Senhor vier. Surgirão um novo céu e uma nova terra, sendo que o primeiro céu e a primeira terra terão desaparecido. Aquele que está assentado no trono dirá: "Vede, faço novas todas as cousas."

Isso não se coaduna com a doutrina pré-milenista de que Jesus virá para reinar em Jerusalém sobre um mundo muito parecido com o atual. Pelo que se lê em II Pedro, não haverá "velho mundo" após a Sua vinda. E certamente o coração cristão se delicia em pensar que não é sobre o mesmo mundo pecador que O rejeitou que Ele virá reinar, porém sobre um mundo novo.

IV — Essa destruição do céu e da terra será inesperada

— "O dia do Senhor virá como um ladrão à noite, quando os céus desaparecerão e a terra será queimada." O falecido Rev. James Hunter, M.A., citando esse texto, deu uma forte resPósa aos pré-milenistas que "dizem ser a Bíblia para eles infalivelmente verdadeira e, apesar disso, afirmam, com os cientistas ateus, que a terra durará ainda centenas de anos — mais de mil anos." Se tivessem razão, a dissolução da terra estaria ainda muito longe e não poderia sobrevir inesperadamente.

V — À vinda de Cristo surgirão um novo céu e uma nova terra em que haverá perfeição absoluta (II Pedro 3:13). O ré v. Jarnes Hunter, certa vez, disse: "Tem-se a impressão de que o diabo deve ter rasgado o 3.° capítulo da segunda carta de Pedro da Bíblia de alguns cristãos atuais." Ele estava pensando nas idéias estranhas a respeito de um reino terreno, após a vinda de Cristo, um reino formado, em grande parte, por homens e mulheres não regenerados, deixados para esse fim; um povo que um comentador pré-milenista (Walter Scott) admite estar "em condições — para dizer o mínimo — imperfeitas." Mr. Hunter continuou, afirmando que Cristo, quando vier, não terá de se preocupar com o suprir de pessoas o novo mundo. Estarão à mão: os seus próprios redimidos. "Impiedade", disse Mr. Hunter, "não existirá naquele mundo. . . tendo sido removidos a maldição e o pecado que a ocasionou, nada haverá a ferir ou destruir na santa montanha de Deus."

No novo céu e na nova terra, diz Pedro, "habita a justiça."

Em Romanos 8:21, somos informados de que a "criatura mesma (a própria criação) será redimida da servidão da corrupção para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus." Paulo prossegue, dizendo que não apenas a criação mas "nós mesmos gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção de nossos corpos." Toda a natureza, agora gemendo sob a maldição pronunciada quando se deu a queda, aguarda uma libertação e renovação correspondentes à libertação dos redimidos. Essa libertação não pode ser o milênio, uma vez que o pecado permanecerá durante ele, embora contido pelo governo de Cristo. É à "gloriosa liberdade (literalmente, à liberdade da glória) dos filhos de Deus" que a criação deseja ardentemente ser admitida. Essa liberdade gloriosa, experimentada quando da redenção ou ressurreição do corpo, é um estado de perfeição absoluta. Podemos ver que Paulo (Rm 8:21,23) e Pedro (em sua segunda carta) se referem à mesma grande transformação ou ao "fogo" de que emergirão novos céus e uma nova terra, apropriados para serem a morada dos santos glorificados.

VI — Pedro concita os crentes — em vista da inevitável dissolução do céu e da terra, quando Cristo vier — a que aguardem e apressem "a vinda do dia de Deus, quando os céus em fogo se desfarão e os elementos, ardendo, se fundirão." O dia do Senhor e o dia de Deus são manifestamente o mesmo, pois o que deverá acontecer em um é citado como acontecendo também no outro (II Pedro 3:10 e 12). Para o grande evento de que Pedro fala, os cristãos devem estar em constante preparo, santificando-se enquanto o aguardam. Será um grande dia para eles.

VII — Evidentemente, será um dia temível, de juízo e perdição para os ímpios (vers. 7). Vindo com o imprevisto de um ladrão, os alcançará desapercebidos. Ressalta dos versículos 7, 10-12 que o dia da "destruição" dos céus e da terra pelo fogo é o mesmo "dia de julgamento e perdição dos ímpios" e o dia feliz que os cristãos devem esperar com alegria.

Essa passagem (II Pedro, 3) não deixa lugar para um milênio em que, após a segunda vinda, pessoas não salvas passarão a viver, participando de algo da sua bem-aventurança. Não existirá qualquer mal, ainda que um mal controlado, em todo o vasto domínio dos santos de Deus, ressurretos e glorificados. Eles herdarão, afirma Pedro, um novo céu e uma nova terra onde só habita a justiça.

Vamos passar, agora, ao livro do Apocalipse. Recordemos, no entanto, o ensino dos Evangelhos, do Livro de Atos e das Epístolas. Verificamos que nenhum deles, em passagem alguma, ensina que a segunda vinda dará lugar a um reino provisório onde as glórias dos santos ressurretos, com seus corpos glorificados, serão partilhadas com pecadores. O testemunho unânime do Senhor Jesus e Seus apóstolos é que a segunda vinda trará perdição total aos ímpios e felicidade eterna aos crentes e desse estado eterno de bem-aventurança o pecado estará completamente e para sempre excluído.

Dr. Robert Strong, de cujos artigos no "The Presbyterian Guardian" recebemos muitas sugestões sobre o assunto, resume o ensino do Novo Testamento no tocante à segunda vinda da seguinte forma:

"O Senhor volta a um mundo que ainda é hostil ao seu Evangelho e ao Seu domínio. Ressuscita os corpos dos santos mortos e os traslada, bem como os Seus santos que ainda vivem, para permanecerem com Ele. Destrói o An-ticristo e seus seguidores rebeldes em uma catástrofe de fogo que consome também o mundo. Estabelece o trono do Seu julgamento e convoca perante ele homens e anjos. Então, os que tiverem sido justificados serão absolvidos publicamente e aclamados como Seu povo e os homens ímpios e anjos rebeldes serão com justiça destinados à perdição eterna. Cria novos céus e uma nova terra a fim de serem a habitação da justiça para sempre.

Considerando que nós, os que cremos, aguardamos tais acontecimentos, devemos nos esforçar diligentemente para sermos encontrados em paz, sem mácula e inculpáveis à Sua vista. Que outros sejam despertados para buscar o Senhor enquanto se pode achar!

CAPITULO XII TRÊS INTERPRETAÇÕES DO APOCALIPSE

Os intérpretes do Apocalipse podem ser agrupados em três escolas principais, conforme a resPósa que dão à pergunta: "A que período de tempo se referem as visões e acontecimentos do Livro?" Se respondem: "ao passado", são preteristas (Do Latim — praeter, passado). Se respondem: "ao futuro", são futuristas. Se a resPósa é que entendem o Livro como abrangendo, em sua extensão, toda a história do reino de Cristo, eles são o que o Dr. N.B. Stonehouse qualificou de "compreensivistas", isto é, adotam uma interpretação que compreende passado, presente e futuro dentro do escopo do Livro.

I — O Preterista — sustenta que o livro tem em vista, pelo menos como objetivo principal, acontecimentos contemporâneos do apóstolo João, ou que estavam muito próximos, quando ele o escreveu. Suas profecias foram cumpridas até o tempo de Cons-tantino, i.e., até o começo do 4.° século depois de Cristo. Um jesuíta, Alcasar (A.D. 1614) foi o criador dessa escola.

O Apocalipse, a nosso ver, indica com a maior clareza que não se limita aos dias dos Césares. Conforme escreve o Dr. Wm. Milligan: "Trata de muita cousa que deverá acontecer até o fim dos tempos, até a total realização da luta da Igreja, até a sua completa vitória e a consecução do seu descanso. . . Há um desenvolvimento gradativo no livro, que só termina com o final advento do Juiz de toda a terra." A interpretação preterista resumiria o Apocalipse a um manual de história da Igreja sob os Césares. É patente, contudo, que a obra tem um alcance muito mais vasto e muito maior utilidade.

II — O futurista — assegura ser o objetivo do livro — o primordial, pelo menos, descrever os eventos que se centralizam na volta de Cristo. Essa interpretação transfere a verdadeira importância da maior parte do Livro para um período curto, no fim dos tempos (pelo menos na sua interpretação mais estrita). O jesuíta Ribera (A.D. 1603) fundou esta escola. John Darby, entre outros, adotou essa interpretação, que está, hoje, muito difundida. Em sua grande maioria, os pré-milenistas são futuristas. Walter Scott, em seu Comentário do Apocalipse, dá a interpretação futurista comum. "Os capítulos 2 e 3 descrevem a história moral da Igreja em sucessivos períodos, a partir do fim do 1.° século do Cristianismo. . . Nos capítulos 4 e 5 a cena se passa no céu, e não na terra, tendo os santos sido removidos para o seu lar celestial. . . Colocamos o arrebatamento dos santos depois da ruína da Igreja, demonstrada no capítulo 3, e antes da glória descrita no capítulo 4." E continua Scott, dizendo que "os eventos relativos aos Selos, às Trombetas e às Taças da ira se dão após o arrebatamento e antes do aparecimento em glória." E acrescenta: "Seria impossível compreender o Apocalipse, se isso não se percebesse claramente." Como se pode perceber isso claramente, se não existe o menor indício de um "arrebatamento" entre os capítulos 3 e 4 e nenhuma sugestão, em ponto algum, de que as Cartas às Sete Igrejas, que ocupam os capítulos 2 e 3 indicam sete "períodos sucessivos" na história da Igreja?

