O Jovem Cristão e Seus Estudos

por

Rev. Franklin Ferreira



Introdução


(i) Desafios Acadêmicos:

- O dilema do estudante: uns dividem a fé em compartimentos estanques, um destinado à fé (vista como o lado "espiritual" da vida), outro aos estudos (o lado "secular" da vida). Alguns descartam simplesmente a fé cristã. Outros não têm coragem de afirmar sua fé em Cristo, pois ainda não conseguiram descobrir uma forma de explicar esta relevância.

- A melhor opção é a do estudante que se dedica às diversas disciplinas com uma mente aberta à sabedoria originada na Palavra de Deus.


(ii) Doutrinas relacionadas:

- Autoridade e suficiência das Escrituras (I Tim 3.16-17).

- Doutrina da vocação: Geral e Particular, somente para a glória de Deus (I Cor 10.31).

- Não há uma distinção entre Natureza e Graça (Rm 1.18-3.21), nem separação entre Cristo e cultura (Gn 1.27-29 cf. Sl 24.1).

- A Graça Comum afirma que Deus capacita todas as pessoas, crentes e incrédulos igualmente, com a capacidade para a verdade, bondade e beleza (p. ex. Gn 4.20-22). Só que isto precisa ser equilibrado com a verdade de que todo ensino ministrado pelo mundo traz em si, em maior ou menor grau, filosofias anticristãs que direcionam o homem contra Deus (Pv 14.7; 16.22; Jd 10).

- É justamente a visão unificada de vida proporcionada no Salmo 19.1-14 que buscamos atingir pela aplicação da Educação Cristã.


1) A defesa Reformada da educação


(i) Suíça:

- João Calvino (1509-1564) era comprometido com uma educação abrangente. Em sua Academia de Genebra, das vinte e sete preleções semanais, três eram em teologia, oito em hebraico e Antigo Testamento, três em ética, cinco em oradores e poetas gregos, três em física e matemática, e cinco em dialética e retórica. Textos incluíam trabalhos de Virgílio, Cícero, Ovídio, Homero, Aristóteles, Platão e Plutarco. Da mesma sala de aula vinha o ministro, o servidor civil e o leigo. Gente da França, Itália, Holanda, Alemanha, Escócia e Inglaterra foram estudar lá.

(ii) Inglaterra:

- O número de escolas primárias dobrou na Inglaterra enquanto os puritanos estiveram no poder (1645-1660).

- Oliver Cromwell (1599-1658) fundou ou reabriu inúmeras escolas primárias, e também determinou que professores fossem enviados pelo país afora para assegurar as necessidades educacionais. Ele foi pessoalmente responsável por estabelecer uma faculdade em Durham.

- Um puritano disse ao Parlamento: “Aquele Deus que é sabedoria abstrata e tem prazer em que suas criaturas racionais busquem por ele, e que seus ministros estudem para propagá-la, esperará que sejam pais adotivos do conhecimento”.

(iii) Escócia:

- John Knox (c.1505-1572) teve a ousadia de advertir o Grande Conselho da Escócia quanto a que "vossas senhorias sejam ao máximo cuidadosos da educação virtuosa e da santa instrução dos jovens desta região."

(iv) Estados Unidos:

- John Eliot (c.1632), orando num Sínodo das igrejas de Boston: "Senhor, por escolas em todo lugar entre nós! Oh, que nossas escolas possam florescer! Que cada membro desta assembléia possa ir para casa e consiga uma boa escola para ser encorajado na cidade onde mora."

- Apenas seis anos após sua chegada na Baía de Massachusetts, o Tribunal Geral votou quatrocentas libras "para uma escola ou faculdade". Assim surgiu a faculdade de Harvard, que foi inaugurada em 1636.

