O Batismo Cristão: Imersão ou Aspersão?

por

Túlio César Costa Leite

 

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O modo de administrar o batismo não é muito debatido entre os presbiterianos. Isto pode dar origem ao entendimento falso de que não temos base bíblica para sustentar a aspersão. Na verdade falamos pouco sobre o assunto porque consideramos a forma de batizar de importância relativa. Em outras palavras, não cremos que a validade desta ordenança de Cristo dependa da quantidade de água empregada ou do modo como esta água é aplicada.

De fato, é com tristeza que somos obrigados a escrever sobre este assunto, pois poderíamos usar o nosso tempo em questões mais úteis do que debates acerca de cerimônias externas. Talvez nesse ponto estejamos nos igualando aos católicos romanos debatendo com os ortodoxos sobre a maneira correta de fazer o sinal da cruz, ou aos membros de certa igreja disputando acerca da maneira correta de receber a ceia, se sentados nos bancos ou ajoelhados no altar.

Porém, como freqüentemente somos acusados de laborar em erro por batizarmos por aspersão, pretendemos demonstrar que se a validade depende da forma, então o único batismo válido é por aspersão ou efusão, mas nunca por imersão.

Uma comparação com a Ceia

Uma questão que se apresenta logo no início é: se a validade do batismo depende da forma de sua administração, o que dizer da Ceia? Será que existe alguma igreja que celebre a ceia exatamente como o Senhor a instituiu? Uma porção de água que se derrama ou se esborrifa sobre a cabeça de alguém está tão próximo da imersão como uma migalha de pão e um gole de suco de uva está de uma refeição oriental. Portanto, se a pouca água invalida o batismo, pouco pão e vinho invalida a ceia. Aliás, existem igrejas que questionam o uso de pão comum na Ceia, argumentando que o correto é usar pão sem fermento; então por que a maior parte dessas mesmas igrejas -- senão todas -- usa suco de uva se a Bíblia diz claramente que a bebida era vinho? Sim, vinho que embriagava se consumido em demasia (1 Co11.21)!

Se aceitarmos que podemos receber a ceia de pé, ou sentados ou ajoelhados ou deitados numa cama; se ela pode ser celebrada num cenáculo, numa casa ou num templo; se podemos usar mais ou menos pão, ou mais ou menos vinho (ou suco de uva!), etc., por que, então, a forma da outra ordenança é tão importante? Entendemos que não há hierarquia entre as ordenanças. As duas são igualmente importantes, instituídas pelo mesmo Senhor, mas cremos que sua importância está na essência e significado e não em suas variadas formas de administração. Quando Paulo escreve que há um só batismo (Ef 4.5), será que ele estava falando aí da forma de administrá-lo? Até uma leitura superficial do contexto mostra que não.

Respondendo às objeções

Antes de demonstrar que a forma “correta”[3] de administrar o batismo é a aspersão. Façamos uma análise rápida dos argumentos usados em defesa da imersão.

a) Batizar significa imergir somente. “No grego secular bapto, baptizo e baptismos expressam a idéia de imersão; conseqüentemente devem ter a mesma significação quando usada no NT.”

Quanto a isto temos duas objeções:

1ª) Supondo (somente supondo) que no grego secular batizar significa somente imergir, não se segue necessariamente que o NT tenha empregado a palavra com o mesmo sentido exclusivo.

A palavra que designa o outro sacramento -- CEIA --, não é utilizada no sentido fixo e uniforme que recebe no meio secular. No tempo do NT significava uma refeição completa, a principal do dia, nunca tomar uma migalha de pão e um gole de vinho. Se o sentido original e uniforme do vocábulo empregado com relação a uma ordenança não se conserva, por que deveria ser fixo com relação ao outro? Pois não há diferença de importância entre ambos.

Ainda que no grego clássico batizar significasse somente imergir, não podemos pretender que esse tivesse de ser o seu sentido no NT. Há muitas outras palavras que tem no NT sentido completamente diferente do que tem no grego clássico. Por exemplo: LOGOS, quando se aplica à Segunda Pessoa da Trindade. Que escritor profano empregou esta palavra com tal sentido?

