O Futuro do Calvinismo

por

James S. Gidley



Nota: Esta palestra foi originalmente dada em 10 de Julho de 1992, numa celebração do aniversário de Calvino na Igreja Presbiteriana Ortodoxa da Graça, em Sewickley, Pensilvânia. Eu editei a palestra um pouco e adicionei algumas notas de rodapé. Todavia, eu tentei preservar o espírito de um discurso oral, e espero que o leitor me perdoe se ele encontrar um esquema retórico, onde um argumento mais cuidadoso poderia ser esperado num artigo escrito.

Extraído do Ordained Servant vol. 2, no. 2 (Abril de 1993)


Quando consideramos o futuro do Calvinismo, podemos parar para perguntar que direito temos de nos intrometer com este assunto de alguma forma. O futuro não pertence a Deus? Os Seus conselhos não se cumprirão, não importa o que pensemos ou façamos? Podemos falar do futuro sem uma revelação especial do Senhor do futuro?

Mas, tendo parado para fazer estas perguntas, devemos também perguntar se temos que nos aproximar do futuro passivamente, como que se ele estivesse a ponto de descer do céu diante dos nossos olhos e como se fossemos apenas espectadores dele. O futuro não depende das nossas escolhas e ações também?

A resposta a todas estas perguntas é sim. Este é o paradoxo do Calvinismo e da Bíblia: “desenvolvam a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele” (Filipenses 2:12,13, NIV). Assim, estamos autorizados a continuar: olhar para o futuro é parte do desenvolvimento da nossa salvação.

Agora, como devemos olhar para o futuro? Robert Pirsig formulou a antiga visão grega da seguinte forma: “Eles viam o futuro como algo que vinha de detrás das suas costas com o passado retirando-se diante dos seus olhos”. [1] Esta visão tem muito o que ser elogiada. Outros já falaram do futuro do Calvinismo antes, e o único modo razoável de tentar fazê-lo, é descrever as tendências do passado e do presente, e ponderar onde elas podem se encabeçar. [2]

Todavia, não devemos nos aproximar do exercício como espectadores, mas antes como participantes. Uma perspectiva bíblica sobre o futuro não deve ser uma diversão intelectual, mas um chamado para a ação – um chamado ao arrependimento se for necessário. Assim, um discurso apropriado sobre o futuro do Calvinismo terá que incluir aviso e exortação fraterna.

Agora, o que é esse Calvinismo cujo futuro devemos ponderar? Muitos em nossa tradição têm preferido falar da “fé Reformada”, para não atribuirmos a algum homem – mesmo a um tão grande homem como João Calvino – o crédito do que consideramos ser o caminho de Deus revelado nas Escrituras, e para que não pensem que somos discípulos de um mero moral. Como Paulo disse do seu apostolado, e, por implicação, do seu evangelho: “não da parte de homens nem por meio de pessoa alguma, mas por Jesus Cristo e Deus o Pai” (Gálatas 1:1, NIV). Eu concordo em princípio com este sentimento em nossa tradição, mas eu não evito a conexão histórica com Calvino, e é apropriado, visto que estamos reunidos em homenagem ao nascimento de Calvino, que guardemos esta conexão diante de nós e nos lembremos de um homem que foi abençoado por Deus e cuja benção nós compartilhamos. Assim, eu falarei de Calvinismo.

Mas, quer o chamemos de fé Reformada ou de Calvinismo, ele tem um futuro? Talvez a vasta maioria das pessoas de hoje, se ao menos soubessem o que o Calvinismo é, considerá-lo-iam como uma coisa do passado – uma coisa morta do passado. [3] E não devemos também nos exultar pelo interesse escolástico moderno em Calvino e no Calvinismo. A aproximação desapaixonada do historiador escolástico, mesmo quando emite uma deliberada apreciação e louvor escolástico, mui freqüentemente é um sinal de que os escolásticos consideram o objeto de seu estudo como uma carcaça sem vida sobre a mesa de dissecação. Quando os homens falam apaixonadamente, prejudicialmente, ou mesmo invejosamente sobre o Calvinismo, então você pode saber que eles o vêem como ainda vivo.

