Porque Batizamos Crianças

por

Dr. John Murray

 

 

Publicado primeiramente no “The Presbyterian Guardian”, volume 5 (1938)



O batismo é uma das duas ordenanças do Novo Testamento as quais chamamos de sacramentos. É administrado em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Batismo “em nome de” significa “em união com”, ou “em relação com”, ou “em submissão a”. O batismo no único nome do Deus Trino significa batismo em sujeição e em devoção ao único Deus vivo e verdadeiro. Significa a marca do Deus Trino colocada em seus recipientes.

A aposição da marca de Deus em nós no batismo, no entanto, não significa que seja a autenticação ou o selo de posse por parte de Deus, ou sinal da existência de relação de senhor e mestre com determinado discípulo, existente como um fato natural ou de nascença. É verdade que em relação a suas criaturas, há por parte de Deus uma espécie de posse natural e uma obrigação inalienável de devoção. Mas o batismo não é a marca desse tipo de posse ou de propriedade por parte de Deus, de nascença, nem de devoção de nossa parte naturalmente devida. É a marca de uma posse constituída, e de devoção engendrada, pela ação e relação redentora. Em outras palavras, é a marca da Aliança da Graça. Nela, e por meio dela, professamos renunciar qualquer outro senhorio que não seja o do Pai, do Filho, e do Espírito Santo, com todas as váriadas relações a que viermos manter com cada uma dessas Pessoas divinas em termos da Aliança da Graça.

Mais especificamente, o batismo significa lavagem ou purificação, lavagem da corrupção ou poluição do pecado pela regeneração do Espírito Santo, e lavagem da culpa do pecado pelo derramamento do sangue de Jesus Cristo. Manifestamente, é somente em e por Cristo, e em e por sua obra, que essas bênçãos podem desfrutadas. União com Cristo, portanto, é o vínculo que nos une tendo em vista a participação nessas bênçãos. Nosso Breve Catecismo dá a mais sucinta e compreensiva definição quando diz que “o Batismo é o sacramento no qual o lavar com água em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo significa e sela a nossa união com Cristo, a participação das bênçãos do pacto da graça, e a promessa de pertencermos ao Senhor”.

Cremos que a Escritura nos autoriza a dispensação desta ordenança do batismo aos infantes. Pelo simples motivo de que os infantes eram circuncidados sob a égide do Antigo Testamento – e a circuncisão significava fundamentalmente a mesma coisa que o batismo, a saber, a remoção da sujeira do pecado e a imputação da justiça que é pela fé – assim as crianças que estão em relação similar de aliança com Deus devem ser batizadas agora que estão sob a égide do Novo Testamento. O que, podemos questionar, isso precisamente significa?

Significa que as crianças, até as recém nascidas, necessitam de ser limpas do pecado, tanto de sua corrupção quanto de sua culpa. Crianças não ficam pecadoras depois de crescidas ou durante o processo de crescimento. Elas são concebidas em pecado e são conduzidas em iniqüidade. Isso remonta ao ventre materno. Ninguém que esteja consciente da realidade do seu pecado se lembra de quando veio se tornar um pecador. Sabe-se que não foi por qualquer decisão ou ato deliberado de sua parte que se tornou pecador. Sabe-se que fora sempre pecador. Certamente que reconhece que essa pecaminosidade inata e intrínseca foi se agravando, e repetidamente se expressando em atos voluntários de pecado. Portanto, é a pecaminosidade inerente e agravada que se expressa em seus atos voluntários de pecado. Além disso, nenhum arguto observador do crescimento e desenvolvimento humano, desde a infância até à fase adulta, vai se lembrar do determinado ponto em que o pecado começou a apossar-se do seu coração, interesses e propósitos.

