Por que a Mosa Lisa irá para o céu
Cultura de acordo com Deus

por

Greg Johnson

 

 

E viu Deus que era bom... e Deus lhes disse... enchei a terra, e sujeitai-a” (Gênesis 1.25,28)

 

Uma das primeiras passagens bíblicas que memorizei quando me tornei cristão foi a Grande Comissão (Mt 28.18-20). Estas eram as ordens finais do Senhor para suas tropas antes de ascender aos céus. O Rei Jesus havia prometido que o Espírito Santo daria poder capaz de mudar o mundo para todo cristão. Então, ele nos instruiu a fazer discípulos de todas as nações. Ele nos mandou ir até as pessoas, batizá-las em nome da Trindade e ensiná-las a obedecer tudo que o Senhor ordena. Aqui nós temos um grande retrato para a igreja. Todas as pequenas coisas que a igreja faz são parte desta grande missão de ensinar as nações.

 

A Primeira Grande Comissão – O Mandato Cultural

O que poucos sabem, no entanto, é que existem duas grandes comissões na Bíblia. A mais familiar está em Mateus 28. Mas uma grande comissão anterior foi dada à toda humanidade. No princípio, Deus falou aos nossos primeiros pais:

E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra (Gênesis 1.28).

É fácil esquecer-se da importância dessas palavras. Estas são as instruções de Deus para a raça humana, sua visão de vida para nós. É um chamado para estabelecer a sociedade humana sobre a terra. O Senhor nos designou para encher a terra e sujeitá-la. Fomos criados para reger a Criação, para deixar nossa marca sobre a terra. Fomos criados para criar, planejados para planejar. Esta é a primeira grande comissão, o fundamento para a civilização humana. É chamado de mandato cultural.

 

Domínio + Natureza = Civilização

A sociedade ocidental tem se tornado tão especializada que nós nos esquecemos do fato simples de que domínio e cultura andam lado a lado. Freqüentemente pensamos na natureza num sentido romântico de matas virgens. Mas neste exato momento em que digito, estou sentado em uma parte da mata – uma cadeira. É uma daquelas velhas cadeiras de madeira, fora de moda. Cadeiras assim, em última análise, não vêm de uma fábrica, mas de árvores.

Duas coisas são necessárias para que eu tenha minha cadeira: árvores e domínio humano (incluindo criatividade humana). O homem sujeita a terra para pegar a madeira, e então, como imagem de Deus, imprime sobre a árvore seu poder criativo, gerando uma bonita cadeira, mesmo que ela pareça cimento.

As ordens de Deus para humanidade? Fazer cadeiras, construir casas, plantar orquídeas, barrar rios, controlar eletricidade, extrair pigmentos e fibras e pintar Mona Lisas, transformar o silício nas praias em microchips, transformar raízes em batatas fritas.

A industrialização e a crise do meio-ambiente que a acompanha nos têm dado uma imagem negativa do domínio, divorciada de nosso chamado dado por Deus. Domínio significa mais que esvaizar minas e causar poluição. Domínio não significa abuso e pilhagem. Significa que o mundo de Deus está incompleto sem a humanidade em seu devido lugar.

Como discutido no último capítulo, Deus estabeleceu certas instituições, como governo e família, para estruturar a ordem social. É importante notar, entretanto, que a própria cultura foi o que Deus nos ordenou que criássemos. A sociedade humana não é algo neutro. Deus não regula simplesmente a cultura humana; ele a estabelece. Ele é o caule de onde os vários ramos da civilização humana crescem e se espalham.

Esquecer a razão pela qual Deus nos criou é denegrir os nobres chamados que Ele deu a muitos de nós. Nenhum cristão deveria sentir-se culpado por participar de assuntos “seculares” se isto é o que Deus planejou para ele! A doutrina da Criação é a grande doutrina negligenciada do Cristianismo. Centenas de passagens bíblicas nunca aparecem em sistemas de memorização da Bíblia. “Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe com coração contente o teu vinho, pois já Deus se agrada das tuas obras.” (Ec 9.7). Eu gostaria de colar um versículo desses no meu escritório.