2ª) A palavra “baptizo” não significa somente imergir. Pode expressar a idéia de imersão parcial, imersão total, absorção ou efusão. Também pode ser empregada com o sentido de derramar sobre, lavar, limpar, tingir, manchar. Tudo isso pode ser comprovado consultando-se qualquer bom dicionário de língua grega.

Alexander Carson, um batista, escreveu: “meu critério é que este vocábulo (baptizo) significa sempre submergir; e que sempre se refere ao modo. Pois bem: dado que, tendo todos os lexicógrafos e comentaristas contra mim, será necessário dizer duas palavras a respeito da autoridade dos dicionários”[4]

b) A expressão aplicada a João, o Batista: “João batizava também em Enon (...) porque havia ali muitas águas” (Jo 3:23).

Em Enon havia “muitas águas”. Essas “muitas águas” na verdade eram muitas fontes ou arroios. Não há dúvida que eram fios d’água, pois não havia rios caudalosos perto de Enon. Essas fontes eram preciosas para saciar a sede das multidões que atendiam ao ministério de João. Tais fontes, porém, não serviam para a imersão. Para a imersão é necessário muita água, mas a frase diz muitas águas. João não podia usar mais água que a de um pequeno arroio, e isso era perfeitamente adequado! Se o modo de administrar o batismo era a imersão, por que João deixou o Jordão para fixar-se em Enon? Onde estava, no Jordão, havia muita água. Para quê buscá-la em outro lugar? Portanto esta frase não tem nenhuma força para determinar o modo do batismo.

c) A expressão de Paulo em Rm. 6.4 “fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo..”

Que modo de batizar parece com um sepultamento? Se pensarmos num ataúde baixando à terra e por ela sendo coberto, a imersão pode parecer mais com um sepultamento. Mas estamos tratando de um símbolo. E um símbolo pode parecer tanto com aquilo que significa quanto uma aliança de casamento “parece” com a fidelidade. De fato, esta semelhança perde qualquer sentido quando vemos que Paulo se refere ao sepultamento de Cristo! E como Cristo foi sepultado? “e o depositou no seu túmulo novo que fizera abrir na rocha; e rolando uma grande pedra para a entrada do sepulcro, se retirou.” (Mt. 27.60). Portanto Rm. 6.4 nada acrescenta sobre a forma de batismo e esta não é a intenção do apóstolo ao escrever o capítulo 6. Provavelmente ele se entristeceria ao constatar como cristãos se deixaram distrair das questões importantes, ensinadas neste capítulo, acerca do pecado e da graça para se deterem em exterioridades. O Apóstolo não tinha em mente fixar norma sobre a forma de batismo, nem aqui nem em nenhum outro trecho de suas epístolas.

Há, talvez, outros argumentos de menor peso, porém cremos que eles se desfarão se tratarmos logo de demonstrar o que afirmamos: o modo “correto” de batizar é a aspersão.

O Batismo: Uma novidade?

Talvez muitos cristãos imaginem que os judeus não conheciam nem praticavam nada semelhante ao que é descrito em Marcos 1.4... “apareceu João Batista no deserto[5], pregando batismo de arrependimento.”

Será que João Batista introduziu um rito completamente novo, desconhecido aos judeus? Vemos que o NT não explica o ritual do batismo, dando a entender que os judeus não necessitavam de explicações. Isso porque o batismo não foi uma cerimônia introduzida por Jesus, João ou os apóstolos, mas era uma prática comum entre os judeus desde os primórdios de sua organização como povo. Estes batismos eram feitos usando-se a água ou outro elemento, como o sangue.

Vejamos alguns textos:

“Quando voltam da praça, não correm sem se aspergirem (no original grego “batizarem”); e há muitas outras cousas que receberam para observar, como a lavagem (“batismo”) de copos, jarros de metal e camas. (Mc 7.4)

“O fariseu, porém, admirou-se ao ver que Jesus não se lavara (batizara) primeiro, antes de comer. (Lc 11.38)

Também Eclesiático[6] 34.25 diz: “Ao que se lava (batiza) depois de haver tocado um corpo morto, e torna a tocá-lo outra vez, de que lhe valerá o ter-se lavado?”

