De Justificados a Santificados

por

Vincent Cheung

 

FILIPENSES 3:2-9

Cuidado com os cães, cuidado com esses que praticam o mal, cuidado com a falsa circuncisão! Pois nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos pelo Espírito de Deus, que nos gloriamos em Cristo Jesus e não temos confiança alguma na carne, embora eu mesmo tivesse razões para ter tal confiança.

Se alguém pensa que tem razões para confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, do povo de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível.

Mas o que para mim era lucro, passei a considerar perda, por causa de Cristo. Mais do que isso, considero tudo como perda, se comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por causa de quem perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar a Cristo e ser encontrado nele, não tendo a minha própria justiça que procede da lei, mas a que vem mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus e se baseia na fé.


Como cristãos, devemos ser parceiros no evangelho, unidos pelo evangelho, e vivermos para o evangelho. Devemos deixar de lado a ambição egoísta e as disputas insignificantes para preservarmos nossa harmonia, de forma que possamos estar unidos ao redor de uma mensagem e um propósito, e de forma que possamos apresentar eficazmente o franco e inflexível evangelho a esta geração deformada e débil.

Contudo, não devemos tentar manter a harmonia em nossa comunidade a todo custo, pois o único fundamento apropriado para a unidade é uma teologia bíblica comum. Devemos deixar de lado nossas diferenças pessoais por causa do evangelho sem ignorar nossas diferenças teológicas. Se não há unidade teológica, então não há unidade verdadeira. Por outro lado, se a teologia que afirmamos não é consistentemente e abrangentemente bíblica, então qualquer unidade ao redor dela é ilusória e inútil. Teologia é a coisa mais importante numa comunidade, pois é a teologia que define a comunidade e o seu propósito em primeiro lugar.

Portanto, além de praticar a auto-negação para preservar a unidade da nossa comunidade ao redor de uma teologia bíblica, devemos guardar nossa teologia contra a corrupção, para que o próprio fundamento da nossa unidade não seja destruído. A falsa doutrina pode se espalhar como a gangrena se ela não for controlada (2 Timóteo 2:17), como “um pouco de fermento leveda toda a massa” (Gálatas 5:9). Os líderes de igreja devem ajudar a prevenir a corrupção doutrinária, ensinando regularmente a doutrina bíblica ao seu povo, e repetidamente advertindo-os sobre as falsas doutrinas. Isso sumariza o dever primário deles. Mas uma vez que os líderes de igreja detectem a intrusão da falsa doutrina na comunidade, e se a persuasão gentil falhar em corrigir isso, então eles devem repreender severamente os ofensores na esperança de que eles possam retornar a serem sadios na doutrina e prática (Tito 1:13). Se o ofensor recusar se arrepender, então os líderes devem removê-lo da comunidade da igreja (1 Timóteo 1:20). A Escritura condena como cúmplices aqueles que recebem ou apóiam hereges (2 João 9-11).

Paulo diz que aqueles que espalham falsa doutrina são “cães”. Ele está mui provavelmente pensando naqueles judeus que, embora reivindicassem reconhecer Jesus como o Cristo, continuavam a insistir que os gentios se submetessem às leis cerimoniais de Moisés, e isso era representado passando-se pela circuncisão (Atos 15:1,5). [40] Eles diziam que, embora fosse bom ter fé em Jesus Cristo, era necessário adicionar a essa fé a obediência às leis cerimoniais de Moisés para ser justificado diante de Deus, ou pelo menos para o propósito de alcançar a perfeição (Gálatas 3:1-5).

Os judeus se referiam aos gentios como “cães” (Marcos 7:27), e realmente todos os incrédulo são como cães, mas Paulo aplica o insulto aos judeus que contradizem o verdadeiro evangelho, pois eles também eram não-salvos. Isso não significa que a atitude hostil de Paulo é específica para com os judeus, e que ele teria sido benévolo para com outros hereges. Antes, a Escritura aplica esse e outros insultos contra aqueles que espalham falsas doutrinas e praticam obras más (Apocalipse 22:15).

Paulo não diz que os hereges são meramente aqueles com uma “perspectiva diferente”, nem ele diz algo estúpido como que Deus revela verdades para pessoas de persuasões religiosas diferentes, de forma que nosso entendimento total cresceria se simplesmente nos juntássemos num diálogo e intercâmbio amigável. Ele não diz que devemos ser “mente-aberta e tolerantes”, ou que devemos “celebrar a diversidade”. Ele não diz tais coisas! Antes, aqueles que se opõem ao verdadeiro evangelho são cães, e sobre esse grupo particular de hereges, referindo-se à circuncisão, ele escreve: “Quanto a esses que os perturbam, quem dera que se castrassem!” (Gálatas 5:12).

O que está sob ataque aqui é a doutrina da justificação pela fé, que é realmente uma doutrina que tem estado sob constante ataque durante toda a história da igreja, até os dias de hoje. A Reforma do século dezesseis trouxe essa doutrina à sua ênfase e lugar devido, e por um tempo ela brilhou intensamente. Mas toda geração deve renovar a luta pela verdade, e esse certamente é o caso quando diz respeito a essa doutrina, pois o que ela ensina vai contra todas as tendências dos não-convertidos.

Como mencionado anteriormente nesse livro, a justificação é pela fé, não no sentido de que você pode salvar a si mesmo através de sua fé; antes, a doutrina enfatiza que você não pode fazer nada para se salvar, mas deve depender totalmente de outra pessoa para lhe salvar. Portanto, a doutrina está ensinando que a justificação não é pela fé como tal ou por si mesma, mas está ensinando que a justificação é por Cristo somente. É Cristo quem te salva, e não a própria fé. A fé tem um papel, pois é Cristo quem te salva por meio da fé que ele lhe dá nele. A doutrina é ofensiva ao réprobo, pois ela demanda que ele abandone completamente o seu esforço de se salvar, e que reconheça sua total dependência e desamparo, enquanto tudo o que ele quer é ser como um deus, não tendo ninguém para governar sobre ele. Isso significa que ninguém afirmará verdadeiramente essa doutrina da justificação pela fé, a menos que Deus soberanamente opere nele para mudar a sua mente.

Isso nos leva a um ponto muito importante, que é o fato de que nenhuma doutrina bíblica permanece totalmente sozinha; antes, toda doutrina bíblica exige pelo menos várias outras doutrinas bíblicas que devem ser articuladas de uma forma que seja consistente entre elas mesmas, e consistente com a doutrina sob discussão. Porque nenhuma doutrina permanece por si mesma, é insuficiente e enganoso pregar a justificação pela fé como se ela não estivesse relacionada com outras doutrinas; isto é, é errado insistir que as pessoas afirmem a justificação pela fé, e então lhes dizer que elas podem crer no que quiser sobre as outras doutrinas que estão relacionadas com ela e ainda serem salvas.