O Dr. D.G. Barnhouse diz, ao expor o Apocalipse: "A base para o estudo (ou o seu ponto de partida) é que a maior parte deste livro está inteiramente fora da época da Igreja e que o re-ajuntamento de Israel é o centro da cena, sendo que a Igreja nem aparece." Assim, essa surpreendente teoria futurista pede creiamos não ter o livro do Apocalipse — em sua quase totalidade — cousa alguma a ver com a Igreja, suas lutas, tribulações e triunfos. Philip Mauro, que tinha sido futurista, teve razão ao afirmar que essa teoria "tende a anular o interesse por esse livro maravilhoso, empurrando as suas profecias para muito longe de nós, fazendo que as suas revelações, transcendentemente importantes, pareçam destinar-se a uma outra dispensação que não a nossa, a dispensação chamada "dos santos em tribulação", desligando-o, assim, do restante da Bíblia. Mauro acrescenta: "Há alguns anos, quando levantei essa questão em conversa com um futurista, ele sugeriu não nos incomodássemos com os "santos em tribulação" mencionados em um, apenas, dos 66 livros da Bíblia. Mas eu me incomodo, e muito, especialmente por estar firmemente persuadido de que os "santos em tribulação" da escola futurista são de todo imaginários. Os verdadeiros "santos em tribulação" somos nós, o povo de Deus desta dispensação (Jo 16:33, Atos 14:22)." Seria de muito pequeno conforto, por certo, para os santos do tempo de João, muitos dos quais, como ele próprio, sofrendo sob o Imperador Domiciano, receber um livro que tratasse quase que exclusivamente de homens que viriam a existir milênios mais tarde.

O "Comprehensivista" — O que adota este ponto de vista afirma que o Livro não trata de um período limitado do reino de Cristo no seu início (conforme diz o preterista) ou no fim (como o futurista), mas abrange toda a história desse reino, desde o primeiro Advento até a Consumação. Esse grupo engloba: a) Escola Histórica da Igreja; b) Continuidade Histórica e c) Histórico do Reino.

O primeiro desses grupos considera o livro como apresentando as fases principais da história da Igreja. Esse ponto de vista surgiu nos primeiros séculos da era cristã. Os primeiros escritores a tratar do assunto eram futuristas apenas num ponto: achavam que as visões do Apocalipse estavam começando a se cumprir no tempo deles. Criam que as cousas previstas estavam sendo preparadas nos seus dias e não diziam respeito apenas ao fim. Lutero e os reformadores em geral pertenciam a essa escola e autores Póseriores, como o Bispo Wordsworth (1807-1885), seguiram suas pisadas.

O segundo grupo difere do primeiro principalmente por interpretar o livro como História ininterrupta. Não existe, no seu entender, sobreposição de visões: os selos seguem um a outro em sequência cronológica. O sétimo selo abrange as sete trombetas; as trombetas seguem-se uma a outra no tempo e a sétima trombeta abrange as sete taças da ira. Assim, do primeiro selo à sétima taça a História decorre sem interrupção, do princípio ao fim da era cristã. Muitos dos que assim pensam acham que estamos nos dias da sétima taça e, portanto, perto da consumação.

O terceiro grupo é algumas vezes chamado de "simbólico" ou "espiritual" ou, ainda, de "Filosofia Histórica". Parece-nos preferível classificá-lo como a Escola do "Histórico do Reino", que não considera o Apocalipse como um relato contínuo, ininterrupto, da História da Igreja, nem mesmo, num sentido mais estrito, como um sumário dessa História. Toma, porém, o Livro como "tratando do reino de Deus, em toda a sua extensão, do começo ao fim, com o seu desenvolvimento até o grande clímax: a segunda vinda de Cristo." (Dr. Stonehouse).

Esses três pontos de vista, dentro do "Comprehensivism" têm em comum o fato de considerar o Livro como abrangendo toda a história do reino de Cristo. Em seu favor, deve-se dizer que estão de acordo com o restante do Novo Testamento. O Novo Testamento tem uma perspectiva escatológica: traz-nos sempre à mente a vinda do Senhor como a gloriosa esperança. Mas coloca, igualmente, tremenda ênfase no fato estupendo da Encarnação do Senhor e na profunda significação de Sua morte, ressurreição e ascensão. Esses eventos foram tão importantes, tão decisivos, que deram início aos "últimos tempos" (Hb 1:1; 9:26,1 João 2:18,1 Cor. 10:11) e através deles o povo de Cristo já está de posse da vida eterna e, mesmo agora, já assentado nos lugares celestiais (Ef. 2:6).

Em Mt 28:18-20 temos um testemunho claro do valor decisivo da morte e da ressurreição do Senhor. Aí Ele afirmou ter sido investido de autordade universal, entregou aos discípulos o grande encargo de levar a Sua mensagem a todo o mundo, e prometeu-lhes Sua contínua companhia até a consumação dos séculos. Em I Coríntios, 15, também, somos levados à contemplação do reino de Deus consumado (por ex., nos versículos 50-55), porém aí se dá forte ênfase aos fatos de Cristo já estar reinando e abolindo todo império, e potestade, e força, e dever reinar até serem vencidos todos os Seus inimigos, o último dos quais é a morte, que há de ser "tragada na vitória", por ocasião da ressurreição dos santos (vers. 24-26, 54).

É natural encontrar-se no Apocalipse essa mesma ênfase dos outros livros do Novo Testamento — ênfase não apenas no grande acontecimento final, mas também no estabelecimento e na preservação da Igreja antes de tal evento, e na contínua presença de Cristo com ela. É exatamente isso o que se dá.

A visão de Cristo exaltado, no primeiro capítulo, dá a tónica ou, pelo menos, a perspectiva de todo o livro. O Senhor está no meio dos castiçais e declara possuir as chaves da morte e do Inferno. Essa visão se relaciona intimamente às sete cartas dos capítulos 2 e 3 e simultaneamente constitui a introdução do livro todo. Isso se evidencia pelo fato dos principais elementos usados na descrição do Senhor, feita no capítulo I, serem repetidos não apenas nos capítulos 2 e 3, mas igualmente no 19.° (vers. 12, 15 e 21). O Senhor está, portanto, permeando toda a Sua Igreja e governa todas as cousas, tendo as chaves de todos os reinos.

No capítulo 1.°, vemos o reino de Cristo já presente nos tempos de João, pois o Seu povo pode dizer: "Ele nos fez reis e sacerdotes" (vers. 6). João e seus companheiros crentes faziam parte desse reino (vers. 9), cujo destino, sem dúvida, muito os preocupava. Sob um imperador que o perseguia, a própria existência desse reino estava ameaçada. A imensa extensão de sua história, cheia de grandes acontecimentos, é então exPósa por João, visando a confortar. Recebe ele ordem para escrever sobre "cousas que estão acontecendo e as que depois destas hão de acontecer" (1:19), o que parece indicar que o livro abrange a história completa do reino de Cristo, até a consumação. Apresenta ele persistentemente a gloriosa esperança e o apoteótico fim, mas também é rico em ensinamentos relativos à atual luta do Cristão. Incita-o a batalhar corajosamente e o conforta com o pensamento de uma redenção já obtida e do Cordeiro vitorioso já no meio do trono. Em outras palavras, o Apocalipse insiste na imensa importância do que Cristo vai fazer, mas anuncia também as transformações que ocorrerão no que Ele já fez e continua fazendo.

Se o Livro trata de toda a história do reino de Cristo, não haverá qualquer interrupção nessa história? Parece particular mente claro que sim, no fim do capítulo 11. Nos capítulos 10 e 11, ao som da última das sete trombetas é proclamado que não haverá mais tempo — tudo está consumado e o segredo de Deus terminou, tendo sido recompensados os Seus servos e punidos os ímpios. Em seguida, o capítulo 12 nos leva de volta ao primeiro advento — o nascimento de Cristo e Sua ascensão aos céus. O Prof. Kromminga, um dos mais recentes advogados do ponto de vista da continuidade histórica, reconhece haver nessa passagem uma volta ao início da era cristã. Na realidade, há tantos casos de volta, de recapitulação, bern como de antecipação, e tantos episódios isolados, que consideramos incorreta a interpretação desse segundo grupo (História ininterrupta). Ë, de fato, impossível colocar os detalhes do Livro no panorama dos acontecimentos da História. A própria diversidade de interpretações entre os adeptos dessa escola testemunha isso. Seria até injusto para com os pobres e incultos que procuram estudar o Apocalipse que fosse correia tal forma de o interpretar. Poucos de nós conhecem bem a história desses dezenove séculos. Não cremos haja Deus deixado a interpretação do Apocalipse depender do conhecimento da história da Igreja.

O que o Apocalipse apresenta é o grande drama do conflito entre Cristo e o Seu povo de um lado, e Satanás e seus seguidores do outro. Compreende o desenrolar de toda a história do reino de Cristo do princípio da era cristã ao grandioso clímax da segunda vinda.

