Ocasionalismo e Empirismo

por

Vincent Cheung




– A –

O que você pensa sobre alguém (um materialista) que diz que o mesmo conceito pode estar localizado em duas localizações espaço-temporal? Isso acontece porque o cérebro é como um computador que copia um programa de outro computador. Assim, quando eu falo, as ondas de som entram em seu ouvido e seu cérebro copia o conceito que estava na minha cabeça.


Eu esperaria que um materialista dissesse isso — parece surgir da visão de realidade deles. Eu posso desafiá-lo diretamente nesse ponto, mas eu posso também demandar justificação para as premissas lógicas anteriores.

Por exemplo, eu não creio: (1) que um “conceito” seja físico”, e (2) que o cérebro “pense”. Digamos que eu escolha desafiar o materialista primeiramente em (2). Se ele usa a ciência e o empirismo como a forma de provar isso, então eu desafiaria a ciência e o empirismo. Minha própria posição é que esse assunto de pensamento e conceitos é uma versão de ocasionalismo, de forma que eu sou capaz de evitar todos os problemas que apresento contra o materialista.

Se o ponto principal de sua questão é sobre comunicação no esquema materialista, então eu rapidamente desafiaria o empirismo. Eu admitiria que se o materialista pudesse se comunicar com outra pessoa, então haveria duas cópias físicas do mesmo pensamento. Mas eu nego que eles possam se comunicar, de forma que eles precisariam provar primeiramente que eles podem se comunicar por uma epistemologia empírica — isto é, mesmo que ignoremos por enquanto que o materialismo é verdadeiro, que os pensamentos são físicos e que os cérebros podem pensar.

Quanto ao osacionalismo, eu uso a expressão “na ocasião” mais do que o termo “ocasionalismo”, visto que muitos iniciantes lêem os meus livros e eles não têm idéia do que o termo significa, de forma que eu uso a explicação ou significado do termo ao invés do termo em si. O ponto é que a providência de Deus inclui controle completo de tudo sobre todas as coisas, o que significa que ele deve ser o único poder controlador de toda a comunicação e aquisição de conhecimento.

Jonathan Edwards afirmou uma forma de ocasionalismo, bem com vários outros pensadores cristãos. Você pode ver Calvino, Lutero, etc., algumas vezes dizendo coisas que soam como ocasionalismo. Eu apenas diria que ele é uma implicação necessária e uma aplicação consistente da doutrina bíblica da providência.

 

– B –

Por que você negaria a [possibilidade de] comunicação para eles? É porque quando você se comunica, você está comunicando proposições, e proposições não são materiais, de forma que a mesma proposição não pode estar em mais de uma localização espaço-temporal?


Essa seria a razão logicamente anterior — eu nego que as proposições sejam materiais.

Mas eu estou dizendo que, mesmo que ignoremos as questões logicamente anteriores, eles ainda precisarão mostrar que eles podem se comunicar falando e ouvindo. Quer as proposições sejam materiais ou não, eles precisam me dar uma prova lógica mostrando que quando alguém ouve uma proposição falada, ele realmente ouve quando está sendo falado. Isto é, eles precisam de uma prova para o empirismo.



– C –

(1) Agora, eles provavelmente diriam que sua resposta é auto-refutadora, visto que você teve que usar sua boca física para responder a questão, e você assumiu que meus ouvidos ouviriam sua pergunta. Nesse ponto você negaria isso em favor do seu ocasionalismo, correto?

(2) Por outro lado, eu poderia dizer que dentro da minha cosmovisão, Deus fez nossas bocas para comunicar e nossos ouvidos para receber informação, mas dentro da cosmovisão dele e por empirismo, como ele poderia saber que está realmente ouvindo o que é falado? Nesse ponto, ele provavelmente reafirmaria sua conclusão de que ele sabe isso porque respondeu minha pergunta.

 

(1)

Ocasionalismo é minha resposta positiva, mas eu não preciso usá-la ainda.

