Uma Introdução a Eclesiastes

por

Dr. Sam Storms

 

Leia cuidadosamente os seguintes versos em Eclesiastes – 1.2,14; 2.10,11,17-20; 3.19,20; 4.2,3; 8.14; 9.9-12. À primeira vista parecerá mais como algo que Nietzche ou Madelyn Murray-O'Hair talvez disseram, ao invés da Bíblia. Estas afirmações aparentam ter mais em comum com um filósofo existencialista como Jean Paul Sartre que Salomão. Os rabinos que viviam na época do AT freqüentemente lutavam com textos assim. Eles debatiam se Eclesiastes “sujava as mãos” ou não, isto é, se era ou não um livro inspirado e canônico que transmitia santidade quando manuseado. A questão é feita ainda hoje. J. Stafford Wright pergunta de uma forma bem evidente.

“deveria o livro... permacer na Bíblia? Não seria melhor admitir de uma vez que as contradições e afirmações não-ortodoxas, que têm alegrado céticos e confundido mentes devotas, seriam bem melhor empregadas em escritos pra a Associação Imprensa Racionalista que para a Biblioteca do Espírito Santo? É uma questão que deve ser encarada. Se não existe uma interpretação satisfatória do livro – satisfatória, isto é, do ponto de vista cristão – não há razão lógica para mantê-lo na Bíblia” (133).

Muitos que argumentam a favor de Eclesiastes propuseram diferentes formas de lidar com suas afirmações difíceis. Os anciãos judeus simplesmente colocam um ponto de interrogação depois daquelas afirmações que parecem defender uma vida de prazer complacente. O refrão “Não existe nada melhor para um homem que comer e beber...” é lido como “existe algo melhor...?”. Outros sugerem que Salomão escreveu o livro em um estado de depressão e rebelião pecaminosa, sendo pressionado por seu trono em Israel, devido à obediência.

Eu não aredito que precisamos recorrer a medidas extremas como estas a fim de encontrar sentido no livro ou defender seu lugar correto no cânon.

 

A – O Título

O título do livro é tirado da descrição do homem que o escreveu. Sete vezes (1.1,2,12; 7.27; 12.8,9,19) ele é chamado, de acordo com a NIV, o “mestre” (teacher). Na NASV e KJV é traduzido como o “pregador” (preacher). A palavra hebraica por trás destas traduções é Koheleth, uma palavra que denota a idéia de uma assembléia ou reunião. A palavra Eclesiastes é simplesmente o equivalente grego do encontrado na LXX. Apesar de que muitos insistem que, uma vez que o significado é ambíguo, deveríamos chamá-lo de “Q”, eu seguirei a NIV e me referirei a ele como o “Professor”. Mas quem ele é?

(NT: A grande maioria das traduções em português traduz como o “Pregador”. A TEB chama o autor de “Qohélet”, enquanto a NTLH usa “o Sábio”. A NVI traduz como “Mestre”, que usaremos aqui por significar praticamente o mesmo que o “teacher” da NIV, que Sam Storms prefere.)

 

B – O Autor

O ponto de vista tradicional é que Salomão escreveu Eclesiastes. Em favor de sua identificação temos 1.1,12, além da correspondência de detalhes concernentes ao “Mestre” pelo que sabemos de Salomão do livro de 1 Reis. Contra a autoria de Salomão existem dois fatores. Primeiro, 1.12 usa o tempo pasado. Argumenta-se que isto conflita com 1.1, que diz que o “mestre” agora é rei em Jerusalém. Portanto, poderia ser alguém que escreveu o livro da perspectiva de Salomão. Isto é, ele procura colocar em suas próprias palavras e estilo o que Salomão teria escrito, tivesse ele tratado deste assunto. Mas v. 12 pode facilmente estar dizendo “Eu fui Rei, e ainda sou...”. Segundo, 1.16 não parece fazer sentido se observarmos que somente Davi foi Rei em Jerusalém antes de Salomão. Mas ele poderia estar incluindo todos os regentes e autoridades pré-davídicos, e não apenas reis. Ou ele poderia também incluir a linha de reis cananitas que o precederam.

Para uma boa defesa do ponto de vista de que Salomão não escreveu o livro, veja o comentário de Tremper Longman III. Eu devo ressaltar, entretanto, que apesar de Longman não crer que Salomão escreveu o livro, ele acredita que Koheleth (quem quer que seja) adotou uma perspectiva salomônica sobre a vida.

