Descodificando o Código Da Vinci

por

Michael Gleghorn



A ficção tremendamente bem-sucedida de Dan Brown, O Código Da Vinci, tem gerado um enorme interesse ao público leitor. Até hoje, o livro vendeu aproximadamente cinco milhões de cópias. Ron Howard aparentemente concordou em dirigir a história para a Sony Pictures Entertainment, trazendo-a possivelmente para as telas em 2005. [1]

Mas, por que tanto barulho? E por que a ficção de Brown tem causado tanto tumulto? A história começa com o assassinato do diretor de Louvre, dentro do museu. Mas este diretor não está interessado somente na arte; ele é também o Grande Mestre de uma de uma sociedade secreta conhecida como o Convento de Sião. O Convento guarda um antigo segredo que, se revelado, minaria a autoridade da igreja e desacreditaria completamente o cristianismo bíblico. Antes de morrer, o diretor tenta passar o segredo para a sua neta Sofia, uma criptógrafa, e para Robert Langdon, um professor de Harvard, deixando uma série de pistas que ele espera que os guiem à verdade.

Então, você pergunta, qual é o segredo? A localização, e a verdadeira identidade, do mui procurado Santo Graal. Mas, na ficção de Brown, o Santo Graal não é o cálice supostamente usado por Cristo na Última Ceia. Pelo contrário, é a pessoa de Maria Madalena, a esposa de Jesus, que continuou a linhagem real de Cristo dando à luz a Seu filho! O Covento de Sião cuidadosamente guarda zelosamente a localização secreta do túmulo de Maria e está encarregado de proteger a linhagem de Jesus, que continua até hoje!

Porém, há alguém que realmente tome estas idéias seriamente? Sim; de fato, há. Isto se deve, em parte, à forma que Brown escreveu a história. Se alguém começa a ler O Código Da Vinci, a primeira palavra que encontrará, em negrito e maiúscula, é “FATOS”. Pouco depois, Brown escreve: “Todas as descrições de ilustrações, arquitetura, documentos e ritos secretos nesta ficção são exatas” [2]. E o leitor comum, sem nenhum conhecimento ou preparação nestas áreas, assumirá a afirmação como verdadeira.

Porém, não o é. E muitos artigos têm sido escritos documentando especificamente algumas das imprecisões de Brown nestas áreas. [3] Mas Brown tem uma forma de fazer que as teorias fictícias acerca de Jesus e da história primitiva do cristianismo pareçam críveis. As teorias são sustentadas pelas mais cultas pessoas da ficção: um historiador britânico real, Leigh Teabing, e um professor de Simbologia Religiosa de Harvard, Robert Langdon. Quando colocada nas boca destes personagens, o leitor desprevenido fica com a impressão de que as teorias são, na realidade, verdadeiras. Porém, elas o são?

No restante do artigo, meu argumento será que a maior parte do que Brown nos conta sobre Jesus, a Bíblia e a história da igreja primitiva, é simplesmente falso.

 

Constantino Embelezou Nossos Quatro Evangelhos?

Os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, que foram mais tarde reconhecidos oficialmente como parte do Cânon (ou “regra de fé”) do Novo Testamento, foram intencionalmente alterados e embelezados no século IV por ordem do Imperador Constantino? Isto é o que Leigh Teabing, o historiador fictício da realeza no O Código Da Vinci, sugere. Num ponto ele declara, “Constantino comissionou e financiou uma nova Bíblia, que omitia aqueles evangelhos que falavam dos traços humanos de Cristo, e embelezou aqueles evangelhos que O faziam parecer com Deus” (página 234). Mas, isto é verdade?

Numa carta ao historiador da igreja primitiva, Eusébio, Constantino realmente ordenou a preparação de “cinqüentas cópias das Sagradas Escrituras”. [4] Porém, em nenhuma parte da carta ordena que algum dos evangelhos seja alterado a fim de fazer com que Jesus pareça mais semelhante a Deus. E, mesmo que se tivesse feito, teria sido praticamente impossível conseguir que os fiéis cristãos aceitassem este tipo de relatos.

