Aprendendo Fazendo

por

Vincent Cheung




Outro modelo educacional favorito é “aprendendo fazendo”, ou aprender por experiência. Para aprender desta forma, alguém deve interagir com o objeto do qual ele procura conhecimento, seja ele um esforço atlético, um experimento científico, uma situação social ou a vida em geral. Através dos desafios e feedbacks de tais experiências, o estudante supostamente deriva princípios apropriados para retenção, os quais ele pode aplicar a outras situações similares.

Este método de aprendizagem é impossível. Alguém que não sabe como realizar uma dada tarefa de forma alguma não pode nem mesmo começar, a menos que alguém, através de instruções verbais, seja na forma de palestras ou livros (ou outros equivalentes informais), lhe conte os princípios elementares. Quando isto é feito, a pessoa não está mais aprendendo por experiência, mas através de comunicação intelectual. Ele está meramente aplicando o que ele aprendeu à experiência. E se ele pode ser informado sobre os fundamentos, ele talvez possa aprender também as matérias mais avançadas de uma maneira similar.

Contudo, alguns podem objetar: mesmo que alguém deva primeiro aprender o suficiente para começar, ele não aprende mais tarde a partir de sua experiência, enquanto aplicando o seu conhecimento? O problema com isto é que ninguém pode, sem ter antes conhecimento ou pressuposições relevantes, escolher dos muitos eventos e fatores singulares dentro das suas experiências e derivar objetivamente proposições verdadeiras delas. Um número infinito de proposições podem ser derivadas de cada experiência, e o que uma pessoa “aprende” de cada uma dessas depende de sua cosmovisão, já pressuposta. A mesma série de circunstâncias pode instilar paciência num, e cinismo noutro.

Arthur Holmes aponta: “..supor ser a própria experiência não-analisada um professor todo-competente pressupõe uma teoria empiricista de conhecimento, que é hoje em dia altamente suspeita. A visão do século XVIII de que podemos reunir dados fragmentados e aparecer com generalizações e explicações causais simplesmente não suporta o exame detalhado. A observação empírica não é inteiramente objetiva mas seletiva, guiada por suposições teóricas e interesses pessoais. Isto se tornou evidente na obra recente sobre a história da ciência: e se a experiência não é suficiente para a ciência, como ela pode ser suficiente para a educação?” [18].

Ele está correto com a qualificação de que o empiricismo é “altamente suspeito” somente em certos círculos acadêmicos, e permanece popular entre a população menos informada. Geralmente leva muitos anos para que as idéias gotejem da desprezada “torre de marfim” que é na verdade o centro de comando do mundo para aqueles que são desinteressados em debates acadêmicos, e que falsamente se imaginam relativamente livres da influência dos eruditos obscuros. Permanece que ninguém pode jamais aprender à partir da própria experiência, mas todo observador traz sua cosmovisão inteira para a situação, e a avalia através de suas pressuposições, que por sua vez, governam o modo como ele processa toda informação encontrada.

Quando esta dificuldade é pressionada contra a educação secular, ela pode somente resultar em completo cepticismo com respeito à realidade. Por outro lado, quando o cristãoé desafiado com tais assuntos, ele responde com a revelação verbal lhe dada pelo onipotente criador: Deus. Todas as proposições dedutíveis da revelação divina são corretamente consideradas conhecimento. Mas se é assim, o conhecimento vem da revelação e não da dedução, nem da experiência.

Holmes, numa seção chamada, “Pragmatismo na Educação Experimental”, descreve a teoria da aprendizagem por experiência da seguinte forma: “Experiência é uma imersão num processo natural, ou senso de segurança desafiado por problemas imprevistos que demandam solução...Todo aprendizado é, portanto, situacional...Aprender é aprender ajustar. Até mesmo a sala de aula simula a experiência de vida, antes do que explorar uma herança da verdade e valores”. [19]

Para dizer algo mais sobre a torre de marfim, a maioria das pessoas se esquecem que o aprendizado por experiência é uma filosofia secular promovida por John Dewey que, como Holmes então diz, estava “em [seu] pensamento, simplesmente uma aplicação da teoria da seleção natural” [20] isto é, uma doutrina evolucionista. Ela é baseada em suposições filosóficas não-cristãs.

A atitude desenfreada nas igrejas de hoje de que devemos “experimentar a Deus” antes do que falar sobre Ele, além de exibir um falso senso de piedade, é baseada num sistema filosófico hostil à fé cristã. Nós crescemos no conhecimento de Deus lendo a Escritura, ouvindo pregadores que respeitam a autoridade bíblica, ocupados com reflexões teológicas, e constantemente discutindo as coisas de Deus com cuidado e reverência.

Outro escritor tem isto para dizer: “Um slogan liberal popular tem sido 'aprender fazendo'. Assim, os garotos de dez anos de idade fumam maconha, provam o sexo e cravam uma faca na costela de outro garoto. Eles aprendem fazendo. Aparentemente alguns educadores nunca suspeitaram que algumas coisas não deveriam ser feitas e nem aprendidas. Mas o pupilo não é competente para decidir tais questões” [21]. De modo oposto, “O educador cristão...está convencido que o popular shibboleth, aprender fazendo, é desmascarado quando vemos que o mal aprendido de tal maneira causa um dano irreparável” [22].