Todas estas passagens dão a entender que os batismos eram cerimônias comuns:

... não comem sem se batizarem...

... cousas que receberam para guardar, como o batismo de copos...

... ao que se batiza depois de haver tocado um cadáver...

Não falamos ainda sobre o modo como se batizavam. O fato é que se batizavam e que os batismos eram fato normal entre eles, independentemente da disputa acerca do significado da palavra.

Note que estes “batismos” não são invenção humana. O autor de Hebreus fala de “diversas abluções (no original “diversos batismos”) impostas até ao tempo oportuno de reforma.” (9.10; ver tb Hb 6.2). Impostos quando e onde? Com certeza, na Lei de Moisés, que prescrevia minuciosamente as “oferendas e sacrifícios, embora (...) ineficazes para aperfeiçoar aquele que presta culto”. (Hb 9.9).

Portanto, quando Jesus veio, encontrou o povo praticando esses diversos batismos (o deles mesmos, dos copos, das camas, etc) como uma prática cotidiana. Insistimos em que se note a forma normal e familiar do NT tratar a matéria. João aparece batizando no deserto, porém não há surpresas; não se dão explicações. Ele veio pregando o batismo “de arrependimento”. Nova era a doutrina que pregava, não a cerimônia que praticava. De fato, a cerimônia era algo que o povo esperava ver o Messias realizar, bem como todo profeta verdadeiro. Por isso, quando João lhes disse que ele não era o Cristo, nem Elias, nem o profeta, a pergunta imediata que lhe fizeram foi: “Por que, pois, batizas?”[7] dando a entender, claramente, duas coisas:

a) que os profetas tinham o costume de batizar;

b) que esperavam que o Messias fizesse o mesmo na sua vinda.

Quando o próprio Senhor foi a João, embora não necessitasse de arrependimento ou purificação, disse a ele “... convém que cumpramos toda a justiça.” Justiça aqui significa “aquilo que a Lei exige”. Estas palavras contêm o princípio geral pela qual o Senhor se conduzia -- obedecer a todas as ordenanças da Lei de Moisés, pois foram instituídas por Deus. Portanto, os batismos eram cerimônias eminentemente religiosas ‘impostos’ pela Lei.

Os batismos dos judeus não eram feitos por imersão

A esta altura poderíamos pedir, àqueles que acham a forma essencial, que demonstrem que os batismos que os judeus praticavam eram sempre por imersão. Levando-se em conta os seus princípios exclusivistas (“nós estamos certos, eles errados”), são necessariamente obrigados a fazê-lo.

Porém, tentaremos demonstrar uma proposição negativa. Tais batismos nunca eram feitos por imersão.

a) a imersão não está estabelecida

Apesar de aqueles diversos batismos serem “impostos” ao povo como qualquer outra parte do ritual judaico, em lugar algum da Lei de Moisés se estabelece a imersão. Não se pode dar um só exemplo de que se exigisse do judeu a imersão em água em cumprimento a uma cerimônia religiosa.

Se não se pode provar a imersão, se não existe um mandamento, como poderíamos concluir que “era assim”, e mais, que “quem não faz assim” está errado!

b) Os batismos eram por aspersão ou efusão

Não vemos a imersão em nenhum lugar do AT, mas a Lei Mosaica ordena expressamente o modo destes batismos:

“Assim lhes farás para os purificar: asperge sobre eles água da purificação ....” (Nm 8.7);

“Eleazar, o sacerdote, tomará do sangue com o dedo e dele aspergirá para a frente da tenda da congregação ... (Nm 19:18).[8]

Vemos, pois, que na Antiga Aliança o modo de purificação estava claramente ordenado. Supor que se batizavam ou purificavam por imersão é supor que agiam sem mandamento, ou pior, contra o mandamento. Os batismos judaicos eram “impostos” (Hb 9:10) pela Lei. Eram simples purificações, como os textos demonstram e o modo era a aspersão, nunca a imersão.

c) As aspersões e efusões são chamados batismos.