Antes do reinado de Constantino, a igreja enfrentou uma perseguição generalizada sob o Imperador Diocleciano. É difícil crer que a mesma igreja tinha suportado esta perseguição, descartasse subitamente seus amados evangelhos e abraçassem relatos embelezados da vida de Jesus! Além do mais, é totalmente certo que, se Constantino tivesse tentado fazer tal coisa, teríamos abundante evidência nos escritos dos pais da igreja. Porém, tal evidência falta por completa. E, finalmente, dizer que os líderes da igreja do século IV, muitos dos quais tinham suportado a perseguição de sua fé em Cristo, concordariam em se unir a Constantino numa grande conspiração deste tipo, é completamente fantasioso. Simplesmente, não há nenhuma evidência de que alguma vez tenha ocorrido isso.

Um último ponto. Temos cópias de Mateus, Marcos, Lucas e João que são significativamente anteriores a Constantino e ao Concílio de Nicéia. Embora nenhuma das cópias seja inteira, temos quase cópias completas tanto de Lucas como de João, num código datado entre 175 e 225 d.C. — pelo menos cem anos antes de Nicéia. Outro manuscrito, datando aproximadamente de 200 d.C. ou antes, contém a maior parte do Evangelho de João. [5] Porém, por que isto é importante?

Primeiro, podemos comparar estes manuscritos pré-Nicenos com aqueles que surgiram depois de Nicéia, para ver se algum embelezamento ocorreu. Não houve nenhum. Segundo, as versões pré-nicenas do Evangelho de João inclui algumas das mais fortes declarações da deidade de Jesus em registro (e.g. 1:1-3; 8:58; 10:30-33; etc.). Isto é, as declarações mais explícitas da deidade de Jesus, em qualquer um dos nossos quatros evangelhos, deve ser encontrada em manuscritos que antecedem a Constantino em mais de cem anos! Isto, em relação à teoria de que foram embelezados. Porém, podemos confiar nos evangelhos?


Podemos Confiar nos Evangelhos?

Embora não haja nenhuma base histórica para a reivindicação de que Constantino embelezou os evangelhos do Novo Testamento, para fazer Jesus mais parecido com Deus, ainda assim devemos perguntar se os evangelhos são fontes confiáveis e fidedignas de informação sobre Jesus. Segundo Teabing, o historiador fictício que encontramos previamente, “Quase tudo que os nossos pais nos ensinaram sobre Cristo é falso” (página 235). Isto está correto? A resposta depende largamente da confiabilidade das nossas biografias mais antigas de Jesus — os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João.

Cada um destes evangelhos foi escrito no primeiro século d.C. Embora eles sejam tecnicamente anônimos, temos evidência bastante forte do século II, de escritores tais como Papias (125 d.C.) e Irineu (180 d.C.), para atribuir cada um dos evangelhos ao seu autor tradicional. Se o seu testemunho é verdadeiro (e temos pouca razão para duvidar dele), então Marcos, o companheiro do discípulo Pedro, escreveu a substância da pregação de Pedro. E Lucas, o companheiro do apóstolo Paulo, investigou cuidadosamente e escreveu a biografia que leva o seu nome. Finalmente, Mateus e João, dois dos doze discípulos de Jesus, escreveram os livros que se lhes atribuem. Se tudo isto é correto, então, os eventos registrados nestes evangelhos “estão baseados no testemunho direto ou indireto de testemunhas oculares”. [6]

Porém, os escritores do evangelho tiveram a intenção de registrar de forma fidedigna a vida e o ministério de Jesus? Estavam mesmo interessados na história, ou suas intenções teológicas ofuscaram qualquer desejo que pudessem ter de nos dizer o que realmente aconteceu? Craig Blomberg, um erudito do Novo Testamento no Seminário de Denver, observa que o prólogo do evangelho de Lucas “se parece muitos aos prefácios de obras históricas e biográficas da antiguidade, nas quais as pessoas geralmente confiam”. Ele observa ainda que, visto que Mateus e Marcos são muito similares a Lucas em termos de gênero, “parece razoável que a intenção histórica de Lucas refletiria de uma maneira estrita a intenção deles”. [7] Finalmente, João nos diz que ele escreveu o seu evangelho para que as pessoas pudessem crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e que, ao crer, pudessem ter vida eterna em Seu nome (João 20:31). Embora esta declaração admitidamente revele uma clara intenção teológica, Blomberg assinala que “se você há de ser convencido o suficiente para crer, a teologia tem que fluir de uma história acurada”. [8]

Interessantemente, as disciplinas de história e arqueologia são uma grande ajuda na corroboração da confiabilidade geral dos escritores do evangelho. Onde estes autores mencionam pessoas, lugares e eventos que podem ser verificados com outras fontes antigas, é demonstrado consistentemente que são totalmente confiáveis. Assim, temos bons fundamentos para confiar nos evangelhos do Novo Testamento.