Há, então, um futuro para o Calvinismo? Você conhece os seus princípios muito bem. Sua visão da depravação humana parece muito mórbida e pessimista para a nossa época. Seus enigmas cercando a soberania Divina e a responsabilidade humana parecem fúteis para as mentes modernas impacientes. Seu código moral parece irremediavelmente repressivo para a nossa moderna licenciosidade.

Mas devemos perguntar: há um futuro para o mundo sem o Calvinismo? Onde está a confiança deste mundo? Pelo que os homens esperam quando põem de lado suas promoções da Avenida Madison e consideram o futuro desnudo? Se o Calvinismo está morto, então, talvez faríamos melhor se orássemos por sua ressurreição do que se enterrássemos o seu cadáver.

Quando nos voltamos para a igreja, o futuro do Calvinismo não parece tão frio. Parece existir um ressurgimento de interesse nele. Os seminários reformados parecem se espalhar como cogumelos, e a cosmovisão Reformada está em voga. Uma evidência de interesse ressurgente é um livro de ensaios intitulado Reformed Theology in América [Teologia Reformada na América]. [4] A porção conclusiva no volume é “The Future of Reformed Theology” [O Futuro da Teologia Reformada], de James Montgomery Boice. Boice sustenta a esperança de dias brilhantes adiante – se quatro importantes falhas forem corrigidas e nove elementos positivos forem enfatizados. Embora não revisarei os pontos de Boice com você, seu ensaio é outro exemplo de discurso sobre o futuro do Calvinismo e de oferecimento de aviso para ação.

No ensaio introdutório [5], no mesmo volume, George Marsden classifica os Reformados em três grupos: doutrinalistas, culturalistas e pietistas. Os doutrinalistas, dos quais ele usa a Igreja Presbiteriana Ortodoxa como um exemplo, vêem o ser Reformado como uma questão de fidelidade doutrinária às Escrituras e às Confissões. Os culturalistas, com os quais ele associa a “ala progressiva da Igreja Reformada Cristã conservadora”, [6] vêem o ser Reformado como uma questão de aplicar os princípios cristãos à todas as áreas da vida. Os pietistas, os quais ele exemplifica com os evangélicos que se inclinam para a teologia Reformada, vêem o ser Reformado como “encontrando na teologia Reformada a expressão mais bíblica e mais saudável da piedade evangélica”. [7] Marsden se apressa para apontar que estas categorias não são mutuamente exclusivas; por exemplo, um culturalista pode ter uma alta apreciação pela sã doutrina e por uma piedade fervorosa. Mas elas representam tendências ou ênfases importantes.

A classificação de Marsden fornece um ponto de partida útil para arcar com o Calvinismo como uma força viva hoje. Os doutrinalistas enfatizam a crença correta. Os culturalistas e pietistas enfatizam a ação correta. Os culturalistas enfatizam a ação coletiva, e os pietistas a ação individual. Crença e comportamento constituem um modo de vida, de forma que temos aqui diferentes ênfases dentro de um modo de vida.

Eu espero que não haja discórdia de que o Calvinismo deva abraçar todas as três ênfases. Nós devemos ter uma crença correta, e devemos viver corretamente, tanto individualmente como coletivamente. Mas isto não significa que podemos simplesmente misturar estas três ênfases para criar um Calvinismo composto apropriado, como padeiros espirituais tentando produzir o bolo perfeito. Há uma estimativa mais profunda do Calvinismo que é capaz de unificar todas as três ênfases e corrigir as deficiências e aberrações dos seus devotos.

