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Catecismos para a Imaginação por N.D. Wilson

Para que servem as estórias? Pergunte isto a um grupo comum de jovens consumidores de ficção e provavelmente eles não entenderão o que você quer dizer. O que você conseguirá provavelmente são faces surpresas e ombros encolhidos.

Então, vamos ser mais específicos. Para que servem os filmes, os programas de TV, as revistas em quadrinhos e os romances? Por que assistir? Por que ler? Por que nós enquanto cultura nos importamos a ponto de gastar bilhões de dólares (e horas) criando e consumindo estórias?

A resposta consensual, independentemente se as crianças questionadas são leitoras ativas e vorazes ou absorvedoras meramente passivas do que por acaso está na moda, quase sempre se reduzirá a simplesmente uma única palavra: diversão. Por que nós assistimos? Por diversão. Por que nós lemos? Por diversão.

O homem-aranha e o Harry Potter e Jogos Vorazes e The Walking Dead, todos existem por diversão. Crepúsculo é divertido. Ou não. E aí aquela garota está absorta nos livros enquanto aquele garoto escarnece e zomba. Gostos e prazeres pessoais e coletivos são adquiridos como se fossem indisputáveis e autoritativos.

Mas a palavra diversão é um rótulo simplista para o que na verdade é uma experiência notável e complexa. Estórias fazem as pessoas sentirem. Estórias (particularmente romances) tomam o controle de e governam a imaginação, causando sentimentos pré-selecionados nos leitores. As estórias criam laços simpáticos e empáticos entre os leitores e as personagens fictícias e esses laços são verdadeiramente reais. Na verdade, eles podem ser mais duradouros do que os laços entre os leitores e seus caros companheiros terrestres porque uma personagem fictícia é fixa e imutável. Eu tenho admirado e respeitado profundamente Faramir (de As Duas Torres, o segundo livro da trilogia do Senhor dos Anéis) desde minha juventude e essa admiração só cresceu. Por outro lado, há homens reais que eu admirei por muito tempo e que eu não admiro mais.

Estórias criam afeição, medo, alegria, amor, ódio e alívio. Estórias podem criar lealdades e desestabilizar lealdades. Estórias são catecismos para a imaginação. Catecismos para as emoções, para as aspirações. As estórias moldam instintos e gravam sulcos de hábito nos juízos do leitor.

Estórias são perigosas e isso não é ruim. A chuva é perigosa. A luz do sol é perigosa. Estórias são potentes mas essa potência pode ser usada para fins verdadeiros e bons e belos ou pode ser usada para atacar e destruir e minar a verdade, a bondade e a beleza.

Deixe um autor fiel guiar a imaginação de uma criança e essa criança irá aprender (e sentir) como é ser corajosa, posicionar-se contra o mal, amar o que é amável e honrar o que é honrável. Entregue-as o livro errado e elas podem aprender cauterizar a própria consciência, gratificar e alimentar seus impulsos mais tenebrosos. As estórias erradas catequizam imaginações com doenças.

O livro Crepúsculo é um manual para garotas adolescentes sobre como se tonar uma mulher abusada. Esse cara é temperamental e à flor da pele e vicioso? Ele é morte e perigo? Então que tal termos dezenas de milhões de garotas praticando (por meio da conexão emocional à personagem que lhes representa) se visualizarem como que rastejando atrás dele como cachorrinhos chutados, só esperando por um sorriso radiante. E que tal recompensarmos esse comportamento imaginário. O que poderia dar errado?

É claro, raramente é simples assim. Livros (e estórias em geral) podem tecer uma única camada de dissonância numa estrutura outrora harmônica. Jogos Vorazes começa com uma garota se oferecendo altruisticamente como substituta por sua irmã caçula. Grandioso. Vemos beleza aí e mordemos a isca. Afeiçoamo-nos a Katniss (nossa heroína) porque ela conquistou nossa simpatia e então nós acompanhamos a sua terrível e horrorosa servidão à devassidão de uma nação corrupta. Mas uma troca acontece. Nós nos conectamos a ela quando era levada pelo altruísmo, mas ela rapidamente entra num egoísmo darwinista, disposta a participar no assassinato de inocentes a fim de se preservar. O comportamento cruciforme é surrupiado e a sobrevivência do mais apto (como justificação ética para o derramamento de sangue) é introduzida.

E aqui vemos o que acontece quando um livro (e uma personagem) é bem-feito, mas falso. Quando eu critico a motivação de uma personagem em Jogos Vorazes, é fácil que as pessoas respondam emocionalmente como se eu tivesse insultado a sua irmã mais amada. Porque, mesmo que a personagem não seja real, a afeição e a lealdade e o orgulho e a ansiedade criada nos leitores é de fato bem real. E uma vez que as afeições estão envolvidas, a discussão crítica objetiva fica emocionalmente carregada (e enérgica).

O pensamento crítico e o autocontrole imaginativo são coisas obviamente essenciais para se dar a leitores jovens. Nós devemos querer criar crianças com a capacidade de resistir a um autor e a uma narrativa, para rir, criticar e descartar a tolice, não importa quanto o contador de estórias tenha tentado as alimentar com falsidade. Mas a primeira etapa é firmar seus gostos na verdade com estórias que enraizarão seus instintos e lealdades na bondade e na beleza. Alimente-as com narrativas que amam o amável e honram o honrável. Que elas vasculhem Nárnia e a Terra Média e sejam edificadas e fortalecidas e inspiradas. Dê-lhes um fundamento firme e um gosto teimoso. Quando se trata de estórias, não tem nada de errado em ser chato com a comida.

 

 

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Veja também o excelente livro de Joe Rigney

Tradução: Guilherme Cordeiro

Fonte: http://www.ligonier.org/learn/articles/catechisms-imagination/