Mostramos que a aspersão era ordenada e praticada e a imersão era desconhecida. Além disso, a tradução grega dos escritos judaicos refere-se a este método de purificação por aspersão usando a palavra “batizar”. Preste atenção: Esta palavra que, tantas e tantas vezes e em tanta confiança nos dizem significar submergir — e nada além disso —, se aplica a estas aspersões judaicas. A tradução grega de Eclesiástico 34:25 diz:

“Aquele que se batiza depois de haver tocado num corpo morto, e torna a tocá-lo, de que lhe valerá a ter-se lavado?”

Já vimos que o modo como se realizava este batismo por haver alguém tocado num corpo morto, está claramente ordenado na Lei de Moisés:

“Todo aquele que tocar o cadáver de qualquer pessoa e não se purificar, contaminou o Tabernáculo do Senhor, e essa pessoa será cortada de Israel; porquanto a água da purificação não foi aspergida sobre ele, [por isso] imundo será, e a sua imundícia será sobre ele” (Nm 19:13).8


Portanto, vemos que o NT utilizou uma palavra que já era usada há pelo menos 200 anos para designar estas cerimônias. Se a palavra batizar era usada, por centenas de anos, para indicar a aspersão, por que ensinar que no tempo do Senhor e de João Batista os judeus realizavam seus batismos de outro modo?

Muito antes da vinda de Jesus já se havia lido que aspergir-se por causa dos mortos era como batizar-se por eles [9]. Dizer que o método era a imersão é ir contra toda a evidência, visto que a aspersão aparece ensinada universalmente no AT.


d) “batizar” equivale a “lavar”.

Por exemplo Mt. 15:2 - “Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? Pois não lavam as mãos quando comem. Comparado com Lc 11:38 “O fariseu, porém, admirou-se ao ver que Jesus não se lavara (no grego: batizara) primeiro, antes de comer”.

Aquele se batiza por haver tocado num corpo morto, e torna a tocar nele, de que se valerá o ter-se lavado? Portanto lavar e batizar podem ser usadas para descrever a mesma ação.


e) O batismo judeu era um rito cotidiano.

Os judeus não só se “batizavam” antes das refeições, ou “batizavam” as mãos antes de comer, mas batizavam-se também por causa de outras impurezas, como, por exemplo, quando se contaminavam, tocando um corpo morto. O mesmo faziam com as mesas e camas. Note que estes batismos de mãos antes das refeições não eram feitos com motivações higiênicas conforme fazemos atualmente. Era o cumprimento de um ritual religioso.

Se tudo isso era feito por imersão, cada família deveria ter um lugar apropriado. Neste caso o batistério seria um lugar essencial de cada casa judaica. Porém, não há evidência histórica ou bíblica que houvesse tal lugar em alguma casa, quer rica, quer pobre.

Não sendo necessária a imersão, deveria, então, existir alguma coisa para cumprir seus rituais de outra forma.

De fato, o NT se refere a vasilhas com capacidade para conter de 80 a 100 litros, pequenas demais para se imergir alguém, mas grandes o suficiente para se meterem as mãos nelas com o propósito de se retirar água usada para aspergir ou derramar sobre pessoas ou objetos. São as talhas de pedra mencionadas nas Bodas de Caná da Galiléia, “que os judeus usavam para as purificações.” (Jo 2.6)


f) O livro de Hebreus confirma os batismos por aspersão ou efusão

O livro de Hebreus (9.10) faz menção às “diversas abluções (batismos) impostas” ao povo. Já vimos que a Lei de Moisés não ordena a imersão, portanto estes “batismos impostos não podiam ser realizados dessa forma.

Também, pelo contexto imediato, fica claro que eram batismos “com o sangue de bodes, touros e as cinzas de uma novilha aspergidos sobre os contaminados” (9.13).