Fundamentalmente, o Calvinismo é aquele modo de vida, ou aquela religião, que busca a glória de Deus em todas as coisas, e ao assim fazer, busca o deleite de Deus o Pai, Filho e Espírito Santo como sua permanente alegria. [8] O verdadeiro calvinista busca viver diante de Deus e para glória de Deus em pensamento, palavra e ação. Lembre-se do próprio moto de Calvino: “Meu coração te ofereço, Senhor, pronta e sinceramente”. Do coração saem os assuntos da vida; ao dar à Deus os nossos corações, estamos Lhe dando o nosso tudo. [9]

Consideremos, então, como o doutrinalista, o culturalista e o pietista se igualam a este padrão exigido. Meus comentários serão necessariamente breves, e minhas críticas podem parecer cruéis. Mas se devemos sustentar um padrão alto, não devemos nos esquivar de declarar coisas duras.

Começarei com o pietismo. Entre os pietistas vemos uma preocupação louvável por evangelismo e discipulado. Vemos esforços estrênuos para voltar os corações dos homens para Cristo e para viver para Ele. Até aqui, vemos esforço genuíno para sustentar o princípio fundamental do Calvinismo.

Continuando a examinar esta ala da mansão Calvinista, vejo aqueles evangélicos que preferem o Calvinismo, de uma forma ou outra, como a melhor expressão da teologia e que, todavia, não se unem com uma igreja Calvinista conservadora. [10] Até aqui eu sigo Marsden. Eu vou um passo adiante e infiro que este grupo tende a ver o Calvinismo principalmente, se não exclusivamente, como uma teologia, e não como um modo de vida. A piedade evangélica é vista como primária, mas quando o suporte intelectual é necessário, a teologia Reformada é preferida à algumas outras teologias.

O pietista evangélico falha em ser um calvinista eclesiasticamente, e assim, falha em exercer ou obscurece o exercício dessa disciplina da igreja verdadeira que historicamente tem sido uma marca das igrejas Reformadas. O pietista evangélico pode estar contente de ser um membro de uma igreja liberal. Portanto, embora sua teologia, ensino e pregação chamem ao arrependimento do liberalismo como uma necessidade para salvação, sua ação eclesiástica – ou inação – diz que nenhum arrependimento desse tipo é necessário. Estar contente de se sentar em comunhão eclesiástica com aqueles que alguém considera inimigos da cruz de Cristo, contradiz em atos o que essa pessoa prega em palavras.

Assim, a igreja perde seu caráter como a comunidade daqueles que estão sendo salvos. E, embora muitos dos pietistas se refugiem no conceito de igreja invisível, seu compromisso eclesiástico com o liberalismo contradiz o seu evangelho.

Ou o pietista evangélico se torna independente, cortando ligações orgânicas com qualquer congregação, exceto com a sua local. [11] Aqui há simplesmente uma falha em sustentar a unicidade do corpo de Cristo eclesiasticamente, com o conseqüente rompimento da sã disciplina. Eu me maravilho que alguém possa criticar o denominacionalismo, somente para se refugiar na independência, na qual cada congregação local é uma denominação em si mesma.

Agora, voltemo-nos para os culturalistas. Primeiro note que há uma conexão pietista-culturalista. Pelo menos visto que The Uneasy Conscience of Modern Fundamentalism [A Consciência Desconfortável do Fundamentalismo Moderno] de Carl Henry, publicado em 1947, tenha sido vozes da preocupação social de dentro do evangelicalismo ou fundamentalismo. Talvez a manifestação recente mais visível disto tenha sido o florescimento do Moral Majority de Jerry Falwell e a aliança dos direitos religiosos com os direitos políticos.

Assim como o Calvinismo prova ser um tesouro teológico para o pietista, ele se torna uma cosmovisão depositada para o pietista se tornar culturalista. Se alguém há de fazer um impacto sobre a sociedade, conseqüentemente ela precisa de algum peso intelectual. Isto, o Calvinismo pode providenciar. [12]

Mas o culturalismo tem raízes muito mais profundas no Calvinismo e uma história honrosa. Na era moderna, a obra de Abraham Kuyper, Herman Dooyeweerd, e outros tiveram uma abrangente visão calvinista da cultura. Mesmo mais recentemente, os teonomistas ou os cristãos reconstruticionistas desenvolveram planos extensivos para a aplicação da lei de Deus à sociedade civil.