Antes, nesse ponto eu posso levar o debate para um mundo puramente mental. Por exemplo, eu poderia sugerir que poderíamos estar tendo o debate inteiro num sonho. Como sabemos que não estamos? Isso é simplesmente dizer que eu rejeito pressupor o mundo físico sem justificativa. É um argumento circular dizer que sabemos que estamos no mundo físico porque estamos falando e ouvindo, visto que meu ponto é que poderíamos estar fazendo tudo isso num mundo puramente mental, ou num sonho. Visto que o materialista constantemente precisa do mundo físico em sua filosofia, ele não pode continuar até que ele forneça a justificativa racional que eu demando.

Por outro lado, meus princípios básicos, e de fato minha cosmovisão inteira, permanece completamente imune e não danificada, visto que em minha cosmovisão, o mundo físico é deduzido a partir de um princípio não-físico. De fato, se não fosse o fato da Escritura ensinar que há um mundo físico, eu poderia descartá-lo completamente e ainda ter tudo o mais intacto. Assim, eu posso negar que estou necessariamente usando minha boca física quando eu pergunto ou respondo algo — o materialista terá que provar isso para mim. [1]

Assim, eu poderia forçar que tudo passasse do físico para o puramente mental simplesmente sugerindo tal coisa, e isso destruiria tudo o que é físico (pois o mundo físico tem sido assumido sem justificação até este ponto). Se o oponente não pode sobreviver num mundo puramente mental, ou se ele não pode sair uma vez forçado para dentro de um mundo puramente mental, então ele perde imediatamente o seu direito.


(2)

Você terá que formular uma resposta usando o método de Van Til.

Mas note que simplesmente porque Deus fez o ouvido não significa que suas habilidades e propósitos são como você pensa. A própria Escritura mostra que os olhos e ouvidos estão frequentemente equivocados, e as pessoas que estão supostamente vendo e ouvindo as mesmas coisas frequentemente chegam a conclusões diferentes, ou discordam sobre o que eles estão vendo e ouvindo (2 Reis 3:20–22; João 12:27–29).

Assim, os problemas do empirismo ainda são tão reais como sempre — mesmo que você comece a partir de pressuposições bíblicas, não há forma de mostrar em qualquer determinada circunstância se sua sensação é correta. Mesmo dada as pressuposições bíblicas, você ainda não poderá resgatar o que é inerentemente irracional e logicamente impossível. Mesmo que fosse de certa forma possível para alguém receber conhecimento através da sensação antes da Queda (embora eu afirme que o empirismo é irracional e impossível mesmo aparte do pecado), devemos tomar em conta os efeitos noéticos do pecado sobre a confiabilidade da sensação.

Com o ocasionalismo não há nenhum problema. Os ouvidos, na melhor das hipóteses, fornecem a ocasião na qual Deus (o Logos) comunica diretamente à mente — na ocasião da sensação, mas independente da sensação. Em adição, ele é aquele que controla tudo tanto sobre a ocasião como sobre a comunicação.

É improvável que seu oponente pensará sobre isso e o trará à tona — isto é, te desafiar sobre o empirismo. Eu menciono isso somente como uma possibilidade remota, mas se acontecer, então você deve ter uma resposta para isso. E ela terá que ser uma resposta exegética, visto que ele reivindica basear a confiabilidade ou possibilidade da sensação sobre princípios bíblicos.



– D –

(1) Com você sabe que não está sonhando?

(2) Seria falacioso para meu oponente argumentar que, visto que as sensações são algumas vezes equivocadas, portanto, elas são sempre equivocadas. Ou, seria falacioso dizer que se algumas vezes você não pode saber se suas sensações estão operando corretamente, portanto, você nunca pode saber se elas estão operando corretamente.

 

(1)

Eu poderia estar sonhando, e isso não danificaria minha cosmovisão, e todos os meus princípios básicos permaneceriam intactos. Esse é o ponto. Mas eu posso estar sonhando e ainda afirmar que há um mundo físico, não porque eu confie em minhas sensações, mas porque a Bíblia me revela isso.