Interesses mundanos como agricultura, arquitetura e comércio são uma perda de tempo? Deus diz que não. E qualquer coisa que nós fazemos pela fé nesta vida permanecerá na era porvir – seja limpar o chão ou planejar pontes. No fim desta era, quando o pecado for erradicado e as nações andarem na luz de Deus, o melhor da cultura humana permanecerá. Nos é dito sobre a Cidade de Deus que “os reis da terra trarão para ela a sua glória e honra.” (Ap 21.24). Eu duvido que Luís XIV estará lá, mas eu devo pensar que alguns cristãos de sua corte talvez presenteem Deus com o Palácio e os jardins de Versailles como uma oferta.

Imagine o Arco do Triunfo, a Mona Lisa, os sonetos de Shakespeare, o Chevy ano 57, a Baker Furniture, o Taj Mahal – todas as glórias da civilização humana, finalmente livres de suas histórias pecaminosas, motivações confusas e subprodutos negativos. Todos eles virão à Cidade eterna de Deus, como ofertas à fonte de bem, da verdade e da beleza. “A ela trarão a glória e honra das nações” (Ap 21.26)

Apesar de Gênesis 2 e Apocalipse 21-22 (o começo e o fim da história) serem parecidos em quase todos os aspectos, o Jardim no fim não será mais um jardim, mas uma grande cidade, os séculos de domínio finalmente serão redimidos para estabelecer uma civilização eternamente com Deus em seu centro. O mandato cultural, apesar do pecado e da rebelião da humanidade, encontrará sua plenitude.

 

Mas, cuidado com Babel

Ainda assim, a Escritura está cheia de avisos contra o mau uso da cultura. O chamado para construir a civilização humana tem sido cooptado através da história por homens e mulheres (normalmente homens) com egos gigantes, procurando glória para si mesmo, ao invés de glória a Deus. Quando a sociedade humana levanta-se contra o Deus que a estabeleceu, a cultura torna-se corrompida por sua idolatria.

Nós lemos em Gênesis 11 sobre uma torre construída por homens que queriam fazer um nome para si mesmos (Gn 11.4). Construída algum tempo após o grande dilúvio (Gn 6-9), a Torre de Babel tornou-se um símbolo da civilização humana erguida para a glória do homem, ao invés da glória de Deus. Deus respondeu com um ataque preemptivo, espalhando a humanidade pela Terra e confundindo nossa linguagem para limitar nossa habilidade de cooperar com os outros em nossa rebelião cultural contra ele.

Como o desenvolvimento cultural foi ordenado por Deus na Criação, ele foi arbitrariamente tomado pelo pecado. Lembre-se do orgulho de Nabucodonosor por causa do reino que estabeleceu. Andando no topo de seu palácio, ele perguntou “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com a força do meu poder, e para glória da minha magnificência?” (Dn 4.30). Foram sete anos de insanidade até que este rei levantasse seus olhos para o céus e reconhecesse que o Altíssimo é soberano (Dn 4.28-37).

Infelizmente, a arrogância é a doença comum dos mais refinados. Jesus louvou ao Pai por esconder a verdade dos sábios e entendidos do mundo (Mt 11.25). Dentro do mistério de seu propósito eterno, Deus escolheu mais dos “não-são” do mundo que dos “são”. “Vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados”, Paulo escreve. “Mas”, explica, “Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias” (1 Co 1.26-27)

Minha própria experiência tem sido que os critãos altamente educados e prósperos – aqueles que tendem mais a apreciar artes e alta cultura – são facilmente infectados pela arrogância que acompanha os refinados. Nós achamos muito fácil olhar com desdém os crentes mais pobres, com seus pesos de papel em forma de mãos orando, como se a beleza das artes fosse para nossa glória ao invés da glória de Deus. Não há desculpa para orgulho e julgamento. Como Deus estabeleceu a civilização, ele não dividirá sua glória com outro (Is 48.11).