Porém, o que aconteceu com aqueles “evangelhos” que não chegaram a fazer parte do Novo Testamento? Especificamente, o que aconteceu com os documentos de Nag Hammadi?


Os Evangelho de Nag Hammadi

Desde o seu descobrimento em 1945, tem havido muito interesse nos textos de Nag Hammadi. Mas, o que são estes documentos? Quando foram escritos, por quem, e com que propósito? De acordo com Teabing, o historiador fictício de O Código Da Vinci, os textos do Nag Hammadi representam “os registros cristãos mais antigos” (página 245). Estes “evangelhos inalterados”, diz, contam a verdadeira história acerca de Jesus e do cristianismo primitivo (página 248). Os evangelhos do Novo Testamento são, supostamente, uma versão posterior e corrompida destes eventos.

A única dificuldade com a teoria de Teabing é que ela é errônea. Os documentos de Nag Hammadi não são “os registros cristãos mais antigos”. Cada um dos livros do Novo Testamento é anterior a eles. Os documentos do Novo Testamento, incluindo os quatro evangelhos, foram todos escritos no primeiro século d.C. Em contraste com estes documentos, as datas dos textos de Nag Hammadi vão do segundo ao terceiro século d.C. Como observa o Dr. Darrell Bock, em seu próximo livro, Breaking the Da Vinci Code [Quebrando o Código Da Vinci], “A maior parte deste material está distante algumas gerações dos fundamentos da fé cristã, um ponto vital para se recordar na avaliação dos conteúdos”. [9]

O que nós sabemos sobre o conteúdo destes livros? É geralmente concordado que os textos de Nag Hammadi são documentos gnósticos. O fundamento chave do gnosticismo é que a salvação vem através de um conhecimento secreto e esotérico. Como resultado, os evangelhos gnósticos, em forte contraste com suas contrapartes do Novo Testamento, colocam quase nenhum valor na morte e ressurreição de Jesus. Realmente, a cristologia gnóstica tinha a tendência de separa o Jesus humano do Cristo Divino, e os considerava como dois seres distintos. Não foi o Cristo Divino que sofreu e morreu; foi simplesmente o Jesus humano — ou, talvez, o próprio Simão de Cirene. [10] Na realidade, aos gnósticos não importava muito, pois, na visão deles, a morte de Jesus foi irrelevante para obter a salvação. O verdadeiramente importante não era a morte do homem Jesus, mas o conhecimento secreto que trouxe o Cristo Divino. De acordo com os gnósticos, a salvação vinha através de um entendimento deste conhecimento secreto. [11]

É desnecessário dizer que estas doutrinas são incompatíveis com o ensinamento do Novo Testamento acerca de Cristo e a salvação (e.g. Romanos 3:21-26; 5:1-11; 1 Coríntios 15:3-11; Tito 2:11-14). Ironicamente, são também incompatíveis com a visão de Teabing de que os textos de Nag Hammadi “falam do ministério de Cristo em termos muito humanos” (página 234). Os textos de Nag Hammadi, na realidade, apresentam a Cristo como um ser divino, embora de uma forma totalmente diferente da perspectiva do Novo Testamento. [12]

Dessa forma, os textos de Nag Hammadi são posteriores aos escritos do Novo Testamento e são caracterizados por uma cosmovisão que é inteiramente alheia a sua teologia. Os Pais da Igreja foram sábios ao rejeitá-los para o Cânon do Novo Testamento. Porém, como decidiram quais livros incluir?


A Formação do Cânon do Novo Testamento

Nos primeiros séculos do Cristianismo, foram escritos muitos livros diferentes sobre os ensinamentos de Jesus e de Seus apóstolos. A maioria destes livros nunca chegou a fazer parte do Novo Testamento. Estes incluem títulos como O Evangelho de Felipe, Os Atos de João, Terceira de Coríntios e O Apocalipse de Pedro. Como a igreja primitiva decidiu quais livros incluir no Novo Testamento, e quais rejeitar? Quando estas decisões foram tomadas, e por quem? De acordo com o historiador fictício Teabing, “A Bíblia, tal como a conhecemos hoje, foi reunida por...Constantino o Grande” (página 231). De novo perguntamos: isto é certo?