CAPÍTULO XIII

O TESTEMUNHO DO APOCALIPSE

No exame desse livro, algumas de suas características devem ser particularmente observadas:

I — O Emprego de Símbolos — É essencialmente simbólico. Há, nele, o que se pode chamar de linguagem didática. Por exemplo, apresenta informações claras acerca da segunda vinda de Cristo. Mas as tentativas de uma interpretação literal soçobram no rochedo do caráter patentemente simbólico de muito do seu conteúdo. Está escrito, na sua maior parte, em linguagem de sinais. João o recebeu em visões. Estava (literalmente, "foi arrebatado") no Espírito, no dia do Senhor. O mundo invisível lhe foi desvendado e, como num grande drama, sucessivas visões passaram à sua vista.

Pensemos na visão de Pedro, mencionada no capítulo 10 de Atos. Em estado de transe, viu um grande lençol, atado pelas quatro pontas, que desceu do céu, trazendo toda sorte de quadrúpedes, répteis e aves. Embora com certa dificuldade a princípio, Pedro acabou por perceber o sentido profundo daquela visão. Ela o preparava para reconhecer que Deus não fazia acepção de pessoas e receberia, sem qualquer reserva, Gentios que cressem, assim como Judeus. O mesmo acontece com as visões de João. Se as tomarmos literalmente, correremos o grave risco de obter apenas a casca, perdendo o grão — o verdadeiro sentido.

Tem havido alguns exegetas, como o Dr. Seiss, que insistem em uma interpretação totalmente literal. O próprio livro nos alerta contra isso. Fala, por exemplo, de uma mulher assentada "sobre sete montanhas", porém nenhuma mulher o poderia fazer. Refere-se, também, a um assombro no céu: uma mulher, sofrendo para dar à luz, "vestida com o sol e a lua sob os seus pés, tendo sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas", e continua a descrever a mesma mulher como tendo "as duas asas de uma grande águia." Não é exato que os próprios termos de tais descrições nos advertem contra a sua interpretação literal?

No capítulo 14:4, lemos: "Estes são os quê não estão contaminados com mulheres, porque são virgens. . . Dentre os homens foram redimidos." Será bem difícil aos nossos amigos lite-ralistas deslindar um trecho como esse!

Lemos: "E o parecer dos gafanhotos era semelhante ao de cavalos aparelhados para a guerra; e sobre as suas cabeças havia umas como coroas semelhantes ao ouro; e os seus rostos eram como rostos de homens. E tinham cabelos como cabelos de mulheres, e os seus dentes eram como de leões. E tinham couraças como couraças de ferro; e o ruído das suas asas era como o ruído de carros, quando muitos cavalos correm ao combate." (9:7-9). Descreve, ainda, "uma grande saraiva caída dos céus, pedras do peso de um talento (mais de 45 quilos) (16:21) e, também, uma carnificina tão grande, que provocou um mar de sangue "pelo espaço de mais de 200 milhas, chegando até aos freios dos cavalos (14:20). Aceitar essas figuras literalmente é estragar o que foi escrito. Os detalhes são traçados exclusivamente para demonstrar o horror das cousas focalizadas.

Não faltam indicações de que João não está fazendo uma descrição literal, mas apresentando alegorias. No capítulo 19: 11-21, temos a vinda do Salvador, Rei dos reis e Senhor dos senhores, em um cavalo branco, com uma espada, e as aves do céu são chamadas para comer a carne de Seus inimigos, que Ele vencerá. Eis aí um quadro altamente expressivo de vitória total e todas as figuras de uma guerra são empregadas para torná-lo vívido. Mas a passagem contém uma advertência, repetida, de que não se trata de uma guerra literal. Duas vezes o escritor nos diz ser o instrumento da vitória uma espada que "saía da boca" do Conquistador. Não poderíamos pensar no Senhor da Glória empenhado em luta corpo-a-corpo com Seus inimigos. É bastante que Ele fale, como fez no Getsêmane (Jo 18:6) e Seus inimigos caem por terra.

O grande dragão vermelho do capítulo 12, diz-nos João claramente, é Satanás. As bestas do capítulo 13, um tanto semelhantes às citadas em Daniel, nos apresentam forças anu-cristãs, políticas e religiosas. Em um folheto intitulado: "Comunismo e Cristianismo", David Bentley Taylor escreve: "É profundamente lamentável que o livro do Apocalipse seja tão pouco explicado aos Cristãos. . . Em nenhuma outra parte das Escrituras está tão vívida e minuciosamente descrita a situação do povo de Deus na China, como nesse livro. Se você quer perceber o que há, sentir o ambiente ali, leia o 13.° capítulo do Apocalipse e lá coloque os cristãos chineses e os missionários naquele país. Os primeiros dez versículos indicam a força que têm de enfrentar; os oito últimos dão uma idéia da propaganda e eficiência que são associadas a essa força." Em outras palavras, esse é um caso da besta que sai do mar e da que sai da terra, ante os nossos olhos.

II — Desenvolvimento em direção ao clímax — Há um progresso, no livro, em direção ao grande clímax. As sete cartas (cap. 2 e 3) formam uma seção. O resto do livro se divide em seis partes. Em cada uma delas, João nos leva ao fim e depois começa de novo, de um ponto anterior. Há considerável paralelismo entre as várias seções (ou partes) e, se examinarmos com cuidado o fim de cada uma, descobriremos que a narração se movimenta num constante crescendo até atingir o clímax.

O capítulo 6 leva até a proximidade do fim, com os homens gritando às montanhas e rochas: "Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que está assentado no trono, pois é chegado o grande dia da sua ira."

O capítulo 11 também introduz o fim, com a última trombeta proclamando o acabar do Tempo.

No capítulo 14 o fim é descrito sob a figura de uma dupla colheita: a do trigo e a das uvas.

O capítulo 16 conduz à voz que vem do tronOj dizendo: "Está feito" e à entrega da taça do vinho da indignação de Deus, Leva-nos o capítulo 19 à vinda do Conquistador, no cavalo branco, Rei dos reis e Senhor dos senhores, vitorioso sobre todos os Seus inimigos.

O capítulo 20 nos conduz ao grande trono branco e todos os mortos, pequenos e grandes, na presença de Deus, cena que é seguida pelo quadro glorioso dos novos céus e nova terra — a consumação absoluta.

Há, sem dúvida, um desenvolvimento de ação até chegar ao clímax.

III — Harmonia com o restante das Escrituras — Em nosso exame do ensino do Novo Testamento com respeito à segunda vinda de Cristo, deixamos o Apocalipse até agora não apenas por ser o último livro da Bíblia, porém por ser um princípio seguro guiar-se o pesquisador pelo que está claro e bem definido, nas Escrituras, para a compreensão do que é figurado e de difícil interpretação. "Dentro dos devidos limites", diz o Dr. B.B. War-field, "a ordem de investigação deve ser do que é mais claro para o mais obscuro."

Já verificamos não existir qualquer alusão, nos demais livros do Novo Testamento, a um reinado de mil anos de Cristo na terra. Não só a palavra "milênio" não aparece nem uma vez, mas a própria concepção é desconhecida fora do capítulo 20 do Apocalipse. Mesmo quando Paulo está tratando com os Judeus expressamente do seu futuro, como no capítulo 11 da carta aos Romanos, nada diz acerca da restauração nacional e da preeminência da nação Judaica sob o cetro do Messias, durante o milênio, o que seria de esperar fizesse, se tais cousas tivessem de acontecer. Tem-se geralmente extraído dessa passagm (cap. 20 do Apocalipse), mal interpretada, a idéia de um milênio e procurado impo-la à força ao resto das Escrituras. Entretanto, essa concepção inexiste. Nos demais livros acresce ter sido, conforme vimos, definitivamente excluída, pelo ensino de muitas passagens.

O testemunho unânime dos Evangelhos, do Livro de Atos e das Espístolas é que a segunda vinda trará, como acompanhamento, a ressurreição geral e o juízo final de toda a humani dade. Encontramos esse ensinamento também no Apocalipse? Certamente, sim.

No versículo 7 do 10.° capítulo, lemos: "Mas nos dias da voz do sétimo anjo, quando tocar a sua trombeta, se cumprirá o segredo de Deus." O capítulo seguinte nos diz que "o sétimo anjo tocou a sua trombeta" e os vinte e quatro anciãos dizem: "e veio a tua ira e o tempo dos mortos, para que sejam julgados, e o tempo de dares o galardão aos profetas, teus servos, e aos santos, e aos que temem o teu nome, a pequenos e a grandes, e o tempo de destruíres os que destroem a terra" (parte dos vers. 15-18 do capítulo 11). Aqui está o fim. Os mortos são julgados, os santos de Deus, recompensados e os ímpios, destruídos. O Apocalipse fala de um julgamento geral, como o fazem os demais livros das Escrituras.

Vale a pena observar igualmente o cap. 16:14-16. Os três espíritos imundos "vão ao encontro dos reis de todo o mundo, para os congregar para a batalha, naquele grande dia do Deus Todo-Poderoso. Eis que venho como ladrão. Bem-aventurado aquele que vigia e guarda os seus vestidos, para que não ande nu, e não se veja a sua vergonha. E se congregaram no lugar que em hebreu se chama Armagedon." A escola pré-milenista comum (por ex., o Dr. Charles Feinberg) acha que a "vinda de Cristo como um ladrão" será para o "arrebatamento secreto". Neste trecho, todavia, ela está colocada na época que esses intérpretes consideram como o término do período da grande tribulação, depois do arrebatamento!