Nós devemos louvar os culturalistas por sua visão abrangente, por seu desejo de trazer tudo da vida em obediência à Cristo. Eles se esforçaram para despertar a igreja da sua insularidade e absorção na piedade individual. Seu slogan: “Tudo da vida redimido” é um grande e fundamental insight bíblico.

Numa palestra curta, é impossível entrar em cada detalhe e analisar os vários movimentos no campo culturalista. Guardando o meu propósito, simplesmente levantarei o que creio ser um sinal de advertência importante. Para todas as variedades de culturalistas há o perigo de fazer a preservação ou a transformação da sociedade num objetivo primário da igreja e do cristão. Isto obscurece a esperança escatológica da igreja ou até mesmo a suplanta.

A esperança da glória eterna, sendo percebida como algo remoto e intangível, pode escapar da nossa atenção, para abrir caminho para resultados tangíveis nesta vida. Insensivelmente nossa agenda para este mundo se torna nossa esperança. O pragmatismo não está muito atrás, e o desejo de resultados visíveis contagia tudo. Espiritualmente, isto significa o eclipse da glória de Deus como nosso objetivo e a perda do gozo de Deus como nossa alegria preeminente. [13]

Agora, voltemo-nos para o campo doutrinalista. De início devemos nos prevenir contra as tentações de pensar que o campo doutrinalista dever ser a verdadeira herança do Calvinismo histórico. Eu digo isto não somente porque eu critiquei antes fortemente os pietistas e culturalistas, dessa forma, possivelmente deixando a impressão de que devo agora cantar os louvores dos doutrinalistas, mas também porque penso que nós aqui reunidos nesta ocasião nos identificaríamos mais facilmente com o campo doutrinalista. E se estamos cegos de quaisquer faltas, é mais fácil que estejamos das nossas próprias.

Tendo dito isto, devo também dizer que sou profundamente devedor aos doutrinalistas. Aqueles cuja preocupação tem sido permanecerem fiéis à verdade de Deus, têm tanto ensinado a igreja das glórias do seu Redentor como apresentado um exemplo piedoso em dias mui tenebrosos. “Defensor da fé”, quando merecido, é um titulo honroso na igreja.

Já temos visto que a doutrina pode ser valiosa por seu efeito sobre a piedade ou cultura. Mas o doutrinalista vê a doutrina como valiosa em seu próprio direito. Com esta atitude vem a tentação ao intelectualismo e à ortodoxia morta. Eu me lembro da velha piada sobre um santo falecido chegando a uma encruzilhada na qual havia dois sinais: “Este caminho é para o céu” e “Este caminho é para as discussões sobre o céu”. O doutrinalista pode parar durante um bom tempo em tal encruzilhada.

Um perigo parecido no qual podemos cair é que podemos falhar em agir para a glória de Deus quando isto é requerido, particularmente na arena eclesiástica. Um exemplo excelente disto nos é fornecido na controvérsia fundamentalista-modernista na Igreja Presbiteriana dos USA na década de 1920. Em 1924, um grande grupo de ministros presbiterianos publicou a Afirmação de Auburn – que realmente deveria ter sido chamada de a Negação de Auburn. A Afirmação de Auburn nega essencialmente que seja necessário crer na infabilidade da Bíblia, na encarnação, na expiação, na ressurreição, e na vida constante e no poder sobrenatural do nosso Senhor Jesus Cristo. [14] No final, quase 1.300 ministros presbiterianos assinaram esta declaração. Nenhum deles foi julgado por ter violado os votos de sua ordenação. [15]

Onde estavam os doutrinalistas? Nem mesmo J. Gresham Machen, que certamente teve a resolução de agir em outras ocasiões, apareceu favoravelmente neste episódio obscuro. No ano anterior ao que a Afirmação de Auburn foi composta, o Christianity and Liberalism [Cristianismo e Liberalismo] de Machen tinha sido publicado. Machen argumentou claramente e forçosamente que o Cristianismo e o liberalismo não eram somente religiões diferentes, mas diferentes tipos de religião. Todavia, seu chamado de trombeta era para os liberais se retirarem voluntariamente das igrejas cujas confissões eles não mais sustentavam conscientemente. [16] Se a análise de Machen estava correta, isto equivale a chamar os lobos para uma cessação voluntária de morder e devorar as ovelhas.