Por outro lado, minhas sensações sentem o mesmo quando eu penso que estou sonhando assim como quando eu penso que não estou sonhando, de forma que por minhas sensações eu não posso confirmar seguramente se estou sonhando ou não. Mesmo que minha sensações fossem diferentes quando penso que eu estou sonhando, assim como quando penso que não estou sonhando, como eu saberia que estou realmente sonhando quando penso que estou sonhando, e que não estou sonhando quando penso que não estou sonhando? Talvez eu os tenha em reverso, de forma que quando sinto de certa forma e penso que estou sonhando, eu deveria realmente pensar que não estou sonhando quando sinto dessa forma, e vice-versa.

Mas eu rejeito o empirismo, e isso não apresenta nenhum problema para o meu método.


(2)

Sim, mas a menos que você possa mostrar como você sabe em determinada ocorrência se aquela sensação particular é confiável ou não, então você não pode mostrar como você poderia confiar em determina ocorrência de sensação.

Assim, mesmo que algumas ocorrências de sensação sejam confiáveis, e que naquelas ocorrências o que você sente realmente corresponde ao que deve ser sentido, a menos que você possa mostrar quais ocorrências de sensação são confiáveis e quais ocorrências não são confiáveis, não faz diferença — você ainda não poderia confiar em nenhuma delas, visto que você não tem nenhuma forma de saber quando suas sensações estão certas e quando elas estão erradas.

Assim, seu oponente não precisa mostrar que você nunca sente o que você pensa que sente. Enquanto suas sensações não forem infalíveis, e então, enquanto você não tiver nenhum padrão não-empírico pelo qual julgar cada ocorrência de sensação, o efeito é que nenhuma ocorrência de sensação é confiável.

 

– E –

Mas eles poderiam dizer que, visto que algumas vezes seus sonhos têm sido falsos (por exemplo, um monstro gigante te perseguindo), como você sabe que está comunicando a verdade? Você provavelmente diria que negar sua cosmovisão, quer no sonho ou não, resultaria em irracionalidade, e que as leis da lógica, as inferências necessárias, etc., permanecem nos sonhos também.

 

Correto, eu afirmo o que eu afirmo não por causa do que eu “vi”, quer no mundo físico ou no mental (ou um sonho), mas por causa da revelação divina e da necessidade lógica.

Realmente, seria conveniente se um empirista fizesse essa pergunta sobre sonhos. Isso seria de fato um desafio contra ele e não contra mim — a menos que ele possa responder essa pergunta, isso significaria que não devemos confiar no que sentimos, quer estejamos num sonho ou não. Isso ainda fornece outra ilustração da impossibilidade de adquirir qualquer conhecimento por sensação.

Em todo caso, o contraste real não é entre o estado de sonho e o de não-sonho, mas entre um mundo puramente mental e um mundo físico.

Também, precisamos falar sobre o que se quer dizer por “real”. Se um monstro me persegue num mundo puramente mental, ou num sonho, então isso é o que é “real” no mundo puramente mental ou no sonho. Isto é, é realmente verdade que um monstro está me perseguindo no sonho.

Por outro lado, a questão parece implicar que se algo não acontece no mundo físico, então ele não é “real”, mas esse é um argumento circular.



– F –

Eu diria que (1) Deus nos fez dessa forma, e (2) isso é como agimos normalmente. (3) É necessário haver um ambiente apropriado, de forma que se eu estiver drogado, num quarto mal iluminado, com sono, etc., então eu não terei dificuldades em dizer que estou equivocado sobre algumas observações triviais, mas as sensações são geralmente confiáveis.

 

(1)

Você precisa mostrar a partir da Escritura que Deus nos fez “dessa forma”. “Dessa forma” não pode significar simplesmente que Deus fez os olhos e os ouvidos, mas você deve mostrar que pode seguramente derivar conhecimento real através deles por sensação — através de alguma função inerente neles, e que você saberia em determinada ocorrência o porquê tal ocorrência de sensação é confiável.


(2)

O fato de agirmos normalmente de certa forma não prova que estejamos corretos. Eu posso simplesmente dizer que estamos normalmente errados.


(3)

Você terá que me mostrar que a Escritura diz que a sensação é confiável sob certas condições, e que ela não é confiável sob essas outras condições que você listou. E, em primeiro lugar, você não pode especificar essas condições se você “descobrir” essas condições a partir da sensação, visto que isso seria um argumento circular.