No capítulo 20, vers. 11-15, lemos a respeito do grande trono branco e dos mortos, grandes e pequenos, em pé, perante Deus. "E abriram-se os livros; e abriu-se outro livro, que é o da vida; e os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. E deu o mar os mortos que nele havia; e a morte e o inferno deram os mortos que neles havia; e foram julgados cada um segundo as suas obras. E a morte e o inferno foram lançados no lago de fogo; esta é a segunda morte. E aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo." Dr. Warfield comenta: — "É o julgamento geral, parece óbvio. Os por ele atingidos são descritos como "os mortos tanto pequenos como grandes", parecendo tratar-se de uma designação geral. Que a convocação para o julgamento não é apenas dos ímpios parece claro, pois não apenas foi aberto o "livro das ações" porém, também o "livro da vida" (mencionado duas vezes) e somente são lançados no lago de fogo aqueles cujos nomes não foram achados escritos no "livro da vida." Daí concluir-se haver alguns presentes cujos nomes estão escritos no "livro da vida." A destruição da morte e do inferno não significa ser o julgamento só dos inimigos de Deus. Quer dizer, simplesmente, que daí por diante, conforme Paulo também afirma em I Coríntios 15, não haverá mais morte. Existe, sem dúvida, a "segunda morte", mas essa é o lago de fogo, isto é, o castigo eterno. Trata-se, assim, do grande julgamento final, que é apresentado à nossa contemplação, incluindo a ressurreição geral e preparando a entrada para o destino eterno."

Assim, o Apocalipse se une ao testemunho unânime dos demais livros da Bíblia: uma ressurreição geral e um julgamento universal.

Resta examinar uma passagem bem conhecida — a que deu origem à teoria de um milênio terreno e é considerada seu sustentáculo: o capítulo 20 do Apocalipse. A Bíblia Scofield admite haver tal doutrina procedido desse trecho.

CAPITULO XIV

A INTERPRETAÇÃO DADA PÊLOS PRÉ-MILENISTAS AO CAPITULO 20 DO APOCALIPSE

Podemos considerar a "Exposição do Apocalipse" escrita por Walter Scott como revelando o ponto de vista generalizado entre os pré-milenistas. Assim esboça ele o capítulo 20: "Há quatro grandes ações: primeiro, a prisão de Satanás no abismo, durante mil anos (vers. 1-3); em segundo lugar, o reinado, com Cristo, de todos os santos do céu, durante mil anos (vers. 4-6); a seguir, vem a última e desesperada tentativa de Satanás para obter, novamente, o domínio do mundo, sua completa derrota e condenação final (vers. 7-10); por fim, o julgamento dos ímpios mortos (vers. 11-15)."

Os pré-milenistas em geral acham que os mil anos citados no capítulo 20 constituem o período do reino de Cristo em pessoa, aqui na terra, sobre o povo de Israel restaurado e as nações Gentias vencidas. Durante esse tempo, Satanás estará acorrentado e o mal, reprimido, enquanto com Cristo reinarão os Seus salvos, ressuscitados e trasladados. Nesse milênio, serão cumpridas as profecias do Velho Testamento com respeito à domes-ticação de animais selvagens e à restauração do templo, do culto e do ritual judaicos. Ao findar-se o milênio, Satanás será solto por um tempo limitado e insuflará as nações a se rebelarem contra o governo de Cristo e Seus santos, no que será bem sucedido, e comandará um número incontável de rebeldes, mas será vencido e então encontrará sua perdição final, no lago de fogo. Seguir-se-á o julgamento dos ímpios.

Vamos, agora, examinar essa interpretação: • Walter Scott dá ênfase ao "caráter simbólico da cena" no tocante ao acorrentamento de Satanás. Diz ele: "O anjo tem a chave do abismo e uma grande corrente na mão. Não é preciso insistir no simbolismo da cena, pois se evidencia à primeira vista." Scott pondera que os símbolos de chave, corrente e selo querem significar que "por intervenção angélica" a "liberdade de Satanás é restringida e sua esfera de operações, diminuída." Depois de admitir o emprego de símbolos no versículo primeiro, nega ele simbolismo nos versículos 2 e 4 — a chave e a corrente são símbolos, mas os mil anos não. Os mil anos, diz Scott, "em nosso modo de ver, devem ser considerados não com qualquer sentido simbólico, porém, significando exata e literalmente aquele período de tempo. A expressão "O MILÊNIO" — designando um período em que o Senhor reinará com Seus santos aqui na terra, em pessoa e publicamente reconhecido •— se origina desse capítulo."

Ainda bem que Scott admite que, sendo Satanás um ser espiritual, a chave e a corrente devem ter significado espiritual e não ser consideradas como objetos materiais. Formulamos, no entanto, enérgico protesto contra a forma, sem qualquer justificativa, pela qual esse autor mistura o simbólico e o literal, a seu bel-prazer. Uma palavra é simbólica, porque ele assim o deseja, ao passo que outra, no versículo seguinte e até no mesmo, deve, no seu entender, ser tomada em um sentido absolutamente literal. Essa é a característica do comentário de Scott ao Apocalipse em outros trechos, e determina toda a interpretação pré-milenista.

Os que consideram o número "mil" como literal não atentam para o emprego dos números no Apocalipse. Eles têm uma linguagem especial. Mesmo Walter Scott não toma o número "sete" no seu sentido estritamente literal; aceita que as sete Igrejas "representam a Igreja Universal." Mas por que seria um número simbólico e outro não? O Bispo Wordsworth chama atenção para o fato de que o número "mil" é usado mais de vinte vezes no Apocalipse, e acrescenta: "Nem uma vez sequer, creio, é empregado com significação literal mas, sempre, como um número perfeito." O Professor William Milligan comenta: "Se interpretarmos literalmente os mil anos, será esse o único caso em que um número, no Apocalipse, é assim tomado e esse fato deve ser suficiente para destruir tal interpretação."

Como é que os pré-milenistas encontram um reino na terra nos versículos 4-6? Lá não existe tal indicação. Em verdade, João teve o cuidado de dizer que viu "as almas dos que tinham sido decapitados." Isso esclarece que a visão não é de santos glorificados, que tiveram os corpos já transformados, mas dos que foram despojados dos seus corpos e se encontram no Paraíso de Deus.

Diz o versículo 4: "E vi tronos; e assentaram-se sobre eles e foi-lhes dado o poder de julgar; e vi as almas daqueles que foram decapitados pelo testemunho de Jesus e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal em suas testas, nem em suas mãos; e viveram, e reinaram com Cristo durante mil anos."

Não há qualquer razão para que se coloquem os tronos na terra. Os pré-milenistas, tão severos em se agarrar à letra da passagem, considerando o termo "mil anos" no seu sentido literal, deveriam ater-se ao que realmente ali se diz. Em outro lugar, no mesmo Livro, tais tronos são localizados no céu (Ap 4:4), em cujo caso os próprios pré-milenistas acham que se senta nos tronos o grupo dos redimidos e glorificados no céu.

Outra grande dificuldade para o pré-milenista, com a sua insistência no literalismo, é a identificação dos que estão sentados nos tronos. Apenas dois grupos são definidamente citados: os que foram decapitados por testemunharem de Jesus e os que se recusaram a se submeter à besta. Mas os pré-milenistas se esforçam arduamente por colocar aqui a ressurreição de todos os justos. Walter Scott percebe a dificuldade e procura introduzir todos os justos nas palavras "eles" (assentaram-se) e "lhes" (foi-lhes dado todo o poder), constantes da primeira parte do versículo 4 (cap. 20). Afirma Scott: "a palavra "eles" (em português, o sujeito oculto de "assentaram-se") refere-se, evidentemente, a uma classe bem conhecida . . . São todos os crentes do Velho e do Novo Testamento, ressuscitados ou transformados à vinda do Senhor nos ares. Esse é um grupo muito maior de santos do que o constituído pêlos mártires; por isso, não há outro lugar para o colocar no reino a não ser aí, sob os dois pronomes "eles" e "lhes". Acontece, todavia, que não existe menção de todos os

justos, no versículo 4, interpretado literalmente.

Walter Scott acha que os "decapitados" e aqueles "que não adoraram a besta" são os que serão martirizados durante o período da tribulação após o "arrebatametno" dos santos. Afirma que eles ressuscitarão às vésperas do milênio na terra, i.e., ao fim do período da tribulação e anos depois da ressurreição dos outros santos. Isso ele depreende das palavras: "as almas daqueles que tinham sido decapitados pelo testemunho de Jesus... eles viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Esta é a primeira ressurreição." Na realidade, de acordo com a própria interpretação de Scott, não seria a primeira, uma vez que a primeira ressurreição teria tido lugar anos antes, por ocasião do arrebatamento!

