A Armadura de Deus

por

Vincent Cheung



CONTEÚDO

PREFÁCIO À EDIÇÃO DE 2003
1. O PODER DE DEUS
2. O ENGANO DE SATANÁS
3. A FIRMEZA DA FÉ
4. O CINTO DA VERDADE
5. A COURAÇA DA JUSTIÇA
6. O EVANGELHO DE PAZ
7. O CAPACETE DA SALVAÇÃO
8. A ESPADA DO ESPÍRITO

 



PREFÁCIO À EDIÇÃO DE 2003

Este livro é uma adaptação de vários sermões que preguei na rádio. A série tinha o título, A Armadura de Deus, e consistiu de uma exposição da passagem correspondente em Efésios 6. Contrariamente ao que algumas pessoas parecem pensar, a armadura que Deus nos deu não é mística em sua natureza e poder. Antes, cada parte da armadura se refere ao conteúdo doutrinário de uma área da fé cristã e sua realidade nas nossas vidas. Conseqüentemente, esta série explora estas áreas das verdades bíblicas que constituem nossas armas defensivas e ofensivas.

Eu fiz muitas mudanças significantes nestes sermões, enquanto preparando-os para publicação. Embora eu os tenha feito bem menores do que o original, o conteúdo foi melhorado, de forma que na presente forma, eles serão mais proveitosos ao leitor.

 

Finalmente, fortaleçam-se no Senhor e no seu forte poder. Vistam toda a armadura de Deus, para poderem ficar firmes contra as ciladas do diabo, pois a nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra governos e autoridades, contra os poderes deste mundo de trevas e contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais.

Portanto, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir quando o dia do mau chegar e permanecer firmes, depois de terem feito tudo. Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade, com a couraça da justiça no lugar, e tendo os pés calçados com a prontidão que vem do evangelho da paz. Além disso, usem o escudo da fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno. Tomem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.

Orem no Espírito em todas as ocasiões, com toda oração e súplica; tendo isso em mente, estejam atentos e perseverem em oração por todos os santos. Orem também por mim, para que, quando eu falar, seja-me dada a mensagem a fim de que, destemidamente, torne conhecido o mistério do evangelho, pelo qual sou embaixador preso em correntes. Orem para que, permanecendo nele, eu fale com coragem, como me cumpre fazer.

Efésios 6:10-20




1. O PODER DE DEUS

Na carta de Paulo aos Efésios, ele discute vários assuntos tais como soberania divina na eleição, poder divino na redenção, nosso lugar de privilégio em Cristo, a unidade dos cristãos em Cristo, maturidade espiritual, conduta santa, pais e filhos, casamento, a igreja, e assim por diante. Ele conclui a carta dizendo aos seus leitores “vistam toda a armadura de Deus”, e começa a listar as partes que constituem esta armadura. A toda armadura de Deus é deveras completa, incluindo tudo o que os cristãos necessitam para “ficar firmes contra as ciladas do Diabo”.

Começaremos nossa exposição desta passagem bíblica sobre a armadura de Deus a partir de Efésios 6:10, onde Paulo escreve, “Finalmente, fortaleçam-se no Senhor e no seu forte poder”. O apóstolo admoesta o leitor a se “fortalecer”, mas ele diz para fazer isto “no Senhor”. Os cristãos derivam sua força de Deus –– somos fortes somente pelo Seu “forte poder”. Logo no início da carta, Paulo indica que o mesmo poder que Deus exercitou na ressurreição de Cristo está sendo exercido em benefício daqueles que estão em Cristo:

“Oro também para que os olhos do coração de vocês sejam iluminados, a fim de que vocês conheçam a esperança para a qual ele os chamou, as riquezas da gloriosa herança dele nos santos e a incomparável grandeza do seu poder para conosco, os que cremos. Esse poder é conforme a atuação da sua poderosa força, que ele exerceu em Cristo, quando o ressuscitou dos mortos e o fez assentar-se à sua direita, nas regiões celestiais” (Efésios 1:18-20).

Deus já está aplicando este grande poder em nós, assim, não precisamos pedir para que o mesmo se torne disponível; antes, Seu poder será manifesto em nossas vidas quando nossas mentes forem “iluminadas”, de forma que possamos conhecer “a incomparável grandeza do seu poder para conosco, os que cremos...que ele exerceu em Cristo” em Sua ressurreição e entronização. É por este entendimento teológico que devemos estudar e orar.

O poder que Deus fez disponível para nós é mais do que suficiente. De fato, é através do “seu poder que atua em nós” que Ele fará “infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos” (Efésios 3:20). Podemos ter confiança para enfrentar a pressão e as circunstâncias adversas, sabendo que Deus colocou em nossas vidas um poder tão forte que ressuscitou Jesus dos mortos. Este poder está disponível a toda pessoa que está em Cristo. Esta informação pode surpreender alguns cristãos, especialmente aqueles cujas vidas são caracterizadas por derrota e aridez. Embora o poder de Deus esteja disponível a todo cristão, ele permanece dormente em alguns deles por causa da falta de conhecimento e entendimento. O apóstolo procura remediar isto orando para que Deus ilumine as mentes dos seus leitores, de forma que eles possam perceber o que já foi feito disponível a eles em Cristo.

Assim, quando Paulo diz “fortaleçam-se no Senhor e no seu forte poder”, ele não está sugerindo que nós faremos isto pedindo poder adicional de Deus, mas entendendo que Ele já nos deu, em Cristo. Quando um cristão percebe que o poder de Deus tem sido aplicado a ele através de Cristo, ele cessa de temer as outras pessoas e as circunstâncias negativas. Ele se lembra que a Escritura diz, “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Romanos 8:31).

Paulo diz que Deus escolheu “fazer conhecido entre os gentios a gloriosa riqueza deste mistério, que é Cristo em vocês, a esperança de glória” (Colossenses 1:27). João explica, “Se alguém confessa publicamente que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele, e ele em Deus” (1 João 4:15). A Bíblia nos diz que somos “santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em [nós]” (1 Coríntios 3:16). João diz em 1 João 4:4, “Filhinhos, vocês são de Deus e os venceram”. Por “os”, ele está se referindo aos espíritos que inspiram “falsos profetas”, até mesmo o “espírito do anticristo” (v. 3). Nós os vencemos porque “aquele que está em vocês é maior do que aquele que está no mundo” (v. 4). Nós podemos vencer o mundo quando cremos e dependemos do poder de Deus. Os escolhidos de Deus são destinados à vitória (Romanos 8:37). Afinal de contas, “Quem é que vence o mundo? Somente aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus” (1 João 5:5).



2. O ENGANO DE SATANÁS


O próximo verso em nossa passagem diz, “Vistam toda a armadura de Deus, para poderem ficar firmes contra as ciladas do diabo” (v. 11). A palavra traduzida por “ciladas” aqui (grego: methodeia) refere-se à trapaça ou engano –– engano é o “método” pelo qual Satanás procura derrotar o crente. É vestindo “toda a armadura de Deus” que seremos capazes de “ficar firmes contra” o diabo.

Pedro adverte que o diabo deseja nos atacar: “Estejam alertas e vigiem. O diabo, o inimigo de vocês, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a quem possa devorar. Resistam-lhe, permanecendo firmes na fé, sabendo que os irmãos que vocês têm em todo o mundo estão passando pelos mesmos sofrimentos” (1 Pedro 5:8-9). Ele está nos dizendo para ficarmos acordados –– “estejam alertas e vigiem”. Há um inimigo que deseja nos destruir, e ele é o diabo. Embora ele esteja “rugindo e procurando a quem possa devorar”, nós podemos “resisti-lo” e permanecer inamovíveis em nossa posição de fé. O apóstolo João nos assegura, “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não está no pecado; aquele que nasceu de Deus o protege, e o Maligno não o atinge” (1 João 5:18).

Deus nos instrui a estarmos preparados. O engano é a arma de Satanás. Ele mentirá para nós, e tentará nos bombardear com pensamentos e argumentos anti-bíblicos, e aqueles que falham em “escapar da armadilha do diabo” são “aprisionados para fazerem a sua vontade” (2 Timóteo 2:26). Por outro lado, Jesus diz, “Se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (João 8:31-32).