(v) Holanda:

- Quando a Universidade Livre de Amsterdã iniciou suas atividades em 1880, seu fundador, Abraham Kuyper (1837-1920), declarou em seu discurso inaugural: "Não existe sequer um centímetro de nossa natureza humana do qual Cristo, que é soberano de tudo, não proclame 'Meu!'" Seu sermão estava baseado em Is 48.11: "A minha glória não darei a outrem", indicando que quando nos omitimos na esfera educacional, deixando que Satanás proclame as suas filosofias, abertamente e sem contestação, enquanto passivamente assistimos seus avanços em todas as esferas, estamos fazendo justamente o que Deus expressa não permitir: estamos deixando que sua glória seja dada a outrem!


2) Uma defesa da aprendizagem contra o anti-intelectualismo

- Ataques à mente e ao estudo: geralmente fé e razão são vistas como antagônicas (p. ex. Rm 10.2).

- Fides quaerens intellectum: a fé e a razão não são opostas. Eu aceito como verdade os fatos do Evangelho, para depois buscar compreendê-los (Rm 10.8-17). As primeiras leis da faculdade de Harvard exigiam que os estudantes fossem capazes não apenas de ler as Escrituras, mas também "de interpretá-las corretamente". Este é o exemplo de Esdras (Ed 7.6,10) e de Paulo e Timóteo (I Tim 4.13-16; II Tim 4.13).

- A capacidade racional básica do homem é admitida em toda a Escritura (Sl 32.9; 73.22), mas por causa da extensão do pecado, é basicamente hostil a Deus (Rm 1.18-23; 8.5-8; Ef 4.18).

- Apesar do estado decaído da mente, ao homem é ordenado pensar e usar sua mente (Is 1.18 cf. Mt 16.1-4; Lc 12.54-57).

- Richard Baxter (1615-1691): “Devemos usar nossa melhor razão... para saber quais são as verdadeiras Escrituras Canônicas..., para expor o texto, traduzi-lo fielmente..., para reunir justas e certas inferências das afirmações da Escritura, para aplicar regras gerais a casos particulares, em assuntos de doutrina, culto, disciplina e práticas costumeiras”.


3) A Aversão Reformada à Ignorância

- Obstáculos: preguiça mental, complacência e pretensão da ignorância, as pressões do tempo e a tentação de se acumular dinheiro em vez de pagar por uma educação.

- Estabelecer a correta prioridade de valores tem sido a agenda oculta para cada geração de cristãos. Quais são nossas prioridades?

- John Milton, escritor do poema épico O Paraíso Perdido (1667): "Pai, não me mandaste ir onde o caminho largo se abre, onde o dinheiro escorre mais facilmente às mãos, e a dourada esperança de acumular riqueza brilha forte e certa..., desejando outrossim, que minha mente fosse cultivada e enriquecida... Que maior riqueza um pai poderia ter dado..., embora tivesse dado tudo menos o céu?"

- O impulso por trás da fundação do Harvard College pelos Puritanos foi seu "pavor de deixar um ministério inculto às igrejas, quando nossos atuais ministros repousarem no pó."


4) O propósito cristão da educação

(i) Nutrição e crescimento cristãos:

- Os estatutos do Emmanuel College, uma das faculdades da Universidade de Cambridge, afirmavam: "Há três coisas as quais acima de tudo desejamos que todos os alunos desta faculdade atendam, a saber, o culto a Deus, o crescimento da fé e a probidade da conduta."

- "O Ato do Velho Enganador", de 1647, é o mais famoso ato educacional dos Estados Unidos. Ele estabelecia a educação pública gratuita em Massachusetts. A principal razão para o estabelecimento de escolas foi esta: é "um projeto principal do velho enganador, Satanás, guardar os homens do conhecimento das Escrituras." Seu alvo então era que os colonos fossem educados de tal forma que pudessem, por si mesmos, estudar as Escrituras.

(ii) A centralidade da Bíblia no currículo:

- Uma educação secular destituída de seu caráter religioso careceria de seu ingrediente mais essencial.

- O estudo da Bíblia e da Doutrina Cristã é central no currículo.

