1 Timóteo 4:10

por

William Hendriksen


 

10. Do que Paulo e bem assim Timóteo estão deveras profundamente convencidos, acerca da confiabilidade da declaração concernente ao dom da vida, agora e no porvir, a ser desfrutado por todos os que vivem uma vida piedosa, deduz-se do que o apóstolo agora declara: Pois para esse fim labutamos e nos esforçamos, visto que temos posto nossa esperança no Deus vivo.

É verdade que estamos profundamente convencidos da verdade expressa na confissão fiel, porque doutro modo, nós, os missionários (eu, Paulo , e você, Timóteo), não estaríamos labutando nem nos esforçando tanto. Esta parece ser a conexão entre os versículos 7.b, 8 e 9, de um lado, e o 10, do outro.

O fim ou propósito para o qual Paulo e Timóteo estão labutando e se esforçando é, indubitavelmente, este: para que os homens do mundo inteiro, quer judeus, quer gentios, ouçam o bendito evangelho de salvação, e, melhor ainda, para que o recebam e adquiram a vida eterna. É essa vida, ou seja, a salvação, o que Deus prometeu (v. 8).

Esses missionários labutam ou trabalham. Esforçam-se ao máximo no labor de levar o evangelho, aplicá-lo a situações concretas, advertindo, admoestando, ajudando e dando alento em meio a grandes dificuldades. Paulo usa a palavra labor ou trabalho em referência ao trabalho manual (1Co 4.12; Ef 4.28; 2Tm 2.6; cf. o substantivo em 1Ts 1.3; 2.9; 2Ts 3.8) e também em conexão com a obra religiosa (Rm 16.12, duas vezes; 1Co 5.10; Gl 4.11; Fp 2.16; 1Ts 5.12; 1Tm 5.17; e nesta passagem).

Esforçam-se, ou seja, na arena espiritual eles lutam contra as forças das trevas, para arrancar os homens as trevas e levá-los para a luz. Sofrem agonias . (Cf. 1Tm 6.12; 2Tm 4.7; em seguida, Cl 1.29; 4.12. V. CNT sobre 1Ts 2.2.)

Alegremente levam a bom termo essa difícil tarefa, visto terem depositado suas esperança não nos ídolos, que não podem fazer nem cumprir promessa alguma, uma vez que estão mortos , mas no Deus vivo (v. CNT sobre 1Ts 1.9,10), que é o Salvador de todos os homens, especialmente dos que crêem.

Essa cláusula tem dado lugar a uma variada gama de interpretações. Aqui se deve andar com cuidado. Algumas explicações, como eu as vejo, são errôneas logo à primeira vista.

(1) Deus é o Salvador de todos os homens no sentido em que ele finalmente salva realmente a todo ser humano que já viveu sobre a terra.

Objeção: Isto contraria todo o ensino bíblico. Nem todos os homens se salvam nesse sentido pleno, espiritual. Além do mais, se esse fosse o caso, por que o apóstolo teria acrescentado: " especialmente dos que crêem"? A última frase não teria sentido algum.

(2) Ele realmente concede salvação — no pleno sentido evangélico do termo — a todo tipo de pessoas . Concede vida eterna a todas elas.

Objeção: Essa explicação tampouco é possível, considerando a frase final: "especialmente dos que crêem".

(3) Ele quer que todos os homens sejam salvos (v. comentário sobre 2.3), mas, no caso de alguns, sua vontade se vê "frustrada" pela incredulidade obstinada. (A explicação de Lenski segue esta linha; op. cit. , p. 639.)

Objeção: A presente passagem, contudo, não diz que ele quer salvar, mas que ele realmente salva; ele é realmente o Salvador (em algum sentido) de todos os homens. Além do mais, torna-se impossível a "frustração" — no sentido absoluto, final — da vontade divina. Do contrário, Deus não seria Deus!

(4) Ele pode salvar a todos os homens; mas ainda que todos possam ser salvos, somente os crentes é que são realmente salvos. (Cf. N. J. D. White, The Expositor 's Greek Testament sobre esta passagem.)

Objeção: isso não é o que o texto afirma. Ele afirma: "Ele é o Salvador de todos os homens."


Parece-me que a verdadeira explicação se encontra num estudo cabal do termo Salvador numa passagem desse gênero. A frase final, "especialmente dos que crêem", claramente indica que se dá aqui ao termo uma dupla aplicação. Deus é o Salvador de todos os homens, mas de alguns homens, ou seja, dos crentes, ele é o Salvador num sentido mais profundo e glorioso que dos demais. Isso evidentemente implica que quando ele é chamado o Salvador de todos os homens, isso não pode significar que a todos ele comunica a vida eterna como faz com os crentes. O termo Salvador, pois, deve ter um significado que nós, hoje, de um modo geral imediatamente lhe atribuímos. E essa é exatamente a causa de nossa dificuldade. É preciso estudar este termo à luz não só do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento e da Arqueologia.