O autor de Hebreus contrasta o culto judaico com a dispensação cristã. No primeiro havia regulamentos com respeito a comidas e bebidas, e diversos batismos e ordenanças acerca da carne. O sangue dos animais ou as cinzas de uma novilha misturadas à água, aspergidos sobre os imundos cerimonialmente os santificavam quanto à purificação da carne. Na dispensação cristã, o sangue de Cristo é eficaz. No primeiro, “Moisés (...) tomou o sangue dos bezerros e dos bodes, com água, lã e escarlate e aspergiu o livro da Lei e o povo, além do tabernáculo e seus utensílios” (Hb 9.19,21).

Sem discussão, estes são os “diversos batismos” a que se refere o v.10.

E sempre por aspersão!


g) A figura do Batismo com o Espírito Santo favorece a efusão ou aspersão

Observe a linguagem bíblica empregada em relação a este tema.

“Porque João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo.” (At 1.15).


No capítulo seguinte a promessa se cumpre e Pedro explica o acontecido ao povo usando a profecia de Joel: “e acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne... até sobre os meus servos e sobre as minhas servas derramarei do meu Espírito.”

Vemos assim, sem discussão que a ação de Deus derramar o seu Espírito sobre os discípulos é chamada de batismo com o Espírito Santo. Temos aqui, indiscutivelmente um batismo por efusão, um batismo no mais elevado sentido da palavra. E já que o próprio Espírito o representou como um derramamento e o chamou de batismo nas Escrituras que Ele mesmo inspirou, por que querer impor uma forma diversa? Por que afirmar, contra toda evidência, que a imersão é a única forma correta? Quando, em imediata relação com o derramamento do Espírito, se menciona o batismo com água de cerca de três mil pessoas, não é duvidoso, para dizer o mínimo, que estas pessoas tenham sido metidas na água ao invés de se aplicar água sobre elas? O mais sublime batismo, o do Espírito Santo -- do qual o outro é um tipo -- é por efusão. Será o tipo administrado de um modo totalmente diferente?

h) Esperava-se que o Messias batizasse, e a forma esperada era a aspersão

Já vimos que os judeus esperavam que o Messias batizasse.

“Por que batizas, se não és o Cristo...?” foi a pergunta que fizeram a João Batista (Jo. 1.25). Qual a origem desta expectativa? Tentarei explicar. Referindo-se ao Messias, o texto de Isaías 52.15 diz:

“Assim causará admiração às nações...” (Edição Revista e Atualizada).


Até 1960, porém, em lugar de “causar admiração” o verbo hebraico “nazah” era traduzido por aspergirá. A profecia seria, então, “ele aspergirá a muitas nações.” “A nova tradução, mui discutível, funda-se mais em razões exegéticas que filológicas.”[10]

De fato, a Edição Contemporânea da Bíblia traz:

“...assim borrifará a muitas nações.”


Em uma visão da Nova Aliança, o profeta Ezequiel assim escreve: “então, aspergirei água pura sobre vós e ficareis purificados” (v. 25).

A esta promessa seguem-se as promessas da concessão de um novo espírito e coração (v.26) e de que o Espírito faria morada dentro do homem (v.27) para fazê-lo obedecer à Lei. Veja também Jr 31.31-33.

Reconhecemos, então, que os profetas utilizaram um ritual de purificação, por eles conhecido, como um símbolo da real purificação que o Messias realizaria no impuro coração humano. Os tradutores da Bíblia viva corretamente parafraseiam Is. 52:15 da seguinte forma: “... com seu sofrimento ele purificará a muitas nações.”

O Messias “aspergirá a muitas nações ....”.

Aspergirei água pura sobre vós ....”

“Por que batizas, se não és o Cristo (...) ?”

Mais uma vez, nenhum indício de imersão e uma forte evidência em favor da aspersão.


i) A simplicidade dos batismos no NT.

Cremos já ter estabelecido solidamente o fato de que, se havemos de invalidar o batismo de alguém por causa da maneira como foi aplicado, não será o daqueles que foram batizados por aspersão. Se o leitor tiver um pouco mais de paciência poderemos ainda nos deter no exame dos batismos descritos no NT.

