George Whitefield: Um Gigante Esquecido

por

Dr. David Martyn Lloyd-Jones



[...]

Há um fato extraordinário acerca deste homem, Whitefield, ao qual devo dirigir minha atenção por um momento, e este fato é a espantosa negligência que ele sofreu. Seria muito interessante descobrir qual seria o resultado se eu pedisse a cada um dos que se acham presentes que escrevesse um ensaio sobre George Whitefield. Quanto vocês teriam para dizer? Aventuro-me a asseverar que ele é o homem mais negligenciado de toda a história da Igreja. A ignorância concernente a ele é pavorosa. A gente vê isto constantemente, quando lê e ouve as pessoas. Tornou-se um hábito referir-se ao grande despertamento e avivamento de há duzentos anos como o avivamento “Wesleyano”. Este é sempre mencionado em termos do que, particularmente, John Wesley fez –– até seu irmão Charles tem sofrido. Parece que o povo tem a idéia de que tudo o que aconteceu no século 18 foi unicamente resultado da atividade de John Wesley.

Encontrei um exemplo disto num novo livro sobre Charles Wesley, de autoria de Frederick C. Gill. Intitula-se Charles Wesley, o Primeiro Metodista (“Charles Wesley, the First Methodist”). Nele há um caso típico de como Whitefield é depreciado. Ao tratar da diferença de opinião que surgiu sobre a doutrina da eleição e predestinação e sobre a divisão que se deu, diz o autor, sobre Charles Wesley: “É com muita tristeza que ele se afastou do seu convertido em seus dias de Oxford”. Noutras palavras, Whitefield é mencionado como um convertido de Charles Wesley! Assim, durante todos estes anos Whitefield tem sido esquecido ou depreciado. Alegra-me poder dizer que os melhores e mais distinguidos metodistas estão muito dispostos a reconhecer isso. O falecido Dr. J. Ernest Rattenbury se dispôs a dizer que o Metodismo nunca dera o devido lugar à memória de George Whitefield. E o Dr. Skevington Wood, um historiador metodista atual, dispõe-se igualmente a dizer a mesma coisa.

Mas a questão é: por que Whitefield tem sido negligenciado dessa maneira? Muitíssima gente sabe algo de John Wesley –– não acho que sabe muito, mesmo dele, porém sabe algo –– ao passo que Whitefield é um homem desconhecido, e a grande história concernente a ele é uma coisa que parece que as pessoas nunca ouviram. Por que? A explicação é deveras importante; eis porque eu li aqueles versículos do capítulo 2 do livro de Juízes. Vocês notam o ponto em questão: não só Josué morreu, mas “foi também congregada toda aquela geração a seus pais” - os contemporâneos de Josué. E depois o texto nos diz que “outra geração após eles se levantou, que não conhecia ao Senhor, nem tão pouco a obra que fizera a Israel”. Essa é uma declaração sumamente interessante e significativa. Isto sempre me parece que lança grande luz sobre a nossa presente situação. Quando as pessoas não conhecem o Senhor, logo se tornam muito ignorantes da história da Igreja. Uma vez que você perde o conhecimento do Senhor, você perde o interesse pelas Suas obras.

Isso, penso, foi o que aconteceu durante os últimos cem anos. O conhecimento do Senhor sempre leva a um interesse pela história da Igreja, e estimula esse interesse. Acaso posso opinar de passagem estar noite que há algo de errado com um conservadorismo evangélico que não tem interesse pela história da Igreja? Há certamente algo de errado com um conservadorismo evangélico que parece pensar que a história evangélica teve início com a primeira visita de D.L. Moody a este país, por volta de 1873. Há um defeito em algum ponto do nosso conhecimento do Senhor; pois, desde que uma pessoa tenha um verdadeiro conhecimento do Senhor, ele tem um vívido interesse por todas as obras do Senhor, por todos os eventos conhecidos e registrados na longa história da Igreja Cristã. Penso que isso é algo que deveria levar-nos a examinar-nos a nós mesmos com muita seriedade. Estas duas coisas, de acordo com o texto, estão indissoluvelmente interligadas: a perda do conhecimento do Senhor, a perda do conhecimento dos Seus servos e das Suas grandes obras realizadas por meio deles. Examinemo-nos a nós mesmos, com calma, à luz dessa proposição.

Mas há uma segunda razão pela qual o povo é tão ignorante sobre Whitefield, e é por causa da humildade dele. Ele, como Calvino, foi um homem muito humilde. Ele declarava: “Que o nome de George Whitefield seja esquecido e apagado, na medida em que o nome do Senhor Jesus seja conhecido”. De novo, será que posso lançar, especialmente aos membros da Conferência, uma pergunta teológica? Haveria algo na idéia de que aqueles que tendem a seguir o ensino de João Calvino estão menos interessados em publicidade do que aqueles que seguem o ensino arminiano esposado por John Wesley? Simplesmente lhes coloco isso. Peço-lhes apenas que mantenham os olhos nos jornais e periódicos religiosos e vejam se não há algo nessa idéia. O ensino de João Calvino primeiramente humilha o homem; glorifica a Deus. Faz o homem sentir-se insignificante, sentir-se pessoa inútil; e por mais privilegiado que seja, ou mais capacitado para realizações, ele sabe que é Deus que o faz. É nisso que ele está interessado. Será isso verdade, pergunto, com relação à outra ênfase, ao outro ensino? Permanece o fato de que sabemos muito menos sobre George Whitefield do que sobre John Wesley.