Isto é, como você sabe que as drogas afetam sua sensação? Você não pode reivindicar saber isso por sensação, se você ainda não tiver estabelecido a confiabilidade da sensação. E como você sabe que a iluminação está fraca num quarto? Talvez a iluminação esteja boa (o que é boa?), mas você está ficando cego.

Também, mesmo que a Escritura diga que a sensação é confiável sob certas condições, e que ela não é confiável sob outras condições, você ainda deve ter uma forma de descobrir sob que tipo de condição você atualmente está. E se você usar a sensação para descobrir sob que condição você está, para determinar se sua atual sensação é confiável, então isso seria um argumento circular.

 

– G –

(1) A faca corta dos dois lados e você precisa mostrar a partir das Escrituras todas as coisas que você afirma e me contradizer com elas.

(2) Também, eu penso que você teria que negar algumas coisas do senso comum, de forma que você não saiba que “Vincent é um homem”. Talvez você esteja disposto a morder essa isca, eu não sei.


(1)

Sim, eu já o fiz em meus livros.

Mas dizer que “a faca corta dos dois lados” é admitir que ela corta o seu lado, e você ainda deve mostrar a partir da Escritura que sua visão é correta.


(2)

Eu sou totalmente cético contra o “senso comum”, e penso que o próprio “senso comum” é incoerente. De fato, o “senso comum” não é comum e ele não faz sentido.

E se eu sei que “Vincent é um homem”, eu certamente não sei isso sobre uma base empírica [2] ou por senso comum, mas pela iluminação a partir do Logos, de acordo com minha explicação sobre ocasionalismo.

Eu certamente negaria que “Vincent é um homem” seja algo que eu possa saber pelo “senso comum”. Agora, se você “sabe” algo, você sabe algo — somente opinião pode ser sustentada por graus de certeza ou confiabilidade racional. Portanto, se eu não sei algo — se eu estou apenas mais ou menos certo, e se esse algo não é racionalmente inegável — então eu não sei esse algo.

Isso posto, eu nunca diria: “Pelo senso comum, eu sei que sou um homem, e esse conhecimento que recebi a partir do senso comum é tão racionalmente certo quanto a Escritura, a revelação de Deus. Tanto o senso comum como a Escritura me dão conhecimento, ou me dizem coisas que eu não posso saber; portanto, o senso comum é tão racionalmente certo quanto a Escritura, e eu creio no senso comum tanto quanto creio na Escritura”.

Se a Escritura me dá conhecimento (não mera opinião), e o senso comum me dá conhecimento (não mera opinião), então a menos que haja graus de certeza no conhecimento (de forma que você tenha conhecimento certo, conhecimento menos certo, ou até mesmo conhecimento incerto, o que não faz nenhum sentido), então tanto a Escritura como o senso comum me dão conteúdo intelectual do mesmo nível de certeza racional — a saber, conhecimento — e segue-se que o senso comum é tão confiável e certo quanto a Escritura, e a Escritura não é mais confiável e certa do que o senso comum.

Eu nunca diria algo como isso, ou nem mesmo implicaria tal coisa. Eu nunca declararia ou implicaria que o que eu reivindico pode ser descoberto aparte da revelação de Deus tão certo como a partir da revelação de Deus. Eu nunca diria que o “senso comum” é tão confiável quanto a revelação divina. Fazer tal declaração é tanto irracional como irreverente.

 


NOTAS:

[1] - Eu não nego que haja um mundo físico — negar que haja um mundo físico seria negar o que a Escritura ensina. Antes, eu estou dizendo que eu não tenho que estar no mundo físico para agir. Se não fosse o fato da Escritura indicar que há um mundo físico, eu poderia negar totalmente a existência do mundo físico, e todas as minhas crenças ainda permaneceriam intactas

[2] - O que eu precisamente sinto para saber que “Vincent é um homem”? E como eu sei que isso é o que eu devo sentir?


Extraído e traduzido de Captive to Reason, de Vincent Cheung, páginas 11-16.


Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento abrangente e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts. [http://www.rmiweb.org/]

 


Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 05 de dezembro de 2005.

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