Somente os cristãos são verdadeiramente livres. O resto do mundo “está sob o controle do Maligno” (1 João 5:19). Este é o porquê somente os cristãos possuem e concordam com a verdade, e através das lentes da Escritura, eles são capazes de ver realmente como ela é. Com respeito aos não-cristãos, Paulo diz, “O deus desta era cegou o entendimento dos descrentes, para que não vejam a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (2 Coríntios 4:4). Todos os não-cristãos estão cegos em suas mentes, e dessa forma, negam a realidade. A mente é onde a batalha é travada. Mesmo após você se tornar um cristão, o diabo continuará a atacar a sua mente com mentiras, e a tentar minar sua fé em Cristo.

Jesus nos providencia alguns discernimentos valiosos sobre a natureza do diabo quando Ele diz aos fariseus, “Vocês pertencem ao pai de vocês, o diabo, e querem realizar o desejo dele. Ele foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando ele mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira” (João 8:44). Quando o diabo diz uma mentira, ele está fazendo algo que é próprio de sua natureza. Mentir é natural ao diabo. Assim, ele ataca o povo de Deus espalhando mentiras que afastam as pessoas de Deus.

Isto significa que a natureza do nosso conflito espiritual contra o diabo é intelectual. Como Paulo diz: “As armas com as quais lutamos não são armas do mundo; ao contrário, elas têm poder divino para destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo” (2 Coríntios 10:4-5). As armas que Deus nos deu “têm poder divino para destruir fortalezas ”, as quais são, na realidade, “argumentos” que são “contra o conhecimento de Deus”. Assim, lutamos para “levarmos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”. É assim que a batalha espiritual é feita, e é para este propósito que Deus nos deu “toda a armadura de Deus”.

Continuando em Efésios 6:12, Paulo escreve, “Pois a nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra governos e autoridades, contra os poderes deste mundo de trevas e contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais”. A nossa luta não é natural, mas espiritual, e como estamos envolvidos numa batalha espiritual significa que nosso conflito tem a ver com intelecto, com idéias e argumentos.

Dizer que nossa luta é uma luta espiritual não faz dela uma luta mística –– uma que consiste de espadas invisíveis, escudos e setas. Ao dizer que temos armas com “poder divino”, Paulo se refere à capacidade dada por Deus para “destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levarmos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”. Não pensemos, como alguns tendem a fazer, que por “espiritual” nos referimos a algo místico ao invés de intelectual, pois é a mente e o intelecto que trata com coisas espirituais.

Utilizando o poder de Deus através de um entendimento intelectual da verdade teológica, podemos ficar confiantes do resultado. Mencionamos no capítulo anterior que Deus está aplicando a você o mesmo poder que ressuscitou Jesus dos mortos. É este mesmo poder que energiza nosso trabalho cristão: “Nós o proclamamos, advertindo e ensinando a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em Cristo. Para isso eu me esforço, lutando conforme toda a sua força, que atua poderosamente em mim” (Colossenses 1:28-29). Satanás não pode resistir a este poder. Este é o porquê quando “vestimos toda a armadura de Deus”, seremos capazes de “ficar firmes contra as ciladas do diabo”. Este é o porquê também o apóstolo Tiago pôde assegurar aos seus leitores, dizendo, “Portanto, submetam-se a Deus. Resistam ao diabo, e ele fugirá de vocês” (Tiago 4:7).

Certamente, ao discutir a obra do diabo, devemos guardar em mente que mesmo o diabo está debaixo do controle soberano de Deus, e que ele não pode fazer nada que não tenha sido ativamente decretado por Deus. Assim, até mesmo o diabo é um meio pelo qual Deus pode realizar os Seus próprios propósitos. A qualquer momento, Deus pode aniquilá-lo; contudo, Deus ordenou que deveríamos resistir ao diabo pelo conhecimento da Escritura e pela energia do Espírito –– para a glória de Deus e para a nossa santificação.



3. A FIRMEZA DA FÉ

O verso 11 nos instrui a “vestirmos toda a armadura de Deus”, de forma que devemos tomar cada peça da armadura que Deus nos deu, e não negligenciar nenhuma. Tendo feito isto, devemos estar preparados para “ficarmos firmes contra as ciladas do diabo”. Então, o verso 12 diz, “a nossa luta não é contra carne e sangue”, mas “ contra as forças espirituais do mal”. Devemos reconhecer a realidade dos poderes demoníacos, que os espíritos do mal são reais. Debaixo da vontade soberana de Deus, estes seres exercem poderes enganadores para cegar as pessoas da verdade da palavra de Deus. É através da graça soberana de Deus que somos iluminados com respeito à verdade e capacitados a assentir a ela. Paulo explica, “Ninguém pode dizer: 'Jesus é Senhor', a não ser pelo Espírito Santo” (1 Corinthians 12:3). Deus remove nossa cegueira espiritual e transmite suas verdades às nossas mentes através da Escritura.

Jesus ora, “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (João 17:17). Não somente nossa iluminação inicial com respeito às coisas de Deus vem da Escritura, mas todo o nosso crescimento espiritual subseqüente vem também através da Escritura, e esta é a base de nossa santificação progressiva. Em conexão com isto, Paulo escreve, “transformem-se pela renovação da sua mente” (Romanos 12:2). Nós somos “renovados em conhecimento” (Colossenses 3:10) –– não por experiências místicas, nem mesmo primordialmente pela oração. É somente quando entendemos e retemos as verdades bíblicas em nossas mentes que vivemos nossas vidas em obediência a Deus para resistir com sucesso ao diabo, quando ele vem contra nós.

Paulo continua no verso 13, “Portanto, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir quando o dia do mau chegar e permanecer firmes, depois de terem feito tudo”. Não somente a armadura de Deus nos protege das “ciladas do diabo”, mas também nos capacita a ficarmos firmes “quando o dia do mau chegar”. Isto é, quando cada peça da armadura que Deus nos providenciou está intacta, então podemos enfrentar o inimigo no combate corpo-a-corpo com confiança.

A Bíblia diz que alguns “foram cortados devido à incredulidade”, mas nós “permanecemos pela fé” (Romanos 11:20). É “pela fé” que somos capazes de “permanecermos firmes” (2 Coríntios 1:24). O caminho do cristão, desde o início, é um caminho de fé. Nós somos “justificados pela fé”, e, portanto, “temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de quem obtivemos acesso pela fé a esta graça na qual agora estamos firmes” (Romanos 5:1-2). Nós fomos justificados por Deus pela fé. Mas nossa fé não termina aqui, e Paulo diz que seríamos tolos em pensar de outra maneira: “Será que vocês são tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, querem agora se aperfeiçoar pelo esforço próprio?...Aquele que lhes dá o seu Espírito e opera milagres entre vocês realiza essas coisas pela prática da Lei ou pela fé com a qual receberam a palavra?” (Gálatas 3:3,5). Não somente fomos justificados pela fé, mas através da fé –– uma fé que Deus soberanamente nos deu –– o poder de Deus continua a operar em nossas vidas.



4. O CINTO DA VERDADE

Sumarizemos o que temos discutido até aqui. Paulo diz em Efésios 6:10, “Finalmente, fortaleçam-se no Senhor e no seu forte poder”. Deus está aplicando a nós o Seu divino poder, e devemos buscar adquirir um entendimento intelectual deste fato, de forma que este poder possa se tornar eficaz em nossas vidas. Paulo então nos diz para “vestirmos toda a armadura de Deus”, através da qual seremos capazes de “ ficar firmes contra as ciladas do diabo” (v. 11). Embora o diabo seja hábil no engano, Deus nos deus armas com “poder divino” (2 Coríntios 10:4), de forma que podemos destruir os argumentos e pensamentos anti-cristãos que Satanás usa para nos atacar. Nossa luta “não é contra carne e sangue”, mas “contra as forças espirituais do mal” (v. 12). Assim, deveríamos apontar o ataque para a causa fundamental dos problemas que enfrentamos, e não tentarmos superar somente os sintomas. Tendo “vestido toda a armadura de Deus”, estamos preparados para permanecer firmes “quando o dia do mau chegar” (v. 13).

Paulo assemelha a armadura que Deus nos deu à armadura usada pelos soldados romanos naquele tempo. Certamente, a diferença é que nossas armas não são físicas, mas espirituais. Contudo, elas não são espirituais no sentido de serem místicas; antes, cada arma representa uma série de verdades bíblicas que protegem uma área da nossa caminhada cristã.