A igreja primitiva tinha critérios muito definidos que deveriam ser satisfeitos para que um livro fosse incluído no Novo Testamento. Como observa o Dr. Bart Ehrman, um livro tinha que ser antigo, escrito perto do tempo de Jesus. Devia ser escrito por um apóstolo ou por um companheiro de um apóstolo. Devia ser consistente com o entendimento ortodoxo da fé. E tinha que ser amplamente reconhecido e aceito pela igreja. [13] Os livros que não satisfaziam estes critérios, não foram incluídos no Novo Testamento.

Quando estas decisões foram tomadas? E quem as tomou? Nunca houve um concílio ecumênico na igreja primitiva que decretara oficialmente que os vinte e sete livros, hoje em nosso Novo Testamento, eram os corretos. [14] Pelo contrário, o Cânon tomou forma gradualmente à medida que a igreja reconhecia e aceitava aqueles livros que eram inspirados por Deus. A coleção mais antiga de livros “que circulou entre as igrejas na primeira metade do segundo século” foram os quatros evangelhos e as cartas de Paulo. [15] Porém, não foi até que o herege Marcion publicou sua versão expurgada do Novo Testamento, por volta de 144 d.C., que os líderes da igreja buscaram definir o Cânon mais especificamente. [16]

Até o final do segundo século, houve um consenso crescente entre a igreja de que o Cânon deveria incluir os quatro evangelhos, Atos, as treze epístolas Paulinas, “epístolas de outros 'homens apostólicos' e a Revelação de João”. [17] Por exemplo, o Cânon Muratório, que data de fins do segundo século, reconheceu a cada um dos livros do Novo Testamento, exceto Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro e 3 João. Similarmente, embora não de maneira idêntica, os livros foram reconhecidos por Irineu no final do segundo século e por Orígenes, no princípio do terceiro século. Dessa forma, embora a listagem mais antiga de todos os livros do nosso Novo Testamento provenha de Atanásio, em 367 d.C., havia um acordo generalizado sobre a maioria dos livros (incluindo os quatro evangelhos) no final do segundo século. O Cânon do Novo Testamento não foi o produto de uma decisão de Constantino.


Quem Foi Maria Madalena? (Parte 1)

Outra acusação que se faz no O Código Da Vinci é a desafortunada idéia errônea de que Maria Madalena foi uma prostituta. De onde veio esta noção? E, por que tanta gente crê nela?

De acordo com Leigh Teabing, o historiador fictício de O Código Da Vinci, o entendimento popular de que Maria Madalena era uma prostituta “é o legado de uma campanha de difamação....da Igreja Primitiva”. Na visão de Teabing, “A Igreja precisava difamar Maria....para encobrir seu perigo secreto — seu papel como o Santo Graal” (página 244). Lembrem-se que, no mundo desta ficção, o Santo Graal não é o cálice usado por Jesus na Última Ceia. Ao invés disso, é Maria Madalena, que supostamente seria a esposa de Jesus, e quem levou em seu ventre Sua linhagem real.

O que podemos dizer sobre estas coisas? A igreja primitiva realmente procurou difamar Maria como uma prostituta, para encobrir sua relação íntima com Jesus? A primeira ocorrência registrada de Maria Madalena sendo identificada como uma prostituta ocorreu num sermão do Papa Gregório o Grande, em 591 d.C. [18] O mais provável é que isto não foi um intento deliberado de difamar o caráter de Maria. Antes, Gregório provavelmente interpretou erroneamente algumas passagens nos evangelhos, resultando em sua incorreta identificação de Maria como uma prostituta.

Por exemplo, ele pode ter identificado a mulher pecadora sem nome em Lucas 7, que ungiu os pés de Jesus, com Maria de Betânia em João 12, que também ungiu os pés de Jesus pouco antes de Sua morte e sepultamento. Isto poderia ter ocorrido facilmente, pois, embora haja diferenças importantes, há também muitas similaridades entre os dois incidentes distintos. Se Gregório pensou que a mulher pecadora de Lucas 7 era a Maria de João 12, ele pode, então, ter vinculado erroneamente esta mulher com Maria Madalena. Além do mais, Lucas menciona Maria Madalena pela primeira vez no começo do capítulo 8, justamente após a história do ungir de Jesus, em Lucas 7. Visto que a mulher em Lucas 7 era provavelmente culpada de algum tipo de pecado sexual, se Gregório chegou a crer que esta mulher era Maria Madalena, então, não seria um salto muito grande inferir que era fosse uma prostituta.