 

Deus quer que você aproveite a Criação

Com os avisos dados, existem centenas de alimentos culturais aqui para o nosso deleite – desde que os recebamos com humildade e gratidão como dons de Deus. Nós somos criaturas físicas, e nossa existência física é algo bom – Deus disse isso. Ele nos formou de um barro físico (Gn 2.7). Ele disse que o mundo material era bom , que era muito bom (Gn 1.31). A carne que a Escritura nos adverte não refere-se a nossos corpos, mas à nossa pecaminosidade e normalmente é traduzida hoje como “natureza pecaminosa”.

Eu não tenho certeza do motivo para que alguns cristãos, através do tempo, tenham crido que o prazer físico é ruim. Talvez só estivessem profundamente preocupados com sua tendência ao abuso e de tornarem-se viciados no prazer. Nós não devemos permitir que ninguém nos domine (1Co 6.12). Mas Deus nos deu a beleza e o prazer. Prazer é uma coisa boa. Apesar de poder ser abusado, a correção para o mau uso do prazer não é ignorá-lo, mas recebê-lo com alegria divina.

Jesus certamente não era libertino ou excessivo – ele nem mesmo possuía uma casa durante seu ministério (Mt 8.20). Mas ele apreciava comer e beber. Seus inimigos o acusaram de bebedeira e glutonaria (Mt 11.19). Considere quão disposto Jesus transformou água em vinho para uma festa inteira (Jo 2.1-11). Obviamente, ele não considerou a celebração algo ruim.

Apesar do risco de abuso, Jesus teve prazer e permitiu que os outros fizessem o mesmo. E o vinho bíblico era vinho verdadeiro. Freqüentemente era misturado com água, mas você ainda podia ficar bêbado com ele (Ef 5.18). É por isso que a Escritura nos avisa para sermos cuidadosos (Pv 20.1). A Bíblia explicitamente diz que Deus é o único que dá vinho para bebermos (ou não bebermos), da mesma forma que nos dá pão.

Faz crescer a erva para o gado,

e a verdura para o serviço do homem,

para fazer sair da terra o pão,

E o vinho que alegra o coração do homem,

e o azeite que faz reluzir o seu rosto,

e o pão que fortalece o coração do homem. (Sl 104.14,15)


O mundo de Deus vai muito além das necessidades simples. Quando uma mulher derramou um vaso inteiro de perfume caríssimo aos pés de Jesus, por exemplo, viu que não era desperdício mas uma “coisa bonita” (Mc 14.3-9). Você percebeu o julgamento estético? Jesus poderia ter dito que foi um ato apropriada ou uma ação moral. Pelo contrário, ele a considerou bonita. A propósito, há aproximadamente quarentas referências a perfume na Bíblia, quase todas positivas.(1)

Deus nos deu sua boa Criação para ser usada para nossa alegria. Prazeres servem como indicadores do Deus que é bom, verdadeiro e belo. Outro versículo negligenciado pelas pessoas que fazem adesivos cristãos diz “Para o homem não existe nada melhor do que comer, beber e encontrar prazer em seu trabalho. E vi que isso também vem da mão de Deus. E quem aproveitou melhor as comidas e os prazeres do que eu?”. Ele ainda adiciona uma recomendação. “Por isso recomendo que se desfrute a vida, porque debaixo do sol não há nada melhor para o homem do que comer, beber e alegrar-se. Sejam esses os seus companheiros no seu duro trabalho durante todos os dias da vida que Deus lhe der debaixo do sol!” (Ec 2.24,25; 8.15, NVI)

As palavras bíblicas mais fortes sobre o prazer, entretanto, não vêm do autor de Eclesiastes, mas do apóstolo de Cristo, Paulo. Normalmente pensamos nos falsos mestres como aqueles que ultrapassam o padrão de Deus, mas os piores professores, Paulo nos avisa, são aqueles que o diminuem, chamando de más as coisas boas.