Por exemplo, é possível que, quando Paulo escreve que a salvação é como um capacete, ele queria dizer que as verdades bíblicas sobre a salvação pretendem proteger nossa “cabeça”, ou nossa mente. Ou, quando a justiça é comparada a uma couraça, talvez ele queria dizer que nosso entendimento da justiça de Cristo e nossa justificação servem para guardar nossa consciência contra acusações.

Em todo caso, visto que Paulo de fato nomeia as doutrinas, podemos confiar que cada arma corresponde a uma doutrina bíblica que devemos aprender, a fim de que travemos a guerra com sucesso contra o inimigo. Visto que compreendemos a verdade doutrinária com a mente, na medida em que ela é iluminada pelo Espírito Santo, é inegável que todas estas armas espirituais sejam intelectuais, em sua natureza.

A relevância é que, quando “vestimos” toda a armadura de Deus, não o fazemos imaginando nós mesmos vestidos numa armadura mística, com uma aparência semelhante àquela de um soldado romano, nem exercemos o poder destas armas através de movimentos físicos. Antes, nossas armas têm “poder divino” para “destruímos argumentos...e levarmos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo” (2 Coríntios 10:4-5). Na batalha espiritual, tratamos com argumentos e pensamentos, com a mente ou o intelecto. Tal é a natureza da batalha e das armas.

Assim, interpretaremos a identificação de Paulo, de cada arma espiritual a uma peça correspondente da armadura do soldado romano, como significativo, no sentido de que é um capacete por uma razão –– a saber, para proteger a mente como um capacete físico protege a cabeça. Desta perspectiva, comparar a verdade com a função do cinto na armadura do soldado romano é também apropriado. Mesmo que isto leve a analogia de Paulo longe de mais, enquanto guardarmos em mente que estas são armas intelectuais nos dadas para lutarmos com argumentos intelectuais do diabo, estaremos trabalhando dentro dos limites do texto.

Paulo menciona duas peças da armadura no verso 14: “Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade, com a couraça da justiça no lugar”. Iremos discutir o “cinto da verdade” neste capítulo, e reservar a “couraça da justiça” para o próximo.

Paulo diz que a verdade é como um cinto, e na armadura do soldado romano, é o cinto que sustenta o resto dos itens no lugar. Da mesma forma, a verdade sustenta tudo em nossa caminhada cristã, e, portanto, ela é suprema. Sem a verdade revelada a nós por Deus, na Escritura, não haveria justiça, paz, fé e salvação para nós “vestirmos”. Sem a verdade nos revelada por Deus, na Escritura, a espada do Espírito, que é a palavra de Deus, não existiria.

Agora, o que entendemos por verdade? Jesus diz, “Se vocês permanecerem firmes no meu ensino, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (João 8:31-32). Você conhecerá a verdade somente se “permanecer firme” ao ensino (grego logos = palavra, raciocínio, doutrina) de Jesus. Contrário à opinião de muitas pessoas, a força de um cristão não reside na experiência, oração, ou comunhão, mas na verdade –– isto é, nos princípios e doutrinas bíblicas ensinadas pela Escritura. Sem verdade, não podemos nem mesmo definir –– e dessa forma, não podemos “vestir” –– as outras peças da nossa armadura, tais como justiça, fé e salvação. Como um cristão, sua prioridade deve ser adquirir conhecimento da verdade. Visto que Deus nos revela a verdade através das palavras da Escritura, você deve buscar estudos bíblicos e teológicos para construir o fundamento de sua vida espiritual.

Jesus diz que o conhecimento da verdade libertará você. À medida que crescemos em nosso conhecimento e compromisso com a verdade, nos tornamos progressivamente protegidos do engano. 1 Coríntios 2:12 explica, “Nós, porém, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito procedente de Deus, para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamente”. Enquanto o diabo mente para nós e tenta nos enganar –– mas, todavia, debaixo do decreto soberano de Deus –– Deus enviou o Espírito Santo aos nossos corações para que “entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamente”.

Como Pedro diz, “Seu divino poder nos deu tudo de que necessitamos para a vida e para a piedade, por meio do nosso conhecimento daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2 Pedro 1:3). Deus já nos deu “tudo de que necessitamos para a vida”, mas é “por meio do nosso conhecimento [dele]” que Suas provisões são aplicadas a nós. Tal conhecimento é encontrado somente na Escritura, e é o Espírito Santo quem soberanamente nos concede compreensão e assentimento a tal conhecimento.

Muitos cristãos professos crêem na mentira de que o espiritual é irracional e que o intelectual é não-espiritual –– que espiritualidade e racionalidade são mutuamente exclusivos. Mas, visto que armas poderosas em Deus nos foram dadas para “destruir argumentos” e para “levarmos cativo todo pensamento”, você não se tornará mais espiritual ignorando a natureza intelectual essencial da fé bíblica e da vida. Antes, ignorar o intelectual é parar completamente de resistir ao diabo e aos seus enganos, e, assim, descartando tudo das suas armas poderosas em Deus, você se tornará completamente não-espiritual de acordo com os padrões bíblicos.



5. A COURAÇA DA JUSTIÇA

Na batalha espiritual, devemos confiar no poder de Deus e não no nosso (Efésios 6:10), e quando vestimos toda a armadura de Deus, seremos capazes de ficar firmes contra os ataques de Satanás (v. 11). Isto é crucial, visto que nossa luta não é principalmente contra coisas ou seres naturais, mas contra “as forças espirituais do mal”, que são a causa fundamental de muitos dos problemas e idéias anti-cristãs que enfrentamos (v. 12). Portanto, devemos vestir toda a armadura de Deus, de forma que possamos permanecer firmes “quando o dia do mau chegar” (v. 13).

Começamos segurando o cinto da verdade (v. 14), que mantém as outras armas juntas na armadura cristã. A palavra de Deus é a verdade; portanto, para termos a verdade firmemente no lugar em nossas vidas, devemos aprender a verdade a partir da Bíblia.

Paulo então menciona a couraça da justiça: “Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade, com a couraça da justiça no lugar” (Efésios 6:14). Todos nós somos pecadores antes da conversão, e embora Deus tenha soberanamente mudado nossas disposições básicas na regeneração, ainda não alcançamos a perfeição, mesmo como cristãos, e continuamos a cometer pecados. Essas transgressões, contudo, ameaçam nossa confiança quando nos aproximamos de Deus.

João escreve, “Amados, se o nosso coração não nos condenar, temos confiança diante de Deus e recebemos dele tudo o que pedimos, porque obedecemos aos seus mandamentos e fazemos o que lhe agrada” (1 João 3:21-22). Ter um caminho para verdadeiramente tratar com o pecado, que leve à libertação da condenação, é essencial para permanecer confiante na presença de Deus, e isto vem de uma compreensão da justiça que Deus providenciou para nós através de Cristo. Esta justiça, então, funciona como uma “couraça” na nossa batalha espiritual, guardando nosso coração e consciência.

Precisamos saber que nunca podemos alcançar a verdadeira justiça pelas nossas boas obras; antes, ela deve ser imputada a nós por Deus. Paulo declara que a justiça é um dom (Romanos 5:17) que Deus concede aos Seus eleitos através da fé: “Deus tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). A Bíblia ensina que “o homem é justificado pela fé, independente da obediência à lei” (Romanos 3:28). Jesus não cometeu nenhum pecado, mas “o SENHOR fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós” (Isaías 53:6), de forma que “todo o que nele crer não perecerá, mas tem a vida eterna” (João 3:16). Contudo, se Deus não lhe concedeu fé para confiar em Jesus Cristo para salvação, então, você não é justo: “Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no nome do Filho Unigênito de Deus” (João 3:18).

A Escritura nos convida a “aproximarmo-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé, tendo os corações aspergidos para nos purificar de uma consciência culpada” (Hebreus 10:22). O cristão é uma pessoa justa, não por causa das suas boas obras, mas porque ele foi justificado por Deus, através da fé na obra de Jesus Cristo. Este entendimento nos dá a base pela qual podemos resistir tudo o que procura minar nossa confiança em nos aproximarmos de Deus, em adoração e oração.

Os cristãos continuam a cometer pecados freqüentemente, mas Deus providenciou uma solução para os pecados cometidos após a conversão, de forma que nossa comunhão com Ele possa permanecer intacta. Embora o pecado seja inescusável, Deus sabe “sabe do que somos formados” e “lembra-se de que somos pó” (Salmos 103:14), tem misericórdia de nós e tem nos dado um Advogado, de forma que “se alguém pecar, temos um intercessor junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1 João 2:1). Isto é, “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 João 1:9).