“Justificação pela fé” é um atalho para várias doutrinas relacionadas, e você deve ter uma visão correta de cada uma dessas doutrinas. Por um lado, parece possível afirmar uma visão correta da justificação mesmo que você afirme uma visão falsa, digamos, do governo da igreja. Por outro lado, importa de onde você pensa que vem a “fé” da “justificação pela fé”, da invenção humana ou da graça divina. Se você pensa que a fé vem de sua própria força de vontade ou decisão, sem a escolha soberana de Deus concedendo-lhe essa fé, então você subverteu toda a idéia da justificação pela fé, que é a total dependência de Deus para a salvação.

Certa vez uma mulher me disse: “eu posso não ser uma boa cristã, mas eu não sou uma pessoa má”. Ela me disse que iria para o céu, pois nunca tinha feito algo realmente horrendo, e ela tentava ajudar outras pessoas sempre que possível. Mas não importa como ela se chamasse, essa visão faz dela uma humanista, não uma cristã. Em todo caso, eu conheço essa mulher – ela não tenta ajudar outras pessoas sempre que possível. Assim, ela é no mínimo uma mentirosa.

Em adição, de acordo com a Bíblia, se você não é um bom cristão, então você é realmente uma pessoa má. O fato de ela crer que não era uma pessoa má, embora não fosse uma boa cristã, mostra que ela não entendia o evangelho, pois se ela não fosse uma pessoa má, então ela não necessitaria do evangelho de forma alguma. Mas a Bíblia deixa claro que todas as pessoas são más sem a justiça que vem de Deus através da fé em Cristo. Ela não era muito diferente de outra mulher que me disse que nunca tinha pecado de forma alguma. Mas isso significa que ela não poderia afirmar a justificação pela fé, visto que o que ela disse implica, antes de mais nada, que ela não necessita de justificação!

Por outro lado, Paulo diz: “Pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus”, e João diz: “Se afirmarmos que estamos sem pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós” (1 João 1:8). Isso é o que a Bíblia diz, mas visto que essa mulher insiste que ela nunca pecou, poderia ela ainda afirma a inerrância bíblica? E se ela não afirma a inerrância bíblica, sobre que base autoritativa ela afirma que é uma cristã, ou que irá para o céu? De fato, se a posição dela torna impossível afirmar a inerrância bíblica, como ela poderia definir autoritativamente pecado, e sobre que base ela poderia afirmar sua impecabilidade? Se você nunca reconheceu que é um pecador miserável, como você pode reivindicar que foi justificado pela fé?

Certamente essas pessoas falham em pensar muito sobre essas questões, mas o ponto é que você não pode afirmar somente a “justificação pela fé” e ao mesmo tempo afirmar visões heréticas sobre outras doutrinas bíblicas relacionadas, visto que afirmar visões heréticas sobre doutrinas bíblicas relacionas, automaticamente torna impossível afirmar verdadeiramente a “justificação pela fé”. O exposto acima mostra que para afirmar propriamente a justificação pela fé, você deve afirmar também a soberania de Deus, a depravação do homem e a inerrância da Escritura. Agora, visto que a justificação pela fé está se referindo à fé na obra redentora de Cristo, uma pessoa deve ter também uma visão apropriada da expiação. Visto que a expiação é a provisão somente de Deus para a salvação, ela consequentemente implica a exclusividade de Cristo. “Justificação pela fé” não se refere à fé em simplesmente alguma coisa, mas a fé deve ter um objeto apropriado.

Nós podemos ver agora a tolice daqueles que dizem que teologia não importa, conquanto concordemos sobre aquelas coisas que estão relacionadas com a salvação, e conquanto todos preguemos o evangelho. Quais são as coisas relacionadas com a salvação, e quais as visões apropriadas sobre essas coisas? E o que é o “evangelho”? Essas questões envolvem mais do que muitas pessoas pensam. Agora podemos entender o porquê a salvação está relacionada com o estudo e conhecimento da Escritura (2 Timóteo 3:15). Você não pode afirmar e pregar corretamente o “evangelho” sem o estudo da teologia, pois a teologia correta é o evangelho.

Você pode imaginar que muitos, ou até mesmo a maioria, daqueles que reivindicam afirmar a justificação pela fé não sabem realmente o que estão dizendo. Ela tem sido repetida tanto que se tornou um slogan entre cristãos, mas muitos que pensam que eles afirmam e pregam a justificação pela fé, de fato não o fazem. Eles podem de fato estar se referindo à justificação pela fé mais as obras, justificação pela fé em “deus”, mas não na obra de Cristo, ou justificação pela “fé” que é gerada pela própria força de vontade deles, e não concedida soberanamente por Deus. Mas qual é o problema? Não estamos simplesmente sendo exigentes? Não, há um grande dano em se rejeitar ou compreender erroneamente essa doutrina, e não estamos simplesmente sendo exigentes, pois a verdadeira doutrina da justificação é realmente o próprio evangelho. Um falso entendimento dessa doutrina não é o evangelho de forma alguma, e, portanto, não pode salvar ninguém.

Assim, Paulo reserva algumas das suas repreensões e insultos mais graves contra aqueles que pregam uma visão falsa da justificação, e para aqueles que crêem nela. Novamente, aqueles que pregam uma visão diferente da justificação não são irmãos crentes que meramente sustentam uma perspectiva diferente, mas aceitável; antes, Paulo diz que eles pregam um “evangelho diferente”, totalmente diferente, “que, na realidade, não é o evangelho”, e que eles serão “eternamente condenados” (Gálatas 1:6-9). Isso é quão sério essa questão é — aqueles que pregam uma visão falsa da justificação sofrerão para sempre no inferno, e assim serão também aqueles que crêem no que eles pregam (Romanos 3:28, 11:6; Gálatas 3:10-11). Não devemos suportar “perspectivas” diferentes nessa questão, pois eles são realmente evangelhos diferentes, quando há somente um evangelho verdadeiro (2 Coríntios 11:3-4).