Dessa forma, embora não há evidência real de que Maria fosse uma prostituta, não é difícil ver como Gregório poderia tê-la identificado erroneamente com uma. É lamentável que o tenha feito, e precisa ser corrigido, porém, dificilmente será necessário crer que ele deliberadamente fez parte de uma campanha de difamação pela igreja primitiva.


Quem Foi Maria Madalena? (Parte 2)

O que revelam as nossas fontes mais antigas acerca da verdadeira Maria Madalena? De acordo com Teabing, Maria foi a esposa de Jesus, a mãe de seu filho, e aquela que estabeleceria a igreja após sua morte (páginas 244-48). Em apoio a esta teoria, Teabing apela à dois dos evangelhos gnósticos: O Evangelho de Felipe e O Evangelho de Maria (Madalena). Consideraremos O Evangelho de Felipe mais adiante. Por agora, olhemos mais detidamente para O Evangelho de Maria.

A seção deste evangelho citada na ficção de Brown mostra um apóstolo Pedro incrédulo, que simplesmente não pode crer que o Cristo ressuscitado tenha revelado secretamente informação a Maria, que não revelou aos Seus discípulos varões. Levi, contudo, repreende a Pedro: “Se o Salvador a considerou digna, quem és tu...para rejeitá-la? Certamente o Salvador a conhece muito bem. Por isso a amou mais do que a nós” (páginas 247).

O que podemos dizer desta passagem? Primeiro, é importante observar que em nenhuma parte deste evangelho é nos dito que Maria era a esposa de Jesus ou a mãe de Seu filho. Segundo, muitos estudiosos pensam que este texto provavelmente deveria ser lido simbolicamente, com Pedro representando a ortodoxia primitiva cristã e Maria representando uma forma de gnosticismo. Assim, este evangelho provavelmente está reivindicando que “Maria” (isto é, os gnósticos) recebeu uma revelação divina, embora “Pedro” (isto é, os ortodoxos) não o possa crer. [19] Finalmente, mesmo que este texto tenha que ser lido literalmente, temos poucas razões para crer que é historicamente confiável. Provavelmente foi composto em algum momento do final do segundo século, uns cem anos depois dos evangelhos canônicos. [20] Portanto, contrariamente ao que é implicado na ficção, certamente não foi escrito por Maria Madalena, nem por nenhum dos outros seguidores originais de Jesus. [21]

Se quisermos ter informação confiável sobre Maria, devemos recorrer às nossas fontes mais antigas — os evangelhos do Novo Testamento. Estas fontes nos dizem que Maria foi uma seguidora de Jesus, da cidade de Magdala. Logo que Jesus expulsou sete demônios dela, ela (juntamente com outras mulheres) ajudou a sustentar o Seu ministério (Lucas 8:1-3). Foi testemunha da morte, sepultamento e ressurreição de Jesus, e a primeira a ver ao Cristo ressuscitado (Mateus 27:55-61; João 20:11-18). Jesus chegou a confiar-lhe o anúncio de Sua ressurreição aos Seus discípulos varões. Neste sentido, Maria foi uma “apóstola” para os Apóstolos. [22] Isto é tudo o que nos dizem os evangelhos acerca de Maria. [23] Ela foi claramente uma mulher importante. Porém, não há nada que sugira que foi a esposa de Jesus ou que Jesus quisesse que ela liderasse a igreja.

Porém, O Evangelho de Felipe não indica que Maria e Jesus eram casados? Observemo-lo, então.


Jesus era Casado? (Parte 1)

A evidência textual mais forte que temos de que Jesus e Maria Madalena foram casados vem do O Evangelho de Felipe. Portanto, não nos surpreende que Leigh Teabing, o historiador fictício de O Código Da Vinci, apele a este texto. A seção deste evangelho citado na ficção diz o seguinte:

E a companheira do Salvador é Maria Madalena. Cristo amava-a mais do que a todos os discípulos e costumava beijá-la muitas vezes na boca. Os outros discípulos sentiam-se ofendidos e expressavam a sua desaprovação. Perguntaram-lhe: Porque é que a amas mais do que a todos nós?(página 246).