Ora, na versão LXX do Antigo Testamento, a palavra Soter, que é usada aqui em 1Timóteo 4.10, e que geralmente é traduzida Salvador , às vezes é empregada num sentido bem inferior ao que geralmente lhe atribuímos. Assim, por exemplo, o juiz Otniel é chamado soter ou "salvador" ou "libertador" porque salvou os filhos de Israel das mãos de Cusã Risatain, rei da Mesopotâmia (Jz 3.9). Ver também 2Reis 13.5: "O Senhor deu um salvador [libertador] a Israel, de modo que os filhos de Israel saíram de sob o poder dos sírios e habitaram, de novo, em seus lares, como dantes". Em certo sentido, todos os juízes de Israel foram "salvadores" (libertadores), justamente como lemos em Neemias 9.27: "Pelo que os entregaste nas mãos de seus opressores , que os angustiaram; mas no tempo de sua angústia, clamando eles a ti, dos céus tu os ouviste; e, segundo a tua grande misericórdia lhes deste libertadores que os salvaram [ou seja, os libertaram ] das mãos dos que os oprimiam". Cf. também o uso um pouco semelhante da palavra em Obadias 21: "Salvadores [libertadores] hão de subir ao monte Sião, para julgarem o monte de Esaú e o reino será do Senhor".

Não causa estranheza que especialmente Jeová seja chamado Salvador, porque foi ele quem repetidas vezes salvou seu povo (Dt 32.15; Sl 25.5). Ele "fez grandes coisas no Egito... coisas formidáveis sobre o Mar Vermelho", sendo, conseqüentemente, o "Deus de sua salvação" (Sl 106.21).

Havendo libertado Israel da opressão de Faraó, ele veio a ser o Salvador daquela multidão inteira que saiu do Egito. Todavia, "Deus não se agradou da maioria deles" (1Co 10.5). Em certo sentido , pois, ele foi o Salvador ou o Soter de todos, mas especialmente dos que creram. Destes, e tão-somente destes, ele "se agradou". Todos saíram do Egito; nem todos entraram em "Canaã".

Especialmente em certas passagens de muita beleza de Isaías é que se imprime um conteúdo rico e espiritual à palavra Soter : Jeová é o Salvador de Israel, e Isto não só porque ele liberta seu povo da opressão, mas também porque coletivamente ele os ama . Todavia, mesmo nessas passagens exaltadas, o significado que hoje geralmente daríamos à palavra não havia sido alcançado. As passagens não podem ser interpretadas no sentido em que atribuímos vida eterna a todos os indivíduos do grupo. Note Isaías 63.8-10:

"Porque ele dizia: Certamente, eles são meu povo, filhos que não mentirão; e se lhes tornou seu Salvador . Em toda a angústia deles, foi ele angustiado, e o Anjo de sua presença os salvou; por seu amor e por sua compaixão, ele os remiu, os tomou e os conduziu todos os dias da antiguidade. Mas eles foram rebeldes e contristaram seu Espírito Santo, pelo que se lhes tornou em inimigo e ele mesmo pelejou contra eles." (Cf. Is 43.3,11; 45.15,21; 49.26; 60.16; Jr 14.8; Os 13.4. Na última referência note especialmente o contexto: "Além de mim não há salvador " precedido por "Jeová teu Deus desde a terra do Egito", e seguido de "eu te conheci no deserto".) Segundo o Antigo Testamento, pois, Deus é Soter não só dos que entram em seu reino eterno, mas, em certo sentido, também de outros; aliás, de todos aqueles a quem ele liberta de catástrofes temporais.

Além disso, o Antigo Testamento ensina em outra parte aquele tipo de providência que Deus estende a todos os homens, num sentido até mesmo às plantas e aos animais: Salmos 36.6; 104.27,28; 145.9,16,17; Jonas 4.10,11. Ele provê suas criaturas com alimento, as mantém vivas, está profundamente interessado nelas, amiúde as livra de doenças calamidades, dor, fome, guerra, pobreza e perigo em qualquer forma. Ele é, por conseguinte, seu Soter (Preservador, Libertador, e, nesse sentido, Salvador).

No Novo Testamento, este ensino é contínuo, como era de se esperar. Em seu amor, bondade e misericórdia, o Pai celestial "faz seu sol nascer sobre o mau e o bom, e envia chuva sobre o justo e o injusto"... "é bom para com os ingratos e maus" (Mt 5.4,5; Lc 6.3,5). A perversidade dos homens maus consiste em parte no fato de que eles não dão graças a Deus por sua bondade (Rm 1.21). É ele quem "dá a todos vida e fôlego e todas as coisas" (At 17.25). É ele "em quem vivemos e nos movemos e temos nosso ser" (At 17.28). Ele preserva, livra e, nesse sentido , salva ; e essa atividade "salvífica" de modo algum se limita aos eleitos! Na viajem perigosa (a Roma), Deus "salvou" não só a Paulo , mas a todos os que estavam com ele (At 27.22,31,44). Não houve perda de vida.

Além do mais, Deus também faz com que seu evangelho da salvação seja solicitamente proclamado a todos os homens , ou seja, aos homens de cada raça e nação. Verdadeiramente, a bondade de Deus se estende a todos. Não há sequer um que de uma maneira ou outra não esteja ao alcance de sua benevolência, e ainda o círculo daqueles que ouvem a proclamação da mensagem de salvação é mais amplo que o círculo dos que a aceitam com verdadeira fé.

Isso é realmente tudo o de que se necessita na classificação de nossa presente passagem. Então, o que o apóstolo ensina equivale a isto: "Nós temos nossa fé posta no Deus vivo, e nessa esperança não somos desapontados, pois ele não é apenas um Deus bondoso, daí o Soter (Preservador, Libertador) de todos os homens, derramando bênçãos sobre eles, mas ele é, num sentido muito especial, o Soter (Salvador) dos que pela fé abraçam a ele a sua promessa, pois a esses ele comunica salvação, vida eterna em toda sua plenitude.

 

 


Fonte: William Hendriksen, 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 191-6 (Comentário do Novo Testamento) .


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