Contudo, a principal explicação, não tenho dúvida, da negligência de que Whitefield é objeto, é que ele nunca fundou ou estabeleceu uma denominação. Conforme foi chegando ao fim da sua vida, talvez tenha achado que cometera um erro nisso. Consta que ele disse, antes do fim, que João Wesley fora mais sábio do que ele, que tinha “encurralado suas ovelhas”, ao passo que ele não o fizera. O fato, porém, é que ele não se preocupou em fundar ou em deixar uma denominação religiosa. Contentava-se em pregar o evangelho, em fertilizar todo e qualquer corpo religioso. Assim, ele não deixou uma denominação. Todavia, João Wesley deixou uma denominação, e esta com uma perspectiva teológica particular, e grande atenção tem sido dada à sua memória. Livros sobre John Wesley têm sido espalhados sem cessar no correr dos anos; mas, no caso de Whitefield, não houve nenhuma denominação religiosa pra propagá-lo. Essa é, penso eu, a principal explicação da razão pela qual ele tem sido tão tristemente negligenciado.

No entanto, por que devemos, então, preocupar-nos em trazer à lembrança de novo este homem, e em pô-lo diante de nós e do público religioso? Minha resposta é: por causa do fenômeno do avivamento religioso do século 18, um dos mais admiráveis episódios da longa história da Igreja Cristã. Estou muito disposto a concordar com os que dizem que, provavelmente, essa foi a maior manifestação do poder do Espírito Santo desde os dias apostólicos. Pode-se elaborar um excelente argumento em prol dessa afirmação. Se vocês quiserem saber o que quero dizer, olham para algo como o seguinte: considerem o estado deste país antes do Despertamento e Avivamento Evangélico. Era deplorável. Não devo aprofundar-me nisso; não tenho o tempo suficiente. Há um livro que trata disso exaustivamente. Notem o título, A Inglaterra Antes e Depois de Wesley (“England Before and After Wesley”.) Como é significativo! Naturalmente, foi escrito por um metodista wesleyano –– somente Wesley conta. Mas os fatos que o autor cita são verdadeiros. Ele era um bom historiador, nesse sentido, porém um mau teólogo e carente de entendimento do que realmente aconteceu. Não obstante, ele era um bom colecionador de fatos. Leiam esse livro, escrito por J. Wesley Bready, e verão que em quase todos os aspectos concebíveis este país tinha afundado como nunca. A Igreja da Inglaterra estava morta; vocês sabem da pluralidade de maneiras de viver, vocês sabem das bebedeiras e farras –– tudo isso foi descrito muitas e muitas vezes. Mas as outras denominações não eram muito melhores. Podem ter sido um pouco melhores no lado moral, porém a Igreja Presbiteriana daqueles dias tinha caído na heresia do arianismo, e por fim desapareceu totalmente. E as outras comunidades não conformistas achavam-se num estado de letargia, apegadas a uma ortodoxia morta.

Certas pessoas fizeram tentativas para deter essa maré de degeneração. Um homem chamado Boyle estabeleceu um sistema disciplinar, o bispo Butler produziu a sua Analogia (“Analogy”) em defesa do evangelho, e vários outros escreveram, todavia isso tudo de nada valeu. Então veio este grande avivamento, e toda a face da Inglaterra mudou. A Igreja da Inglaterra, em muitos aspectos, reviveu; os não conformistas reviveram; uma nova corporação veio à existência, com o nome de Sociedades Metodistas, e as repercussões numa área mais ampla foram realmente admiráveis e espantosas. Tem-se alegado muitas vezes, e se pode provar, parece-me, que o movimento sindicalista dos operários deste país surgiu indiretamente daquele avivamento. Foi porque homens, que antes eram ignorantes e levavam vidas de ébrios embrutecidos, foram transformados e nasceram de novo. Eles começaram a compreender a sua dignidade como homens e a exigir educação e melhores condições de trabalho, e assim por diante. Daí veio o movimento sindicalista dos operários. Sabemos da conexão entre o movimento pró abolição da escravatura dirigido principalmente por William Wilberforce, e esse avivamento. Ele próprio foi um dos resultados desse avivamento, e em verdade alguns argumentam dizendo que jamais teríamos tido a Lei de Reforma de 1832 se não fosse esse grande Despertamento Evangélico.

Este é, então, o ponto que assinalo: essas foram algumas das profundas mudanças produzidas pelo Despertamente Evangélico. Muito bem; em tudo isso George Whitefield foi o líder, o primeiro. Aí é onde a negligência de que este homem é objeto, e a correspondente proeminência exagerada de John Wesley é tão escandalosa. Não me entendam mal. Não estou apenas me entregando a uma espécie de controvérsia. Esta é uma questão de pura justiça, de sinceridade e de veracidade. Aí é onde negligenciar Whitefield é tão errado, e tão deplorável; porque em todos os casos que vou apresentar-lhes, George Whitefield foi o primeiro.