Note que a primeira frase refere-se a Maria como a companheira do Salvador. Na ficção, Teabing lança seu argumento de que Jesus e Maria eram casados dizendo, “Como qualquer estudioso do aramaico lhe dirá, a palavra companheira, naquele tempo, significava literalmente esposa” (página 246). Esta parece ser uma evidência muito forte. Afinal de contas, poderia Jesus ter sido casado?

É importante observar que este evangelho foi originalmente escrito em grego. [24] Portanto, o significado do termo “companheira” no aramaico é irrelevante. Até mesmo na tradução cóptica [Nota do tradutor: idioma egípcio antigo) que se encontra no Nag Hammadi, há uma palavra tomada emprestada do grego (isto é, koinonos) atrás da palavra que se traduz como “companheira”. Darrel Bock assinala que esta palavra pode significar “esposa” ou “irmã” no sentido espiritual, mas “não é o termo típico ou habitual para 'esposa' no grego”. [25] Realmente, koinonos é usado mais freqüentemente no Novo Testamento para se referir a “sócio” ou “partícipe”. Lucas usa este termo para descrever Tiago e João como os “sócios” comercias de Pedro (Lucas 5:10). Portanto, em oposição à afirmação de Teabing, a declaração de que Maria era a “companheira” de Jesus não demonstra, de nenhuma maneira, que era sua esposa. Porém, o que podemos dizer da declaração seguinte: “Cristo amava-a...e costumava beijá-la muitas vezes na boca”?

Primeiro, esta porção do manuscrito está danificada. Não sabemos, na realidade, onde Cristo beijava Maria. Deveras, alguns crêem que “ela era beijada na face ou na testa, já que qualquer um dos termos se encaixa na quebra [da frase]” [26] Segundo, mesmo que o texto dissesse que Cristo beijava Maria na boca, não significaria que tivesse algo sexual envolvido. A maioria dos eruditos concorda que os textos gnósticos contêm muito simbolismo. Portanto, ler este tipo de texto literalmente é lê-lo incorretamente. Finalmente, independentemente da intenção do autor, este evangelho não foi escrito antes da segunda metade do terceiro século, mais de duzentos anos depois do tempo de Jesus. [27] Assim, a referência a que Jesus beijava Maria é mui provavelmente não confiável historicamente.

O Evangelho de Felipe oferece evidência insuficiente de que Jesus era casado. Porém, não teria sido raro que Jesus permanecesse solteiro?


Jesus era Casado? (Parte 2)

As duas pessoas mais cultas do O Código Da Vinci dizem que um Jesus não casado é altamente improvável. Leigh Teabing, o historiador fictício, diz: “Jesus como homem casado faz infinitamente mais sentido do que a tradicional visão bíblica de Jesus como homem solteiro” (página 245). Robert Langdon, professor de Simbologia Religiosa de Harvard, concorda:

Jesus era judeu...e o decoro social da época praticamente proibia que um judeu adulto não fosse casado. O costume judeu condenava o celibato, e a obrigação de qualquer pai era procurar uma esposa adequada para o filho. Se Jesus não fosse casado, pelo menos um dos evangelhos mencionaria o fato e proporia uma explicação qualquer para esta anormalidade (página 245).

Isto é verdade? O que podemos dizer em resposta a tais reivindicações?

Em seu próximo livro, Breaking the Da Vinci Code [Quebrando o Código Da Vinci], Darrel Bock persuasivamente argumenta que um Jesus não casado não é, de modo algum, improvável. [28] Certamente, é mui certo que a maioria dos homens do tempo de Jesus se casavam. É certo, também, que o matrimônio era considerado freqüentemente como uma obrigação humana fundamental, especialmente à luz da ordem de Deus: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra...” (Gênesis 1:28). Não obstante, no primeiro século havia exceções reconhecidas, e até mesmo elogiadas, a esta regra geral.

Filo de Alexandria, um escrito judeu do primeiro século, descreveu os essênios como aqueles que “repudiavam o casamento...pois nenhum dos essênios jamais se casou com uma mulher”. [29] Interessantemente, os essênios não somente escaparam de condenação por seu celibato; eles eram freqüentemente admirados. Filo também escreveu, “Este é, agora, o invejável sistema de vida destes essênios, de forma que não somente as pessoas individuais, mas até mesmo reis poderosos admiram os homens, veneram sua seita e aumentam....a honra que lhes é conferida”. [30] Tais citações claramente revelam que nem todos os judeus dos dias de Jesus consideravam o casamento obrigatório. De fato, aqueles que procuravam evitar o matrimônio por razões religiosas eram freqüentemente admirados, e não condenados.