Tais ensinamentos vêm de homens hipócritas e mentirosos, que têm a consciência cauterizada e proíbem o casamento e o consumo de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ação de graças pelos que crêem e conhecem a verdade. Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, se for recebido com ação de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração. (1 Tm 4.2-5, NVI)

Os mestres que Paulo condena viam o mundo material como uma coisa má. Pessoas espirituais, eles diziam, eram pessoas que abriam mão de certas comidas, do casamento e de sexo. Porém, na verdade, esta auto-punição ascética não era espiritual, mas demoníaca e herética (1Tm 4.1). Dizer que alguma coisa que Deus nos deu é intrisicamente má é tornar maligna a pessoa de Deus.

Certamente é possível abrir mão de uma bênção com o objetivo de alcançar outra – por meio de jejum, celibato ou sacrifício financeiro. Eu já conheci muitos cristãos que abriram mão de carreiras potencialmente lucrativas a fim de entrar no ministério cristão. O próprio Paulo abriu mão de seu direito de casar objetivando servir melhor a Deus (1Co 9.5,15). Mas Paulo não afirma que o casamento era ruim; na verdade ele estava perseguindo uma bênção diferente.

O prazer é central ao nosso relacionamento com Deus. Nós não somos chamados simplesmente para crer em Deus; nós somos chamados para nos deleitarmos nele. “Deleita-te também no Senhor, e te concederá os desejos do teu coração.” (Sl 37.4). A Bíblia refere-se a deleitar-se em Deus tanto quanto arrepender-se. Nossas afeições são centrais para viver a vida que Deus tem para nós. E Deus se deleita em nós. “O Senhor se agrada dos que o temem e dos que esperam na sua misericórdia.” (Sl 147.11). Nosso deleite nele é baseado em seu deleite em nós.

Eu estou convencido de que nossa falha em ler toda a Escritura cuidadosamente – e particularmente o Antigo Testamento – tem empobrecido as vidas espirituais dos cristãos. Salvação torna-se simplesmente chegar aos céus, como se nós estivéssemos tentando escapar do mundo que Deus fez para nós. A salvação é muito mais compreensiva. Primeira e principalmente é reconciliação com Deus (2Co 5.18,19).

No passado existiu uma batalha com Deus em todas as áreas de nossas vidas. Mas a salvação traz reconciliação em todas as áreas: arte, drama, literatura, ciência, educação, engenharia, comércio, sono, diversão. Tudo na vida é reconciliado com o Todo-Poderoso, sob o senhorio de Jesus Cristo.

Realmente, foi Jesus quem orou para que nós estivéssemos no mundo, mesmo não sendo deste mundo (Jo 17.16-18). Freqüentemente, nós fazemos isso ao contrário; nos tornamos mundanos em nosso gueto evangélico. Nos descobrimos como mundanos, e não no mundo.

A cultura humana dentro do propósito de Deus deve apresentar a perfeição da pessoa de Deus ao universo inteiro. Poderia alguém ver a infinita beleza da Criação de Deus e não pensar que nosso Deus é bom? Eu não estou falando apenas do Grand Canyon, dos Alpes Suícos e esquilos. Eu também estou falando da Nona Sinfonia de Beethoven.

 

Alta cultura e as artes de acordo com Deus

Arte é a esfera da vida que tem mais potencial para apresentar a beleza de Deus que qualquer outra. No entanto, o termo alta cultura não ajuda. Lembra imagens de senhoras ricas e esnobes em bailes formais. Ainda assim, as artes freqüentemente apresentam as maiores realizações da cultura. Muita da verdadeira arte do mundo apresenta a excelência de Deus, mesmo que muitos artistas não sejam cristãos.

