Demitologização da Bíblia?

por

Wilson Porte Júnior


Para Bultmann a Teologia de cada época precisa ser contextualizada, tentando compreender o Kerigma, ou seja, a mensagem revelada, bem como traduzi-la tornando-a bem atual. Bultmann observa a teologia como ultrapassada, precisando ser atualizada e revaliar os conceitos em relação ao que ele considera mito: anjos, demônios, céu, inferno. Ele tenta desmitizar todo conceito segundo ele, ultrapassado e inadequado para este tempo. Isso tornou se um obstáculo até para a credibilidade da própria mensagem revelada, colocando a mesma sob suspeita.

Segundo Bultmann a teologia precisa se render à história, à hermenêutica e a filosofia, na tentativa de compreender questões obscuras da própria teologia no que diz respeito ao que considera mito. Ele descobre também que na própria história existe um número insuficiente de verdades que sejam discutíveis.

Na aplicação dos três princípios expostos à vida de Jesus e ao Novo Testamento dá três resultados. Por exemplo: Do princípio da dificuldade de alcançar conclusões seguras através da investigação histórica deriva que “nós não podemos, por assim dizer, saber mais nada da vida e da personalidade de Jesus, seja por que as fontes cristãs não se interessam por isso, seja porque não existe outras fontes sobre Jesus”. Porém essa situação, na concepção de Bultmann, não justifica o ceticismo, mesmo porque antes de mais nada “o fato de duvidar que Jesus tenha verdadeiramente existido não tem nenhum fundamento e não merece nem mesmo ser refutado. É indiscutível que Jesus encontra-se na origem do movimento histórico de que a comunidade Palestina primitiva representa.”

Bultmann tenta fazer com que compreendamos os fatos históricos sem dar relevância extraordinário, mas estudar a vida simplória da pessoa. No caso de Jesus, ele não abre mão de um conceito que não se deve desprezar em sua mensagem, pois a mesma nos revelará uma nova compreensão da nossa existência. Para mim aqui há um ponto de contradição. Como alguém pode estudar a vida de Jesus, por exemplo, e reduzi-lo simplesmente a um ser histórico sem considerar as suas obras, e dizer que a sua mensagem tem relevância para a compreensão da nossa existência?

Mais uma vez Bultmann afirma que o sucesso do cristianismo se deve a nova compreensão da existência humana pregada por Cristo. Também é voltado para a hermenêutica dos textos sagrados para se efetuem a sua correta compreensão.

Em estreita conexão com o problema histórico encontra-se o problema hermenêutico. Onde esse por sua vez revela melhor do que qualquer outro, os três grandes momentos do desenvolvimento do pensamento teológico de Bultmann. No primeiro, o da passagem da teologia liberal para a teologia dialética, temos a elaboração de um novo método exegético, que é o método histórico-morfológico (Formgeschichte). No segundo, toda a passagem da teologia dialética para a teologia existencialista, encontramos o reconhecimento de uma “pré-compreenção” do texto por parte do exegeta. No terceiro, o da demitização, temos uma nova e mais radical formulação das funções da hermenêutica.

O método histórico-morfológico conserva alguns elementos do método histórico-crítico da teologia liberal, mas possui dois elementos novos, muito importantes: um diz respeito à natureza do objeto, o outro do modo de abordá-lo. No método histórico-morfológico, o objeto da investigação não é mais o Cristo em si mesmo, mas o Cristo como parecia para a comunidade primitiva.

Para o uso correto desse método, Bultmann ressalta de um lado a importância de fixar para cada elemento, o lugar de aparecimento e o ponto de inserção na comunidade, o que era chamado de ser “sitz im lebem”, e por outro lado ressalta a importância de enquadrar cada elemento no gênero literário apropriado. Logo a exegese neotestamentária se assenhorou do método histórico-morfológico, cujo uso fez com que realizasse notáveis progressos. Mas muito exegetas empregavam-no do mesmo modo como a escola liberal utilizara o método crítico, com a presunção de obter resultados “objetivos”, ou seja, tradições e representações naturalistas e atemporais de Cristo.

Mas logo que se converteu à filosofia existencialista de Heidegger, Bultmann apressou-se em protestar contra esse utilização da exegese histórico-morfológica e de qualquer exegese em geral. Então ele proclamou que não é possível uma verdadeira compreensão do texto bíblico, como do resto de qualquer texto, sem uma pré-compreenção existencial.

Bultmann declara que na pré-compreenção existencial, não se pode considerar o texto como uma coleta de informações, nem como uma descrição de algo qualquer. Bultmann diz que é preciso interrogar o texto. Quem quer compreender deve Ter uma disposição de pesquisa, de quem interroga, de quem está pronto para ouvir. O teólogo de Marburg, chama esse conjunto de disposição de “pré-compreenção”, como já haviam feito os estóicos e Clemente de Alexandria. “Se os textos não são interrogados, permanecem mudos.” A essas disposições gerais exigidas para a compreensão de qualquer texto, Bultmann acrescenta no caso da Bíblia também uma disposição especial, relacionada com a existência de Deus. E afirma que a pré-compreenção deve Ter um caráter existencial.

Quando examinamos o pensamento de Bultmann sobre a história e a hermenêutica, já vimos que para ele o teólogo não prescindir da filosofia. À dificuldade de que nessa concepção a exegese, a história e, consequentemente, também a teologia podem cair sob o controle da filosofia, Bultmann que na realidade assim é: “mas é preciso perguntar-se de eu modo deve ser entendido. Com efeito, é ilusório pretender que uma exegese possa ser independente das representações mundanas. Todo interprete consciente ou inconscientemente, depende das representações que herdou de uma tradição; e toda tradição se subordina à uma filosofia, qualquer que seja.

