A Experiência de Deus

por

A. N. Martin

 

O teólogo norte-americano B.B. Warfield, descreve o Calvinismo como sendo “a visão da majestade de Deus que permeia a vida e a experiência como um todo”. Ao se referir especificamente à doutrina da salvação, a sua feliz confissão se resume em três palavras significativas:

Deus salva pecadores.

Sempre que somos confrontados com grandes declarações doutrinárias nas Sagradas Escrituras, Deus não nos deixa meramente com a afirmação da doutrina. O propósito da verdade de Deus colocada nas mentes do Seu povo é que, ao compreendê-las, eles venham a conhecer o seu efeito na sua própria experiência pessoal. Assim sendo, os grandes temas doutrinários de Efésios capítulos 1, 2 e 3 são seguidos pela aplicação de tais doutrinas à vida prática e à experiência, em Efésios capítulos 4, 5 e 6. O fim para o qual Deus deu a Sua verdade não foi somente para a instrução de nossas mentes, mas muito mais para a transformação de nossas vidas. No entanto, uma pessoa não pode aterrissar diretamente na vida e na experiência; a compreensão deve vir através da mente. Assim, a verdade de Deus é dirigida ao entendimento e o Espírito de Deus age no entendimento como Espírito de sabedoria e conhecimento. Ele não ilumina a mente simplesmente para que as gavetas dos arquivos do estudo mental sejam preenchidos com informações. O fim com que Deus instrui a mente é para que Ele, assim, possa transformar a vida. Quais são então as implicações pessoais do pensamento e das verdades calvinistas, tanto na vida do indivíduo, como no ministério exercitado pelo indivíduo? O que quero dizer, com implicações pessoais, são as implicações do seu relacionamento com Deus, sem nenhuma referência consciente ao seu ministério. Eu sei que essas coisas não podem ser separadas num sentido absoluto, pois como já foi muito bem dito, “a vida de um ministro é a vida do seu ministério”. Você não pode separar o que você é daquilo que você faz; você não pode separar o efeito da verdade sobre o seu relacionamento com Deus, do efeito da verdade através do seu ministério. A fim de termos o foco bem centrado nesses princípios eu os estou separando, mas de maneira nenhuma quero dar a impressão de que esses dois aspectos estão separados. Então pergunto: Quais são as implicações do pensamento calvinista, desta visão da majestade de Deus e da verdade salvadora das Escrituras no que diz respeito a nós como indivíduos? Como resposta voltemos àquele princípio geral que B.B.Warfield chama de “princípio formativo do Calvinismo”. Eu cito as palavras de Warfield:

Este princípio se encontra então, deixe-me repetir, numa apreensão profunda de Deus, na Sua Majestade, com a pungente compreensão que inevitavelmente acompanha esta apreensão, da relação mantida com Deus, pela própria criatura, e, em particular, pela criatura em pecado. O calvinista é o homem que vai a Deus, e que, tendo-O visto na Sua glória, por um lado está cheio do senso de sua própria indignidade de estar na presença de Deus como criatura, e muito mais ainda como pecador; e por outro lado, acha-se em atitude de adoração e admiração à Sua pessoa, com base no fato de que este Deus é um Deus que recebe pecadores. Aquele que crê em Deus sem reservas e está determinado que Deus será Deus para ele em todo o seu pensamento, sentimento e vontade — em todo âmbito das atividades de sua vida: intelectual, moral e espiritual —, em todas as suas relações individuais, sociais e religiosas — não importa como ele se intitule, o que ele pensa de si mesmo ou como vê a si mesmo, essa pessoa é, pela força da lógica, um calvinista”.

Note que quando B.B. Warfield define calvinismo e o calvinista ele usa palavras de forte natureza experimental. As palavras “apreensão” e “compreensão” tratam primariamente do entendimento, apesar do seu significado ir além disso. Mas quando chegamos a palavras tais como “ter visto a Deus”, “estar cheio, por um lado, por um senso de sua própria indignidade”, “admiração e adoração”, “pensamento, sentimento e vontade”, são palavras que tratam de experiência. Warfield está realmente dizendo que ninguém é calvinista, nenhuma pessoa é realmente bíblica no seu pensamento a respeito de Deus, nenhum homem é verdadeiramente religioso, nenhum homem é verdadeiramente evangélico até que esses conceitos tenham impregnado as fibras nervosas da sua experiência. Em outras palavras, Warfield diria que um calvinista acadêmico é uma contradição de termos; a mesma coisa que se falar do termo contraditório: um “cadáver ambulante”. Quando a alma e o corpo estão separados é porque a morte se fez presente, e Warfield nos ensinaria que quando a alma do pensamento calvinista está morta ou ausente, tudo que sobra é uma carcaça e o mau cheiro nas narinas de Deus, e, muitas vezes, o odor desagradável na igreja quando este se acha presente no ministro.