Certamente, um cristão genuíno não abusará da graça de Deus, pecando o quanto ele quiser e pensando que tudo o que ele precisa é confessar os seus pecados depois. Alguém que faz isto não é um cristão de forma alguma, visto que um cristão foi soberanamente transformado por Deus: “Todo aquele que é nascido de Deus não continua a pecar, porque a semente de Deus permanece nele; ele não pode continuar pecando, porque é nascido de Deus” (1 João 3:9). Como Paulo disse, “Que diremos então? Continuaremos pecando para que a graça aumente? De maneira nenhuma! Nós, os que morremos para o pecado, como podemos continuar vivendo nele?” (Romanos 6:1-2). Aqueles que amam a Deus obedecerão a Sua Palavra: “Porque nisto consiste o amor a Deus: em obedecer aos seus mandamentos. E os seus mandamentos não são pesados” (1 João 5:3).



6. O EVANGELHO DA PAZ

Após a couraça da justiça, Paulo diz que, ao vestirmos toda a armadura de Deus, devemos ter os nossos “pés calçados com a prontidão que vem do evangelho da paz” (Efésios 6:15). A Escritura algumas vezes usa a linguagem figurada de uma caminhada para representar nossa conduta diária, tal como quando Paulo diz, “Andamos por fé, e não por vista” (2 Coríntios 5:7).

Portanto, quando Paulo diz que o “evangelho da paz” (ou “a prontidão que vem” dele) é como calçado para o nosso caminhar cristão, ele está nos dizendo que o conteúdo intelectual do evangelho deve, não somente ser um tópico de discussão durante certos períodos de tempo e durante certas atividades, mas que ele deve ser uma parte integral e penetrante de nossa conduta diária. No contexto de batalha espiritual, o evangelho é o meio pelo qual avançaremos o reino de Deus e estenderemos suas fronteiras.

Programas, caridade, música, e nem mesmo oração, não são, no final das coisas, os meios decisivos pelos quais conquistaremos o território do inimigo. Antes, é pela publicação do conteúdo intelectual do evangelho –– tais como deidade, nascimento, morte e ressurreição de Jesus Cristo e suas implicações –– que destruiremos as fortalezas que têm sido construídas na mente dos incrédulos.

Nosso evangelho é um evangelho de paz, mas esta paz não tem nada a ver com os inimigos de Deus, tais como demônios e incrédulos –– Deus estabeleceu Seu povo contra aqueles que não do Seu povo, imediatamente após a queda do homem (Gênesis 3:15). Não é possível ter verdadeira paz com alguém que pertence ao reino das trevas. Antes, esta paz tem a ver somente com Deus e os cristãos. Como João diz, “Nós lhes proclamamos o que vimos e ouvimos para que vocês também tenham comunhão conosco. Nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo” (1 João 1:3). Somente quando conquistamos o território inimigo com este evangelho, que os outros serão capazes de se unir a nós, nesta comunhão. Paulo diz em Romanos 16:20, “Em breve o Deus da paz esmagará Satanás debaixo dos pés de vocês”. Paulo diz que devemos ter a prontidão que vem do evangelho da paz, de forma que, não devemos apenas conhecer o conteúdo do evangelho para nós mesmos, mas devemos estar preparados para articular e defendê-lo aos outros. Pedro também nos instrui a fazer isto, e escreve, “Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês” (1 Pedro 3:15).

Estejam sempre prontos a usar o evangelho para destruir a fortaleza intelectual anti-cristã que tem sido instalada nas mentes dos outros. Nunca seja pego sem um argumento para a cosmovisão cristã, ou sem uma refutação contra o pensamento não-cristão. Você deve estar preparado para responder a qualquer pessoa que lhe fizer perguntas sobre a fé cristã. Você deve ter um entendimento preciso e compreensivo das doutrinas bíblicas, e ser capaz de conclusivamente defendê-las contra todas as objeções. Esta é a responsabilidade de todo cristão; portanto, cada cristão deve se afundar no estudo da teologia e apologética.

O mandato bíblico para o cristão é que ele deve “ir pelo mundo todo e pregar as boas novas a toda criatura” (Marcos 16:15). Esta não é uma opção. Jesus ordenou Seus discípulos a pregarem o evangelho ao “mundo todo”. Isto é como destruiremos as obras de Satanás.

Paulo diz que ele “não se envergonhava do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Romanos 1:16). O evangelho é o “poder de Deus”, por meio do qual Deus realizará os Seus propósitos na terra. Deus nos fez Seus representantes, de forma que podemos publicar Seus mandamentos às nações: “No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam” (Atos 17:30).

Uma vez que tenha se estabelecido em nossas mentes que o evangelho é “o poder de Deus”, não nos “envergonharemos do evangelho”, nem ficaremos constrangidos pelas suas reivindicações e demandas. Quando começarmos a perceber e afirmar que o Cristianismo é superior a todas as outras formas de sistemas de crença, que é o único que realmente representa a Deus, e que ele é a única fonte de verdade e conhecimento, cessaremos de ser tímidos sobre a apresentação de suas reivindicações e demandas ao mundo. Uma vez que estejamos convencidos disto e tivermos aprendido a como articular e defendê-lo aos outros, alcançaremos “a prontidão que vem do evangelho da paz”.

O evangelho é deveras boas novas aos eleitos de Deus, e traz o crente a um lugar de paz com Deus e com o Seu povo. Ele é a “fragrância de vida” para aqueles que o aceitam, mas, assim como é uma arma contra o inimigo, ele carrega o “cheiro de morte” para aqueles que rejeitam suas reivindicações e demandas (2 Coríntios 2:16). Assim, aquele que prega o evangelho traz o poder de Deus para chamar e salvar aqueles a quem Deus escolheu para crer, e ao mesmo tempo, traz destruição e condenação àqueles a quem Deus designou como réprobos. Aquele que prega o evangelho é um mensageiro de Deus, liberando Seu poder para salvar e destruir, para justificar e condenar.

Contudo, contrário a muitas pessoas, eu discordo que o que é comumente chamado de “evangelismo” seja a prioridade mais alta da igreja. Antes, a Escritura indica que o ministério de ensino –– isto é, o treinamento teológico de crentes –– toma precedência ao evangelismo, e que o evangelismo não é um fim em si mesmo, mas somente o meio pelo qual os eleitos são trazidos à igreja, para que possam ser ensinados.

Isto pode soar estranho àqueles que estão acostumados a ouvir que evangelismo é a prioridade máxima da igreja. Esta visão anti-bíblica tem feito muitas pessoas negligenciar o investimento e participação no treinamento teológico dos crentes. Como resultado, muitos cristãos professos são fracos em intelecto, ignorantes de doutrinas bíblicas, e incompetentes em defender a fé. Afinal de contas, sem treinamento extensivo pela igreja e outras instituições (tais como família), como muitos cristãos irão alcançar a “prontidão” descrita acima? E como pode alguém pregar o evangelho apropriadamente sem ter uma compreensão das doutrinas bíblicas? Mas, visto que Deus nos ordenou proclamar e defender a fé, isto significa que sem treinamento bíblico e teológico, é impossível para um cristão obedecer a Deus.

Nenhum cristão duvidará do zelo evangelístico de Paulo, mas ele descreve seu próprio ministério dessa forma:

A ele quis Deus dar a conhecer entre os gentios a gloriosa riqueza deste mistério, que é Cristo em vocês, a esperança da glória. Nós o proclamamos, advertindo e ensinando a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em Cristo. Para este fim eu me esforço, lutando conforme a sua força, que atua poderosamente em mim. (Colossenses 1:27-29).

Ele diz que está “advertindo e ensinando a cada um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo homem perfeito em Cristo” (Colossenses 1:28). Ele diz que está fazendo a obra do ministério com a força de Deus, que atua poderosamente em nele (v. 29), de forma que ele pode, não trazer outros à conversão, mas, acima de tudo, “apresentar todo homem perfeito em Cristo”. Ele diz que é “para este fim” (v. 29) que ele se esforça.