Até mesmo para Machen, há um sentido no qual sua falha em trazer acusações judiciais contra os afirmacionistas de Auburn contradisse seu ensino e pregação. [17] Há um tempo quando sermões e declarações não são suficientes. Ação é requerida. Se não estivermos alertas, o tempo quando a ação pode ser eficaz pode passar por nós despercebidamente. Perceberemos muito tarde que o momento se foi. Machen percebeu isto nos últimos anos. [18]

Assim, fechamos o círculo novamente com o pietismo. O doutrinalista pode ser tentado ao passivismo nos assuntos eclesiásticos ou civis, agindo assim como um pietista.

Quem, então, é o verdadeiro calvinista? Qual futuro é o futuro do Calvinismo? Para responder isto, aventuro-me a chamar sua atenção a um documento familiar, o Breve Catecismo, e em particular a uma questão. Não, não à fundamental primeira questão, nem à iluminadora segunda questão, mas à terceira: “Qual é a coisa principal que a Escritura nos ensinam? A coisa principal que as Escrituras nos ensinam é o que o homem deve crer acerca de Deus, e o dever que Deus requer do homem”.

Há duas partes principais na resposta, e o resto do Catecismo é estruturado nas duas partes correspondentes. Do que eu tenho dito até aqui, penso que você concordará que o perigo para o pietista e culturalista é colocar uma ênfase indevida sobre a segunda parte – nosso dever a Deus; enquanto para o doutrinalista, o perigo é colocar ênfase indevida sobre a primeira parte – o que devemos crer.

Agora, o corretivo para estas tendências não é simplesmente que o Catecismo coloca estas duas coisas juntas. Se isto fosse tudo que existisse, então teríamos um tipo de equilíbrio instável. Desenhe duas crianças balançando em pólos opostos de um balanço. Elas não podem permanecer para sempre no mesmo nível. Da mesma forma é a tentativa de “balancear” doutrina com dever. De vez em quando a doutrina cairá, de vez em quando o dever.

Nem é suficiente dizer “Doutrina correta conduz a um viver correto”, embora isto seja verdade até certo ponto. Este slogan ainda nos leva a um equilíbrio instável. É a intenção dizer “Tudo que precisamos fazer é prestar atenção à doutrina, e o viver correto seguirá automaticamente”? Ou queremos dizer que “O viver correto é preeminente, e a doutrina correta é um meio para este fim”?

Não, devemos retornar novamente às palavras do Catecismo. Eu lhe pergunto, porque ele diz “o que o homem deve crer acerca de Deus”? Por que não simplesmente “a verdade sobre Deus”? Eu creio que os escritores do Catecismo captaram um profundo insight bíblico neste ponto. A Bíblia nunca nos encoraja a tomar uma visão abstrata ou puramente intelectual de doutrina. A verdade sobre Deus nunca nos vem meramente como uma série de idéias para contemplação. Antes, ela nos vem como algo que demanda assentimento. A verdade sobre Deus deve ser crida.

Portanto, o estudo de teologia é sempre uma questão moral e espiritual. Não é meramente um erro, mas um pecado abraçar uma falsa doutrina. Os verdadeiros calvinistas têm sempre visto isto, como o próprio Calvino o fez. Se você quer saber a razão pela qual Calvino tratou tão rigorosamente com seus oponentes teológicos, é esta. A teologia de um homem não revela somente sua mente, mas também seu coração.

Para colocar isto em poucas palavras, em matéria de religião, doutrina e dever são uma única coisa. Anões morais não fazem gigantes teológicos.