Eu não tenho idéia da intenção de Beethoven quando ele escreveu a Nona Sinfonia. Mas seu trabalho ainda assim glorifica a Deus. O que vem daquilo – voluntariamente ou não – é beleza que deve ser creditada somente à imagem de Deus em Beethoven. A feiura do pecado de um artista e a beleza de sua música podem ser distinguidos, e eu posso ser grato por uma coisa mesmo enquanto eu me lamento pela outra.

Muitos grandes hinos são cantados em melodias que eram originalmente canções de bar. As melodias eram boas! Mesmo na criatividade de pagãos, a bondade, verdade e beleza de Deus ainda nos são mostradas, uma vez que seres humanos são criados à sua imagem.

Mesmo Paulo citou poetas pagãos gregos, incluindo um Hino a Zeus (Atos 17.28). Vamos encarar – o apóstolo foi fã de artes. Ele tinha uma queda pela literatura grega do século XVI a.C. Ele faz citações sempre em momentos oportunos, para provar alguma coisa. Obviamente, ele gastou algum tempo lendo esta coisas – talvez fosse seu truque. Ele cita o poeta Epimênides como evidência de que os cretenses são todos mentirosos (Tt 1.12) e retira um conselho moral sobre má companhia corromper uma boa pessoa de uma comédia grega de Menander (1Co 15.33).

Pessoalmente, eu prefiro a ficção científica britânica dos anos 70 a clássicos da literatura grega. Doctor Who – mesmo que definitivamente não seja um programa cristão – tem certos temas nobres que eu posso apreciar: amor pela paz, reconhecimento da fraqueza humana e, algumas vezes, um respeito dogmático pelo valor da vida humana. Talvez se Paulo estivesse aqui, ele assistiria alguns episódios comigo.

Você já percebeu que a primeira habilidade realmente chamada de dom do Espírito Santo foi a arte? Bezalel e Aoliabe receberam o Espírito de Deus para capacitá-los a preparar a arte do tabernáculo (Ex 31.1-11). Deus chamou Bezalel para trabalhar com madeira e metais, enquanto ele concedeu a outros homens dons para costurar. Os homens americanos podem não formar grupos de costureiros após o culto, mas Deus não vê nada de afeminado ou mundano nas artes.

A perfeição de Deus é o maior padrão de beleza. A única coisa que Davi almejava era “contemplar a formosura do Senhor” (Sl 27.4). Deus é o padrão imutável de amabilidade. Por isso a Escritura nos ensina a pensar aquilo que é amável (Fl 4.8).

Mas, enquanto a beleza pode ter um critério objetivo na beleza de Deus, nós, como imagens de Deus, temos uma tremenda liberdade de expressar esta beleza criativamente. Olhe para a imensa variedade de arte na Bíblia: esculturas tridimensionais (Ex 25.18) e cavadas (2Cr 3.7). A arte bíblica nem sempre tem um assunto religioso. O trono de Salomão era coberto com ouro, feito de marfim, tinha dois leões juntos ao encosto, e mais doze leões postos nos seis degraus (1Re 10.18-20). A decoração não tinha um conteúdo totalmente religioso.

Música cristã pode incluir uma canção de amor para a esposa, por exemplo, e não apenas canções de amor para Jesus. O Cântico dos Cânticos é o principal exemplo. Cântico dos Cânticos é sobre um homem e uma mulher apaixonados. Por que está na Bíblia? Porque Deus fez homens, mulheres, corpos, amor, casamento, sexualidade, e o Espírito Santo escolheu inspirar uma reflexão divina sobre uma relação envolvendo tudo isto.

Está tudo bem se a arte é secular. Secular não quer dizer “profana”, mas “temporal”, tomando lugar nesta época, no tempo, do latim saeculum, significando “um longo tempo”. Depois da Reforma Protestante, quando a vida secular foi novamente reconhecida como um chamado de Deus, vemos a ascenção de temas seculares na arte. De fato, nós vemos isto primeiramente na Holanda Calvinista, onde Rembrandt pintou arte religiosa como O Retorno do Filho Pródigo tanto quanto arte secular, como Lição de Anatomia . A arte não precisa ter um assunto religioso para ser cristã. Tudo na vida é dado por Deus, e portanto é digno de contemplação.

