O Amor Imperfeito Cumpre a Lei e Agrada a Demanda de Perfeição da Parte de Deus

por

John Piper

 

 

Os cristãos podem amar uns aos outros numa forma que nunca é perfeita nesta vida, mas que, todavia, agrada a Deus e cumpre a lei, embora a lei demande perfeição. Como isso pode acontecer?

Primeiro, deixe-me defender a reivindicação de que amamos apenas imperfeitamente nesta vida. Eu baseio isto em duas coisas. A primeira é o ensino bíblico comum de que não somos pessoas sem pecado ou justas. Por exemplo:

  • 1 Reis 8:46, “Não há homem que não peque”.
  • Salmo 143:2, “Não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não há justo nenhum vivente”. 
  • Eclesiastes 7:20, “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque”. 
  • 1 João 1:8, “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós”.
  • Salmo 19:12, “Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas”.

Eu admito que, logicamente, uma pessoa pode encontrar um espaço minúsculo para um ato perfeito e sem pecado de amor, em vista dessa descrição sombria da nossa condição. Dizer que ninguém não comete pecado, estritamente falando, não é o mesmo que dizer que ninguém pode realizar um ato perfeito de amor de vez em quando. Mas eu não estou encorajado a pensar que isso ocorrerá, especialmente em vista da segunda consideração.

A segunda razão pela qual eu penso que o nosso amor nunca é perfeito nesta vida é que amar envolve não cobiçar. Paulo cita alguns dos dez mandamentos, incluindo “Não cobiçarás”, e então diz que todos eles “se resumem nesta palavra: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo'... o amor é cumprimento da lei” (Romanos 13:9-10). Assim, amar o nosso próximo perfeitamente significaria que o ato de amor não teria nem mesmo uma lembrança de cobiça nele.

O que é cobiça? Cobiça é o desejo por coisas (boas ou más) que é mais forte do que ele deveria ser — um tipo de desejo que reflete uma falta de satisfação em Deus. Assim, para um ato de amor ser perfeito, ele teria que ser livre de cobiça, isto é, livre de qualquer indício de desejo que reflita uma satisfação em Deus que seja menos do que perfeita. À medida que considero o coração humano e a batalha que enfrentamos ao mortificar a nossa velha natureza (Romanos 8:13; Colossenses 3:5), a reivindicação de ter, em algum momento, um coração com perfeita satisfação em Deus não é crível. Assim, eu toma as palavras de Paulo em Filipenses 3:12 com absoluta seriedade: Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição...”.

Todavia, nosso amor sempre-imperfeito pode agradar a Deus e cumprir a lei, embora não perfeitamente. A demanda da lei por um amor perfeito (amor com nenhuma lembrança de cobiça) é cumprido por Cristo somente. Portanto, o fundamento da nossa aceitação pelo perfeito Doador da lei perfeita é que estamos em Cristo e temos sua perfeição contada como nossa (2 Coríntios 5:21). Mas embora esse seja o fundamento da nossa aceitação por Deus, a Bíblia também ensina que, sobre a base dessa aceitação, vivemos e devemos viver agora duma forma que cumpra imperfeitamente a lei.

Romanos 8:3-4 traz a obra de Cristo e a nossa obras juntas dessa forma:

“Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito”.

Esse não é um cumprimento hipotético da lei. Não é algo feito fora de nós. É, Paulo diz, “a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós”.

Assim, como um fundamento para todo o nosso cumprimento imperfeito da lei — isto é, nosso andar imperfeito pelo Espírito em amor — há o sacrifício e a justiça de Cristo. Ele suportou o castigo de todos os nossos fracassos, e providenciou toda a nossa perfeição.

Isso significa que a Bíblia está disposta a nos chamar de “justos”, embora “não haja justo, nem um sequer” (Romanos 3:10). E isso não significa meramente que somos justificados, mas que realmente manifestamos isso em nosso viver, embora com uma justiça imperfeita. Você pode ver esse uso paradoxal de linguagem claramente em diversos textos. Por exemplo, Eclesiastes 7:20 diz: “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque”. Mas cinco versículo antes, lemos: “Há justo que perece na sua justiça, e há perverso que prolonga os seus dias na sua perversidade”. E no Salmo 41:4, o salmista diz: “Disse eu: compadece-te de mim, SENHOR; sara a minha alma, porque pequei contra ti”. Mas então ele diz ao Senhor no versículo 12: “Tu me susténs na minha integridade”. Assim, há justos que não são justos. E há pecadores que têm integridade. [1]

A mesma coisa pode ser mostrada a partir do uso de Paulo da palavra “sem culpa” [N.T.: ou “irrepreensível”, dependendo da versão]. Embora Paulo fale em Filipenses 3:12 que seus melhores esforços são imperfeitos, ele ainda descreve os crentes como “irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo” (Filipenses 2:15). Assim, há uma irrepreensibilidade imperfeita, assim como há uma justiça não-justa e uma integridade que comete pecado.

Assim, de volta ao meu ponto: os cristãos podem amar uns aos outros de uma forma que nunca é perfeita nesta vida, mas que, todavia, agrada a Deus e cumpre a lei, embora a lei demande perfeição. Como esse amor imperfeito cumpre realmente a lei (imperfeitamente)?

Primeiro, nosso amor imperfeito é o primeiro dos frutos de uma perfeição final que Cristo completará em nós em seu aparecimento. Segundo, nosso amor imperfeito é o fruto de nossa fé em Jesus, que é a nossa perfeição justificadora diante de Deus. O único cumprimento da lei do qual dependemos como a base de nossa justificação é o cumprimento da lei por Jesus. O dele foi perfeito; o nosso é imperfeito. Nosso amor imperfeito agora, e nosso amor perfeito mais tarde, sempre será o fruto da fé que olha para Jesus, nossa única perfeição. A lei é cumprida em nós imperfeitamente porque ela foi cumprida nele perfeitamente. E nossa imperfeição é um indicador de sua perfeição, e esse indicar é o objetivo da lei. Assim, mesmo nosso amor imperfeito é um cumprimento real da lei, embora não um cumprimento perfeito.

 

Notas:

[1] Na verdade, não há nada de paradoxal nesses versículos e nas afirmações do Pr. John Piper, visto que as palavras não são usadas no mesmo sentido, ou seja, somos injustos em nós mesmos, mas justos em Cristo. Se a Bíblia afirmasse que somos injustos em nós mesmos e justos em nós mesmos, aí sim haveria um paradoxo, uma contradição, o que é impossível que aconteça com a Palavra inerrante de Deus. A justiça que temos não é infundida, mas imputada!

 


Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 21 de Setembro de 2005.

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