Certamente, isso faz o caminho para salvação ser muito estreito, e não muitas pessoas o aceitarão, mas isso é consistente com o que a Bíblia diz sobre a natureza do evangelho e sua recepção pelas pessoas: “Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que leva à perdição, e muitos são os que entram por ela. Como é estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida! Poucos são os que a encontram”. (Mateus 7:13-14; veja também Mateus 22:14; Lucas 13:23-24; Romanos 9:27). O problema é que “algumas vezes não apresentamos o evangelho bem o suficiente para que os não-eleitos o rejeitem. [41]

Evangelistas heréticos modernos desejariam fazer com que você creia que seja fácil ser salvo, mas a Bíblia ensina que a salvação é absolutamente impossível, a menos que Deus especificamente escolha te salvar. Eles pensam que a Bíblia ensina que o caminho para a salvação é tão fácil e simples que “até mesmo os loucos não errarão” (Isaías 35:8, ARC), no sentido que até mesmo os loucos podem entender o evangelho e não cometer um engano sobre ele. Contudo, o versículo está dizendo exatamente o oposto: “E ali haverá uma grande estrada, um caminho que será chamado Caminho da Santidade. Os impuros não passarão por ele; servirá apenas aos que são do Caminho; os insensatos não o tomarão” (NVI). Isto é, “o Caminho” (Atos 9:2, 19:9, 23, 24:14, 22) é reservado para aqueles a quem Deus escolhe e Cristo redimiu [42], de forma que os impuros e os tolos não entraram nele, e nem mesmo tropeçaram ou vaguearão nele pode engano.

O verdadeiro evangelho é ofensivo para os réprobos, como deveria ser; contudo, os evangelistas heréticos de hoje tentam apresentar o evangelho de uma forma que ele não ofenda ninguém. Assim, a maioria das pessoas que eles trazem para a igreja são falsos conversos. Por outro lado, Cristo deixa clara a demanda “impossível” do evangelho, de forma que alguns daqueles que inicialmente podiam segui-lo, não suportaram e o deixaram (Mateus 19:22; João 6:60-61, 66). Certamente, esses, antes de tudo, nunca foram verdadeiramente seus discípulos (João 8:31; 1 João 2:19). John MacArthur escreve:


O caminho fácil sempre nos tenta. Algumas vezes fazemos o evangelho tão fácil que ele não é mais o evangelho de forma alguma. Nós cristãos falamos sobre como é difícil manter os novos convertidos. Uma igreja grande na América relatou que ela teve 28.000 conversões num ano, batizou 9.600 pessoas, e teve 123 afiliações à igreja. O fato é que 28.000 pessoas não foram salvas se apenas 123 se uniram à igreja. O problema não é a dificuldade de manter; o problema é a dificuldade da conversão. Estamos tentando manter pessoas que nunca foram redimidas. Eu me lembro de um esforço de “evangelismo em profundidade” no Equador há alguns anos atrás. O relato foi que milhares foram salvas, mas apenas dois puderam ser encontrados numa igreja. Aquelas não foram conversões. Crentes verdadeiros anseiam, como bebês, pelo leite da Palavra e pela adoração e comunhão cristã. Eles amam o Senhor e o seu povo...

As pessoas desertam do evangelho porque elas foram trazidas a ele pela razão errada. O excitamento da multidão, não o significado da mensagem, os seduziu em primeiro lugar. Uma multidão enérgica, e o valor da produção de um serviço de adoração enfatizando o espetáculo antes do que a Escritura, impressiona o visitante dos dias modernos...

Popularidade não ajuda. Quando Jesus foi popular, ele atraiu muitos seguidores superficiais. Os discípulos genuínos não foram trazidos pelo espetáculo, mas pela verdade, pelo poder e pelo caráter da sua mensagem.

O Cristianismo tem que ser muito cuidadoso quando ele é popular. A ação e o excitamento de uma multidão cativa as pessoas. Eles se reúnem num estádio de esportes, ou num auditório ou igreja grande, para serem parte de um evento gigantesco. Há uma energia, sentida por toda a multidão, mas muitos dos participantes estão ali pela multidão, não pelo Reino. Eles estão procurando por alguma intervenção miraculosa em seu benefício, ou pela promessa de algo que eles possam ganhar. Ou apenas por um bom show...

Esse ponto me preocupa profundamente sobre a maioria das populares modas evangélicas de hoje. Que tipo de pessoas eles estão atraindo? Seduzidos pela multidão e pela promessa de algo sobrenatural, pensando somente nas coisas terrenas com pouco desejo pela verdadeira adoração, mas com uma abundância de desejo por prosperidade pessoal, eles não entendem as questões eternas. Até que eles entendam e confessem a necessidade deles, eles nunca serão salvos. [43]

 

Você afirma e prega a ilusão vazia de um evangelho fácil, ou a realidade dura de um evangelho “impossível” – um cujas demandas podem ser satisfeitas somente pela graça e poder soberano de Deus (Mateus 19:25-26)? Um evangelho falso atrai os réprobos e repele os eleitos (João 10:4-5), mas o verdadeiro evangelho ofende os réprobos e desperta os eleitos (1 Coríntios Corinthians 1:21-25). Isso não tem nada a ver com sua eloqüência ou carisma, mas tem tudo a ver com o conteúdo da sua mensagem.

A explicação última para a rejeição do evangelho da justificação pela fé, em Cristo, pelas pessoas, é que Deus designou essas pessoas como réprobas e soberanamente endureceu os seus corações contra a mensagem. Romanos 9:18 diz: “Portanto, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer”. Não há interpretação alternativa legítima para essa e muitas outras passagens bíblicas que declaram que a decisão do homem está debaixo do controle absoluto de Deus, mesmo quando diz respeito ao aceitar ou rejeitar o evangelho. Deus mostra sua misericórdia para aqueles a quem ele soberanamente escolheu regenerando-os, mudando suas mentes, concedendo-lhes arrependimento e fé, de forma que eles possam crer no evangelho e serem salvos. Por outro lado, ele mostra sua ira para com aqueles a quem soberanamente condenou dando-lhes “espírito de atordoamento” Romanos 11:8), endurecendo suas mentes, de forma que eles não vejam a verdade do evangelho e recusem aceitá-la.

Uma manifestação principal do endurecimento das mentes deles é a rejeição da justificação pela fé por eles, em preferência de sua “confiança na carne” (v. 3). Eles recusam reconhecer o direito de Deus de definir o que é bom e o que é mau (Gênesis 3:5). Mesmo que eles reconheçam o direito de Deus de definir o que é bom e o que é mau, eles recusam reconhecer os seus pecados (1 João 1:8). Mesmo que eles reconheçam os seus pecados, eles recusam reconhecer a completa impotência espiritual deles. Ao invés de depender da misericórdia de Deus para salvá-los, eles dependem de suas próprias credenciais humanas.