Bultmann passa então à demonstração de que hoje, a filosofia “justa”, aquela que assegura uma pré-compreenção apta a entender o fenômeno histórico do cristianismo e os textos bíblicos, é o existencialismo. Aqui, devemos ver bem claro que nunca haverá uma filosofia justa no sentido de um sistema filosófico absolutamente perfieto, capaz de responder à todas as questões e resolver todos os enigmas da existência humana. A questão reside apenas em saber qual é a filosofia que hoje oferece as perspectivas e os conceitos mais apropriados para a compreensão da existência humana.

Para compreender corretamente o pensamento de Bultmann, é preciso notar que ele considera que a filosofia não está em condições de descobrir o pecado. Por isso afirma que a filosofia pode considerar como transponível o abismo que separa vida inautêntica da vida autentica.

Segundo Bultmann, o existencialismo presta-se admiravelmente à interpretação da Escritura, não só por sua pré-compreenção da existência humana em geral, mas também por sua concepção do homem em suas características específicas. Segundo o existencialismo, o homem distingue-se das outras criaturas porque, diversamente delas, não é algo finito, verificável, tangível mas sim uma mina de possibilidades, as quais fazem de sua vida uma vida de decisões. A existência humana é uma luta perene entre vida inautêntica e vida autêntica. A plenitude e a completeza da vida só podem ser alcançadas quando se aceita e vive para extrema possibilidade, a morte.

Ora, segundo Bultmann, partindo desta concepção do homem, o kerygma cristão é plenamente inteligível. O cristianismo fala de homem velho e de homem novo, de queda e redenção, de possibilidades e decisões. Por esta razão, deve-se considerar o existencialismo a filosofia “justa”, que oferece as representações apropriadas para a interpretação da Bíblia.

Há ainda uma última razão pela qual, Bultmann vê no existencialismo um instrumento indispensável para a teologia contemporânea: só o existencialismo oferece categorias adequadas para operar a demitização da mensagem cristã que ele considera ser hoje a tarefa máxima da teologia. Por isso ele disse: “Pretendo ater-me ao existencialismo até que alguém me faça conhecer um método exegético melhor.”

Rudolf Bultmann é hoje um referencial par todos os teólogos, filósofos e exegetas que falam de mito ou demitização. No seu ensaio intitulado “Jesus Cristo e Mitologia”, Bultmann oferece uma grande análise e crítica sobre demitização.

Dentro deste campo da demitização, ou, como chama-se um de seus livros, Demitologização , o ponto de partida é a distinção entre a essência e a estrutura das Escrituras Sagradas. Para Bultmann, a essência permanece imutável, enquanto que a forma estrutural da mensagem bíblica pode variar de geração para geração.

Para Bultmann, os crentes do primeiro século tinham uma mentalidade mítico-metafísica, fazendo com que todos os seus textos fossem, e tivessem, um fundo mítico e metafísico. Um exemplo disso, segundo Bultmann, seria a mentalização metafísica que, quando é exteriorizada, tem o nome de anjos quando se trata de um bom impulso, e demônio quando se trata de um impulso mal.

O porque de Bultmann procurar demitizar a mensagem cristã não está em eliminar o texto, mas interpretá-lo. Para Bultmann, é impossível e totalmente sem sentido a imagem mítica do mundo nos nossos dias, na realidade em que vivemos. Para ele o homem moderno não pode reconhecer como verdadeiro esta imagem mítica do mundo formulada no passado, sem quase nenhum pensamento científico. Na visão de Bultmann, todos os relatos sobre a plenitude dos tempos ser no momento em que o Filho do Homem vem ao mundo, a idéia e as representações da escatologia, da redenção. Para ele todas estas idéias são ultrapassadas e superadas, não na sua essência mas na sua estrutura.

Segundo Bultmann, a demitização é iniciada já nas Epístolas Paulinas e pelo evangelista João. Para ele, enquanto a comunidade cristão conservava a pregação mítica de Cristo, Paulo e, principalmente João, começam ­— segundo ele — “em boa hora” a demitização, demitizando assim o primeiro a virada do velho mundo para o novo mundo, e João todo o processo escatológico.

Enfim, toda a tentativa de Bultmann de demitizar a mensagem cristã se deu na intenção de mostrar que a mensagem cristã se deu na intenção de mostrar que a mensagem bíblica está ligada a uma visão antiga e ultrapassada do mundo atual, fazendo-se assim necessário a demitização, para que na leitura especulativa racional do homem moderno e inteligente, toda a palavra da cruz não seja um escândalo, mas somente o que ela é.

Contudo, toda a teologia de Bultmann é de difícil aceitação, principalmente pelo contraste em que há entre o seu moderno pensamento racional e as mais puras característica da fé. Para Bultmann, a demitização é intencionada para manter pura a mensagem revelada e também o seu entendimento. Para ele, em alguns momentos, essa mensagem correu o risco de perder todo o seu sentido devido “poluição” ocasionada pela introdução de elementos estranhos que estavam trazendo, segundo ele, perigo à eficácia da mensagem. Para ele, na briga entre a fé e a razão, quem sai vencendo é a razão.

Concluindo, poderíamos dizer que toda a demitização bultmanniana está baseada na firme crença de que toda a historicidade e todo o sobrenatural faz parte da estrutura, da forma, e nunca da essência da revelação; os cristãos primitivos tinham em função disso uma visão mítico e metafísica, que não deixa de ser científica filosófica natural de seu tempo, e q eu hoje, debaixo de toda uma visão racional, inteligente e capaz de demitizar, deve ser reinterpretar para a preservação da pura mensagem cristã.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:


GRANDES TEÓLOGOS DO SÉCULO VINTE.

DEMITOLOGIZAÇÃO: Coletânea de ensaios. Rudolf Bultmann


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