A mesma coalescência de doutrina e dever aparece na segunda parte da terceira resposta do Breve Catecismo. O dever que Deus requer do homem é ensinado pelas Escrituras. Em contraste com o moderno agnosticismo sobre ética, a Bíblia ensina que nosso dever a Deus é algo que pode ser transmitido de uma mente para outra. Não somente doutrina é dever, mas dever é doutrina. E assim, não é exatamente a história completa dizer que as questões 4 a 38 do Catecismo [19] se focam sobre doutrina, enquanto que as questões 39 a 107 [20] se focam sobre dever. O que nos trás novamente de volta ao verdadeiro caráter do Calvinismo, a medida que alguém busca viver diante de Deus e para a glória de Deus em todo pensamento, palavra e ação.

A contestação com o liberalismo nas décadas de 1920 e 1930 pode nos deixar com a impressão de que a defesa da fé é primariamente, ou mesmo puramente, uma questão intelectual. No final das contas, a marca do liberalismo era sua crença na moralidade. Mas a batalha não era puramente intelectual então, e por nenhum esticamento da imaginação ela o é agora. Poucas pessoas são fascinadas pelas sutis heresias e filosofias. Multidões são escravizadas pelos ídolos Eros e Mamon. Muitos, se eles se conhecem verdadeiramente, listariam sua “preferência religiosa” como “Mamonista” – adorador de dinheiro; ou “Erotista” – adorador de prazer sensual. Alguém precisa somente ligar a televisão nos programas de entrevistas de dia ou nos anúncios “enriqueça” tarde da noite na televisão, para ver quão respeitável se tornou ser um adorador de Eros ou de Mamon.

Se é para a igreja sobreviver aos ataques destas idolatrias cruéis e destrutivas, ela deve redescobrir uma alta visão da lei de Deus. Não é somente o evangelho que está sob ataque, mas também a lei. Em tal tempo, aquela porção do meio do Catecismo, que expõe os dez mandamentos, seria uma torre forte para aqueles que tomarão refúgio nela.

Uma igreja que está cintilando na ortodoxia teológica, mas que é negligente na obediência, é de pouco valor para o reino; como nosso Senhor disse, “Todo aquele que desobedecer a um desses mandamentos, ainda que dos menores, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será chamado menor no Reino dos céus; mas todo aquele que praticar e ensinar estes mandamentos será chamado grande no Reino dos céus” (Mateus 5:19, NIV).

Que não seja pensado que a pregação e o ensino do nosso dever para com Deus deve obscurecer o evangelho. Quem considera a pureza da lei de Deus em comparação da sua própria vida e coração, será levado a confiar mais completamente em Jesus somente para salvação. Além disso, a salvação é para obediência (Efésios 2:10), e embora a obediência não possa ser perfeita nesta vida, o crente verdadeiro será marcado por aquela busca pela “santidade, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12:14, KJV). A pregação e a defesa do evangelho incluem a pregação e defesa da lei de Deus.

Finalmente, retornemos ao futuro. A cultura ao nosso redor nos oferece pouca esperança para um ressurgimento do Calvinismo, particularmente este Calvinismo verdadeiro que tenho tentado descrever. Que apelo podemos fazer ao mundo, e o que nos preservará das armadilhas do pietismo, culturalismo e doutrinalismo?

O futuro do Calvinismo seria realmente gélido se tivéssemos que apelar somente ao homem natural não-regenerado para aprovação. E se tivéssemos somente nossos próprios recursos sobre o que descansar, tudo cairia também. Mas tem sido sempre assim. O Calvinismo não somente prega a graça soberana de Deus como a fonte de toda benção, mas ele também depende da mesma graça soberana para a sua própria sobrevivência. “Tu lhe dás, e eles o recolhem, abres a tua mão, e saciam-se de coisas boas. Quando escondes o rosto, entram em pânico; quando lhes retiras o fôlego, morrem e voltam ao pó. Quando sopras o teu fôlego, eles são criados, e renovas a face da terra” (Salmos 104:28-30, NVI).

O Calvinismo tem um futuro enquanto o Espírito de Deus renovar os corações dos homens e mulheres, de crianças e infantes, e conduzi-los a viver para Sua glória e a achar o seu prazer nEle.