O Cónego A. R. Fausset, culto pré-milenista, também admite a dificuldade de colocar todos os justos no versículo 4, com base em sua interpretação literal. Ele afirma: "Acerca do alcance da primeira ressurreição nada se diz aqui." E nos aconselha a estudar I Coríntios, 15 e 1 Tsalonicenses, 4. Os pré-milenistas desejam, às vezes, que aceitemos todo o seu esquema de um milênio como perfeitamente claro, e até óbvio no capítulo 20 do Apocalipse. Evidentemente, não é assim.

A idéia de um reinado terreno de mil anos envolve os seguintes paradoxos: 1) — Os santos glorificados estarão em uma terra ainda não "glorificada" ou renovada, i.e., ainda não purificada pelo fogo; 2) Santos, com corpos gloriifcados, se misturarão com santos e com pecadores que não terão corpos glorificados. Seria um "mixtum gatherum"; 3) Satanás será acorrentado para que não mais engane as nações; apesar disso, elas continuarão, realmente, inimigas de Cristo, prontas para obedecer a Satanás e a guerrear contra os santos, tão logo termine o milênio. Os rebeldes parecem até mais numerosos que os justos, ao se findar esse período, pois são "como a areia do mar", enquanto que os santos se reúnem em um "arraial" e em uma "cidade" e só fogo vindo do céu salva o frágil agrupamento.

Aprofundando-se alguém no estudo da interpretação literal dada pêlos pré-milenistas, encontra terríveis dificuldades, oriundas da própria passagem. Existe, ainda, o problema de conciliar a sua teoria com o que vimos ser o testemunho unânime do restante do Novo Testamento, onde há esclarecimentos e instruções a respeito da segunda vinda. (V. nota abaixo).

No capítulo seguinte será apresentada uma interpretação muito mais satisfatória do capítulo 20 do Apocalipse.

Nota: Muitas passagens das Escrituras apontadas como dando base à idéia de um reino de Cristo na terra durante mil anos se referem, em verdade, ao que se deve entender como "reino eterno." Ex. II Samuel 7:16 — Isaías 9:7 — Daniel 2:44 e 7:14 e Lucas 1:33

CAPITULO XV

SATANÁS, UM INIMIGO DERROTADO E CONDENADO

No Livro do Apocalipse, do capítulo 12 em diante, são destacados três grandes inimigos de Nosso Senhor e dos Seus santos: Satanás (o grande dragão vermelho), a besta e o falso profeta (a segunda besta do capítulo 13 é, em capítulos Póseriores, chamada de falso profeta). No capítulo 19, temos a vitória do Rei dos reis e Senhor dos senhores sobre Seus inimigos. Vem exterminai-as nações e assegura sua completa derrota. Todos os exércitos inimigos são inteiramente destruídos e "todas as aves se fartam com a sua carne." É uma impressionante descrição de vitória total. Cristo elimina a besta, o falso profeta e todos os seus seguidores, e pisa o lagar da vinha do furor e da ira de Deus, Todo-Poderoso.

É indubitável que o capítulo 19 nos leva diretamente ao fim do mundo e, à completa vitória de Cristo. Entretanto, embora nos conduza ao fim, uma cousa esse capítulo não faz. Mostra-nos a condenação dos principais agentes de Satanás — a besta e o falso profeta e seus adeptos; todavia, não nos fala da condenação do próprio enganador. Isso é o que nos será mostrado logo a seguir. Assim, o tema principal dos primeiros dez versículos do capítulo 20 é a derrota de Satanás.

Não é de estranhar que, ao descrever essa derrota, o apóstolo João nos leve atrás, ao início da era cristã. Tal retrocesso está perfeitamente de acordo com a estrutura do Livro. Assim é que nos capítulos 10 e 11, como tivemos, já, ocasião de destacar, parece perfeitamente claro que, ao soar da última trombeta, se complete todo o plano de Deus para a história humana ("quando tocar a sua trombeta, se cumprirá o segredo de Deus (10:7) e chega a hora do julgamento dos mortos (11:18). Con tudo, apesar dessa descrição do fim, o capítulo 12 nos conduz, novamente, ao princípio da era cristã, pois aí encontramos a cena do dragão esperando para devorar a criança que vai nascer; a sua frustração e derrota. — A "criança-varão" é arrebatada para Deus e Seu trono. É evidente que essa criança-varão é Cristo, pois é descrita (12:5) como destinada a "reger todas as nações com vara de ferro" (sem dúvida, do Seu trono, como Mediador e, especialmente num dia futuro, como Juiz). Além disso, quando o dragão é precipitado, uma grande voz proclama: "Agora chegada está a salvação e a força e o reino do nosso Deus, e o poder do Seu Cristo (12:10). Assim, o assunto do capítulo 12 é o nascimento de Cristo e a Sua vitória sobre Satanás, consumada quando da Sua ascensão ao céu.

Uma volta ao começo da era cristã condiz perfeitamente com a estrutura do Livro do Apocalipse, além do que, se a vitória de Cristo sobre Satanás é o que se tem em vista apresentar, necessário se faz levar o leitor para trás, para o ministério de Cristo e a Sua cruz, pois o testemunho dos autores do Novo Testamento é unânime quanto ao fato de ter sido por meio da vitória de Cristo na cruz que Satanás foi "precipitado" na derrota.

Embora o capítulo 20 se assemelhe a outras seções do livro, conduzindo-nos do início da era cristã à grande consumação e ao Juízo final, apresenta algumas características que lhe são peculiares. Sua principal cena é a do acorrentamento de Satanás durante mil anos. Nessa vitória sobre Satanás por mil anos há um aspecto terreno e um celestial.

I — O Aspecto terreno (Ap 20:1-3 e 7-10). Os versículos l a 3 referem-se à prisão de Satanás. Trata-se de linguagem literal ou simbólica? Sem dúvida, existe simbolismo aí. Mesmo um literalista apaixonado como Walter Scott admite que a chave, a corrente e o selo mencionados são símbolos. Mas, se é assim, por que não considerar igualmente simbólicos os "mil anos" para os quais são usados?

:. Quando falamos do termo "mil anos" como um símbolo, não queremos dizer que não exista nele uma noção de tempo. Pode indicar um longo período, mas essa é apenas uma parte do seu significado. Outros exemplos de uso simbólico de números são encontrados em abundância no Apocalipse. Os "sete espíritos" em 1:4 são, evidentemente, o perfeito Espírito de Deus. Quem pode duvidar de que o número 666, em 13:18, tem uma linguagem própria? E no que diz respeito à cidade quadrangular, com comprimento, largura e altura de 12.000 "furlongs" (2.412 Kms,), se procurarmos considerar essas enormes dimensões unicamente no seu sentido literal, perderemos a sua profunda significação. O mesmo acontece com o número mil — é o número três, sagrado, adicionado ao sagrado número sete, para formar dez, número da perfeição, que é elevado à terceira potência (ou ao cubo). Fala da completa e perfeita vitória de Cristo sobre Satanás.

Há mais de 1.500 anos, Agostinho chamou atenção para o fato de que o acorrentamento de Satanás aqui mencionado é o mesmo citado pelo Senhor, quando falou de "manietar o valente" (Mt 12:26-29). O valente é Satanás e Cristo é mais forte que ele, pois veio para manietá-lo e despojá-lo de seus bens. Cristo está se referindo à Sua missão neste mundo. Isaías, no capítulo 53, que trata dos sofrimentos de Cristo, descreve também os resultados daqueles sofrimentos: "com os poderosos repartirá Ele o despojo." Através dos Seus padecimentos, Ele venceria Satanás e não deixaria de tomar os despojos da Sua conquista.

Muitos encontram grande dificuldade em admitir que Satanás possa estar preso agora, em vista de toda a escuridão, falsas religiões e terrível maldade predominantes sobre toda a terra. Devem, contudo, observar, em primeiro lugar, que linguagem igualmente forte é empregada com respeito à condição atual de Satanás, em passagens bastante claras das Escrituras. O apóstolo Paulo descreve Cristo como despojando Satanás e triunfando sobre ele e as suas hostes, pela cruz (Col. 2:15) e o autor da carta aos Hebreus fala de Cristo como "aniquilando o diabo" pela Sua morte (Hb 2:14). Pouco antes de ir para a cruz, o próprio Jesus disse que Satanás estava para ser expulso e julgado (Jo 12:31; 16:11). Em verdade, a vitória era tão segura que Ele a ela se refere como já alcançada.

O Dr. Robert Strong conta que, no princípio de 1938, o semanário decididamente pré-milenista "The Sunday School Times" publicou um desenho feito pelo Dr. E.J. Pace, que apresentava de forma a mais interessante e vívida a concepção neo-testamentária de um Satanás frustrado e preso. Assim descreve ele o desenho:

"Ao fundo, vê-se a cruz do Calvário. Em primeiro plano, Satanás está agachado. Há os dizeres: "O homem forte de Mateus 12:29." Está acorrentado e olha, com preocupação, por sobre o seu ombro esquerdo, para "o lugar horrível de fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos." O desenho é intitulado: "Um inimigo derrotado e condenado." Abaixo dessas palavras, aparecem os seguintes versículos: "Para isto o Filho de Deus se manifestou: para desfazer as obras do diabo." (I João 3:8); e "para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo." (parte de Hebreus 2:14).