Com este pano de fundo quanto às implicações pessoais, eu gostaria que considerássemos uma passagem das Escrituras, na qual temos um relato histórico de como Deus faz um calvinista. Veja Isaías 6: “No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono”. Isaías, que conhecia o rei Uzias muito bem, e o tinha visto no seu trono, diz que, no ano em que aquele rei morrera, ele viu o verdadeiro Rei. Ele O menciona de novo no final do versículo 5: “e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!”. E ele O viu essencialmente como um Rei entronizado:

"Eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os outros dizendo: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da Sua glória. As bases do limiar se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça.. Então disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! Então um dos serafins voou para mim, trazendo na mão uma brasa viva, que tirava do altar com uma tenaz; com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis que ela tocou os teus lábios; a tua iniqüidade foi tirada, e perdoado o teu pecado. Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: eis-me aqui, envia-me a mim. Então disse ele: Vai e dize a este povo: Ouvi, ouvi e não entendais; vede, vede, mas não percebais. Torna insensível o coração deste povo, endurece-lhe os ouvidos e fecha-lhe os olhos, para que não venha ele a ver com os olhos, a ouvir com os ouvidos e a entender com o coração, e se converta e seja salvo. Então, disse eu: até quando, Senhor? Ele respondeu: Até que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, as casa fiquem sem moradores, e a terra seja de todo assolada".

Aqui está o registro de como Deus faz um calvinista; como Deus levou um homem a ter uma visão da Sua majestade que afetou tanto a Isaías, que sua vida jamais foi a mesma. A primeira coisa que o impressionou nesta ocasião foi esta visão de Deus em posicionamento Alto e Sublime, assentado no trono. Qualquer outra coisa introduzida na visão — a santidade de Deus, a graça de Deus, o perdão de Deus — está compreendida no brilho de Deus entronizado — “Eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono”. Estaria correto, portanto, dizermos que foi ali exercida uma santidade soberana assim como uma soberania santa. Ali visualizava-se uma graça soberana assim como a soberania cheia de graça. Esta exposição ao Senhor, como Rei, trouxe consigo vários resultados específicos na vida do profeta.

Em primeiro lugar, esse contato com Deus trouxe a ele um conhecimento da sua própria pecaminosidade. “Ai de mim! Estou perdido! Estou em choque. Desfaleço!” Quem era ele? Seria ele um andarilho qualquer arrancado das estradas e que costumava falar palavrões para aqueles que não gostavam das coisas que lhe interessavam? Era ele algum tipo de estudante sem rumo, sob a cobertura das proposições vazias da nova moralidade, dando vazão às suas paixões animalescas? Não! Essa pessoa era Isaías e, conforme todas as indicações das Escrituras, tratava-se de um homem santo, um homem de Deus, o que chamaríamos de um cristão dedicado. Mas ele ainda teria de ter uma visão do Senhor que o quebrantasse e o sacudisse, no sentido de expor a corrupção inerente ao seu próprio coração e à sua própria vida. Eu creio que Deus jamais faz calvinistas, ao apresentar-lhes Sua glória e majestade, sem também trazer consigo esta exposição mensurável ao pecado à luz da Sua soberania e da Sua santidade. Essa visão também trouxe consigo um vislumbre profundo do seu estado natural e de sua geração. Note que na sua própria confissão ele não apenas diz “Sou homem de lábios impuros”, mas também diz, “habito no meio de um povo de impuros lábios”. Nos registros em que descreve o estado em que o povo se encontrava, como por exemplo em Isaías 58, vemos que eles eram extremamente religiosos; eles vinham diariamente ao templo e ofereciam sacrifícios. Leia Isaías 1, e você verá os contemporâneos dos profetas trazendo os seus sacrifícios e observando os seus dias de festa. No entanto Deus disse: “Estou farto de tudo isso. Não continueis a trazer ofertas vãs; ...quando multiplicais as vossas orações, não as ouço”. E se eu e você tivéssemos estado lá como espectadores, teríamos dito que a religião em Israel ia muito bem, obrigado. Mas quando este homem teve uma visão e um senso da majestade de Deus, a visão trouxe consigo não só um vislumbre da sua própria pecaminosidade, mas também uma percepção completa do seu estado natural, de sua geração.