A maturidade é o objetivo do ministério cristão, não a conversão. De fato, a conversão é somente um passo preliminar do eleito em direção à maturidade e perfeição em Cristo. Tanto o evangelismo como o ensino serve a finalidade última de produzir cristãos maduros, para serem apresentados a Cristo. Esta deveria ser a prioridade da igreja. Contudo, embora evangelismo termine uma vez que Deus soberanamente concede a uma pessoa arrependimento e fé, um crente requer ensino bíblico e teológico durante toda a sua vida. Evangelismo é um meio de período curto para um processo (ensino) de longo prazo, que, por sua vez, leva a uma finalidade ultima (maturidade). Assim, ver evangelismo como a maior tarefa da igreja é distorcer a natureza do ministério bíblico, e, como é freqüentemente o caso hoje em dia, o real objetivo da maturidade espiritual nunca é alcançado, ou sequer considerado.

De qualquer forma, visto que a tarefa principal da igreja é ensinar os crentes, a maioria do tempo e dinheiro das igrejas deveriam ser devotadaà educação bíblica e teológica dos cristãos, seja em forma de sermões, palestras, livros, fitas, programas de rádio e outros meios. Colocar o evangelismo em primeiro lugar resulta em acumulação de crentes fracos e conversos falsos, e faz da igreja um pobre testemunho ao mundo. Isto, por sua vez, mina o próprio evangelismo. Assim, colocar o evangelismo em primeiro lugar é anti-bíblico e auto-destrutivo.

No que é comumente chamado de a “Grande Comissão”, uma passagem freqüentemente usada para encorajar o evangelismo, Jesus diz:

“Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mateus 28:18-20)

Se Jesus pretendesse ordenar somente o evangelismo, por que este mandato inclui “ensinar” as pessoas? Se Jesus pretendesse ordenar o que as pessoas hoje chamam de evangelismo, então, seria desnecessário ensinar os não-cristãos a “obedecer a tudo” que o Senhor ordenou. Eu duvido que muitas pessoas recitem todos os mandamentos da Escritura, quando eles realizam o que eles chamam de evangelismo. Mas, esta passagem faz perfeito sentido quando percebemos que Jesus tem o ministério de ensino em mente –– Ele diz que “ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei” é uma parte essencial da Grande Comissão. Mesmo se entendermos as palavras, “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, como se referindo somente ao evangelismo, devemos admitir que a última parte, “ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei”, como se referindo ao ministério de ensino, com o primeiro (evangelismo) conduzindo ao último (ensino). Evangelismo é somente um meio de produzir conversos, de forma que possamos ensiná-los a obedecer todos os mandamentos de Cristo. Aqueles que exaltam o evangelismo à custa do ministério de ensino, desprezam o próprio mandamento de Cristo, o qual eles reivindicam estar realizando.

Para resumir, a Bíblia diz que o propósito do ministério é produzir cristãos maduros. Como Paulo escreve em Efésios 4:12-14, os ministros cristão são escolhidos por Deus “com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos...cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo. O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina...”. Certamente, para tornar-se maduro em Cristo, uma pessoa deve primeiro estar em Cristo, e, assim, eis a razão para o evangelismo. Isto significa também que o evangelismo não é o objetivo último do ministério cristão, mas o meio pelo qual podemos chamar os eleitos de Deus à união com Cristo, e através do processo de santificação, tornarem-se maduros nEle.

Portanto, evangelismo não é um ministério ou responsabilidade maior do que o ministério de ensino, mas ele serve somente como um modo de trazer pessoas ao ministério de ensino. Até mesmo o evangelismo é dependente de prévias instruções doutrinárias, recebidas por quem realiza o evangelismo. Porque a Escritura define todas as crenças cristãs, a doutrina necessariamente precede todas as atividades cristãs.

Assim, “a prontidão que vem do evangelho da paz” deve significar mais do que ter apenas compreensão suficiente do evangelho, para dizer a outra pessoa como afirmar a Cristo, mas ela refere-se a um conhecimento preciso e compreensivo das doutrinas bíblicas. De outra forma, todos os cristãos já deveriam estar suficientemente preparados, visto que todos eles já aprenderam o suficiente para afirmar a Cristo, e ninguém necessitaria obter tal “prontidão”, como Paulo diz para fazer. Contudo, o próprio fato de que Paulo diz para calçarmos a “prontidão” do evangelho, implica que ela não é automática, de forma que alguns cristãos podem não estar preparados com o evangelho. Somente o ministério de ensino pode remediar esta falta de preparação, e qualquer ministério assim chamado “evangelístico” que não forneça um ensino preciso e compreensivo da teologia cristã, é incompleto e anti-bíblico.



7. O ESCUDO DA FÉ

Chegando agora ao verso 16 da nossa passagem, Paulo introduz o escudo da fé: “Além disso, usem o escudo da fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno”. A palavra traduzida por “escudo” aqui é a palavra grega thyreon, e A. Skevington Wood escreve o seguinte:


Thyreon é derivado de thyra (uma porta) e refere-se ao grande quadrilongo ou ao escudo protetor oval do soldado romano, mantido na frente dele para proteção. Ele consistia de duas camadas de madeira coladas juntas, cobertas com linho e couro, e envolvidas com ferro. Os soldados freqüentemente lutavam lado a lado, com uma parede (testudo) sólida de escudos. Mas, mesmo um combatente sozinho encontrava-se a si mesmo suficientemente protegido. Após o cerco de Dyrachium, Sceva contou não menos do que 220 dardos cravados em seu escudo. Para o cristão, este escudo protetor é a fé
(pistis).[1]

A questão é se “fé” aqui, refere-se à crença subjetiva do cristão ou ao conteúdo objetivo do Cristianismo. Wood responde, “Mas o crer não pode ser divorciado daquilo que se é crido, e nenhuma linha rígida deveria ser traçada entre estes dois aspectos”. [2] Mas a declaração de Wood não trata o assunto corretamente. Mesmo se o crer não possa ser divorciado do que é crido, o que é crido pode deveras ser distinguido do que deve ser crido. Isto é, a crença subjetiva do cristão não está sempre de acordo com o conteúdo objetivo do Cristianismo. Certamente, neste caso, o que é “usado” pela pessoa não é, no sentido exato, “o escudo da fé, mas alguma outra coisa, e o verdadeiro escudo permanece no chão, por assim dizer.

Já estabelecemos anteriormente que cada peça da armadura representa a doutrina bíblica que corresponde a ela. Mas então, isto significa que cada peça da armadura refere-se ao conteúdo objetivo do aspecto da fé cristã que ela representa, e não a crença subjetiva do indivíduo sobre o assunto. Isto é, o escudo da verdade refere-se à própria verdade, e não ao comprometimento do cristão à ela. Da mesma forma, a couraça da justiça representa a doutrina bíblica sobre o assunto, mas não implica por si mesma a percepção subjetiva do indivíduo dela. Paulo certamente não está dizendo aos seus leitores para “vestir suas crenças subjetivas”, visto que, antes de mais nada, as crenças subjetivas de alguém nunca são “tiradas”! Antes, seu ponto é que o cristão deve deliberadamente “vestir” algo que ele pode ou “vestir” ou “despir” –– isto é, algo que tenha existência e validade objetiva, independentemente das crenças subjetivas do indivíduo.

Ele está chamando seus leitores a tomarem posso e identidade com as doutrinas bíblicas representadas por estas peças da armadura. A verdade é verdade por si só, quer alguém concorde com ela ou não; contudo, ela não beneficiará alguém que não estrutura seus pensamentos e ações de acordo com ela. O conteúdo do evangelho permanece o mesmo se uma pessoa compreende somente uma pequena fração dele, mas quando ele se coloca em estudo e treinamento intensivo, e permite que o evangelho governe sua conduta diária, ele torna-se alguém que está preparado para avançar o reino de Deus. Da mesma forma, o escudo da fé pode representar muito pouco o conteúdo objetivo da fé cristã, mas ele só protegerá aquele que o toma e o coloca diante de si.

Sobre o ataque demoníaco contra a igreja, Wood escreve, “Mas, no contexto de Efésios, eles parecem ter deliberadamente tentado destruir a unidade do corpo de Cristo” (3:14-22; 4:1-16, 27) através da invasão de doutrinas falsas e fomentação de dissensão (4:2, 21, 31, 32; 5:6)”.[3] Paulo instrui os filipenses a serem “de mesma mente” (Filipenses 2:2, NASB), e que eles deveriam “com uma só mente” estar “lutando juntos pela fé do evangelho” (1:27, NASB). Uma igreja pode dificilmente ser “de mesma mente” se seus membros não concordarem sobre o conteúdo do evangelho, e quando as doutrinas falsas controlam as mentes de muitos cristãos professos. Divisão e heresia impregna a igreja hoje, pois ela negligencia o estudo da teologia e apologética bíblica.