 

C – A Mensagem

Os termos usados freqüentemente para descrever a mensagem deste livro incluem niilista, pessimista, fatalista, cético, materialista, existencialista e todos os outros “istas” que você puder imaginar! No século IV d.C, Jerônimo escreveu um comentário de Eclesiastes para convencer uma jovem romana chamada Basilica de que ela deveria seguir o monasticismo! De acordo com Jerônimo, o propósito do livro “é apresentar a total vaidade de todo prazer embaixo do Sol, e daí a necessidade de levar-se a uma vida ascética, inteiramente dedicada ao serviço de Deus.”

Outros tem tomado uma perspectiva oposta. Uma vez que a vida definitivamente não tem significado, uma vez que todos as atividades humanas no fim são apenas vaidade e correr atrás do vento, aí estão todos os motivos para conseguir todo o prazer que você puder! Seja indulgente com você mesmo agora, hoje, em todo prazer carnal, pois amanhã você morrerá!

Muitos evangélicos argumentam ainda outra visão. Em geral, eles dizem que o livro contém os pensamentos não-inspirados e a busca da felicidade da parte de um homem natural, ou não-salvo. A ênfase é colocada na frase “debaixo do Sol” (1.3,9,14). Esta frase, somos informados, indica que o autor concentra-se somente nas coisas deste mundo, coisas debaixo do Sol (e não acima dele). Deus, revelação e o mundo vindouro são ignorados. A experiência deste mundo somente leva-nos apenas ao pesssimismo e desespero. Portanto, esta é a descrição de como o incrédulo, não o crente, pensa. Ou, no máximo, é uma perspectiva sub-cristã da vida. Chuck Swindoll aceita este ponto de vista:

“É uma boa hora para clarificar a perspectiva de Salomão, especialmente porque é a mesma perspectiva que muitas pessoas têm hoje em dia. Para citar seu próprio testemunho, é uma perspectiva ‘debaixo do Sol'. Dia após dia, Salomão menciona seu ponto de vista horizontal, estritamente humano. Em virtualmente toda seção principal de seu diáriom ele usa as palavras “debaixo do Sol” ou “debaixo do céu”... Porque ele não freqüentemente observa ‘acima do Sol' para encontrar segurança, a vida parece vazia e depressiva, desesperadoramente sem sentido. Na medida em que ele procura a felicidade, nada satisfaz, porque ele deixou Deus de fora de sua vista. A satisfação na vida debaixo do Sol nunca acontecerá até que haja uma conexão significativa com o Senhor que vive acima do Sol. Apesar disso, nós, como Salomão, continuamos tentando encontrar um sentido na vida, somente para terminar em uma estrada sem saída chada Vazio.”

Se esta interpretação não é a correta, o que J. Stafford Wright nos traz é a que acredito ser a explanação mais persuasiva. O Mestre, ele escreve, examina para nós o sentido da vida,

“repetidamente em suas mãos de tal forma que nós vemos a vida de todos os ângulos. Ele nos força a admitir que é vaidade, vazio, futilidade; ainda que não no sentido de que não é digno viver. O uso do termo ‘vaidade' por Koheleth descreve alguma coisa muito maior que isto. Toda a vida é vaidade neste sentido, que ela é incapaz de nos dar a chave de si mesma. O livro é o registro da busca pela chave para a vida. É uma tentativa de dar um sentido à vida, de vê-la como um todo. E não há existe uma chave debaixo do Sol. A vida perdeu a chave para si mesma. ‘Vaidade de vaidades, tudo é vaidade'. Se você quer a chave, você deve ir ao chaveiro que fez a tranca. ‘Deus tem a chave de todo o desconhecido.' E ele não dará ela para você” (140).

Uma passagem importante é 3.11, onde lemos que Deus “tudo fez formoso em seu tempo; também pôs o mundo no coração do homem, sem que este possa descobrir a obra que Deus fez desde o princípio até ao fim.” Em outras palavras, Deus colocou uma curiosidade ou desejo insaciável em nossos corações para entendermos o significado da vida, compreender o que faz sentido afinal, ver a beleza, razão, motivo e propósito de tudo o que ocorre, mas Ele recusa-se a satisfazer este desejo. Muito da mesma idéia é encontrado em 7.14 e novamente em 8.17. Wright explica:

“Isto não é pessimismo. É a solene verdade tanto para os tempos cristãos de hoje quanto foi nos dias de Koheleth. O eterno POR QUE paira sobre nossas vidas. Encontra-nos em todo tempo. Nossas maiores esperanças estão arruinadas. Por que as hordas nazistas percorrem a Europa? Por que Deus permite a guerra? Por que uma brilhante jovem vida cristã é tomada, enquanto um inútil ladrão é miraculosamente salvo da morte? Por quê? Por quê? Por quê? Onde está o sentido nisso tudo? E ainda deve-se procurar por um sentido. É inacedritável que a vida não faça sentido” (141).