Em segundo lugar, esse contato com Deus trouxe um conhecimento experimental da graça e do perdão. Quando Isaías sentiu a sua impureza, a sua ruína na presença do Senhor, o Serafim toma uma brasa viva do altar do sacrifício, uma brasa que se torna o símbolo da base sobre a qual Deus perdoa pecadores. Essa brasa toca os lábios do profeta, e apesar de sentir dor no seu íntimo, há também uma maravilhosa palavra de graça: “A tua iniqüidade foi retirada e limpo o teu pecado”. Eis aí um homem que foi trazido a uma visão do seu próprio pecado, de maneira tal que ele se pergunta quem pode habitar na presença de alguém como o Senhor. É para esse tipo de pessoa que a palavra de perdão provoca humildade, tem um peso e é cativante. A razão porque a graça é tão pouco apreciada nos nossos dias é porque a majestade transcendente e a soberania e a santidade de Deus são tão pouco estimadas. Nós enxergamos pouco mais do que meio palmo entre Deus e nosso ego pecaminoso. Todavia, Isaías viu essa questão como ela é de fato, como um abismo profundo, e quando o Senhor soberanamente estendeu Sua misericórdia por cima daquele abismo e o tocou, então, ele se tornou um homem que evidenciou o fruto da graça.

Em terceiro lugar, esse contato com Deus fala de um homem que foi trazido à completa resignação perante Deus. Tendo sido purificado, em seguida Isaías nos diz: “Ouvi a voz do Senhor que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós?”. Note a reação do profeta. Tendo visto o Senhor na Sua soberania e santidade, e a si mesmo na sua imundícia, e tendo ouvido a palavra de graça e perdão, o que pode um homem fazer quando o Senhor fala e ele ouve a Sua voz, senão dizer “Eis-me aqui!”? Nada existe aqui do missionário que conta histórias “água com açúcar” sobre o pecado humano e sobre a necessidade humana, na tentativa de arrancar jovens dos bancos da auto-indulgência em que se assentam, e de extraí-los de sua rebelião para com a vontade revelada de Deus, no sentido de fazer com que eles profiram um “Eis-me aqui!” Temos aqui apenas o reflexo de um homem que viu o Senhor e ouviu a Sua voz, e diz, “Eis-me aqui Senhor, envia-me a mim!”. E então, no seu papel, o Senhor testa a profundidade de tal confissão e nós vemos uma total resignação à vontade e aos caminhos do Senhor, não importa quão estranhos possam parecer, pois se torna imediatamente claro ao profeta que ele vai ter um ministério primariamente de julgamento: “Vai e dize a este povo: ouvi, ouvi e não entendais; vede, vede, mas não percebais. Torna insensível o coração deste povo!”. “Isaías, eu te comissiono a um ministério de endurecimento e de julgamento”. E agora, o que faz o profeta? Ele recua e diz: “Ah Senhor, mas isso não é justo. Não me chames a um trabalho como esse!”? Não, de modo algum! Ele simplesmente diz, “Até quando, Senhor?”. Em outras palavras, “Senhor, Tu tens todo direito de me enviar para um ministério que vai ser basicamente um ministério de endurecimento e julgamento. Tu és Deus. Eu sou pecador. O que eu posso fazer senão ser cativo à expressão da tua vontade, não importa quais sejam as implicações?”

É isso o que Deus faz, quando torna uma pessoa calvinista. De uma forma ou de outra, Ele lhe dá uma visão da Sua própria majestade, soberania e santidade como sendo o Alto e Sublime, que acaba trazendo consigo um senso experimental profundo e pessoal da pecaminosidade humana e em termos da nossa própria natureza. Esse encontro traz um conhecimento íntimo da voz de Deus, uma total resignação à vontade e aos caminhos de Deus.

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Extraído de: As Implicações Práticas do Calvinismo (Editora Os Puritanos), de A. N. Martin, Pastor da Trinity Baptist Church, Essex Fells, New Jersey.


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