Uma evidência em favor da aspersão no NT é o fato de que as pessoas eram batizadas imediatamente, no lugar em que se convertiam, quer fosse na cidade, quer no deserto; numa casa ou em uma estrada; na prisão ou à margem de um rio; no inverno ou no verão. Não havia demora, não há referência alguma à saída para um lugar adequado para a imersão.

Quando alguém cria, no mesmo instante e no mesmo lugar havia sempre o necessário para ser batizado. Por isso, é muito difícil crer que fosse assim, se se praticasse a imersão. Pode-se supor, sim, mas é uma suposição altamente improvável. Vejamos alguns exemplos:

Paulo (At 9). Após sua queda e cegueira no caminho de Damasco, Paulo permaneceu três dias em jejum na casa de Judas. Ananias, guiado por Deus, entra na casa e, após breve instrução, batiza Paulo. Diz o texto: “a seguir, levantou-se e foi batizado”.

Havia um tanque na casa? foram a outro lugar? O texto não diz. A única “prova” seria o pretendido significado de “batizar”. Todas as circunstâncias são contra a imersão: na mesma casa, em pé, sem demora para preparar-se, sem sair nem entrar, pondo-se imediatamente a serviço de Cristo.

O carcereiro de Filipos (At 16). Convertido na prisão a altas horas da noite e, lá mesmo, imediatamente batizado junto com os seus. Foram a algum rio em plena noite? Havia um tanque na prisão? Quantas dificuldades o texto apresenta se partirmos do pressuposto de que batizar significa imergir, e nada mais. Por outro lado, quão simples se torna o relato, se se leva em conta que, para o povo judeu, era coisa natural o batizar-se por aspersão ou efusão.

Cornélio e sua casa (At 10). Sobre este episódio, se diz que o “Espírito Santo caiu sobre todos os que ouviam a palavra. “Admiraram-se, porque também sobre os gentios foi derramado o dom do “Espírito Santo”. “Quando comecei a falar, caiu o Espírito Santo sobre eles, como também sobre nós, no princípio. Então me lembrei da palavra do Senhor quando disse: João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo (At 10.44; 11:15-16).

“Porventura pode alguém recusar a água, para que não sejam batizados estes que, assim como nós, receberam o dom do Espírito Santo?” (At 10:47). Pedro batizou estas pessoas por imersão? De um lado somente uma suposição contra toda evidência. De outro porém, além da forte impressão que Cornélio foi batizado em sua própria casa, há o registro de que o “derramamento” do Espírito fez Pedro pensar que os termos batizar, derramar e cair — aplicados ao Espírito Santo — implicavam uma idéia semelhante à água.

Filipe e o eunuco (At 8:26-39). Comumente este é um texto julgado claramente em favor da imersão. Em sua viagem, o etíope lia Isaías 53; provavelmente ele tinha acabado de ler o último versículo do capítulo 52 “ele aspergirá muitas nações”. Filipe lhe explicou a passagem e, quando chegaram a um lugar onde havia água, desceram a ela e Filipe batizou o eunuco. Por imersão? Mesmo entendendo o texto como uma entrada real na água, nem por isso fica demonstrada a imersão. Leve-se em conta que as sandálias podiam ser facilmente tiradas, e que isto estaria de acordo com os costumes orientais e que, depois de descerem à água, Filipe lhe administrou o rito do batismo por aspersão ou efusão. Por outro lado, é muito duvidoso que no lugar deserto onde se encontravam houvesse uma corrente de água com profundidade suficiente para submergir o eunuco.

Tudo indica que não esperaram para obter roupas próprias para o batismo e não é provável que o viajante se submergisse com a roupa que trazia ao corpo. O texto diz simplesmente que, após o batismo o eunuco “foi seguindo seu caminho cheio de júbilo”. Diz o texto, também, que Filipe foi “arrebatado pelo Espírito do Senhor” para Azoto. Não podemos presumir que o Eunuco seguiu viagem pingando água e Filipe achou-se repentinamente em Azoto com as roupas encharcadas.