As falsas doutrinas são como “setas inflamadas”, rapidamente espalhando destruição. Mas o escudo da fé pode “apagar todas as setas inflamadas do Maligno”. Se o escudo da fé refere-se ao conteúdo da fé cristã, então, usá-lo significa aprender e afirmar o conteúdo da Escritura. Aqueles que entendem completamente e afirmam fortemente as doutrinas bíblicas são capazes de resistir e sobrepujar as falsas idéias que são lançadas no seu caminho. Embora isto requeira força e disciplina, para tomar este escudo e mantê-lo diante de nós, seu uso é, algumas vezes, notadamente simples, especialmente quando o usamos para impedir ataques contra as nossas mentes:

Embora Paulo não dê exemplos individuais destas setas inflamadas, Hodge menciona pensamentos horríveis, blasfemos, cépticos e sugestões mais sutis de cobiça, descontentamento e vaidade. Estas, ou tudo o mais que a figura de linguagem possa representar, são extintas pela fé. Os pensamentos maus devem ser desalojados e expelidos por pensamentos bons. Se no meio de problemas duvidamos do poder ou da sabedoria de Deus, deveríamos dizer para nós mesmos, 'Eu creio em Deus, o Pai Todo-Poderoso', ou repetir alguns versos que falam da Sua amorosa bondade. Assim, as doutrinas da fé expelirão as falsas idéias. [4]

Que o escudo da fé e as setas inflamadas são intelectuais e doutrinárias em natureza, produz certas implicações, a saber, “Já deveríamos ter estudado ou memorizado algumas porções da Escritura, para termos algo para lembrar. Este estudo é, antes de mais nada, como erguer o escudo”. [5] Aquele que é fraco no entendimento bíblico e teológico não tem levantado o escudo da fé, e deveras não pode fazer até que ele tenha aprendido o básico da teologia e da apologética. Até então, ele tem pouca proteção contra as falsas idéias que vêm contra ele. Uma vez que um membro da igreja é prejudicado ou contaminado por falsas doutrinas, o dano pode se espalhar rapidamente, se não averiguado, pois “um pouco de fermento leveda toda a massa” (Gálatas 5:9). É importante para os líderes da igreja ensinar o seu povo, de forma que eles se tornem hábeis no uso do escudo da fé (Hebreus 5:13-14; Efésios 4:11-16).

Assim, levantar o escudo da fé não é somente uma questão de vontade, mas também de entendimento. Não é somente uma questão de volição, mas também de intelecto. De fato, o entendimento intelectual das doutrinas bíblicas necessariamente precede o assentimento volitivo às doutrinas bíblicas, visto que a vontade não pode se comprometer a algo que nem mesmo existe ali. Se o escudo da fé representa o conteúdo objetivo da Escritura, então, a compreensão de um comprometimento volitivo à Escritura representa o ato de levantar. O tamanho grande do escudo é significante. O conhecimento da verdade é uma área que não pode oferecer proteção contra a falsidade e confusão na outra área. Portanto, levantar o escudo da fé implica obter um conhecimento compreensivo da Escritura.



8. O CAPACETE DA SALVAÇÃO

O capacete era “a parte mais ornamental da armadura primitiva”,[6] e Paulo usa esta peça atrativa da armadura para representar a salvação: “Tomem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Efésios 6:17). Charles Hodge escreve:

O que adorna e protege o cristão, que o capacita a levantar sua cabeça com confiança e alegria, é o fato que ele está salvo. Ele é um dos redimidos, transladados do reino das trevas para o reino do querido Filho de Deus. Se ainda debaixo de condenação, se ainda alheio a Deus, um estrangeiro, um alienado, sem Deus e sem Cristo, ele não poderia ter coragem para entrar neste conflito. É porque ele é um cidadão dos santos, um filho de Deus, um participante da salvação do evangelho, que ele pode enfrentar os inimigos mais potentes com confiança, sabendo que ele será sempre mais do que vencedor através daquele que o amou. [7]

Em certo sentido, Deus revela Sua bondade a todos: “Porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5:45). Mesmo aqueles hostis a Deus devem dependem constantemente de Seu sustento para a sua própria existência, “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17:28). Todos deveriam ser comovidos pela bondade de Deus, e, assim se arrependerem a Deus e crerem em Cristo. Mas sem a decisão soberana de Deus, eles não se arrependem e crêem, e nem o podem fazer; portanto, a bondade geral de Deus resulta na condenação eterna dos réprobos.

A Escritura nos mostra que a graça salvadora de Deus é revelada somente aos Seus eleitos –– Seus escolhidos –– e os ímpios não têm parte nela:

“Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém sabe quem é o Filho, a não ser o Pai; e ninguém sabe quem é o Pai, a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar” (Lucas 10:22).

“Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair; e eu o ressuscitarei no último dia” (João 6:44).

“Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado” (Efésios 1:4-6). [8]

Assim, a salvação distingue os cristãos do resto da humanidade. Os cristãos são o povo escolhido de Deus: “Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pedro 2:9). Todos os outros seres humanos são não-salvos, porque Deus não os escolheu.

O capacete pode representar a salvação do cristão de outro modo significante, além de sua atratividade, a saber, “Tomar é realmente receber ou aceitar (dexasthe). Os itens anteriores foram dispostos para o soldado apanhar. O capacete e a espada deveriam ser entregues a ele por um assistente ou por seu carregador de armadura. O verbo é apropriado para a 'inquestionabilidade' da salvação”. [9]

O capacete representa apropriadamente a salvação cristã, não somente por causa da sua atratividade, mas também por causa da maneira na qual o cristão o veste. Embora o adornar as outras peças da armadura dependa da volição do crente, a salvação é totalmente dependente de Deus. [10] Jesus lembra aos Seus discípulos: “Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome” (João 15:16). O cristão não deve se elogiar que ele tenha “aceito a Cristo”, [11] pois é melhor e mais sábio do que os incrédulos em si mesmo, quando na realidade foi Deus quem soberanamente o escolheu e aceitou: “Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados”. A única razão de sermos capazes de amá-Lo é “porque ele nos amou primeiro” (1 João 4:19). Assim, no lugar de auto-congratulação e ostentação, deveríamos oferecer ação de graças a Deus, que nos escolheu e nos mostrou misericórdia, não por causa de qualquer prévia condição em nós, mas por causa da sua soberana vontade.

Com respeito a se há qualquer significação em a salvação ser representada por um capacete, alguns sugerem que “a metáfora refere-se a pureza de mente”, [12] mas outros dizem que isto pode ser “muito imaginativo”.[13] Para entender corretamente a passagem, não deveríamos aplica a metáfora de uma forma que exceda a intenção do escritor; contudo, mesmo que Paulo não enfatize explicitamente o intelecto com o capacete como uma metáfora, muitos elementos durante toda a passagem implicam em tal ênfase.

Por exemplo, verdade, justiça, o evangelho, fé (tanto em seu aspecto subjetivo e objetivo), salvação, e a palavra de Deus, implicam em conteúdo intelectual para ser entendido pela mente. Portanto, mesmo que fazer da salvação um capacete não seja em si mesmo uma tentativa de enfatizar a compreensão intelectual da soteriologia, a inclusão desta ênfase é inescapável. Em outro lugar, Paulo escreve, “[As Escrituras] são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus” (2 Timóteo 3:15). A sabedoria salvadora vem de uma compreensão intelectual da Bíblia, aplicada às nossas mentes para efetuar conversão e santificação pelo Espírito Santo.

Temos derivado diversos pontos à partir da metáfora de que a salvação é como um capacete para o cristão. Primeiro, a salvação é “a parte mais ornamental” do Cristianismo, tanto que “até os anjos anseiam observar” (1 Pedro 1:12). Além disso, a fé com a qual afirmamos o evangelho não “não vem de nós mesmos, é dom de Deus”, para que “ninguém se glorie” (Efésios 2:8-9). Em adição, é de extrema importância que obtenhamos uma profunda compreensão teológica da salvação, visto que somente então estaremos apropriadamente vestindo o capacete da salvação, que é capaz de nos proteger de numerosas falsas doutrinas que rodeiam o assunto.