Paulo responde que se alguém pudesse ter confiança na carne, ele seria essa pessoa. Pelo menos de acordo com o padrão do Judaísmo, ele tinha a linhagem certa, a afiliação certa, as credenciais cerimoniais certas e as realizações humanas certas. Quando diz respeito à “justiça que há na lei”, Paulo diz que ele era “irrepreensível” (v. 5-6).

Contudo, Paulo tinha descoberto que as meras credenciais humanas nunca poderiam salvar alguém, visto que a salvação é pela graça através da fé, e não pelas obras da lei. Ele não poderia depender tanto da graça como das obras para a justificação, visto que as duas formas são mutuamente exclusivas: “E, se é pela graça, já não é mais pelas obras; se fosse, a graça já não seria graça” (Romanos 11:6).[44]

Portanto, para depender da graça soberana de Deus, Paulo renunciou suas credenciais humanas. Ele considerou como “perda” (literalmente, “estrume”) todos os seus méritos humanos, e todas as coisas que ele costumava perceber como suas valiosas realizações e posses. Ele não podia considerar suas credenciais humanas como meramente insuficientes; antes, ele não podia considerá-las como fornecendo nem sequer algum crédito, mas como coisas que realmente aumentavam o seu débito para com Deus. Assim, ele as renunciou, e se lançou aos pés de Cristo em total desamparo e dependência de sua misericórdia.

Os réprobos recusam fazer isso. Embora eles possam ter até mesmo poucas razões para ter “confiança na carne”, eles recusam renunciar suas débeis credenciais humanas, mas insistem em perseguir a justiça como se eles a pudessem obter pelas obras (Romanos 9:32). Mas visto que a justiça vem somente pela fé em Cristo, essas pessoas nunca serão salvas. Algumas delas têm afirmado religiões não-cristãs por muitos anos, e se elas renunciassem essas falsas religiões, o que seria de seu status, respeito, amigos, parentes – e se elas trabalham para essas organizações religiosas – seus empregos? Se pudessem simplesmente adicionar o Cristianismo às suas próprias religiões, elas o fariam, mas visto que isso é impossível, preferem rejeitar o Cristianismo do que enfrentar a possibilidade de ter de começar tudo de novo.

“Começar tudo de novo?”, você pode se admirar, “mas eles nunca começaram no caminho certo para recomeçar nele!”. Certamente você está certo, mas eles não vêem suas credenciais humanas como “estrume”, embora seja assim que Deus as veja, e de forma que eles se apegam com toda força ao precioso excremento deles ao invés de “ganhar a Cristo” (v. 8). Você pode dizer: “Mas não é estúpido perder a alma para preservar uma ilusão?”. Certamente é estúpido, mas a Escritura nunca diz que os réprobos são espertos.

Então, há aqueles que têm chamado a si mesmos de cristãos por muitos anos, mas Jesus diz: “Nem todo aquele que me diz: 'Senhor, Senhor', entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mateus 7:21). A profissão de fé deles pode ter sido falsa durante todo o tempo, talvez porque eles nunca ouviram o evangelho, e porque Deus nunca realizou uma obra salvadora genuína neles. Se eles estão entre os réprobos, então a resposta deles será a mesma quando forem confrontados com o verdadeiro evangelho da justificação pela fé; isto é, eles recusarão renunciar todas as credenciais e realizações “cristãs” anteriores deles, para que possam ganhar a Cristo.

Eles até podem afirmar que defendem o evangelho da justificação pela fé, mas você sabe que eles estão mentindo quando você os vê sorrir com a face completamente coberta com esterco. Eles não confiam realmente apenas em Cristo para a salvação, mas eles têm “confiança na carne”. “Todos nossos atos de justiça são como trapo imundo” (Isaías 64:6) – eles não são bons. Você deve não somente adicionar Cristo às suas próprias credenciais, mas você deve renunciá-las totalmente como uma base para a sua justificação diante de Deus; de outra forma, não há chance de você ser salvo. Como o Artigo 22 da Confissão Belga declara:

Cremos que, para obtermos verdadeiro conhecimento desse grande mistério, o Espírito Santo acende, em nosso coração, verdadeira fé. Esta fé abraça Jesus Cristo com todos os seus méritos, apropria-se dele e nada mais busca fora dele. Pois das duas, uma: ou não se ache em Jesus Cristo tudo o que é necessário para nossa salvação, ou tudo se acha nele, e, então, aquele que possui Jesus Cristo pela fé, tem a salvação completa. Dizer porém que Cristo não é suficiente, mas que, além dele, algo mais é necessário, significaria uma blasfêmia horrível. Pois Cristo seria apenas um salvador incompleto.

Por isso, dizemos, com razão, junto com o apóstolo Paulo, que somos justificados somente pela fé, ou pela fé sem as obras (Romanos 3:28). Entretanto, não entendemos isto como se a própria fé nos justificasse, mas ela é somente o instrumento com que abraçamos Cristo, nossa justiça. Mas Jesus Cristo, atribuindo-nos todos os seus méritos e tantas obras santas, que fez por nós e em nosso 1ugar, é nossa justiça. E a fé é o instrumento que nos mantém com Ele na comunhão de todos os seus benefícios. Estes, uma vez dados a nós, são mais que suficientes para nos absolver dos pecados.


Poucas coisas podem ser mais importantes do que o entendimento correto da doutrina da justificação pela fé, pois é impossível para uma pessoa ser salva a menos que ela afirme tal evangelho – não que haja outro (Gálatas 1:6-9). Por um lado, há a justiça que vem do homem, a qual não justifica de forma alguma, e por outro lado, há a justiça que vem de Deus, a qual é pela fé e é a única que salva. Somente através da última – a justiça que vem de Deus através da fé – você pode esperar alcançar uma ressurreição como a de Cristo.

Portanto, assegure-se que a “justificação pela fé” não seja apenas um slogan vazio para você, mas sua afirmação sincera baseada num entendimento teológico correto. Pela mesma razão, é apropriado aplicar os insultos mais extremos àqueles que pregam um falso evangelho, visto que eles “fecham o Reino dos céus diante dos homens”; eles mesmos não entram, nem permitem que outros entrem (Mateus 23:13). Eles são piores do que cães e porcos, e bestas estúpidas; essa é uma questão de céu e inferno, e os líderes de igreja devem tratar firmemente com os falsos mestres.



FILIPENSES 3:10-4:1

Quero conhecer a Cristo, o poder de sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte para, de alguma forma, alcançar a ressurreição dentre os mortos. Não que eu já tenha obtido tudo isto ou tenha sido aperfeiçoado, mas prossigo para alcançar aquilo para o qual também fui alcançado por Cristo Jesus. Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio da chamada celestial de Deus em Cristo Jesus. Todos nós que alcançamos a maturidade devemos ver as coisas dessa forma, e se em algum aspecto vocês pensam de modo diferente, isso também Deus lhes esclarecerá. Tão somente vivamos de acordo com o que já alcançamos.

