Declarações Auto-Refutáveis

por

John Frame

 

 

Vários tipos de declarações têm sido descritas como “auto-refutáveis”:

(1) Contradições Lógicas, tais como “Sócrates é mortal e Sócrates não é mortal.” Se as duas ocorrências de “mortal” nessa sentença são atribuídas a Sócrates ao mesmo tempo e na mesma relação, então a sentença não pode ser verdadeira. A primeira sentença refuta a segunda, e vice-versa.

(2) Certas declarações auto-referenciadas, isto é, declarações que remetem a si mesmas, são auto-refutáveis, tais como “Todas as declarações são falsas.” Se essa declaração é verdadeira, então é falsa.

(3) Algumas declarações refutam a si mesmas, não devido ao seu conteúdo explícito, mas tendo em vista quem a profere. Um exemplo seria “Estou mentindo agora”. A principio não há contradição em dizer-se que alguém está mentindo. Substitua a primeira pessoa pela terceira, “Ele está mentindo agora”, e a contradição desaparece. Mas na primeira pessoa a declaração é auto-refutável, pois todo ato de asseverar alguma coisa pressupõe a reivindicação de estar falando a verdade. Assim, “Estou mentindo agora” quer dizer, na prática, “Estou falando a verdade e também estou mentindo agora”, que é uma contradição.

(4) Há outras formas “práticas” de auto-refutação que fazem mais referência ao orador do que ao sentido real das palavras empregadas. Se uma pessoa diz que odeia comer feijão, mas se empanturra com grandes porções de feijão, observadores podem com razão dizer que a atitude invalida a declaração. A declaração em si não é auto-refutável, mas num sentido essencial a pessoa refutou a si mesma. Argumentar contra tais tipos de auto-contradições práticas, é, naturalmente, argumentar ad hominem.

(5) Diz-se que algumas teorias filosóficas são auto-refutáveis pois estabelecem normas de significado, racionalidade e/ou verdade às quais elas mesmas não podem se adequar. Por exemplo, Ludwig Wittgenstein, em seu Tractatus Logico-Philosophicus, no fim admitiu com franqueza que as proposições do seu livro não estavam à altura do seu critério pessoal de significado; assim, alegou que tais proposições eram uma espécie de escada que alguém jogou fora após utilizá-la para chegar a uma perspectiva mais vantajosa. Mais adiante, os positivistas lógicos insistiram que um fragmento da linguagem não poderia significativamente estabelecer um fato empírico (verdadeiro ou falso) a menos que empiricamente verificável por métodos semelhantes aos da ciência natural. Porém muitos observaram que esse “princípio de verificação” não poderia ser empiricamente validado. Isso levou o positivismo lógico ao seu fim, como um movimento filosófico influente.

(6) Uma vertente filosófica freqüentemente assumida auto-refutatória é a forma geral de ceticismo, segundo a qual não existem verdades ou que nada pode ser conhecido. O anti-cético acusa o cético de cometer o erro acima pois este está: tentando provar que é verdade que não existem verdades ou reivindicando saber que nada pode ser conhecido. Por sua vez os céticos podem (a) renunciar ao seu ceticismo, (b) modificá-lo a fim de excluir a sua reivindicação (o que pode ser facilmente acusado de arbitrário ou idiossincrásico), ou (c) modificar a sua visão fazendo concessão a algumas verdades conhecidas. Um ‘c' alternativo poderia envolver um tipo de distinção entre verdades de primeira ordem e verdades de segunda ordem (i.e., verdades sobre verdades), limitando o ceticismo a afirmações de verdade de primeira ordem. Porém é difícil desenvolver uma premissa para um ceticismo de primeira ordem que não se aplicasse igualmente ao ceticismo de segunda ordem. Em todo o caso, tal distinção certamente ensejaria discussões posteriores.

(7) Immanuel Kant argumentou que a verdade da matemática e da ciência não poderia ser provada por dedução racional (segundo Leibniz) ou apenas pela experiência sensorial (segundo Hume), mas antes, por um argumento “transcendental” que estabeleça condições sob as quais é possível a posse de conhecimento. Segundo Kant, negar essa teoria é negar as condições imprescindíveis ao conhecimento ainda que sob a alegação de possuir conhecimento, o que é auto-refutável. Reivindicações similares, entretanto, têm sido feitas a respeito de muitas teorias epistemológicas, algumas delas muito diferentes das de Kant. Os apologistas cristãos têm freqüentemente empregado o conceito de auto-refutação contra as alternativas ao teísmo cristão. Gordon H. Clark, em A Christian View of Men and Things e em outras obras é um dos muitos apologistas que expõem as contradições lógicas dos pensadores não-cristãos, particularmente aquelas contradições que requeiram o ceticismo. Stuart Hackett, em The Resurrection of Theism, onde desenvolve uma variação do argumento transcendental de Kant, é mais um exemplo de trabalho apologético em que essa abordagem é presente. Francis Schaeffer abordou com freqüência a esfera “prática” da auto-refutação. (4) Em The God Who is There (72-74) refere-se a John Cage , que escreveu música “randômica” expressando a sua convicção que a realidade é governada pelo puro acaso. Mas Cage também coletava cogumelos como um passatempo, e veio a compreender que morreria se aplicasse a sua filosofia do acaso na seleção de cogumelos. Segundo Schaeffer, Cage refutou a si mesmo pois na prática era inconsistente com a sua teoria. Cornelius Van Til faz menção freqüente em suas obras (como Essays on Christian Education , 89) à ocasião em que viu num trem um passageiro sendo estapeado no rosto pela filha. Mas ela não o alcançaria se ele não a tivesse posto em seu colo. Van Til usa esse incidente para ilustrar que um não-cristão não pode nem mesmo argumentar contra o teísmo cristão sem pressupor sua validade. Qualquer argumentação, mesmo contra o Cristianismo, envolve a pressuposição que o mundo é conhecível, discernível e expressível pela linguagem. Segundo Van Til, somente o teísmo cristão oferece as condições que tornam possível a discussão racional. Portanto, a pretensão básica do descrente em argumentar contra Deus é contraditória com a sua posição. Esse tipo de auto-refutação é similar ao que foi citado acima nos itens 3 e 4, pois essa auto-refutação não se mostra no conteúdo da declaração, mas na pretensão do argumentador de estabelecer essa declaração.


Bibliografia


Gordon H. Clark, A Christian View of Men and Things (Grand Rapids: Eerdmans, 1952).
Stuart Hackett, The Resurrection of Theism (Chicago: Moody Press, 1957).
William Hasker, “Self-Referential Incoherence,” em Robert Audi, ed., The Cambridge Dictionary of Philosophy (Cambridge: Cambridge University Press, 1995), 721.
Francis Schaeffer, The God Who Is There (Chicago: Inter-Varsity Press, 1968).
Cornelius Van Til, Essays on Christian Education (Sem data: Presbyterian and Reformed, 1974). Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus (Londres : Routledge e Kegan Paul, 1921, 1963).


Tradução: Marcelo Herberts

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