Mas nós temos olhado para o futuro como meramente o que acontece e cresce fora das presentes condições. A Escritura nos convida a voltar o nosso olhar do presente passageiro para o futuro eterno. Como Paulo escreveu aos Coríntios, Jesus “deve reinar até que todos os seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés....Quando, porém, tudo lhe estiver sujeito, então o próprio Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, a fim de que Deus seja tudo em todos” (1 Coríntios 15:25,28, NVI).

A grande consumação de todas as coisas é aquilo pelo que o calvinista vive e deseja – que Deus possa ser tudo em todos. O futuro que realmente importa pertence ao Calvinismo.

Notas

[1] Pirsig, R., Zen and the Art of Motorcycle Maintenance (New York: Morrow, 1984), p. 1.

[2] O leitor astuto notará que eu já transformei o assunto dado no título. Você pode agora esperar que eu diga pouco sobre o futuro e me concentrarei no passado e presente.

[3] Eu estou aqui pensando primariamente nas condições nos USA. Aqueles familiares com as condições em outro lugar, devem decidir por si mesmos quão bem esta declaração descreve aquelas condições.

[4] David Wells, ed., Eerdmans, 1985.

[5] “Reformed and American,” ibid., p. 1-12.

[6] Ibid., p. 2. Marsden identifica a si mesmo com esta ala da CRC. Pergunto-me se J. Gresham Machen teria se descrito como um líder da ala regressiva da Igreja Presbiteriana liberal nos USA.

[7] Ibid., p.3.

[8] Veja o Breve Catecismo, Q. 1.

[9] Sou devedor ao Rev. Lawrence Semel pela última expressão.

[10] Eu uso a palavra “igreja” aqui para o que é freqüentemente chamado de “denominação”. Pietistas evangélicos podem ser membros de igrejas locais que são mais ou menos calvinistas, mas pela definição de Marsden, eles não pertencem a uma denominação calvinista conservadora.

[11] Alguns calvinistas pietistas sem dúvida estão unidos a denominações evangélicas conservadoras, aos quais estas críticas não se aplicariam, pelo menos não do mesmo modo ou com a mesma força. A questão permaneceria, contudo, até onde o Calvinismo é expresso como um modo de vida em tais igrejas.

[12] Eu não quero dizer que o Calvinismo é o único lugar onde os pietistas/culturalistas estão procurando suporte intelectual, mas somente que parece ser uma das opiniões correntes.

[13] Os pietitas e os doutrinalistas não estão, de forma alguma, isentos de tentações similares. Assim como o culturalismo pode se degenerar em ativismo social, assim também o pietismo pode se degenerar em programas de auto-aperfeiçoamento, e o doutrinalismo em prestígio escolástico.

[14] Veja o artigo IV da Afirmação de Auburn, o texto que é reimpresso em Rian, Edwin H., The Presbyterian Conflict , Eerdmans, 1940, reimpresso pelo Comitê para o Historiador, a Igreja Presbiteriana Ortodoxa, 1992, pp. 205-208.

[15] Para a história da controvérsia, veja Rian, op. cit. Veja também Ned B. Stonehouse, J. Gresham Machen: A Biographical Memoir , The Banner of Truth Trust, 1987, p. 364 (primeira edição, Eerdmans, 1954).

[16] Machen escreve: “Uma separação entre os dois partidos [liberal e conservador] na igreja é a necessidade gritante do momento” (Christianity and Liberalism, Eerdmans, Grand Rapids, 1956; original copyright, 1923; p. 160).