Irmãos, unam-se em seguir o meu exemplo e observem os que vivem de acordo com o padrão que lhes apresentamos. Pois há muitos, como já lhes disse repetidas vezes, e agora repito com lágrimas, que vivem como inimigos da cruz de Cristo. Quanto a estes, o seu destino é a perdição, o seu deus é o estômago e a sua glória está no que é vergonhoso; eles só pensam nas coisas terrenas. A nossa cidadania, porém, está nos céus, de onde esperamos ansiosamente um Salvador, o Senhor Jesus Cristo, o qual, pelo poder que o capacita a colocar todas as coisas debaixo do seu domínio, transformará nossos corpos humilhados, para serem semelhantes a seu corpo glorioso. Portanto, meus irmãos, a quem amo e de quem tenho saudade, minha alegria e coroa, permaneçam assim firmes no Senhor, ó amados!

 

O legalismo não é o único inimigo da justificação pela fé, mas muitas pessoas rejeitam ou distorcem a doutrina de outra forma, de forma que eles interpretam a justificação pela fé como uma licença para pecar com impunidade. Isso é “ilegalidade” ou antinomianismo. Aqueles que promovem essa heresia argumentam falsamente: “Se a justificação depende da graça de Deus, e não das minhas obras, e se a graça de Deus sempre excederá minha impiedade, então isso significa que eu posso pecar o quanto quiser, e ainda serei salvo”.

Paulo antecipa esse abuso e replica: “Que diremos então? Continuaremos pecando para que a graça aumente? De maneira nenhuma!” (Romanos 6:1-2). Por que não? Ele explica: “Nós, os que morremos para o pecado, como podemos continuar vivendo nele?” (v. 2). Assim, isso é o que faz o antinomianismo inconsistente com a justificação pela fé – algo acontece em nós na conversão que torna impossível continuarmos numa vida de pecado. A Escritura diz que fomos “regenerados” (Tito 3:5), e que “nascemos de novo” (João 3:3). João escreve: “Todo aquele que é nascido de Deus não pratica o pecado, porque a semente de Deus permanece nele; ele não pode estar no pecado, porque é nascido de Deus” (1 João 3:9).

Paulo diz que os cristãos “morreram para o pecado”, e que “o pecado não os dominará” (Romanos 6:14). Ele explica que, visto que a graça nos livrou de sermos escravos do pecado, devemos parar de obedecê-lo. Mas a graça não deixa que sejamos nossos próprios senhores, pois ela nos torna “escravos da justiça” (Romanos 6:18). Portanto, ele diz: “Assim como vocês ofereceram os membros dos seus corpos em escravidão à impureza e à maldade que leva à maldade, ofereçam-nos agora em escravidão à justiça que leva à santidade” (Romanos 6:19). Antes do que levar ao antinomianismo, a justificação pela fé leva a um estilo de vida justo e torna o antinomianismo impossível.

Quando Deus salva uma pessoa, ele a regenera mudando sua disposição interior de uma de amor pela impiedade para uma de amor pela justiça, de uma de amor por si mesmo para uma de amor por Cristo, e de uma de desafio para com Deus para uma de obediência para com Deus. Então, Deus concede a essa pessoa fé no evangelho de Cristo, e sobre essa base Deus o justifica em Cristo. Daí em diante, embora esse crente possa tropeçar a medida que ele trilha o caminho da salvação, seu estilo de vida, todavia, se torna um de busca ávida por conhecimento bíblico e santidade. Ele nasceu de Deus, e age agora como tal (1 João 3:9). Nossa regeneração e justificação não mudam apenas nossa posição diante de Deus, mas nos muda no mais profundo nível de nossa consciência, produzindo uma intenção e estilo de vida piedoso.

A graça produz desejos piedosos no crente. Paulo diz aos filipenses que ele quer conhecer a Cristo. Certamente, Paulo já conhecia a Cristo; ele conhecia a Cristo melhor do que qualquer um de nós possa conhecer nessa vida. Mas ele desejava conhecer a Cristo melhor e melhor! Ele desejava conhecer mais do poder de Cristo que estava operando nele para produzir um maior conhecimento e santidade (Efésios 1:16-23, 3:16-21). Ele estava ávido por participar de uma maneira mais profunda do sofrimento de Cristo, e de passar por dificuldades por causa do evangelho, “tornando-me como ele em sua morte”, e alcançar a ressurreição dentre os mortos. [45]

A graça produz humildade genuína no crente. Paulo admite que ele não tinha alcançado a perfeição ainda. Mas a mesma graça que o salva e humilha, também lhe dá um anseio e um zelo para buscar a perfeição em Cristo. Antes do que se tornar auto-satisfeito ou desencorajado, Paulo diz que ele prossegue “para alcançar aquilo para o qual também foi alcançado por Cristo Jesus”. Se você é um cristão, é Cristo quem te alcançou. Não pense por um momento sequer que você foi aquele que iniciou a relação com ele, ou que você de alguma forma teve o bom senso de aceitar o evangelho por seu próprio “livre-arbítrio”. Você é um cristão hoje porque Deus te escolheu, não porque você o escolheu (João 15:16). Você o ama hoje porque ele soberanamente decidiu te amar, e colocou o seu amor em você, para que você pudesse amá-lo e aos seus irmãos (Romanos 5:5).

Mas contrário ao antinomianismo, ele não escolheu te salvar para que você possa continuar pecando com impunidade; antes, ele te designou para produzir fruto que permaneça (João 15:16; Filipenses 1:11). Ou, como Paulo coloca aqui, Cristo te alcançou para que você, consequentemente, pudesse alcançar algo. Isto é, após Paulo ter sido justificado, e de fato por ter sido justificado, ele prossegue para o fim, a fim de poder se tornar perfeitamente santificado. Seu foco é prosseguir e ir adiante, e não a expectativa da obtenção real da perfeição sem pecado nessa vida, a qual ela não tinha obtido ainda após todos esses anos de luta feroz.

Todavia, ele recusa buscar a santificação de uma maneira indiferente. Mas ele prossegue para a santificação, como se esforçasse para correr numa competição atlética. Ele não senta simplesmente ali e repete o slogan anti-bíblico: “Relaxe e deixe tudo com Deus!”. A justificação pela fé não exclui uma busca consciente e zelosa de conhecimento e santidade. De fato, se você não se esforçar dessa forma, isso mostra que você nunca foi transformado por Cristo, e assim você nunca foi salvo. Assim, nessa pequena passagem Paulo rejeita o legalismo, o antinomianismo, o perfeccionismo e o quietismo.