Dr. Strong sugere que, para se tornar esse desenho completo como uma impressionante representação do ensino do Novo Testamento sobre o "acorrentamento" de Satanás, bastaria acrescentar-lhe uma linha: "Veja-se também Apocalipse 20:2." Convém observar que as Notas da Bíblia Scofield afirmam ser permitido a Satanás "certo poder" durante esta dispensação da Graça, acrescentando tratar-se de "um poder rigidamente limitado e apenas tolerado por Deus."

Em segundo lugar, deve-se notar que essa vitória sobre Satanás se coaduna com uma contínua atividade de sua parte, que é admitida por Deus. Nos Evangelhos, lemos que, ao voltarem os discípulos de certa missão, caracterizada, entre outros sinais, pela expulsão de demónios, Jesus disse: "Eu vi Satanás caindo como um relâmpago do céu." (Lucas 10:18). Entretanto, essa "queda" não o incapacitou. Empregou o máximo de seu poder contra Cristo não muito depois. Em II Pedro 2:4, lemos: "Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas ha vendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo." Chefe dos anjos que pecaram foi Satanás e aqui está descrito como "lançado no inferno" e "preso em cadeias". Não obstante, o próprio Pedro, em sua l.a carta, 5:8, diz: "O diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar." Está, assim, perfeitamente claro, pelo estudo dessas passagens, que a "queda" de Satanás e as suas "cadeias" não o privam de ativi-dades constantes entre os homens. Da mesma forma, o "acor-rentamento" de Satanás, no capítulo 20 do Apocalipse, não significa a cessação total de suas maléficas influências. Seu caso pode ser comparado, sob certos aspectos, ao de Al Capone, o gangster de quem foi dito (com exagero, sem dúvida) que governava Chicago da cadeia de Chicago. Satanás está, de fato, acorrentado, mas dispõe de uma corrente bem comprida!

Em terceiro lugar, chamamos atenção para o fato de que esta passagem (Ap 20) fala de uma restrição especial imPósa a Satanás. Repetidamente é ele mencionado nas Escrituras como sob limitação. Nos dois primeiros capítulos de Jó, aparece muito ativo, embora coibido. É-lhe permitido destruir os bens de Jó, mas não lhe pode tocar o corpo. Quando essa restrição é levantada, ainda assim ele é limitado, sendo-lhe proibido tirar a vida de Jó; quanto a esse ponto ele está acorrentado. O Apocalipse, como um todo, apresenta Satanás ativo, embora sob um freio. No capítulo 9, quando as forças do mal são liberadas, a chave do poço do abismo tem de ser usada para essa liberação. Quem a usa é "uma estrela caída do céu", i.e., Satanás. Note-se, porém, que ele não tem direito à chave. Ela lhe é dada. Além disso, no capítulo 12 ele combate a mulher e a sua semente, mas não obtém sucesso algum. Poder-se-ia julgar que, então, teria condições para vencer todos à sua frente. Há, todavia, a mão divina frustrando seus esforços. Em outras palavras, ele está sob controle.

No capítulo 20, se declara que Satanás está acorrentado "para que não mais engane as nações, até que os mil anos terminem" (vers. 3). O objetivo especial da prisão, aqui enfatizado, é este: "para que não engane as nações". Não se diz que as nações serão salvas e, se elas não o forem, num sentido muito real estarão ainda sob "o engano". Parece, assim, que a sentença "não mais engane as nações" se refere a determinado tipo de engano que não mais poderá ser exercido por Satanás. Dr. Wil-liam Hendriksen se refere aos tempos do Antigo Testamento, quando Deus permitiu que as nações andassem pêlos seus próprios caminhos (Atos 14:16), e estabelece contraste entre isso e o conhecimento de Cristo largamente generalizado hoje. Deduz que "o acorrentamento de Satanás e o fato de ser atirado ao abismo para ali permanecer durante mil anos indicam que, através da atual dispensação da Graça, iniciada com a primeira vinda de Cristo, e que se estenderá até a Sua segunda vinda, a influência do diabo na terra é diminuída. Por conseguinte, é ele impotente para evitar a expansão da igreja entre as nações por meio de um trabalho missionário ativo."

Embora possa ser verdadeira tal sugestão, o contexto indica outra explicação do "engano" que Satanás está privado de exercer. O versículo 3 diz que ele não mais enganará as nações até que terminem os mil anos. O versículo 7 repete esse pensamento e no 8.° se acrescenta que — uma vez terminados os mil anos —• ele surgirá para enganar as nações e reuni-las para "a guerra". Em outras palavras, o "engano" que não lhe é permitido agora e que, no fim, poderá exercer está claramente declarado: não se lhe admite "reunir as nações para a guerra" (no grego, "tom polemon"). Satanás tem um grande raio de ação, porém essa restrição lhe é imPósa. O que é essa "guerra" se revela nos capítulos 16:14-16 e 19:19, onde se descreve a mesma, culminante, batalha. É a batalha, ou a guerra do grande dia do Deus Todo Poderoso. Afinal, terá chegado a hora e se permite a Satanás exercer esse tipo de "engano", o que fará em grande escala, provocando o último conflito mundial. Inspirará um ataque em massa contra a igreja de Cristo. As nações que reunirá são citadas como "Gog e Magog", termos tirados da descrição dos inimigos do povo de Deus, feita por Ezequiel. Os três capítulos 16, 19 e 20 falam desse "congregar de nações" e dessa "guerra", João está descrevendo a opressão final que se fará à igreja de Cristo, em todo o mundo, precedendo a Sua segunda vinda. A Igreja é simbolizada na figura de um arraial e uma cidade. Chega ao ponto de parecer que vai ser destruída, mas, rápido como um relâmpago, Cristo intervirá e inflingirá derrota total a todos os Seus inimigos que são, também, os da Igreja. Seguir-se-ão a ressurreição e o julgamento final de todos, desde o mais alto governante até o mais humilde escravo (Ap 20:11-15).

II — O Aspecto Celestial — (Ap 20:4-6) — Estes versículos apresentam o aspecto celestial dos "mil anos". O versículo 3 fala de Satanás sendo acorrentado por mil anos, e acrescenta: "depois importa que seja solto por um pouco de tempo." O 7.° versículo repete o mesmo pensamento: "E acabando-se os mil anos, Satanás será solto de sua prisão e sairá a enganar as nações." Ë evidente que os versículos 7 a 10 são uma continuação direta dos de l a 3, de sorte que os de 4 a 6 constituem como que um parênteses. Esse parênteses trata do reinado dos santos por mil anos. Dr. Hendriksen formula as seguintes perguntas com respeito ao assunto:

a) — Onde será esse reino? — Observe-se não haver menção de Palestina ou Jerusalém nesses versículos. Os santos são descritos como assentados sobre tronos (v. 4). Conforme dise-mos no capítulo anterior, sempre que se faz referência a tronos, no Apocalipse, quer se trate do de Cristo, quer dos de Seu povo, são localizados no Céu. A probabilidade, então, é que seja esse o caso também aqui. Em verdade, não pode deixar de ser assim, em vista da expressão: "Eu vi as almas daqueles que foram decapitados" (vers. 4). "Almas" estão aqui quase que em contraste com "corpos", pois é indubitável dar o capítulo ênfase à ressurreição dos corpos. O que temos nesta cena é, portanto, uma visão de espíritos desencarnados. As lutas dos santos na terra, tão evidentes no Apocalipse, constituem apenas uma parte da sua história, no grande dia final, vistas do lado de cá. A Igreja se congregando no lar do céu é a outra parte, gloriosa.

b) — Qual a sua natureza? — Os que dele participam são descritos como ressurretos, pois terão passado pela "primeira ressurreição." Os que pertencem a Cristo são mencionados no Novo Testamento como "ressuscitados com Cristo" (Col. 3:1, Efésios 2:6, Rm 6:5-8). Suas lutas neste mundo são repetidamente apresentadas no Apocalipse, muitas vezes sob símbolos; e a bênção do estado eterno após a ressurreição final consta dos capítulos 21 e 22, em grande parte sob símbolos também. Não deveríamos esperar alguma referência à felicidade de que já gozam, antes da ressurreição final, aqueles que morrem em Cristo Jesus? E será de surpreender seja tal felicidade descrita em linguagem simbólica?

Os santos da "primeira ressurreição" são apresentados em contraste com "os outros mortos" que não viverão até o fim do período dos mil anos. Os que tiverem ido para o céu estão mortos no que diz respeito aos seus corpos, porém vivem e reinam com Cristo em glória. Os "outros" estão mortos em ambos os sentidos, físico e espiritual, e ressuscitarão (no corpo) apenas para sofrer a terrível segunda morte. Essa é a única ressurreição para eles. Poder-se-á objetar que isso envolve o tomar em dois sentidos a palavra "viver", nesses versículos, ou seja, no quarto, como uma ressurreição espiritual e, no quinto, como ressurreição do corpo. Mas em outra passagem João se refere a essas mesmas duas diferentes espécies de "vida" em poucos versículos (Jo 5:25, 28 e 29). E neste mesmo trecho (Ap 20), emprega a palavra "morte" em dois sentidos: morte do corpo e morte espiritual (vers. 5 e 6). Assim, não é apenas possível atribuir aqui dois significados à palavra "vida"; há quase que uma exigência de que o façamos.