“Quer seja desejável ou não, a declaração de ordenação é parte da constituição da Igreja. Se um homem pode ficar nessa plataforma, ele pode ser um oficial na Igreja Presbiteriana; se ele não puder ficar nela, ele não tem o direito de ser um oficial na Igreja Presbiteriana....Ao ver que as igrejas ‘evangélicas' existentes estão associadas a um credo que ele não aceita, ele pode se unir com algum outro corpo existente ou até mesmo encontrar um novo corpo para lhe satisfazer...Ao sair das igrejas confessionais, aquelas igrejas que estão fundamentadas sob um credo derivado da escritura, o pregador liberal realmente sacrifica a oportunidade, quase dentro de seu alcance, de assim obter controle daquelas igrejas confessionais a medida que mudam seu caráter fundamental...Mas o liberalismo certamente não sofrerá no fim....O pregador liberal obterá o pleno respeito pessoal de seus oponentes, e a discussão inteira será colocada num terreno mais alto (pp. 164, 165).

“Se deve haver uma separação entre os liberais e os conservadores na Igreja, porque os conservadores não deveriam ser aqueles a se retirar?...Mas ao permanecer nas igrejas existentes os conservadores estão em posição fundamentalmente diferente da dos liberais; porque os conservadores estão em acordo com as claras constituições das igrejas, enquanto o partido liberal pode se manter somente pela subscrição inequívoca às declarações nas quais eles não crêem verdadeiramente”.

“Mas como uma situação tão anômala chegaria a um fim? O melhor caminho indubitavelmente seria a saída voluntária dos ministros liberais daquelas igrejas cujas confissões eles não aceitam no sentido histórico simples. E nós não perdemos as esperanças de tal solução” (pp.166, 167).

“Mas, a defesa de tal separação não é um exemplo flagrante de intolerância?” (p. 167). Machen então argumenta por aproximadamente duas páginas que isto não é intolerância, porque a igreja é uma sociedade voluntária.

“Qual é o dever do cristão em tempos como este? Qual é o dever, em particular, dos oficiais cristãos na Igreja?” (p. 173). Machen enumera quatro coisas: (1) A defesa intelectual deveria ser vigorosamente acionada. (Aqui ele argumenta contra aqueles que abriram mão de toda defesa intelectual em favor do evangelismo.); (2) Os oficiais cristãos na Igreja deveriam se opor àqueles que não são verdadeiros crentes;; (3) Os membros de igreja não deveriam convidar liberais para serem pastores de suas igrejas; (4) A educação cristã deveria ser perseguida vigorosamente. (pp. 173177). Ele então pede para que os cristãos se reúnam para consulta e encorajamento (rememorativo da idéia de Lutero de ecclesiola in ecclesia a (pequena) igreja dentro da igreja).

Vendo que Machen foi obrigado a contender com os conservadores que se opunham a fazer até mesmo uma defesa intelectual do evangelho e com aqueles que pensavam que até mesmo a sugestão de saída voluntária era intolerante, eu me simpatizo com o seu predicamento. Todavia, o caminho da Cruz nunca é fácil.

[17] Eu não quero implicar que isto era sua responsabilidade somente. Nem desejo diminuir a justa admiração e gratidão a Deus que devemos por ter tal defensor fiel da verdade.

[18] Machen, escrevendo para o Presbyterian Guardian [Guardião Presbiteriano] (em 1936) imediatamente após a formação do que mais tarde se tornou a Igreja Presbiteriana Ortodoxa, num artigo intitulado “True Presbyterian Church at Last” [Finalmente a Verdadeira Igreja Presbiteriana], disse: “Que terrível pecado de omissão foi, por exemplo, aquele esforço que não foi feito em 1924, em cada presbitério no qual cada um de nós estava, para trazer os afirmacionistas de Auburn à julgamento!” (citado no Stonehouse, op. cit., p. 501).

[19] Com respeito à natureza de Cristo, aos decretos de Deus, pecado, Cristo, obra de Cristo e salvação.

[20] Com respeito à lei de Deus, fé, arrependimento e os meios de graças (a Palavra, sacramentos e oração).

 

“Para colocar isto em poucas palavras, em matéria de religião, doutrina e dever são uma única coisa. Anões morais não fazem gigantes teológicos”.

— James S. Gidley

 

James S. Gidley é membro do Comitê sobre Educação Cristã da Igreja Presbiteriana Ortodoxa.

 



Original: http://www.opc.org/OS/html/V2/2c.html

Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 21 de Abril de 2005.


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