A graça transforma todo o estilo de vida do crente, de forma que em contraste com aqueles que pensam em “coisas terrenas”, sua vida é caracterizada por pensamentos e conversações centradas em Deus (Malaquias 3:16). Como Paulo escreve em outro lugar: “Os que vivem segundo a carne têm suas mentes voltadas para o que a carne deseja; mas os que vivem de acordo com o Espírito têm suas mentes voltadas para o que o Espírito deseja” (Romanos 8:5). “Todos nós que alcançamos a maturidade devemos ver as coisas dessa forma”, e em todo caso, “vivamos de acordo com o que já alcançamos”.

É verdade que Deus te salva pela fé aparte das obras, mas se sua fé é real, então você produzirá boas obras pelo poder e influência do Espírito em você. Agora, é possível que você pense e reivindique ter fé real, quando na realidade sua fé não é real de forma alguma. Se sua “fé” não resulta numa transformação básica e duradoura em seus pensamentos e ações, então você nunca foi salvo. Como Jesus adverte:

Nem todo aquele que me diz: “Senhor, Senhor”, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: “Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?” Então eu lhes direi claramente: “Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam a iniqüidade!”

Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as pratica é como um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela não caiu, porque tinha seus alicerces na rocha. Mas quem ouve estas minhas palavras e não as pratica é como um homem insensato que construiu a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela caiu. E foi grande a sua queda. (Mateus 7:21-27)


Somente aqueles cuja “fé” produz obediência são verdadeiramente salvos, mas muitos (v. 22) estão enganados sobre sua condição espiritual, pois eles não entendem a mensagem do evangelho, ou porque suas mentes foram endurecidas contra ele. “Afaste-se da iniqüidade todo aquele que confessa o nome do Senhor” (2 Timóteo 2:19).

Temos enfatizado a importância da união ao redor do evangelho, e agora vimos que esse evangelho tem certo conteúdo muito específico. União ao redor do evangelho significa concordância sobre a justificação pela fé e rejeição de todas as distorções e aberrações. Então, sobre a base dessa unidade teológica, prosseguimos na busca da santificação completa. Embora pareça que nunca a alcançaremos nessa vida, esquecemos o que está para trás e prosseguimos para alcançar aquilo para o qual Cristo nos alcançou. Não fazemos isso por nosso próprio poder, visto que não temos tal poder em nós mesmos (João 15:4-5), e não fazemos isso para que possamos ser justificados diante de Deus; antes, buscamos a santificação porque já fomos justificados, [46] e porque o poder de Deus agora opera em nós para produzir a santidade. E a medida que o fizermos, cresceremos na segurança de nosso chamado e eleição (2 Pedro 1:10).


FILIPENSES 4:6-9

Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus. E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará os seus corações e as suas mentes em Cristo Jesus.

Finalmente, irmãos, tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas. Tudo o que vocês aprenderam, receberam, ouviram e viram em mim, ponham-no em prática. E o Deus de paz estará com vocês.


Se você foi justificado diante de Deus através da fé em Cristo, então você é um cidadão do céu (3:20). Se você é um cidadão do céu, então você deve agir como tal (3:17-21), pois até então, você não terá garantia bíblica suficiente para estar certo de que você foi justificado diante de Deus (2 Pedro 1:10). Você age como um cidadão do céu ao focar seus pensamentos sobre coisas espirituais, ao invés de coisas terrenas (3:19-20). Agora, entendemos que um pecador nasce com uma disposição básica má em sua mente, e por toda a sua vida, essa disposição perversa o leva a desenvolver e reforçar inúmeros hábitos pecaminosos – hábitos na mente e no corpo. [47] Assim, o incrédulo peca habitualmente e não apenas ocasionalmente (1 João 3:9).

Quando Deus converte um pecador, ele o regenera mudando sua disposição básica interior de uma que é má para uma que é boa, de forma que Paulo pôde dizer: “No íntimo do meu ser tenho prazer na lei de Deus” (Romanos 7:22). Essa mudança na disposição interior muitas vezes produz rapidamente diferenças dramáticas e visíveis no estilo de vida da pessoa, de forma que alguns ou muitos dos hábitos pecaminosos do passado são removidos. Isso se torna crescentemente verdadeiro para esse crente que peca agora ocasionalmente, e não habitualmente (1 João 3:9); contudo, muitos dos outros hábitos pecaminosos da mente e do corpo permanecem. Alguns desses pecados são especialmente teimosos, de forma que eles até mesmo ameaçam a nossa certeza de salvação, até mesmo se somos realmente salvos.

Sobre essa condição, e em conexão com o que Paulo diz em Romanos 7 sobre justificação, Jay Adams escreve o seguinte:

Com o que essa luta é semelhante?... Uma pessoa encontra forças contraditórias operando, batalhando uma contra a outra. Com sua natureza regenerada ela descobre que quer fazer coisas que agradarão a Deus, mas, todavia, ela falha em praticá-las. Por outro lado, o que ela veio a odiar como cristão, ela se vê praticando. Claramente, diz Paulo, se eu faço coisas que eu não quero fazer, eu testifico através disso que a lei é boa (v. 16). O problema está em mim, não na lei. Não sou mais eu (o novo eu regenerado) quem produz o pecado, mas as práticas pecaminosas do cérebro e corpo acostumados em meus membros. A luta é com o passado conservado no presente por um corpo acostumado...

Sua natureza pecaminosa, com a qual ela nasceu, programou as partes (membros) de seu corpo a responderem a várias situações na vida de uma maneira pecaminosa. Assim, na santificação, o problema é reprogramá-las nos caminhos justos, apresentando os mesmos membros do corpo a Deus para a justiça. Paulo descobre existir uma lei (uma ocorrência habitual; algo que acontece regularmente) que, não importa quando ele queira fazer uma coisa boa, ele está ciente das tendências más com as quais ele deve lutar.... Os membros das pessoas devem se tornar reacostumados. O cativeiro sobre o qual Paulo escreve é o forte cativeiro do hábito. [48]


Não devemos inferir a partir de nossos sentimentos e experiências que nunca sobrepujaremos nossos pecados remanescentes; antes, é a vontade de Deus que tenhamos sucesso em nossa luta para alcançar uma maior e maior santidade (Romanos 7:21-8:14), mesmo que nunca alcancemos a perfeição (3:12-14). Todavia, Deus não nos deixa lutar contra o pecado com o nosso próprio poder, pois não temos tal poder em nós mesmos (João 15:4-5). Pelo contrário, Deus nos deu o seu Espírito Santo, assim como ele disse:
“Porei o meu Espírito em vocês e os levarei a agirem segundo os meus decretos e a obedecerem fielmente às minhas leis” (Ezequiel 36:27). Se você se tornou um crente, você tem um poder em você para sobrepujar o pecado — poder esse que você não tinha como um pecador — e pela graça de Deus, “o pecado não te dominará” (Romanos 6:14).