É importante lembrar que a Bíblia não condena o ser solteiro em nenhuma parte. Na verdade ela elogia àqueles que escolhem permanecer solteiros para dedicar-se plenamente à obra do Senhor (e.g. 1 Coríntios 7:25-38). Em Mateus 19:12, Jesus explica que algumas pessoas “renunciam o casamento por causa do reino dos céus”. Ele conclui, “Quem pode aceitar isto, aceite-o”. É praticamente certo que Jesus aceitou isto. Ele renunciou o casamento para dedicar-se plenamente à obra de Seu Pai celestial. E mais, visto que havia um precedente no primeiro século de homens judeus que permaneciam solteiros por razões religiosas, o fato de Jesus permanecer solteiro não teria sido condenado. Contrário às reivindicações do O Código Da Vinci, teria sido completamente aceitável que Jesus não fosse casado.


Os Primeiros Seguidores de Jesus Proclamaram Sua Deidade?

Temos considerado a afirmação do O Código Da Vinci de que Jesus era casado e vimos que a mesma é desprovida de base. Mas, por que temos dedicado tanto tempo a este tema? Mark Roberts assinala que “a maioria dos que propõem a tese de que Jesus se casou tem uma intenção oculta. Estão tentando tirar de Jesus Sua condição de único, e especialmente a Sua deidade”. [31] Isto é certamente verdadeiro no O Código Da Vinci. Não somente esta ficção questiona a deidade de Jesus ao alegar que Ele se casou, mas também sustenta que Seus primeiros seguidores nunca sequer creram que Ele era divino! Segundo Teabing, a doutrina da deidade de Cristo foi produto originalmente de uma votação no Concílio de Nicéia. Ele assevera mais adiante: “até esse momento da história, Jesus era considerado por seus seguidores como um profeta moral...um grande e poderoso homem, porém um homem, no final das contas” (página 233). Verdadeiro ou falso? Os primeiros seguidores de Jesus realmente criam que ele era apenas um homem?

O Concílio de Nicéia se reuniu em 325 d.C. Até então, os seguidores de Jesus já tinham proclamando Sua deidade por aproximadamente três séculos. Nossas fontes escritas mais antigas sobre a vida e os ensinamentos de Jesus encontram-se no Novo Testamento. Estes documentos do primeiro século afirmam repetidamente a deidade de Cristo. Por exemplo, em sua carta aos Colossenses, o apóstolo Paulo declarou: “Porque em Cristo habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (Colossenses 2:9; ver também Romanos 9:5; Filipenses 2:5-11; Tito 2:13). E o evangelho de João diz de Jesus: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus...E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (João 1:1;14).

Em adição ao Novo Testamento, há também afirmações da deidade de Jesus nos escritos dos Pais da Igreja pré-Nicenos. Por exemplo, bem no início do segundo século, Inácio de Antioquia escreveu de “nosso Deus, Jesus o Cristo”. [32] Afirmações similares são encontradas em todos estes escritos. Há também um testemunho não-cristão do segundo século, de que os cristãos criam na divindade de Cristo. É uma carta de Plínio o Jovem para o Imperador Trajano, datada de aproximadamente 112 d.C. Plínio disse que os primeiros cristãos “tinham o costume de se reunir em certo dia fixo...no qual cantavam...um hino a Cristo, como a um deus”. [33]

Está claro que os cristãos criam na deidade de Cristo antes do Concílio de Nicéia. Também está claro que a maioria das teorias sobre Jesus e a igreja primitiva do O Código Da Vinci são falsas. Se você desejar explorar mais estes temas, recomendo-lhe altamente o livro de Darrel Brock, Breaking the Da Vinci Code [Quebrando o Código Da Vinci].


Notas


[1] - Leia mais sobre isto em:
http://www.filmrot.com/articles/filmrot_news/004089.php (15 de Janeiro de 2004).

[2] - Dan Brown, The Da Vinci Code (New York: Doubleday, 2003), 1.

[3] - Por exemplo, veja Sandra Miesel, “Dismantling the Da Vinci Code”, em http://www.crisismagazine.com/september2003/feature1.htm e James Patrick Holding, “Not InDavincible: A Review and Critique of The Da Vinci Code”, em http://www.answers.org/issues/davincicode.html.