Além disso, a arte não precisa ser funcional para agradar a Deus. Muito dos ornamentos do templo não tinha qualquer função além de decoração – “Recobriu de pinho o átrio principal, revestiu-o de ouro puro e o decorou com desenhos de tamareiras e correntes. Ornamentou o templo com pedras preciosas. O ouro utilizado era de Parvaim. Também revestiu de ouro as vigas do forro, os batentes, as paredes e as portas do templo, e esculpiu querubins nas paredes” (2Cr 3.5-7). Sua função era beleza. Beleza é um fim nobre. E as romãs azuis nas vestes sacerdotais (Ex 28.33) provam que a arte cristã não precisa ser realista; romãs não são azuis na natureza.

Também podemos ver dança nas Escrituras (Ex 15.20), música instrumental com uma orquestra de instrumentos (Sl 150.3-5), uma sinfonia com quatro mil instrumentos, divididos em três partes (1Cr 23.5-6), e mesmo uma pequena peça teatral (Ez 4.1-3). O que me chama atenção é que nenhum autor bíblico defende qualquer dessas expressões artísticas. Eles simplesmente assumem que artes são dignas aos olhos de Deus.

 

Não seja um “miserável por Cristo”

Existem cristãos que vêem feiúra como uma marca de espiritualidade – algo que um amigo meu chama de “miseráveis por Cristo”. Talvez eles estejam apenas reagindo a uma cultura materialista, mas falham em perceber a excelência e a beleza da Criação (Gn 1.31). Quando uma igreja constrói uma belo templo para adoração, normalmente eles são os primeiros a criticar.

Eu não estou dizendo que as igrejas devem gastar cegamente seu dinheiro em construções. O dízimo, por exemplo, foi designado para os levitas (os sacerdotes) no Antigo Testamento e deveria ir para pastores cristãos e missionários hoje (Nm 18.21). Seria um crime roubar o Apóstolo Pedro para pagar Frank Lloyd Wright (2). Mas se os crentes querem sacrificar além disso para construir um prédio cuja beleza eleve suas mentes a Deus, que sejam fortalecidos. Pode ser uma coisa maravilhosa quando o desejo é trazer honra a Deus, e não apenas colocar uma igreja no bairro.

Cristo não nos pede para sermos miseráveis por ele. Pelo contrário, Deus não aceita uma oferta nossa em que falte qualidade (Ml 1.6-14). Esse é um chamado bíblico para a excelência.

Há algum tempo atrás, fui a um shopping local a fim de investigar o estado atual da cultura cristã. Eu gastei algum tempo em uma loja de brinquedos secular e encontrei algumas coisas boas por menos que dois dólares – um chaveiro que era um Traço Mágico em miniatura e um pião que solta luzes coloridas quando rodava. Eles também vendiam doces.

Depois fui até a loja cristã. Os brinquedos lá eram bem mais caros. E francamente, eram sem graça e usavam o nome de Deus em vão. Encontrei um pião que custava mais, não soltava luzes ou algo assim, e dizia “Deus é dez”. Meu estômago revirou. Ao invés de um chaveiro de Traço Mágico, haviam apontadores com as manjadas mãos orando grudadas neles. Eles também vendiam doces – pastilhas cristãs, chocolates cristãos e biscoitos da sorte cristãos – e o doce era caro também. É isto que a cultura cristã é? Um clone de pior qualidade e mais caro daquilo que o mundo está fazendo, mas como o nome de Deus colado em tudo?