Embora a própria santificação seja controlada por Deus (Filipenses 1:6, 2:13), ele nos faz “operar” nossa salvação (2:12) por meio de uma luta da qual estamos cientes e de um processo que estamos conscientes. Mas o que esse processo consciente envolve? Como ele se desenvolve? Sabemos que Deus nos deu o poder do Espírito pelo qual podemos sobrepujar o pecado, mas como aplicamos conscientemente esse poder em nossas vidas para efetuar a santificação?

Agora, o princípio de santificação é substituir aquilo que é mau pelo que é bom. Jesus diz que quando um espírito mau deixa uma pessoa, se ele voltar e encontrar o homem “desocupado”, então ele voltará com outros sete espíritos mais perversos do que ele para ocupar novamente o homem, de forma que a condição final do homem é pior do que a primeira (Mateus 12:43-45). A santificação não envolve somente a remoção de atos e hábitos maus, mas o desenvolvimento de atos e hábitos bons.

Portanto, Paulo ensina um procedimento de “despir/vestir” pelo qual conscientemente cooperamos com o poder de Deus que está em ação em nós para produzir santificação. Ele escreve: “Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e santidade provenientes da verdade” (Efésios 4:22-24).

Paulo então aplica isso a diversos exemplos, talvez aos atos pecaminosos que eram comuns entre os efésios, e que eles estavam tendo problemas em sobrepujar. Ele escreve: “Portanto — porque devemos aplicar o procedimento de “despir/vestir” — “cada um de vocês deve abandonar a mentira”. Se você era um mentiroso, pare de mentir, mas além disso, você deve aprender a “falar a verdade” (v. 25). Quando um mentiroso deixa de ser um mentiroso? Não quando ele pára de mentir, mas quando ele começa a dizer a verdade.

Ele continua: “O que furtava não furte mais”. Se você era um ladrão, para de roubar, mas além disso, você “deve trabalhar, fazendo algo útil”. Embora você tenha que se abster das outras coisas que não lhe pertencem, você deve agora fazer exatamente o oposto — você deve trabalhar de forma que “tenha o que repartir com quem estiver em necessidade” (v. 28). Isto é, substitua o roubo por generosidade.

Se você está acostumado a pronunciar “palavra torpe”, então pare, mas além disso, você deve falar “apenas o que for útil para edificar os outros, conforme a necessidade, para que conceda graça aos que a ouvem” (v. 29). Assim, não é suficiente apenas parar suas conversas perversas anteriores, mas você deve substituí-las com conversas edificantes em benefício daqueles que te ouvem. Dispa-se da palavra torpe; revista-se da palavra que edifica.

Finalmente, Paulo diz: “Livrem-se de toda amargura, indignação e ira, gritaria e calúnia, bem como de toda maldade” (v. 31). Dispa-se de “toda forma de malícia”, mas além disso, ele diz, “sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo” (v. 32). Dispa-se da malícia; revista-se de bondade.

Acima de tudo, estude teologia! Na passagem paralela em Colossenses, Paulo indica que assim como o “velho homem” se alimenta de “suas práticas”, o “novo homem” está “sendo renovado em conhecimento” (Colossenses 3:9-10). Novamente, há aqueles que dizem que teologia não é importante, mas que somente a santidade é importante. Além de ser anti-bíblica, essa postura é logicamente e espiritualmente impossível, visto que é a teologia que define e alimenta o viver santo, e torna a santificação significante e possível.

Paulo está aplicando o mesmo procedimento de “despir/vestir” aos filipenses, na passagem de 4:6-9. O evangelho tem muitos inimigos políticos, ideológicos, sociais e doutrinários (Atos 16:19-24; Filipenses 1:28-29, 3:2; 1 Tessalonicenses 2:2), e é provavelmente por causa disso que Paulo está tratando da ansiedade dos seus leitores sobre essas coisas. Consistente com o procedimento de “despir/vestir”, Paulo escreve, “não andem ansiosos por coisa alguma”, mas antes, “apresentem seus pedidos a Deus”, pela “oração e súplicas, e com ação de graças”. Parem de ser ansiosos, mas comecem a orar com gratidão.

Mas a oração é apenas o primeiro passo para se substituir a ansiedade. Visto que a ansiedade é uma questão de pensamento, a solução também deve pertencer ao pensamento. Oração e ações de graça levam a mente ansiosa de uma pessoa para uma direção totalmente diferente, preparando-a a adotar uma série diferente de pensamentos. O versículo 8 não lista coisas específicas sobre as quais uma pessoa deve pensar, mas ele lista os tipos de pensamentos que são bons e aceitáveis, e nos diz para deliberadamente “pensar sobre tais coisas”. Com certeza, a lista deve rejeitar muitos programas de televisão, filmes e revistas, mas certamente inclui reflexões sobre doutrinas bíblicas, planos para promover o evangelho, e formas de progredir em santidade. Novamente, a ênfase não é somente na remoção de atos maus, mas numa implementação consciente e deliberada do padrão de vida piedoso que os apóstolos tinham ensinado e demonstrado (3:17, 4:9; também Hebreus 13:7).

O poder de Cristo sobrepujará progressivamente nosso hábitos pecaminosos a medida que implementarmos esse programa de santificação. Certamente, essa estratégia de “despir” a impiedade e “vestir” a santidade se aplica a toda área da vida, incluindo outros itens que Paulo tinha discutido nessa carta aos filipenses. Você é uma pessoa que vive à custa de outra? Pare de ser um parasita e se torne um parceiro no evangelho para fornecer assistência financeira e prática às igrejas e ministério dignos de tal. Sua ambição egoísta está ameaçando a unidade da comunidade da igreja? Pare de buscar os seus próprios interesses e comece a buscar os interesses de Cristo — a defesa do evangelho e a maturidade dos santos. Pratique um “padrão” de vida piedosa — você não deve somente substituir hábitos pecaminosos isolados na sua vida, mas você deve implementar um programa abrangente de santificação para alcançar progresso real e duradouro.