Todos nós procuramos por esta chave que dará o sentido de tudo. Mas, no momento que pensamos que a temos, alguma coisa acontece que não se encaixa no esquema todo. “Nós atravessaremos o mundo com ele”, diz Wright, “procurando pela solução da vida, e em cada mudança ele nos força a admitir que há somente vaidade, frustração, confusão. A vida não provê a chave para si mesma” (142).

Ele procura pelo significado da vida na Natureza (1.5-9). Mas a natureza é um sistema fechado, um ciclo sem fim de amanhecer, vento, chuva, rios, etc. A chave não está na antureza. Nem mesmo a chave está na humnidade ou em seu empreendimento (1.3,4). O processo da história e o progresso da ciência somente nos dão somente uma corrente sem fim de uma geração à outra, sentindo satisfação nisso ou naquilo, mas de nenhuma utilidade. Ele procura na Sabedoria (1.12-17; 2.13-17), mas nem mesmo a pessoa mais brilhante, inteligente e sábia na história pode entender o sentido de tudo. Ele explora o mundo ao se permitir satisfazer-se com os maiores prazeres físicos (2.1-11), mas novamente não há utilidade. Ele atravessa toda a extensão de deleites sensuais e seu veridito é o mesmo: “Vaidade e correr atrás do vento.” Nem mesmo trabalhar duro, ou mais dinheiro, ou insensatez, ou mesmo a própria morte (ambos, sábios e tolos morrem, tanto ricos quanto pobres) pode lhe dar a resposta.

Então, o que Koheleth aconselha-nos a fazer? Pode surpreender você: “Não há nada melhor para o homem do que comer e beber, e fazer com que sua alma goze do bem do seu trabalho. Também vi que isto vem da mão de Deus” (2.24). “Já tenho entendido que não há coisa melhor para eles do que alegrar-se e fazer bem na sua vida; e também que todo o homem coma e beba, e goze do bem de todo o seu trabalho; isto é um dom de Deus” (3.12,13).

O que ele quer dizer em tudo isto é que nós devemos saber com certeza que existe um plano divino,

“mesmo que momentos individuais no plano permaneçam como um mistério, e deva ser aceito pela fé. Mas o homem nunca deve perder a certeza de que há um plano, e ele nunca deve começar a tratar as coisas comuns da vida, sua comida, bebida e trabalho, como se não fossem dons de Deus. O homem deve aprender a servir a Deus desde a juventude, e precisa lembrar-se que haverá um julgamento [11.9,10]... em outras palavras, Koheleth acoselha os jovens a aproveitar suas vidas, mas não esquecer que seus prazeres precisam ser regulados por um senso de pretação de contas a Deus. Eles devem afastar-se de tudo o que ameaça mente ou corpo, e lembrar-se que a juventude não é a vida inteira; ela dará lugar à meia-idade, velhice, e morte” (145).

Eclesiastes, para chegarmos ao ponto, é o diário, o registro da viagem se você desejar, de um dos mais próperos, sábios e devotos homens que já viveram, em que ele descreve para nós sua busca sem fim pela chave da vida. É a tentativa de Salomão de explorar e entender toda opção concebível debaixo do Sol, esperando encontrar aquela chave única, ou talvez uma multiplicada de chaves, que destrancaria e explicaria todos os enigmas da existência humana, que dará sentido àquilo que parece tão sem sentido, que dará propósito e significado ao que parece ter falta disto. O problema é que a vida perdeu a chave de si mesma. Somente Deus a tem, e Ele não a dará para ninguém! Apesar disso, Wright nos dá este conselho:

“Vá em busca da chave que unificará toda a vida. Você deve procurar por isto: Deus fez você desta forma, por mais duro que seja. Mas você não encontrará a chave no mundo; você não encontrará em vida; na revelação você encontrará as bordas dos caminhos de Deus; em Cristo seus dedos tocarão a chave, mas ninguém segurou estava chave ainda. Nenhuma filosofia de vida pode satisfazer se deixar Cristo de fora. Nem mesmo a melhor filosofia cristã poderia descobrí-la por si própria. Mas não se desespere. Há uma vida para ser vivida dia a dia. E na sucessão de eventos aparentemente sem relação entre si, Deus pode ser servido e Deus pode ser glorificado. E neste serviço diário a Deus, podemos encontrar prazer, por estaremos cumprindo o propósito para que Deus nos fez. Esta era a filosofia de vida de Koheleth. Ele estava errado?” (149-50).


Traduzido por: Josaías Cardoso Ribeiro Jr.
15 de Abril de 2005.



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