Mais sobre Contradições "Aparentes"

por

Vincent Cheung



É possível que duas proposições possam parecer contraditórias para uma pessoa, quando elas de fato não são logicamente contraditórias. O problema, então, está com a pessoa e não com as proposições. Talvez ela tenha cometido um engano no raciocínio, ou talvez lhe falte alguma informação que ela necessite para corretamente entender as proposições. Contudo, eu sustento que (e este é o ponto impopular), enquanto duas proposições parecerem contraditórias a uma pessoa (seja elas ou não logicamente contraditórias), ela não pode verdadeiramente afirmar ambas as proposições. Isto porque, para duas proposições serem contraditórias (seja na aparência ou na realidade), necessariamente significa que afirmar uma é ao mesmo tempo negar outra. Portanto, afirmar duas proposições contraditórias é realmente negar ambas na ordem reversa.

Isto é, se X e Y são contraditórios, então X=não-Y e Y=não-X. Então, afirmar tanto X como Y é o mesmo que afirmar não-Y e não-X, o que negaria tanto X como Y, só que na ordem reversa. Certamente, visto que não-Y=X e não-X=Y, então isto significa que negar tanto X como Y é realmente afirmar ambos na ordem reversa. Mas novamente, afirma ambos é negar ambos na ordem reversa, e assim por diante ad infinitum. Portanto, afirmar duas proposições contraditórias (sejam contraditórias em aparência ou na realidade) é não dizer nada, ou pior do que nada.

Agora, eu concordo que quando uma pessoa vê duas proposições na Escritura que lhe parecem contradizer uma a outra, ele deve “saber” que a contradição é somente em sua própria mente e que as proposições parecem se contradizerem somente por causa da sua própria falta de entendimento ou raciocínio falacioso, e que não há uma contradição lógica real. Mas eu ainda diria que, até onde as duas proposições lhe parecerem contraditórias, ele ainda não poderá verdadeiramente afirmar ambas ao mesmo tempo. Visto que a Escritura realmente não se contradiz, isto é apenas outra forma de fizer que uma pessoa não pode verdadeiramente afirmar uma proposição até que ele entenda verdadeiramente e corretamente o que a proposição significa. Ou, uma pessoa não pode afirmar verdadeiramente uma parte da Escritura que ela não entenda verdadeira e corretamente. Se ela não entende o que a proposição significa, então, seja o que for que ela esteja afirmando, não é realmente esta proposição, mas alguma outra proposição em sua mente. Minha posição sobre este ponto é correta por necessidade. Opor-se a ela, seria sugerir que alguém pode afirmar uma proposição que nem mesmo entrou em sua mente, o que seria absurdo.

Isto é, quando uma pessoa lê as proposições X e Y, mas entende mal pelo menos uma das proposições, de forma que sua mente perceba X e A, então se X e A se contradizem, embora X e Y não se contradigam, então, parecerá para a pessoa que X e Y se contradizem, embora seja X e A que realmente se contradigam, visto que a pessoa pensa que ela está pensando sobre X e Y, quando na realidade está pensando sobre X e A. Uma proposição bíblica mal-entendida torna-se uma proposição não-bíblica na mente de uma pessoa. Uma proposição bíblica pode certamente contradizer uma não-bíblica; ou, duas proposições não-bíblicas podem certamente se contradizerem. Isto é o que realmente acontece quando uma pessoa vê uma “aparente” contradição na Escritura. Um ou ambos os lados da alegada contradição não é realmente uma proposição bíblica, pois ele tem sido distorcido ou mal-entendido.

Ou, uma pessoa pode entender corretamente as proposições X e Y, mas então afirmar também alguma outra falsa premissa Q, que parece fazer com que X e Y se contradigam, quando por si mesmas elas não se contradigam. Um exemplo é a relação entre soberania divina (X) e responsabilidade humana (Y). Por si mesmas, não há uma contradição entre as duas proposições, seja real ou aparente. Contudo, as duas parecerão se contradizerem uma vez que você impõe a premissa “responsabilidade pressupõe liberdade” (Q). De repente, parecerá que X contradiz Y. De fato, se Q é verdadeira, então haveria uma contradição real, e não somente uma aparente. Mas, uma vez que percebemos que Q é falsa, até mesmo a aparência de uma contradição desaparece. A chave, então, é entender corretamente o que a Escritura diz, e evitar adicionar a ela idéias falsas que não vêm da Escritura de forma alguma.

Para sumarizar, se uma pessoa entende o que a Bíblia está dizendo em cada instância, então em nenhum momento duas proposições na Bíblia parecerão contraditórias para ele. Isto é porque na realidade, não há nenhum caso de duas proposições na Bíblia que se contradigam. Mas se a pessoa nem sempre entende a Bíblia corretamente, então, em alguns casos, duas proposições podem parecer se contradizer (mesmo quando elas realmente não se contradigam). Nestes casos, ele pode ainda “saber” que a contradição é somente “aparente”, visto que ambas as proposições são encontradas na Bíblia. Contudo, ele não pode afirmar ambas enquanto elas ainda lhe parecem contraditórias. O que ele deve fazer? Deve estudar para captar o verdadeiro significado de cada proposição, e quando isto acontecer, ele verá, antes de mais nada, que a contradição nunca existiu.

Falhando em entender e reconhecer o exposto acima, os cristãos estão freqüentemente, e rapidamente também, gritando: “Mistério!” e “Paradoxo!”, quando confrontados com proposições bíblicas que são obviamente não-contraditórias, a menos que sejam feitas contraditórias por alguma distorção espetacular ou por alguma suposição estranha extra-bíblica. Este não é um sinal de reverência genuína. Este é de fato uma negação implícita da perspicuidade (clareza) e da unidade da Escritura, e um tremendo insulto à sabedoria e integridade de Deus, que inspirou a Escritura para nós entendermos, cremos e obedecermos. À luz disto, parece quase trivial mencionar que este ilegítimo apelo a mistério e paradoxo também concede desnecessariamente munição para os inimigos da fé.

Assim, se desejarmos verdadeiramente honrar a grandeza de Deus, devemos ousadamente e reverentemente afirmar que a Escritura é clara, e claramente não-contraditória em todo aspecto.



LEITURA RECOMENDADA:

Vincent Cheung, Systematic Theology (PDF version), p. 18-20.

Vincent Cheung, Commentary on Ephesians (PDF version), p. 16-18.
(See www.rmiweb.org )

Martin Luther, The Bondage of the Will
(See www.monergismbooks.com )

Herman Hoeksema, The Clark-Van Til Controversy
(See www.trinityfoundation.org )



Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts. http://www.rmiweb.org/

 


Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 26 de Março de 2005.


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