A recompensa de tal programa é que “a paz de Deus” (v. 7) e “o Deus de paz” (v. 9) estará com você, guardando o seu coração e sua mente em Cristo Jesus. A palavra “paz” é freqüentemente entendida como se referindo a uma serenidade emocional interna; contudo, freqüentemente, essa não é a ênfase principal. A palavra freqüentemente se refere a uma paz relacional entre duas partes, de forma que ter “paz” numa relação é o oposto de estar em guerra uns contra os outros.

Por exemplo, em Romanos 5, Paulo contrasta ser “inimigos de Deus” (v. 10) com ter “paz com Deus através do nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 1). No mesmo sentido, nossa mensagem é chamada “o evangelho da paz” (Efésios 6:15). Em Efésios 2:14-16, “paz”é contrastada com “hostilidade”; em Colossenses 1:19-21, “estabelecer a paz” é contrastado com ser “separados de Deus”, e ser seus “inimigos”. Em todos esses casos, “paz” se refere à paz objetiva que uma pessoa tem com Deus através da obra redentora de Cristo, e não a uma paz subjetiva de serenidade emocional interna.

Até o mesmo o versículo freqüentemente citado — “Que a paz de Cristo seja o juiz em seus corações” — refere-se realmente à harmonia relacional entre “membros de um só corpo” (Colossenses 3:15). Em outras palavras, “a passagem está falando sobre como se entender com outros cristãos” [49]. Muitos têm usado erroneamente esse versículo para ensinar que Deus nos guia através de uma “paz” subjetiva, de forma que ter uma serenidade interna sobre uma decisão provavelmente indica a aprovação de Deus. Mas a Bíblia não ensina isso como uma forma legítima de direção da parte de Deus. [50] Outros exemplos de “paz” sendo usada num sentido objetivo incluem 1 Tessalonicenses 5:23 e Hebreus 13:20-21.

O ponto não é difícil ou elusivo, mas muitos comentaristas falham em reconhecê-lo. Motyer é uma exceção, pois ele escreve:

O “Deus de paz” é o Deus que faz paz entre si mesmo e pecadores... Devemos ser cuidadosos ao enfatizar a eficácia interior dessa guarda de paz, não a limitando à esfera de sentimentos pacíficos — um “senso” de estar em paz... Ela é também uma palavra relacional incluindo (para cima) “paz com Deus” e (para fora) integração pacífica dentro da sociedade do povo de Deus. [51]

A frase, “que excede todo entendimento”, não deve ser vista como uma expressão anti-intelectual. Ela está dizendo apenas que o Deus que estabelece essa paz, quer subjetiva ou objetiva (mas especialmente objetiva), pode realizar “mais do que os nossos planos habilmente premeditados e engenhosos podem realizar”. [52] Nós prontamente reconhecemos que não somos sábios ou onipotentes como Deus; não podemos conhecer todas as implicações e ramificações de cada evento, enquanto Deus designa e conhece todos eles. E sabendo que Deus governa sobre todas as coisas, oferecemos nossa oração e ações de graça, e pensamos pensamentos piedosos para substituir nossa ansiedade.


NOTAS:

[40] — Aqui estamos distinguindo as leis cerimoniais do antigo pacto das leis morais eternas que Deus revelou. Enquanto as leis cerimoniais foram cumpridas em Cristo, as leis morais continuam a ser obrigatórias para todas as pessoas.

[41] — John MacArthur, Hard to Believe; Thomas Nelson, Inc., 2003; p. 20.

[42] — Deus escolheu alguns indivíduos para salvação na eternidade, e Cristo redimiu esses indivíduos — e somente esses indivíduos — na história. Veja Vincent Cheung, Systematic Theology.

[43] — MacArthur, p. 115-116, 162-163, 170.

[44] — Não estamos dizendo que a graça como tal contradiz as obras como tal. Deus fato, Deus nos salva pela graça (através da fé e aparte das obras, Romanos 4:6), de forma que podemos realizar boas obras (Efésios 2:8-10). Antes, estamos dizendo que a dependência da graça de Deus para a salvação contradiz nossa dependência das obras para a salvação, e que a última não pode salvar de forma alguma, de forma que a dependência da graça de Deus é o único caminho para a salvação.

[45]— “De alguma forma” no versículo 11 não implica que Paulo duvidasse de que ele alcançaria a ressurreição, mas mui provavelmente se refere a sua incerteza sobre o momento e as circunstâncias pelas quais ele chegaria nesse ponto. Assim, é uma questão sobre a providência de Deus, e não sobre a posição de Paulo diante de Deus (Romanos 8:35-39).

[46]— “Desde a Queda sempre tem sido ilegal usar a lei de Deus nas esperanças de estabelecer o mérito e justificação pessoal de alguém. A salvação vem pelo caminho da promessa e da fé; comprometimento à obediência é o estilo de vida da fé, um sinal de gratidão pela graça redentora de Deus” (Greg L. Bahnsen em Five Views on Law and Gospel; Zondervan Publishing House, 1993, 1996; p. 141; editado por Wayne G. Strickland).

[47] — Certamente, o cérebro é parte do corpo. Aqui estou distinguindo principalmente o cérebro da mente para enfatizar que após a regeneração, embora a mente tenha uma disposição piedosa, o cérebro ainda retém hábitos pecaminosos. Devido à conexão entre mente e corpo (incluindo o cérebro), isso pelo menos explica parcialmente nossos pensamentos pecaminosos após a conversão.

[48] — Jay E. Adams, The Christian Counselor's Commentary: Romans, Philippians, 1 Thessalonians, and 2 Thessalonians; Timeless Texts, 1995; p. 61-62.

[49] — Jay E. Adams, The Christian Counselor's Commentary: Galatians, Ephesians, Colossians, and
Philemon
; Timeless Texts, 1994; p. 160.

[50] — Passagens como 2 Coríntios 2:13 não são exceções. Por exemplo, esse versículo em 2 Coríntios está meramente dizendo que Paulo queria encontrar Tito. Ele não ensina que sua falta de “paz ”era um sinal de Deus para lhe ajudar a fazer uma decisão consciente. Deus controla todas as coisas, incluindo nossos sentimentos de paz ou falta dela, mas ele também controla as cobiças humanas, mas ter a cobiça de fazer algo não significa que você tem a aprovação de Deus para fazê-lo, visto que Deus já lhe disse na Escritura o que fazer com a cobiça. Portanto, nossa faculdade emocional é somente uma função da mente, e não uma forma autorizada de orientação divina.

[51] — Motyer, p. 208-209.

[52] — Martin, p. 172.

 

(Commentary on Philippians, páginas 44-60)






Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts. [ http://www.rmiweb.org/ ]


Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 19 de Setembro de 2005.

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