"Eles viveram e reinaram com Cristo" (Ap 20:4). Se alguém argumenta, dizendo que "viveram" está no tempo aoristo (grego: "ezêsan") e, portanto, indica um acontecimento e não um estado, respondemos que "reinaram" é, igualmente, um tempo aoristo e indica, reconhecidamente, um estado. (Mesmo em Ap 2:8, onde "ezêsan" é usada referindo-se à ressurreição de Cristo, se a colocarmos, como convém, junto a Ap 1.18, verificaremos que diz respeito a um estado e significa: "Ele estava em um estado de morte e tornou-se vivo para sempre.").

O que se descreve neste "reino" dos santos é a felicidade dos mortos em Cristo. Suas almas são aperfeiçoadas em santidade e recebidas nos maisi altos céus, onde contemplam a face de Deus, em luz e glória. "Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor."


c) — Quem dele participa? — "E vi tronos, e assentaram-se sobre eles, e foi-lhes dado o poder de julgar e vi as almas daqueles que foram decapitados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal em suas testas, nem em suas mãos, e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos." Além dos termos indefinidos — "eles" e "lhes", existem aí duas expressões para descrever aqueles que vivem e reinam com Cristo. São: a) os mártires e b) os que recusaram a marca do mundanismo. Alguns encontram dois ou três grupos nessa descrição. É melhor considerá-la como de um grupo, isto é, simplesmente cristãos fiéis nas lutas através dos séculos. São Suas testemunhas leais, que não amaram suas vidas a ponto de temerem a morte. Esses cristãos conhecem, por experiência, a realidade das palavras: "Não há coroa sem cruz." Essa visão os apresenta como gozando da sua recompensa no céu. Cristo foi exaltado, depois de Sua morte, para reinar, como Rei Messiânico, à mão direita de Deus. Aqui, os Seus santos fiéis são também descritos como entronizados. Á eles concede que se sentem com Ele no Seu trono, assim como Ele também venceu e se sentou com o Pai, no Seu trono (Ap 3:21).

O reino de mil anos é, portanto, o longo período entre a primeira e a segunda vindas do Senhor. O número 1.000 não somente traz a idéia de um longo período, mas também, e mais particularmente, simboliza a perfeição, segurança e bem-aven-turança celestiais. Quando João se utiliza do número 1.000 para descrevê-lo, diz "tudo o que poderia ser dito para trazer às nossas mentes a idéia da perfeição absoluta." (B. B. Warfield).

Quão pouco se encontra, realmente, no capítulo 20 do Apocalipse susceptível de sugerir a idéia comum acerca de um milênio! Muitos responderão que ela já surge no Velho Testamento, cujas profecias falam de uma "idade de ouro" na terra. Parece-nos, todavia, muito mais lógico considerar tais profecias como relativas ao novo universo, depois de transformado. Afinal, as profecias do Velho Testamento não alcançam apenas um reino transitório, mas atingem a eternidade.

A interpretação que acabamos de apresentar do capítulo 20 de Apocalipse está em perfeita harmonia com o resto do Novo Testamento, o qual não deixa lugar para um reino intermediário entre o atual reino de Cristo e o eterno, de glória. Condiz, igualmente, com a característica de grande parte do livro: cenas e símbolos, não fugindo ao sentido da própria passagem.

Chegamos ao fim de nossos estudos das Escrituras a respeito da segunda vinda. Podemos concluir, utilizando-nos do sumário do Dr. Robert Strong, com ligeiras modificações:

1 — A dispensação da graça irá até a segunda vinda, com a Igreja de Cristo prosseguindo na obra de reunir um povo para o Senhor.

2 — Ao se aproximar o fim dessa dispensação, surgirá uma grande aPósasia, fortemente promovida pelo "homem do pecado", o anticristo pessoal, que comandará a grande rebelião final contra Deus e o Seu Cristo. Esse será um tempo de grande sofrimento para os fiéis.

3 — O Senhor Jesus virá, visível e gloriosamente. Ressuscitará os santos mortos, transformará os que estiverem vivos e reunirá todos os remidos, levando-os para estar com Ele. Destruirá o anticristo e julgará o mundo. Refará a terra e os céus, para que se tornem a habitação de eterna justiça.

Esses acontecimentos serão praticamente simultâneos, de sorte que haverá um grande, apoteótico evento no fim do mundo. Ele virá com os Seus santos — os mortos benditos — para levá-los à felicidade final de novos céus e nova terra. Virá para os Seus santos, os que estiverem vivos, então. TODOS OS REMIDOS, EM SEUS CORPOS GLORIFICADOS, SERÃO REUNIDOS EM UMA GRANDE MULTIDÃO PARA ESTAR "PARA SEMPRE COM O SENHOR."

CAPITULO XVI

ESTARÁ PRÓXIMO O GRANDE EVENTO?

Quando Cristo esteve na terra, alguns pensavam que o reino viria imediatamente na sua glória, porém Ele corrigiu essa idéia — (Lucas 19:11-27). É verdade que o Salvador exaltado disse: "Certamente, cedo venho" (Ap 22:20). Devemos, no entanto, nos lembrar de que, do ponto de vista divino, a vinda está sempre próxima pois, para Ele, mil anos são como um dia (II Pedro 3:8) e, também, de que o Novo Testamento considera toda esta dispensação como "os últimos dias" (Hebreus 1:1,2; I João 2:18).

Haverá quaisquer indicações nas Escrituras para advertir que estará próximo o Seu aparecimento glorioso? Alguns fatos são citados, dos quais os seguintes são os principais:

1 — A chamada dos Gentios — O ministério de pastores e professores terá de continuar até que todos os eleitos sejam reunidos e toda a Igreja, levada à estatura da perfeição em Cristo (Ef. 4:11-13). Todas as nações terão de ouvir o evangelho através da instrumentalidade dos servos de Cristo e então virá o fim (Mt 28:19,20; 24:14). Isso não quer dizer que todos os indivíduos terão de ouvir e, muito menos, de ser salvos. Significa que as nações, cada uma e como um todo, terão oportunidade e que haverá indivíduos de todas as nações entre os remidos (Ap 7:9).

2 — A conversão de Israel — O Dr. Charles Hodge insiste em que em Rm 11 se ensina que haverá uma conversão nacional dos Judeus. Dr. G. Vos concorda em que "no futuro se verificará uma ampla conversão de Israel." Alguns exegetas têm considerado a expressão "todo o Israel" de Rm 11:26 como dizendo respeito ao Israel espiritual, enquanto que os Professores Louis Berkhof e William Hendriksen a tomam como significando "todos os eleitos entre o povo do antigo concerto." Não nos julgamos aptos para, com firmeza, adotar uma dessas opiniões. Concordamos, todavia, com a prudente declaração do Bispo Waldegrave. Comentando o cap. 11 da carta aos Romanos, diz ele: "É provável que haja um generalizado voltar de Israel para o Senhor" antes da Sua vinda. Isso não significa que todo israelita será salvo, porém que entre eles haverá conversões em escala jamais atingida. Quase ao fim de Seu ministério na terra, o Senhor disse que os Judeus não O veriam até que O aclamassem como bendito. Em outras palavras, a atitude de um número muito grande de Judeus estará mudada, quando Ele vier pela se?-gunda vez (Mt 23:39; Lucas 13:35). Não se diga que isso coloca a vinda de Cristo num futuro demasiado longínquo. Assim como Deus deu capacidade à luz para viajar à espantosa velocidade de 300.000 Km. por segundo, pode também, quando o desejar, enviar a luz do Seu evangelho e rapidamente reunir o número total dos Seus escolhidos entre Gentios e Judeus.

Preocupamo-nos em ressaltar (contrariando muito do ensino dispensionalista atual) que a bênção virá aos Judeus apenas por uma forma: através da fé em Cristo (Rm 11:23); que só poderão ser salvos por meio do evangelho da Graça soberana (Rm 11:32) (Atos 4:12); e que não existe esperança alguma para um Judeu simplesmente por ser Judeu. Ele precisa, como o pecador Gentio, se arrepender e ser convertido, para que seus pecados possam ser apagados (Atos 3:19). Não há distinção entre Judeu e Grego (Rm 10-12). Ambos têm de ser salvos pelo sacrifício expiatório de Cristo. Falar em esperança para o Judeu só pelo fato de ser Judeu, como fazem alguns dispensionalistas, é pregar um outro evangelho (Gál. 1:8).

Será correio saudar a volta dos Judeus não convertidos, rebeldes, para a Palestina como o cumprimento de profecia? Parece-nos que não, pois que a profecia une intimamente as idéias de conversão e "restauração" (v. Deut. 30:8-10) (Ezequiel 20:38). As promessas do Antigo Testamento — de restauração à terra — tiveram cumprimento parcial na volta do cativeiro da Babilónia. São cumpridas totalmente na vinda do Israel espiritual — a descendência inumerável de Abraão — (Gál. 3:29 e Rm 4:16-18) para o seu verdadeiro lar em Cristo e, afinal, à sua herança nos novos céus e nova terra (II Pedro 3:13; Ap 21:1). Ã real circuncisão são os crentes Judeus e Gentios (Filip. 3:3), cidadãos da Jerusalém celestial (Gál. 4:26), os que chegam ao Monte Sion (Hb 12:22). Já demonstramos, no capítulo VI, que o Novo Testamento dá um sentido espiritual e amplo às promessas do Antigo Testamento, as quais, à primeira vista, podem parecer interessar exclusivamente aos Judeus.