A disposição que está sempre em nós, vai prevalecendo com o tempo, e consiste também em minimizar a seriedade deste fato. Há a tendência de pensar e agir pressupondo a inocência das crianças pequenas. As conseqüências de tal atitude são desastrosas a toda verdadeira nutrição e instrução. Pois eliminar a partir da nossa atitude e conduta um fato tão básico e tão abrangente como a poluição inata da natureza humana decaída, é eliminar um fato sem o qual a nutrição e a direção devem levar a uma perversão e falsidade de muitas formas mais desesperadora do que aquela com a qual se começou. O batismo infantil é um perpétuo lembrete de que os infantes precisam de batismo como representação e não ser apenas escapismo, ou melhoramento, no que tange a este terrível fato.

O batismo, sobretudo, ainda é um sacramento da graça. E conseqüentemente significa mais do que uma questão de necessidade. Significa que pela graça de Deus os infantes podem desfrutar exata e inteiramente daquilo que o batismo representa. Eles podem ser regenerados pelo Espírito e serem justificados pelo sangue de Cristo. Podem ser unidos a Cristo em toda a perfeição de seus ofícios mediatórios e em toda a eficácia de sua obra consumada.

Devemos fazer uma pausa e considerar a preciosidade destas verdades. Verdadeiramente não podemos valorizar essa preciosidade enquanto não formos persuadidos desse fato terrível a que nos referimos, ou seja, o pecado original. Mas, se enfrentarmos sinceramente a realidade da funesta poluição da natureza humana em seu estado atual, nenhuma palavra humana pode expressar adequadamente a alegria que poderíamos experimentar com a contemplação daquilo que o batismo significa para os infantes. Podemos momentaneamente refletir sobre a preciosidade destas verdades a partir de duas considerações.

Primeira, as crianças podem e freqüentemente morrem em idade muito precoce. Caso venham morrer sem regeneração e justificação, de certo estarão perdidas tanto quanto as outras pessoas que morrem no estado de irregenerados. O batismo das crianças, então, significa que a graça de Deus as sustenta desde a mais tenra idade, desde até o ventre materno. Quer dizer, em outras palavras, que não devemos excluir as operações da graça eficaz e salvadora de Deus da esfera ou domínio da infância por mais tenra que for. É esta verdade que nosso Senhor expressou no seu mais insistente e enfático testemunho quando disse: “deixai vir a mim as criancinhas, não as impeçais, pois dos tais é o reino de Deus”.

Naturalmente, não podemos ser mal compreendidos quando afirmamos este princípio. Não dizemos que as operações da graça salvadora de Deus estão presentes no coração de cada infante. É fato tão largamente aparente que multidões crescem até os anos de discrição e inteligência e não demonstram que a graça salvadora de Deus fez algum efeito em seus corações e mentes desde os dias de sua infância. Ninguém de nós assume a posição de que necessariamente todos os que morrem na infância são receptores da graça salvadora de Deus. Para nós essa pergunta deve ser deixada para o domínio a que pertence, a saber, dos ocultos conselhos de Deus. Mas, não obstante, é verdade - e este é o ponto relevante – que, agora. a graça de Deus é operosa nos domínios do coração e da mente infantis. “Da boca dos pequeninos e dos ainda mamam tens suscitado o perfeito louvor”. Eis o bendito pensamento e as abençoadas esperança e confiança estendidas aos pais crentes que, em função do batismo, entregam em confiança os seus filhos à graça regeneradora e santificante do Espírito Santo e à eficácia purificadora do sangue de Cristo! É tão certo que se o Senhor aprouver em removê-los ainda na infância, eles – os pais crentes – podem descansar nas promessas da Aliança da Graça em favor deles. Pode-se certamente dizer que se for esse caso não há necessidade sequer de luto como se não houvesse nenhuma esperança para eles.