9. A ESPADA DO ESPÍRITO

A peça final da armadura é a espada, que representa a palavra de Deus: “Tomem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Efésios 6:17). Visto que a oração é mencionada no verso 18, algumas pessoas se perguntam se é ela que deve ser entendida como a peça final da armadura. Francis Foulkes responde, “A descrição do equipamento do cristão para o conflito não pode senão incluir a referência à oração”, mas baseado na própria passagem, a oração “não pode ser totalmente descrita como uma parte da armadura”.[14] Embora a oração seja relevante para o conflito espiritual, Paulo não parece incluí-la como parte da armadura. Assim, concluímos nosso estudo da nossa armadura espiritual examinando a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.

Nos tempos antigos, havia diversos tipos de espadas, variando em tamanho e peso; contudo, visto que Paulo está traçando suas metáforas à partir das armas dos soldados romanos, a “espada” pode se referir somente à “espada curta e reta dos soldados romanos”.[15] Isto é também indicado pelo uso da palavra grega machaira por Paulo, em oposição à palavra para a espada comprida, rhomphaia, como usada num verso como Lucas 2:35.

Alguns comentaristas observam que a espada é a única arma usada para o ataque na série da armadura descrita. De fato, a espada é tanto uma arma defensiva como ofensiva. Além do seu óbvio propósito de matar o inimigo, ela também serve para “desviar os golpes” [16] desferidos contra ele. A implicação dela ser uma espada curta é que a luta envolve encontros próximos com o inimigo, o que demanda o uso de uma arma relativamente leve e flexível.

Que esta espada é “do Espírito” (grego: tou pneumatos) não significa que somente que ela é de uma natureza espiritual (como em “espada espiritual”), mas também que a palavra, como mencionada previamente em conjunção com o capacete, “deveria ser entregue [ao soldado] por um assistente ou por seu carregador de armadura”, [17] e assim, a tradução de Barth, “a palavra providenciada pelo Espírito”.[18] A palavra é “do Espírito” no sentido de que ela é produzida e nos dada pelo Espírito Santo.

Nós encontramos algumas dificuldades quando chegamos ao ponto onde esta palavra é dita ser “a palavra de Deus”. Há três interpretações propostas, e visto que uma delas é obviamente falsa, nós a contestaremos primeiro.

A primeira visão ensina que as palavras da Escritura, particularmente aquelas “dadas” a pessoa pelo Espírito no momento, quando expressas através dos lábios crentes de um cristão, formam o que constitui uma palavra real ou figurada no reino espiritual, para infligir danos sobre as forças demoníacas.

Esta interpretação mística sugere que o poder da palavra do Espírito não reside no conteúdo intelectual da palavra de Deus, mas na força bruta que ela contém para sobrepujar o inimigo. Contudo, como Gordon Fee diz, “[Paulo] simplesmente não entendia a fascinação com 'palavra' que alguém encontra entre alguns carismáticos contemporâneos”. Esta visão em questão falha completamente em considerar “o modo como ele ordinariamente usa este tipo de linguagem”. [19]

A segunda visão reivindica que, visto que a palavra grega rhema é usada em “a palavra de Deus” como oposta ao logos, a palavra do Espírito deve então se refere a uma “palavra” dada no momento pelo Espírito Santo.

É verdade que podemos depender do Espírito Santo para trazer às nossas consciências, versos da Escritura que necessitamos para confrontar um pensamento, tentação ou argumento particular. Contudo, seria mais do que tolo pensar que, mesmo versos bíblicos obviamente relevantes são ineficazes contra um pensamento ou argumento anti-bíblico, a menos que eles sejam primeiro, de alguma forma, “despertados” pelo Espírito na hora. Mas esta tolice mística parece ser o que esta segunda visão declara ou implica.

O cristão obtém sua “espada” e torna-se hábil no uso dela durante o seu usual treinamento bíblico e teológico na igreja. Tendo se preparado, ele não deveria requerer uma palavra especial a ser lhe dada na hora quando ele estiver sob ataque, visto que ele já tem vários versos aplicáveis da Escritura, em sua mente. O cristão não deveria requerer qualquer unção especial do Espírito, antes de aplicar versos obviamente relevantes da Escritura à situação.

Esta segunda visão leva muito longe a alegada distinção entre rhema e logos, visto que uma “referência a uma concordância mostra que tanto esta palavra (rhema) como a palavra grega logos são freqüentemente usadas no mesmo sentido no Novo Testamento”. [20] Várias idéias falsas relatadas, que alguns cristãos crêem, podem ser traçadas à pregação popular excitada daqueles que têm aplicada as distinções alegadas entre duas palavras ao extremo, dando a impressão que, embora logos seja a palavra de Deus, ela é inútil e ineficaz até que seja “vivificada” pelo Espírito, e assim, alegadamente se tornando rhema. Este ensino é falso e anti-bíblico. Paulo escreve, “Toda a Escritura é soprada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra” (2 Timóteo 3:16-17). Todo verso da Escritura é “soprado por Deus” –– “vivo” e eficaz em todos os tempos, mesmo sem qualquer unção especial passada a ele.

Dito isto, o uso da palavra rhema por Paulo tem realmente algum significado. Agora, Gordon Fee escreve:

Embora estas palavras sejam sinônimas próximos e, portanto, possam ser freqüentemente usadas de modo intercambiável, rhema tende a colocar a ênfase sobre o que é dito num determinado ponto, enquanto que logos freqüentemente enfatiza o conteúdo da “mensagem”.


Contudo, isto não leva à conclusão da segunda visão, como descrita cima. Fee continua:

Se esta distinção é sustentada aqui, então, Paulo está, quase que certamente, se referindo ainda ao evangelho, assim como ele o faz em Romanos 10:17, mas a ênfase é agora sobre a real “comunicação” da mensagem, inspirada pelo Espírito. Para colocar em termos mais contemporâneos, ao urgi-los a tomarem a espada do Espírito e então identificar esta espada com a “palavra de Deus”, Paulo não está identificando a “espada” com o livro, mas com a proclamação de Cristo, que, em nosso caso, é deveras encontrada no livro. [21]

Isto nos leva à terceira visão, que diz que a espada do Espírito não é outra coisa senão a publicação e aplicação das palavras da Escritura. Ela se refere ao intelectual e não ao místico. Das três visões listadas, esta é a única que reflete o significado e intenção da metáfora de Paulo sobre a espada do Espírito sendo a palavra de Deus.

Assim, o conteúdo derhema não é diferente do conteúdo de logos, embora em certos casos rhema possa denotar comunicação real do conteúdo. Sempre que as idéias cristãs e não-cristãs se confrontarem, o crente deverá estar preparado, não somente para manter sua posição, mas também para invadir e capturar o território do inimigo. Todo exemplo de interação oral ou escrita na qual o cristão defende as idéias cristãs e ataca as idéias não-cristãs é uma manifestação da palavra do Espírito. A expressão intelectual da palavra de Deus é o rhema de Deus; é uma palavra que vem do Espírito.

É mais do que tolo e anti-escriturístico pensar que devemos esperar até que o Espírito Santo “desperte” um verso da Escritura para nós, antes que possamos eficazmente responder a um argumento ou pensamento anti-bíblico, mesmo quando já sabemos como respondê-lo, a partir de nossos estudos anteriores da Escritura. Em vez disso, a própria Escritura mantém que todo verso bíblico é verdadeiro, eficaz, e “vivo” sempre (2 Timóteo 3:16; Hebreus 4:12). Você deve usar o que já sabe sobre a Escritura para combater o inimigo, antes do que pensar que tudo que você já sabe sobre a Escritura é inútil, até que uma parte dela seja “despertada” para sua situação particular. Isto significa que, se você sabe muito pouco, você será incapaz de eficazmente sobrepujar os ataques espirituais contra você. O remédio não é esperar por algum “despertamento” místico do Espírito Santo; antes, a única solução é um programa de intensa educação teológica (2 Timóteo 2:15).

Consideraremos agora um exemplo de como Jesus empunhou a espada do Espírito contra o diabo:

Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo. Depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome. O tentador aproximou-se dele e disse: “Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães”. Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus’”. Então o Diabo o levou à cidade santa, colocou-o na parte mais alta do templo e lhe disse: “Se és o Filho de Deus, joga-te daqui para baixo. Pois está escrito: “ ‘Ele dará ordens a seus anjos a seu respeito, e com as mãos eles o segurarão, para que você não tropece em alguma pedra’”. Jesus lhe respondeu: “Também está escrito: ‘Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus’”.Depois, o Diabo o levou a um monte muito alto e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e o seu esplendor. E lhe disse: “Tudo isto te darei, se te prostrares e me adorares”. Jesus lhe disse: “Retire-se, Satanás! Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto’”. Então o Diabo o deixou, e anjos vieram e o serviram.
(Mateus 4:1-11)


Esta passagem ilustra como Jesus usa a palavra do Espírito para vencer a tentação. Em todos os três exemplos, ele traz e aplica citações diretas da Escritura para contra-atacar as palavras de Satanás.