Ele foi realmente o primeiro a ser convertido. O autor do livro que acabei de citar refere-se a Whitefield como “convertido de Charles Wesley em Oxford”. Estes são os fatos –– George Whitefield foi convertido em 1735, ao passo que Charles Wesley não foi antes de 1738. Naturalmente, o que aquele autor quer dizer é que, quando Whitefield foi para Oxford, Charles Wesley e alguns outros já tinham dado início ao Clube Santo, e Whitefield foi convidado para ir às reuniões. O primeiro deles a ser convertido na Inglaterra foi George Whitefield, em 1735, o mesmo ano em que Howell Harris e Daniel Rowland foram convertidos em Gales. Assim, mesmo ali, o primeiro foi ele.

Mas, depois, ele foi o primeiro deles a começar a pregar o verdadeiro evangelho de maneira despertadora. Whitefield começou a fazer isso em 1736, e um dos seus períodos mais grandiosos foi o ano de 1737; ao passo que todos nós sabemos que os irmãos Wesley só começaram a pregar num sentido realmente evangélico depois do mês de maio de 1738. De modo que Whitefield está à frente deles todos, em toda a linha. Em 1737 ele estava reunindo grandes multidões aqui mesmo, na cidade de Londres, com resultados assombrosos.

A seguir, toda gente sabe que uma das grandes características daquele avivamento foi a pregação ao ar livre. Estes homens pregavam a multidões imensas, a vinte mil pessoas, e freqüentemente a muito mais. Quem foi o primeiro a pregar ao ar livre? A resposta é sempre a mesma –– George Whitefield foi o primeiro a pregar ao ar livre, e teve enorme dificuldade em persuadir tanto John como Charles Wesley a fazerem o mesmo. Ele os precedeu vários meses neste aspecto, e exerceu grande pressão sobre eles para persuadi-los a segui-lo. Portanto, vocês vêem, ele é o líder, o pioneiro, o primeiro em todos os aspectos.

Ele foi primeiro, também, a organizar sociedades –– sociedades religiosas. Ele também foi o primeiro nas obras beneméritas. Existe uma escola metodista muito famosa, chamada Kingswood School, para a qual muitos ministros metodistas enviam os seus rapazes para receberem educação. Ela foi iniciada como uma escola para crianças pobres, filhos de mineiros e outros. Quem fundou a Kingswood School? George Whitefield. Sempre George Whitefield na vanguarda; ele era o líder. A esta altura, espero ter convencido vocês de que o meu protesto contra esta afrontosa negligência para com este homem é mais que justificado.

Contudo, em acréscimo a tudo isso, foi ele que levou o avivamento religioso de Gales a dar frutos. Ele foi de fato o primeiro moderador do que hoje se conhece como Igreja Presbiteriana de Gales. Costumava ser reconhecida como Igreja Metodista Calvinista Galesa. Whitefield foi o primeiro moderador dessa Igreja, em 1743. Devemos ser precisos. Creio que se tornou moderador por esta razão: havia aqueles dois grandes homens e grandes pregadores em Gales –– Daniel Rowland e Howell Harris –– e o problema era qual dos dois deveria ser o primeiro moderador. Bem, os ingleses têm muitas utilidades e nessa ocasião um deles foi muito útil! Resolveram o problema concordando em que nenhum dos dois galeses seria o primeiro moderador, e puseram o inglês no cargo. Os dois galeses deleitaram-se em saudá-lo como moderador dessa primeira Associação Presbiteriana de Gales.

Ele também teve grande influência na Escócia. Quem quer que já tenha lido sobre aquele período de celebração da Ceia do Senhor em Cambuslang, que hoje faz parte de Glasgow, saberá exatamente o que eu quero dizer. Sua influência na América, também, é algo que realmente frustra as tentativas de descrição. Todos os escritores, incluindo-se os que no presente estão interessados em reproduzir os escritos e obras de Jonathan Edwards, são todos bastante cuidadosos e honestos para dizerem que a influência de Whitefield na América, por volta de 1740, e daí em diante, foi simplesmente irresistível. Houve um segundo “grande despertamento”, maior até do que o primeiro, que ocorrera em 1735.

Estas são algumas das razões pelas quais estamos chamando a atenção para este homem. Ele visitou a América por sete vezes. Alguns de nós acham difícil cruzar o Atlântico atualmente, mas imaginem fazê-lo há duzentos anos! E Whitefield cruzou o Atlântico treze vezes. Morreu lá, em sua sétima visita, de modo que, de fato, cruzou o Atlântico treze vezes. Visitou a Escócia quatorze vezes. Calcula-se que, provavelmente, ele pregou dezoito mil sermões nos trinta e quatro anos de sua vida como pregador.

[...]

Palestra proferida em 1964.


Fonte: D.M. Lloyd-Jones, Os Puritanos: Suas Origens e Sucessores , Editora PES, páginas 116-121.


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