Em segundo lugar, devemos avaliar a preciosidade destas verdades porque não há razão para pensar que as crianças precisam crescer até os anos da discrição e da inteligência para se tornarem do Senhor. Assim como as crianças são pecadoras antes de chegarem aos anos da discrição e de compreensão, elas não precisam crescer para que a graça soberana de Deus as torne partícipes da graça salvadora. Certamente que podem crescer não apenas na nutrição e admoestação do Senhor, mas também em seu favor e graça santificante. Eles podem ser, até na mais tenra idade, introduzidos na família e na casa do Pai Celestial. Quando os pais crentes apresentam seus filhos ao batismo eles confessam que suas crianças são pecadoras inatas, confessam sua necessidade de regeneração e justificação, mas reivindicam em interesse delas a graça regeneradora e justificadora de Deus. Na confiança depositada na promessa de que “a misericórdia do Senhor é de eternidade a eternidade, sobre os que o temem, e a sua justiça, sobre os filhos dos filhos, para com os que guardam a sua aliança e para com os que se lembram dos seus preceitos e os cumprem”; encontra o lenitivo e a esperança de que os que forem “plantados na Casa do SENHOR, florescerão nos átrios do nosso Deus. Na velhice darão ainda frutos, serão cheios de seiva e de verdor, para anunciar que o Senhor é reto. Ele é a minha rocha, e nele não há injustiça”.

O batismo é a ordenança para a iniciação na confraternidade da igreja visível. A igreja visível é uma instituição divina. É a casa e a família de Deus. É o santuário divino aonde a glória de Deus se torna conhecida. É o conduto ao longo do qual ordinariamente flui a torrente da graça salvadora de Deus. Que privilégio é para os pais, segundo a autoridade divina na recepção da ordenança do batismo, poderem introduzir suas crianças nesta abençoada fraternidade!

Se o batismo infantil tem autorização divina, então que desonra é para Cristo e que danos irrecuperáveis são feitos à igreja e às almas das crianças quando há a recusa em introduzi-las nesta gloriosa comunidade. Nenhum argumento por mais que pareça aceitável em favor do alcance dos perdidos, nenhum aparente fervor evangelístico, neutralizará essa desonra a nosso Senhor e os danos causados às almas dos homens.

Na conclusão deste breve estudo do significado e do privilégio do batismo infantil, há duas advertências a fazer. A primeira vai de encontro à doutrina da regeneração batismal. Não devemos olhar para o batismo como se tivesse algum efeito semi-mágico. O batismo deriva toda sua eficácia da soberana graça do Espírito Santo. Fazemos bem em nos lembrarmos das palavras de nosso Breve Catecismo : “os sacramentos tornam-se meios eficazes para a salvação, não por alguma virtude que eles ou aqueles que os ministram tenham, mas somente pela bênção de Cristo e pela obra do seu Espírito naqueles que pela fé os recebem”. Nunca devemos dizer que ao infante batizado se lhe assegura a vida eterna por esse mero ato. O batismo é certamente um dos meios de graça que Deus tem provido para, de modo abundante, honrar e abençoar a igreja cristã no decurso de toda a sua história. Mas devemos sempre busca preservar o verdadeiro caráter evangelicalisto de nossa fé cristã, segundo o qual, em última análise, não somos salvos por qualquer rito ou ordenança externa, mas pela soberana graça de Deus que opera misteriosamente, diretamente e eficazmente no coração e na alma de cada individuo a quem ele aponta para a salvação.

A segunda é que o batismo infantil não libera os pais ou tutores, conforme o caso, dessa solene responsabilidade para com os membros infantis da igreja cristã, entregues aos seus cuidados, no sentido de instruí-los, adverti-los, exortá-los, dirigir-lhes e protegê-los. Devemos repetir o texto que temos citado: “a misericórdia do Senhor é de eternidade a eternidade, sobre os que o temem, e a sua justiça, sobre os filhos dos filhos, para com os que guardam a sua aliança e para com os que se lembram dos seus preceitos e os cumprem”. O encorajamento decorrente da promessa divina jamais deve vir divorciado do desempenho das obrigações envolvidas. Refere-se aqui à esfera da obrigação desempenhada, numa palavra, ao âmbito da obediência do mandamento divino, em que a fé na divina promessa viceja e cresce. A fé divorciada da obediência é zombaria e presunção.

 


Tradução: Presb Anamim Lopes Silva – Janeiro/2006

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