[4] - Philip Schaff and Henry Wace, eds., Nicene and Post-Nicene Fathers (Reprint. Grand Rapids, Eerdmans, 1952), 1:549, citado em Norman Geisler e William Nix, A General Introduction to the Bible: Revised and Expanded (Chicago: Moody Press, 1986), 282.

[5] - Para maiores informações, veja Geisler and Nix, A General Introduction to the Bible, 390.

[6] - Lee Strobel, The Case for Christ (Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1998), 25.

[7] - Ibid., 39-40.

[8] - Ibid., 40.

[9] - Darrell Bock, Breaking the Da Vinci Code (n.p.: Thomas Nelson Publishers, 2004), 52 (cópia do manuscrito pré-publicado).

[10] - Ibid., 62-63. Veja também The Coptic Apocalypse of Peter and The Second Treatise of the Great Seth in Bart Ehrman, Lost Scriptures: Books That Did Not Make It Into The New Testament, (New York: Oxford University Press, 2003), 78-86.

[11] - Por exemplo, The Coptic Gospel of Thomas (sentença 1), em Ehrman, Lost Scriptures, 20.

[12] - Bock, Breaking the Da Vinci Code, 63.

[13] - Bart D. Ehrman, Lost Christianities: Christian Scriptures and the Battles Over Authentication (Chantilly, Virginia: The Teaching Company: Course Guidebook, part 2, 2002), 37.

[14] - Ehrman, Lost Scriptures, 341.

[15] - F.F. Bruce, “Canon”, em Dictionary of Jesus and the Gospels, eds. Joel B. Green, Scot McKnight e I. Howard Marshall (Downers Grove, Illinois: InterVarsity Press, 1992), 95.

[16] - Ibid., 95-96.

[17] - Ibid., 96.

[18] - Darrell Bock, Breaking the Da Vinci Code (n.p. Thomas Nelson Publishers, 2004), 25-26 (cópia do manuscrito pré-publicado). Eu me apoieie fortemente na análise do Dr. Bock nesta seção.

[19] - Ibid., 116-17.

[20] - Bart Ehrman, Lost Scriptures: Books That Did Not Make It Into The New Testament (New York: Oxford University Press, 2003), 35.

[21] - Dan Brown, The Da Vinci Code (New York: Doubleday, 2003). Na página 247 lemos, “Sofia nem sequer sabia que havia um evangelho nas palavras de Madalena”.

[22] - Um “apóstolo” pode simplesmente significar um enviado ou mensageiro. Maria foi uma “apóstola” neste sentido, visto que ela foi enviada por Jesus para dizer aos discípulos de Sua ressurreição.

[23] - Para maiores informações veja Bock, Breaking the Da Vinci Code, 16-18.

[24] - Ehrman, Lost Scriptures, 19.

[25] - Bock, Breaking the Da Vinci Code, 22.

[26] - Ibid., 21.

[27] - Ibid., 20.

[28] - Nesta seção me apoiei fortemente no capítulo 3 do livro do Dr. Bock, Breaking the Da Vinci Code, pp. 40-49 (cópia do manuscrito pré-publicado).

[29] - Philo, Hypothetica, 11.14-17, citado em Bock, Breaking the Da Vinci Code, 43.

[30] - Ibid., 44.

[31] - Mark D. Roberts, “Was Jesus Married? A Careful Look at the Real Evidence”, em
http://www.markdroberts.com/htmfiles/resources/jesusmarried.htm,Jan/2004.

[32] - Ignatius of Antioch, “Ephesians”, 18:2, citado em Jack N. Sparks, ed., The Apostolic Fathers, traduzido por Robert M. Grant (New York: Thomas Nelson Publishers, 1978), 83.

[33] - Pliny, Letters, traduzido por William Melmoth, revisado por W.M.L. Hutchinson (Cambridge: Harvard Univ. Press, 1935), vol. II, X:96, citado em Habermas, The Historical Jesus, 199.



Sobre o Autor:

Michael Gleghorn é bacharel em psicologia pela Universidade de Baylor e Th.M. em teologia sistemática pelo Seminário Teológico de Dallas. Ensinou história e teologia na Academia Christway em Duncanville, Texas. Michael e sua bela esposa, Hannah, moram em Frisco, Texas.


Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 23 de Janeiro de 2005.



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