No primeiro exemplo, ele cita Deuteronômio 8:3 para resistir ao diabo. Vendo como Jesus usa a Escritura para de defender a primeira vez, o diabo faz uma segunda tentativa e cita o Salmo 91:11-12, esperando enganar e persuadir a Cristo. Mas Jesus responde dizendo, “Também está escrito: ‘Não ponha à prova o Senhor, o seu Deus”, citando Deuteronômio 6:16.

Todas as batalhas espirituais envolvem a autoridade e a aplicação da Escritura, e raciocínios e argumentos teológicos. Nesta segunda tentativa, Satanás cita uma passagem bíblica que, quando falsamente entendida e aplicada, parece permitir Jesus pular do templo. Mas Jesus nota que Satanás não tomou toda a Escritura em conta, assim, Ele diz, “Também está escrito” na Escritura que ninguém deve colocar Deus à prova, e assim, ele expõe o uso inapropriado de Satanás do Salmo 91:11-12.

Este breve exemplo produz várias implicações importantes. Por exemplo, a resposta que Jesus dá necessariamente assume a unidade da Escritura, que uma parte da Bíblia concorda com todas as outras partes, e que uma parte da Bíblia nunca contradiz qualquer outra parte. Disto temos deduzido um princípio hermenêutico que cristãos fiéis têm afirmado por um longo tempo. Em adição, como Jesus manuseou esta segunda tentação suporta fortemente a disciplina da teologia sistemática.

Manejar a espada do Espírito é apresentar e defender as verdades bíblicas e atacar as crenças não-bíblicas através de argumentos lógicos rigorosos baseados na Escritura. Portanto, o uso desta arma aplica-se à pregação, escrita, debates e conversas ordinárias nas quais a fé cristã deve ser apresentada e defendida, e as crenças não-cristãs atacadas e refutadas.

Tudo isto pode soar estranho àqueles que estão acostumados a ver a palavra do Espírito a partir de uma perspectiva mística, antes do que pensar nela como o ato de argumentar contra os inimigos do pensamento bíblico, ou defender a fé contra os seus ataques. Contudo, é realmente a atitude mística para com a espada do Espírito que é estranha ao pensamento bíblico. É muito perigoso se equivocar sobre a natureza e uso desta arma, ou de qualquer outra peça da armadura espiritual que Deus nos deu. Assim, contra a atitude mística, devemos insistir que a espada do Espírito se refere às apresentações e argumentos intelectuais cujos conteúdos e formas são derivados da Escritura. Matthew Henry escreve, “A palavra de Deus é muito necessária, e de grande uso para o cristão, para sua preservação na batalha espiritual e sucesso nela...com isto, assaltamos os assaltantes. Os argumentos da Escritura são os mais poderosos argumentos....”. [22]

A resposta de Cristo à segunda tentação de Satanás, mostra que a espada do Espírito avança do reino de Deus através de argumentação baseada na Escritura, cuja interpretação é governada pelo pensamento lógico. É pelo empunhar persistente da espada do Espírito desta maneira que saquearemos os territórios agora ocupados pelo diabo –– isto é, resgataremos as mentes dos eleitos e confundiremos as mentes dos réprobos (2 Coríntios 4:4-6, 10:3-5).

Exemplos da espada do Espírito sendo empunhada através de argumentação escriturística abundam no ministério de Paulo:

Segundo o seu costume, Paulo foi à sinagoga e por três sábados discutiu com eles com base nas Escrituras, explicando e provando que o Cristo deveria sofrer e ressuscitar dentre os mortos. E dizia: “Este Jesus que lhes proclamo é o Cristo”. Alguns dos judeus foram persuadidos e se uniram a Paulo e Silas, bem como muitos gregos tementes a Deus, e não poucas mulheres de alta posição. (Atos 17:2-4)

Enquanto esperava por eles em Atenas, Paulo ficou profundamente indignado ao ver que a cidade estava cheia de ídolos. Por isso, discutia na sinagoga com judeus e com gregos tementes a Deus, bem como na praça principal, todos os dias, com aqueles que por ali se encontravam. (Atos 17:16-17)

Todos os sábados ele debatia na sinagoga, e convencia judeus e gregos. Depois que Silas e Timóteo chegaram da Macedônia, Paulo se dedicou exclusivamente à pregação, testemunhando aos judeus que Jesus era o Cristo. (Atos 18:4-5)

Chegaram a Éfeso, onde Paulo deixou Priscila e Áqüila. Ele, porém, entrando na sinagoga, começou a debater com os judeus. (Atos 18:19)


Paulo é enfático sobre a natureza intelectual do nosso conflito com Satanás:

Pois, embora vivamos no mundo, não lutamos segundo os padrões do mundo. As armas com as quais lutamos não são do mundo; ao contrário, elas têm poder divino para destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo. (2 Coríntios 10:3-5)

O diabo “cegou o entendimento dos incrédulos, para que não vejam a luz do evangelho” (2 Coríntios 4:4), e é o nosso propósito “destruir argumentos” que têm sido levantados contra a fé bíblica, e “levar cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”.

Retornando a Mateus 4, Jesus conclui seu encontro com Satanás:

 

Depois, o Diabo o levou a um monte muito alto e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e o seu esplendor. E lhe disse: “Tudo isto te darei, se te prostrares e me adorares”. Jesus lhe disse: “Retire-se, Satanás! Pois está escrito: ‘Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto”. Então o Diabo o deixou, e anjos vieram e o serviram. (Mateus 4:8-11)

Jesus sela a derrota de Satanás com a correta aplicação da Escritura, e sai vitorioso da tentação.

Alguém que empunha poderosamente a espada do Espírito é alguém que possui considerável conhecimento teológico e excelente poderes de raciocínio. Por outro lado, alguém que carece destes recursos espirituais pode nunca infligir muito dano ao reino das trevas. Portanto, prestemos atenção às palavras do apóstolo Paulo, que diz, “Seja diligente em apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que não tem do que se envergonhar e que maneja corretamente a palavra da verdade” (2 Timóteo 2:15, NASB).



NOTAS:

[1] - The Expositor's Bible Commentary, Vol. 11; Zondervan Publishing House, 1978; p. 88. [voltar]

[2] - Ibid., p. 88. [voltar]

[3] - Ibid., p. 86. [voltar]

[4] - Gordon H. Clark, Ephesians; Jefferson, Maryland: The Trinity Foundation, 1985; p. 208. [voltar]

[5] - Ibid., p. 208. [voltar]

[6] - Charles Hodge, A Commentary on Ephesians; Banner of Truth Trust, 1991; p. 286. [voltar]

[7] - Ibid., p. 286. [voltar]

[8] - Veja também Romanos 9:8-28. [voltar]

[9] - The Expositor's Bible Commentary, Vol. 11; p. 88. [voltar]

[10] - Todavia, esta é somente uma questão de ênfase, visto que mesmo a volição de colocar as outras peças da armadura vem da vontade soberana de Deus (Filipenses 2:12-13). [voltar]

[11] - Nós podemos questionar se esta é ao menos uma terminologia bíblica. [voltar]

[12] - Clark, Ephesians; p. 209. [voltar]

[13] - Ibid., p. 209. [voltar]

[14] - Francis Foulkes, Tyndale New Testament Commentaries, Vol. 10, Revised Edition; Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1989; p. 184. [voltar]

[15] - Markus Barth, The Anchor Bible, Vol. 34A; New York: Doubleday, 1974; p. 776. [voltar]

[16] - Marvin Vincent, Vincent's Word Studies in the New Testament, Vol. 3; Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers; p. 410. [voltar]

[17] - The Expositor's Bible Commentary, Vol. 11; p. 88. [voltar]

[18] - The Anchor Bible, Vol. 34A; p. 776. [voltar]

[19] - Gordon Fee, God's Empowering Presence; Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1994; p. 728-729.[voltar]

[20] - Tyndale New Testament Commentaries, Vol. 10; p. 184. [voltar]

[21] - God's Empowering Presence; p. 728-729. [voltar]

[22] - Matthew Henry's Commentary on the Whole Bible; Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1991; p. 2319. [voltar]



Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts.

 


Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 05 de Março de 2005.


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