O estudo atual diz respeito principalmente com a pregação, e embora discutir as teorias da educação não seja tanto um rodeio, uma filosofia completa da educação deve ser reservada para outro cenário. Por ora, é suficiente dizer que aprender fazendo é uma teoria anti-cristã, e até mesmo esporte e carpintaria pode se ensinado de uma forma consistente com o modelo bíblico. Nós fornecemos primeiro a base teológica, e então, se houver tempo, a aplicação. O desenvolvimento adicional ocorre através de reflexões teóricas adicionais. Este modelo invariavelmente implica que uma pessoa apropriadamente educada possuirá muito mais conhecimento do que sua vida e vocação requerem dele.

Pela razão de que o conhecimento de alguém não deve ser limitado por preocupações pragmáticas, eu julgo o “aprendendo fazendo” [23] de Jay Adams inadequado também. Ele falha em produzir um estudante superior porque como certo conhecimento pode ser aplicável nem sempre é óbvio; isto é verdade até mesmo de doutrinas bíblicas. Se formos limitar nosso aprendizado somente ao conhecimento que pode ser aplicado, nossas vidas limitadas implicariam num escopo igualmente restrito para a aquisição de conhecimento e habilidade.

Adams escreve, “O aprendizado ocorre quando uma pessoa sabe que o que ela deve estudar é essencial para realizar o que ela quer alcançar” [24]. Isto é o que o produto será uma pessoa que conhece somente o essencial. Quantos estudantes de contabilidade estariam então interessados em cosmologia? Sem dúvida mui poucos perceberão a necessidade de ler Homer ou Milton. O conhecimento só é muito requerido para um determinado campo, e debaixo do esquema de aprender para fazer, uma pessoa não encontrará nenhuma justificativa para continuar seus estudos após ter alcançado o nível necessário de proficiência, e ainda menos razão para estudar materiais não relacionados com as suas necessidades.

O modelo correto que maximiza o aprendizado e a competência é perceber o conhecimento, especialmente o conhecimento teológico, como inerentemente valioso, quer a pessoa encontre ou não ocasião para aplicá-lo. Os americanos pragmatistas ficam horrorizados com a sugestão de que o conhecimento deve ser adquirido por causa dele mesmo, mas eu não tenho respeito pelo pragmatismo americano. Ele produz pensadores superficiais e trabalhadores incompetentes.

Contudo, certo conhecimento teológico demanda obediência e alterações drásticas no modo como pensamos e vivemos; se é assim, devemos obedecer, e isto é aplicação. Isto permite um busca interminável de conhecimento, especialmente com relação às coisas de Deus, assim como prepara a aplicação onde o conhecimento e as necessidades reais coincidem. Mas isto também significa que na aquisição de conhecimento, a aplicação nunca merece o foco principal.

Este modelo de educação é pesado na teoria, e leve na aplicação; ele enfatiza mais o pensar do que o fazer muito mais. Embora eu seja receoso de endossos empíricos, pesquisas na psicologia dos esportes sugerem que a repetição mental, com um mínimo de prática real, pode ser tão eficaz em aprimorar a performance como o treinamento físico regular. O ponto é que, com ou sem o apoio de tais estudos, esta estratégia de aprendizado se aplica até mesmo a áreas que parecem ser mais físicas do que intelectuais. Nós ensinamos para a mente, e aprendemos pela mente.

No final, esta forma de educação produz os mais brilhantes pensadores que acham suas tarefas diárias fáceis de manusear, visto que seu conhecimento e capacidade excedem em muito aos reais requerimentos. Na igreja, sejamos mais parecidos com Maria do que com Marta. A última “estava ocupada com muito serviço” (Lucas 10:40), mas Jesus disse que “Maria escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” (v. 42), pois ela “ficou sentada aos pés do Senhor, ouvindo a sua palavra” (v. 39). Incidentalmente, esta passagem em Lucas mostra que é mais importante para as mulheres estudar teologia do que fazer os serviços diários de casa.

Ainda, muito insistem que palestras e livros-textos não são substitutos para a experiência de vida, mas isto é porque eles nunca leram um livro-texto onde o autor tenha registrado sua experiência de vida para outros ler. Quem nos impedirá de ler sobre as experiências de centenas de pessoas ao invés de ter somente a nossa? Todavia, princípios derivados da experiência de vida, seja dos outros ou da nossa, não são confiáveis e são freqüentemente claramente falsos. Na teologia, nossa experiência de vida nunca produzirá conhecimento que se aproxime do status da revelação divina, de forma que podemos abandonar também tal método de aprendizagem.


NOTAS:

[18] - Arthur F. Holmes, The Idea of a Christian College; Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1999 (revised: 1987; original: 1975); p. 89. [voltar]

[19] - Ibid., p. 88-89. [voltar]

[20] - Ibid., p. 89. [voltar]

[21] - Gordon H. Clark, A Christian Philosophy of Education; The Trinity Foundation, 2000 (original: 1946); p. 52. [voltar]

[22] - Ibid., p. 134. [voltar]

[23] - Jay E. Adams, Back to the Blackboard: Design for a Biblical Christian School; Woodruff, South Carolina: Timeless Texts, 1998 (original: 1982); p. 126. [voltar]

[24] - Ibid., p. 127. [voltar]

 


Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts. http://www.rmiweb.org/


Extraído e traduzido de Preach the Word, de Vincent Cheung, capítulo 4.

Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 20 de Maio de 2005.


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