É claro que há objetivos mais nobres que apenas a beleza física. A beleza interior é o chamado mais alto de Deus. A Escritura nos diz para não julgar as pessoas por sua aparência externa e não tentar impressionar os outros com jóias e riquezas, mas a desenvolver a beleza interior de uma personalidade piedosa (1Pe 3.3-4). Algumas vezes, as coisas mais bonitas são as mais simples, autênticas e sem adornos – como uma personalidade piedosa, um ato sincero de amor ou uma conversa franca com uma pessoa aberta e honesta. A beleza aos olhos de Deus não está limitada ao extravagante, sofisticado ou caro.

Nossos corações deveriam desejar fortemente ver a beleza de Deus refletida em tudo que dizemos e fazemos, seja beleza simples ou beleza elaborada. É claro, uma vez que tendemos ver a beleza como uma forma de nos exaltar, precisamos checar constantemente nossas atitudes por causa do orgulho. O problema não está na beleza, mas em nós.

Existem momentos em que todos nós precisamos abrir mão de coisas boas porque elas se tornaram ídolos para nós. No deserto, por exemplo, Deus mandou que os israelitas olhassem para a serpente de bronze, para serem curados (Nm 21.4-9), mas logo o povo começou a adorar a serpente, e Deus mandou que ela fosse destruída (2Re 18.4). O autor de Hebreus nos manda lançar fora tudo que nos atrasa – mesmo coisas boas (Hb 12.1). Alguns cristãos tem de abrir mão dos esportes porque isso os deixa irados. Outros devem abrir mão de certas comidas porque eles não podem comer elas responsavelmente. A Bíblia não nos instrui a abandonar todas as coisas boas deste mundo, mas nos previne a não nos tornarmos abusivos (1Co 7.31). Se nos deleitarmos mais nos dons de Deus que no próprio Deus, pode ser o momento de abrir mão desta coisa boa a fim de receber seus dons com um coração reto.

Nós nunca devemos julgar outras pessoas por não abrir mão das coisas boas, entretanto. Esta é marca de um legalista. “Pois por que há de a minha liberdade ser julgada pela consciência de outrem?” (1Co 10.29). Mesmo Paulo abriu mão de certas bênçãos de Deus, como o direito de se casar, receber dinheiro pelo seu ministério, e às vezes o direito de comer certas comidas. Ele não fez isso porque estas coisas eram más, mas porque ele sentia que poderia pregar o evangelho melhor sem elas (1Co 9.4,5,15,27).

Deus não pára apenas com o básico, mas “abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmos” (1Tm 6.17). Ele não tinha de nos criar com a capacidade de ver cores ou cheirar flores. Isso foi um bônus da parte de Deus. De fato, o céu é retratado como uma festa em mais de uma ocasião (Lc 13.29). Nós precisamos de discernimento ao ter prazer por causa de problemas conosco, não com as coisas. Se for recebido de forma correta, mesmo a mais opulenta das riquezas culturais do mundo pode ser uma fonte de deleite pessoal e ação de graças a Deus.

 

Cultura, domínio e meio-ambiente

Com toda esta conversa sobre a beleza na Criação de Deus, como fica a visão bíblica da cultura humana, com sua ênfase no domínio sobre a natureza, que nos leva a atuar sobre o meio-ambiente? O cristianismo tem sido atacado por promover a irresponsabilidade ecológica – um ataque que considero sem base. Não há nada de errado com o conceito de domínio em si mesmo. Qualquer ação que trate de curar o meio-ambiente requer o exercício do domínio humano sobre a natureza, seja cuidando de espécies ameaçadas ou removendo poluentes do céu.

Trabalhar na terra não é anti-natural. Quando as formigas furam o solo, criando túneis e destruindo um terreno, nós não achamos que há algo de errado com elas. Elas fazem formigueiros por natureza! A princípio, pelo menos, as cidades humanas não são tão diferentes de formigueiros – homens constroem civilizações por natureza, embora, como portadores da imagem de Deus, carreguemos uma responsabilidade especial sobre como construimos.

É nosso chamado de Deus interagir criativamente com a natureza. A natureza encontra sua plenitude quando as pessoas vivem dentro dela. A questão não é dominar ou não dominar. A questão certa é como deveríamos exercer nossa influência sobre a natureza.