Os três mil de Atos 2 (vv 37-41). No mesmo dia em que os discípulos foram batizados do alto pelo derramamento do Espírito sobre eles, mais três mil almas foram acrescentadas à Igreja. Foram submergidos estes convertidos? Para responder que sim, só se pode dar como prova o pretenso significado da palavra batismo, o qual já descartamos. Nada mais no texto pode sugerir a submersão. Porém, para negá-la, amontoa-se uma série de circunstâncias: Não havia lugar para realizar essa forma de batismo, nem no templo, nem nos arredores onde estavam reunidos. Quem sabe foram em procissão até a porta dos ovelhas onde havia um tanque, pediram licença à multidão de enfermos que lá jazia (Jo 5:1-3) e passaram horas e horas, provavelmente até tarde da noite, submergindo três mil pessoas.

Será que naquele dia Jerusalém presenciou multidões de pessoas andando pelas ruas, a caminho de suas casas com as roupas gotejando, encharcadas, coladas a seus corpos?

Todos esses obstáculos, mais o fato de o batismo do Espírito Santo ter sido descrito como um derramamento, na realidade se opõe fortemente à idéia da imersão, ao passo que se harmoniza perfeitamente com a aspersão ou efusão. Para esta última forma de batismo havia tempo suficiente; o lugar onde estavam era adequado, não era preciso uma muda de roupa e ninguém necessitou voltar molhado para casa. Não há, portanto, contradição entre o batismo do Espírito e o da água. A palavra batizar se emprega em ambos os casos, com o mesmo sentido, pois tanto a água como o Espírito são derramados sobre as pessoas.

Uma palavra final

Um estimado amigo batista contou-me a seguinte história:

“Em Z....um lugar árido da África, um missionário estava obtendo uma boa quantidade de convertidos. Porém a água era pouca e preciosa. O que fazer? O missionário, então, cavou um buraco no chão, cobriu-o com um oleado e comprou, de um fornecedor, vários galões água a 20 dólares o galão! Com o tempo, o aguadeiro passou a gradativamente aumentar o preço do galão. Quando o missionário reclamou, o homem replicou. “Há tanta areia aqui, por que você não batiza com ela? Se você se dá ao luxo dessa extravagância, é porque tem condições de pagar por ela.”

Volta e meia surge um novo pregador no rádio, denunciando coisas que não tem nenhuma importância. Movem céus e terra para falar do “erro” daqueles que não tem, na igreja, a cerimônia do lava-pés, tão claramente ordenada por Jesus. Todas as igrejas estão erradas, menos a do pregador, que restaurou a ordenança. Há aquelas igrejas que usam pão fermentado na ceia -- o fermento é símbolo do pecado! Que dizer daqueles que constróem batistérios, quando não há nenhuma referência a eles nas Escrituras? Que grande pecado cometem as igrejas que não tem costume de se saudar com o ósculo santo! E aqueles que não se cumprimentam com “a paz do Senhor”? Quantas árvores teriam que ser transformadas em papel para tratarmos de tão importantes questões!

Pretendemos ter provado solidamente que a forma “correta” do batismo é a aspersão. Mas que importância tem isso? Talvez alguma, se, ao menos, tornar mais maleáveis gente como aquele missionário de Z... que deveria usar a água para matar a sede daquelas pessoas -- misericórdia quero e não holocaustos!

Que nosso Senhor, na sua volta, não encontre seus filhos, como crianças (para não usar outra palavra), a contender a respeito dos mosquitos e engolindo os camelos.

Glória somente a Deus.


NOTAS:

______________

[1]Este trabalho é, em linhas gerais, um resumo dos pontos principais do livro com o título em epígrafe, de Charles Hodge, publicado pela Casa Editora Presbiteriana, em 1ª edição, em 1988.

Charles Hodge (1797-1878) foi o teólogo presbiteriano mais influente dos EUA no século 19.

[2] Agradeço às estimadas irmãs Emília e Rosana a digitação deste texto.

[3] Entre aspas para lembrar que estamos usando a palavra no sentido daqueles que vêem importância na forma. Poderíamos trocar “correta” por “usual”.