3 — A vinda do Anticristo — No tempo dos apóstolos, já atuava o sentimento anti-cristão (2 Ts 2:7, I João 2:18). Alcançará o máximo de sua força logo antes da segunda vinda do Senhor. Haverá uma grande aPósasia e o poder anti-cristão será, muito provavelmente, concentrado em um indivíduo, a encarnação de toda a impiedade (2 Ts 2).

Muitas vezes, se tem perguntado: "Tornar-se-á o mundo melhor ou pior, à aproximação da vinda do Senhor?" Há passagens na Bíblia que parecem ensinar claramente que o mundo será muito ímpio então, como foi nos dias de Noé e nos de Ló. Por outros trechos, entende-se que se dará um desenvolvimento gradativo do reino de Cristo (ex. Mt 13:31-33). Ambos os quadros são indubitavelmente verdadeiros. Conforme diz o Prof. R.B. Kniper: "Falando de um modo geral, as condições da terra estão se tornando melhores e piores ao mesmo tempo. Testemunha-se a cristianização de povos pagãos e o retrocesso de cristãos ao paganismo." É provável que "ao passo que o reino da verdade se for estendendo gradativamente, o poder do mal reunirá forças, à aproximação do fim" (Dr. Vos.).

Embora tais acontecimentos tenham sido apresentados com clareza como antecedendo a Vinda, ninguém, senão Deus, sabe a época em que ela se dará. Tomará de surpresa a humanidade. Nenhum dos sinais dados é de tal natureza que possa determinar "o dia e a hora". Além disso, lembremo-nos de que a primeira vinda de Cristo foi prenunciada por sinais e, no entanto, sur preendeu a todos ou a quase todos. A maioria tinha prestado pouca ou nenhuma atenção aos sinais*

Disse Agostinho: "Aquele dia está escondido para que todos os dias estejamos alerta." Discordando do dogmatismo de alguns de seus contemporâneos, que consideravam iminente a segunda vinda, ele escreveu, com grande beleza: "Aquele que ama a vinda do Senhor não é o que afirma estar muito distante, nem o que a declara próxima, mas é quem a aguarda com fé sincera, firme esperança e amor fervoroso, esteja próxima ou longínqua."

EPÍLOGO

Dionysius de Alexandria, cognominado "o Grande", nasceu aproximadamente no ano 190, da nossa era, e morreu em 265. Educado para seguir uma profissão secular, com brilhantes perspectivas de riqueza e fama, converteu-se à fé cristã e, então, pôde dizer. "O que era ganho para mim considerei como perda, por amor de Cristo."

Eusébio, em sua "História Eclesiástica", nos fala de duas obras de Dionysius sobre "As Promessas". Foram escritas para combater o ensino de Nepos, um bispo do Egito, que afirmava deverem as promessas bíblicas ser compreendidas mais de acordo com a forma pela qual as entendiam os Judeus. Nepos "supunha que haveria um certo milênio de luxo e sensualidade aqui na terra." Para afirmar sua opinião, escreveu um tratado a respeito do Apocalipse, tratado esse fortemente combatido por Dionysius em suas duas obras relativas às Promessas. Na segunda dessas obras, ele menciona Nepos (já então falecido) e a grande ênfase de seus seguidores ao trabalho que escrevera acerca do Apocalipse, no qual ensinava a existência, no futuro, de um reino de Cristo na terra. Dionysius fala de sua sincera estima e grande consideração por Nepos, em virtude de sua fé, sua capacidade de trabalho, seu devotamento ao estudo das Escrituras e a maneira pela qual tinha deixado este mundo. Contudo, diz ele, a verdade tem de ser honrada e amada acima de tudo. Sentia-se, por isso, coagido a opor-se aos pontos de vista de Nepos. Declara que em Arsinoe, onde tal doutrina prevalecia, provocara "cisões e aPósasias de igrejas inteiras."

Conta-nos Dionysius que visitou Arsinoe. E "depois de haver convocado os presbíteros e mestres dos crentes nas aldeias, estando presentes os irmãos que quiseram comparecer, eu os exortei a examinar a doutrina em público. Quando apresentaram o livro de Nepos sobre o Apocalipse como uma espécie de armadura e fortaleza inexpugnável, sentei-me com eles durante três dias, da manhã à noite, procurando refutar o que nele se continha."

Dionysius presta homenagem à inteligência e ao espírito dócil daqueles irmãos e demonstra de que maneira, sensata e conciliadora, discutiu com eles, não tentando eximir-se de responder a objeções e procurando, tanto quanto possível, manter-se dentro do assunto. O objetivo supremo era que a verdade prevalecesse e todos recebessem o estabelecido nas doutrinas das Escrituras Sagradas. Afinal, o fundador e líder da doutrina, Coracio, na presença de todos os irmãos, alto e bom som, "confessou e declarou" que não mais aceitaria aquela doutrina, pois havia ficado plenamente convencido pêlos argumentos oPósos —- no que se regozijaram os outros irmãos presentes.

Se não conseguimos ter o mesmo tato e o mesmo espírito conciliatório de Dionysius, ao apresentar o nosso trabalho, sinceramente pedimos desculpas. Mas, em verdade, cremos que muitos dos nossos amados irmãos no Senhor, que divergem de nós nos assuntos ventilados neste livro, estudarão de novo a sua posição. Por anos a fio, durante toda a vida, talvez tenham ouvido pregadores repisar o assunto: um reino terreno de mil anos, centralizado em Jerusalém, e o que têm lido sempre seguiu a mesma linha. Agora, no entanto, se lhes apresenta um outro ponto de vista, que cremos seja o das Escrituras, dos Reformadores e dos Puritanos. Que ele conquiste a aceitação de nossos leitores!

APÊNDICE

ÁS SETENTA SEMANAS DE DANIEL, 9

As setenta semanas de Daniel (ou os setenta "setes") constituem a base de muitos esquemas de épocas. É bom observar o fim para o qual foram decretadas as setenta semanas: "Setenta semanas são determinadas para o teu povo e para a cidade santa, a fim de ser extinta a transgressão e dar fim aos pecados, e para expiar a iniquidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o Santo dos Santos." (Daniel 9:24).

De acordo com Daniel, esses seis resultados têm de ser obtidos aníes que terminem as setenta semanas. É, portanto, errado considerar todos, ou alguns deles, como devendo ser cumpridos em um milênio depois das setenta semanas, como geralmente se faz.

O acabar com o pecado e a expiação da iniquidade tiveram lugar através d'Ele, que "se manifestou para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo" (Hb 9:26). Ele trouxe uma justiça que permanece para sempre (II Cor. 5:21). Após seu ministério e o de Seus apóstolos, nenhuma outra revelação profética seria necessária e Ele foi o Santíssimo, ungido com o Espírito (Atos 10:38).

Cristo é o personagem proeminente no trecho. Dele se diz, no versículo 26, que "Nada terá", isto é, será desprezado e rejeitado. É Ele quem "confirma" ou "faz prevalecer" a aliança (v. 27). (Deve-se notar que a palavra empregada não significa "fazer aliança", e sim, "fazer prevalecer" a aliança), que é a Aliança da Graça, existente desde a antiguidade. (Ver nota abaixo).

Aquele que traz a desolação (fim do vers. 27) é Tito, o comandante romano, cujas destruições horríveis são descritas por Josefo.

Não se justifica, absolutamente, o procedimento dos que tentam separar a 70.a semana da 69.a por um intervalo já muito mais longo que o total das 70 semanas. Se alguém alegar ter o próprio Daniel feito um intervalo, devemos responder que ele faz dois — 7 semanas e 62 semanas e l semana. Todos os intérpretes consideram as 62 semanas como vindo imediatamente depois das primeiras sete, sem qualquer interrupção. O intervalo assinala, apenas, um grande acontecimento na história de Israel: a restauração de Jerusalém sob a liderança de Esdras e Neemias. Semelhantemente, não há quebra de continuidade entre a 69.a e a 70.a semanas. Somente entre elas está o aparecimento portentoso de Cristo.

Não existe qualquer motivo para tomarmos os 70 "setes" como 490 anos. Em lugar algum do Velho Testamento se chama de "semana" ou "um sete" a um período de sete anos. É melhor interpretar esses "setes" como "uma designação propositadamente indefinida de um período de tempo medido pelo número 7, cuja duração cronológica tem de ser determinado sobre outras bases", conforme sugere Keil.

Nota da tradutora: O autor segue uma versão inglesa que, conforme a tese de Edward J. Young ("The Preacher of Daniel"), representa melhor o sentido do texto hebraico. Duas frases de nossa Versão Revista e Atualizada no Brasil carecem de revisão. No vers. 26 (cap. 9 de Daniel), a frase "já não estará" deve ser traduzida por "nada há para ele" ou "nada terá". No vers. 27, "fará firme concerto" deve ser "fará o concerto prevalecer" (Novo Comentário da Bíblia) ou "confirmará a aliança", ou, ainda, "fará prevalecer a aliança".



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