Primeiramente, precisamos manter nosso domínio em uma perspectiva bíblica. Embora tenhamos domínio, continuamos sendo criaturas. Nós não somos Deus. Ao mesmo tempo em que estamos acima da Criação em relação à natureza, estamos no mesmo nível da natureza em relação a Deus. Nós somos criaturas humanas, pó animado (Sl 103.14). A aliança que Deus estabeleceu com Noé não foi feita meramente com a humanidade. Foi um acordo solene entre Deus e os pássaros, gado e animais selvagens (Gn 9.9,10). Nosso Pai Celestial alimenta os pássaros da mesma forma que nos alimenta (Mt 6.26). Nós somos todos criaturas derivadas e dependentes.

E lembre-se que fomos colocados no Jardim com a ordem de “o lavrar e o guardar” (Gn 2.15). Nossa liderança da natureza é uma gerência. Nós cuidamos da Criação de Deus para ele. As criaturas são criaturas de Deus (Sl 104.24), sua obra, em que ele se deleita (Sl 104.31).

E o domínio que Deus nos dá não é auto-regulado Nós o exercemos debaixo da Lei do amor de Deus, por ele e pelo próximo. O mandamento de amar a Deus inclui dentro dele o chamado para amar o que ele ama – incluindo sua Criação. Mesma na legislação mosaica, Deus deu a Israel proteções para animais, a fim de prevenir a extinção das espécies (Dt 22.6,7).

Similarmente, Deus protegeu os bois de terem a boca atada enquanto estivessem trilhando (Dt 25.4). Se nós iremos usar um boi para fazer nosso trabalho, então não devemos privar o animal de comer enquanto trabalha. Embora nosso domínio sobre os animais – pelo menos desde o dilúvio – nos dê a liberdade de comê-los (Gn 9.3), Deus nos proíbe de ser cruéis com eles. O pecado humano é o problema real por trás da crise ecológica de nossos dias – particulamente a ganância, raíz de todos os males (1Tm 6.10).

A própria Criação nos chama a considerar o nobre chamado que Deus a deu. Os animais, árvores, e mesmo a atmosfera tem o mesmo chamado que a humanidade: “Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Sl 19.1). Se a natureza faz isso, então destruir a natureza é um crime muito sério – um pecado que Deus julgará – “tempo de destruíres os que destroem a terra” (Ap 11.18). As Escrituras nos dizem que todas as criaturas louvam ao santo nome de Deus (Sl 145.21), e Deus chamou os animais para multiplicarem-se e encherem a Terra também (Gn 1.22). Se cada uma das milhões de espécies na Terra tem um chamado de Deus para cumprir, então todas as espécies que exterminamos é diminuição da glória de Deus. Preocupação com o meio-ambiente é uma prioridade teológica.

Deus nos chama para estabelecar a civilização humana para sua glória, não para a nossa. Ele também nos chama para servir o resto de sua Criação, permitindo que ela o glorifique também. Nós não podemos fazer uma coisa ao custo da outra. O mandato cultural nos dá a perspectiva de Deus sobre a sociedade humana – a civilização de acordo com Deus. Certalmente, a cultura pode ser manipulada como uma forma de pecaminosidade. No entanto, o Mandato Cultural nos dá uma direção divina a todas as gerações para estabelecer a civilização humana na Terra, e fazer isto para manifestar a bondade, a verdade e a beleza de Deus.


Capítulo 5 do livro The World According to God: A Biblical View of Culture, Work, Science, Sex & Everything Else , por Greg Johnson

 

Notas

(1) - N.T.: A maioria das versões em português trazem Jesus falando que foi uma “boa ação”. Para não perdermos o raciocínio do autor, preferimos traduzir a versão dele, que diz “beautiful thing” para “boa ação”.

(2) - Um famoso e talentoso arquiteto



Traduzido por: Josaías Cardoso

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