[4] On Baptism, p.79, citado por Hodge em O Batismo Cristão, p.8, negritos acrescentados. Transcrevemos, a seguir, parte do verbete “Batismo”, do Dicionário Bíblico de Davis, publicado pela Junta de Educação Religiosa da Igreja Batista:

“BATISMO - O rito de lavar com água simbolizando a purificação religiosa, ou consagração a Deus, era usado com muita freqüência, conforme as prescrições legais que se encontram em Ex. 19:4; 30:20; 40:12; Lv 15; 16:26,28: 17:15; 22:4,6; Nm 19:8 (...). O modo pelo qual João batizava não é claramente descrito, porém, como Jesus entrasse no Jordão para receber o batismo, Mc. 1: 9,10, é possível que fosse administrado por aspersão ou por imersão. (...)

Conquanto a palavra “baptismo” derive do verbo grego “baptizo”, que significa etimologicamente imergir, isto não prova que a imersão seja o único modo de batizar, indispensável e necessário. Pois é certo que muitos casos há, em que a palavra batizar não tem o sentido [de] imergir, como em Lc. 11:38, e Mc 7:4. A Escritura, em parte alguma, prescreve o modo de batizar.”

Este verbete suscitou uma nota da Casa Publicadora Batista na qual, após elogiar o Dicionário de Davis, afirma que “no nosso entender” Davis feriu “frontalmente a mais acertada exegese neste caso”.

[5] Que lugar improvável para imersões!

[6] Livro apócrifo, porém útil como referência histórica.

[7] Jo 1.19-25

[8] É salutar ler todo o capítulo 19 de Números, que trata da preparação da água purificadora (água adicionada às cinzas de uma novilha sacrificada) que deveria ser aspergida sobre todo o homem ou objeto impuro. O livro de Hebreus se reporta a este capítulo ao registrar que “se o sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito Eterno a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas, para servimos ao Deus vivo! “ Hb 9:13-14. ver tb 9:19 e Ex 24:6,8

[9] Nesse ponto Hodge dá uma importante contribuição para a interpretação de 1Co 15:29 que transcrevo em linhas gerais:

Onde teve origem este costume ?

a) Instituição divina ou

b) Superstição humana.

No caso de b por que o apóstolo não o condena ?

No caso de a, onde está o mandamento ?

- Tem a palavra batizar significado literal ou equivalerá a angústia, aflição ou desgosto (Lc 12:50; Mc 10:38)

- O que significa para, em lugar de, por causa de ?

- Os mortos referidos são os fisicamente ou espiritualmente ?

Se admitirmos que as pessoas a quem Paulo se refere são judeus, as dificuldades se desvanecem. Admitindo-se o contraste no versículo seguinte entre “os que se batizam pelos mortos” e “nós estamos em perigo”, pode-se concluir a possibilidade de os primeiros serem judeus. Que outro povo tinha tal costume ?

O apóstolo trata da doutrina da ressurreição. O argumento do v. 30 é: se não há ressurreição dos mortos, por que estamos em perigo cada momento ? Por que corremos tantos riscos ? Por que não dizer: “Comamos e bebamos porque amanhã morreremos ?” O mesmo ocorre com v. anterior: a conduta dos judeus mostra que também eles crêem numa vida futura de outro modo por que se batizavam pelos (ou por causa dos) mortos ? Para que querem eles limpar-se da impureza, se não existe um além, uma ressurreição ? Por que se preocupam com a culpa, se sua existência acaba com a morte ?

[10] Sabatini Lalli, em nota de rodapé, no livro citado.

Assim comenta o NCB o v. 15 de Is 52: “Borrifará (15), palavra que alguns tradutores dizem corresponder a “surpreenderá”. Aquele que uma vez surpreendeu toda a gente pelo seu sofrimento tornará a assombrá-la com seu triunfo e exaltação. O verbo “borrifar” assim empregado sugere antecipação profética da obra do Servo como purificador expiatório.”

Novo Comentário da Bíblia, vol. 2, p. 731. Ed. Vida Nova.


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