- O objetivo, então, é medir todo o conhecimento pelo padrão da verdade bíblica.

- O homem não é um ser neutro, nem um produto do meio, mas já nasce submerso em pecado, com a inclinação para o mal. Ele deve, portanto, ser educado e corrigido, na esperança de que venha a adquirir um comportamento correto e a reconhecer a Deus como o verdadeiro Criador e Soberano, e a Cristo como o único Salvador e Mediador entre Deus e os homens (Rm 3.23; 3.10-18).

- Deus criou o homem para servi-Lo e cada pessoa deve ser encaminhada desde os primeiros passos com este propósito, dentro de seus talentos naturais, adquirindo cada vez mais uma conscientização de sua finalidade de servir a Deus na terra, qualquer que seja o campo de trabalho ou ocupação que venha a operar (Rm 11.36; I Cor 10.31; Col 1.17,18).

- O homem é um ser religioso e o conhecimento por ele adquirido sempre será interpretado e recebido dentro deste contexto religioso. Para ser um conhecimento legítimo deve, portanto, proceder do ponto de vista bíblico, fornecendo assim, ao homem, uma visão integrada e correta da vida e da criação (Pv 1.7; 15.33; Rm 2.15).

- Conduzida apropriadamente, a educação de uma pessoa faz dele ou dela um melhor cristão.

- Mas, enquanto o objetivo da educação cristã é religioso, seu conteúdo são as ciências sociais, exatas e humanas.

(iii) O ideal de uma formação abrangente:

- Nenhuma educação é completa se inclui apenas o conhecimento religioso.

- Os estudantes ministeriais em Harvard não apenas aprendiam a ler a Bíblia na sua língua original e a expor teologia, mas também estudavam matemática, astronomia, física, botânica, química, filosofia, poesia, história e medicina.

- Até hoje, dos ministros na tradição reformada se espera que tenham uma educação universitária, acrescida de treinamento no seminário; não simplesmente uma educação religiosa como em algumas tradições pietistas.

- O ideal cristão é um estudo abrangente do conhecimento humano em todas as suas ramificações dentro do contexto da revelação bíblica (II Cor 10.4-5).


5) Toda verdade é de Deus

- Deus tem revelado Sua verdade em dois "livros": a Bíblia e a natureza. Há um conhecimento geral de Deus em e através de suas obras, e um conhecimento especial pela revelação de Sua Palavra; e embora a Escritura seja o principal, entretanto a criação não deve ser depreciada.

- Richard Sibbes (m. 1635): “A verdade vem de Deus, onde quer que a encontremos, e é nossa, é da igreja... Não devemos fazer destas coisas um ídolo, mas a verdade, onde quer que a encontremos, é da igreja; portanto, com uma boa consciência podemos fazer uso de qualquer autor humano”.

- Crendo na revelação geral de Deus na natureza, assim como na sua revelação especial na Bíblia, os Reformadores e seus herdeiros totalmente abraçaram o estudo científico do mundo físico. Se de fato produziram a ascensão da ciência moderna é uma questão de grande debate erudito, mas que eram favoráveis ao movimento é indiscutível.

- Se toda verdade vem de Deus, então ela é, em última análise, única, havendo uma inter-relação de todas as matérias acadêmicas!

- A vista da unidade de todo o conhecimento, é impensável que renunciemos a qualquer matéria! É interessante que Daniel e seus amigos não viram qualquer incompatibilidade entre a vontade de Deus e a interação com outras áreas de conhecimento, particularmente "as letras e língua dos caldeus" (Dn 1.4,17-20 cf. At 17.28; Tt 1.12; II Pe 2.4; Jd 6).

- Esta educação abrangente prepara a pessoa para fazer bem tudo que seja chamada para fazer na vida: ela influencia as pessoas em suas vidas pessoais (ser um bom amigo, colega, esposo ou pai), e as torna membros produtivos da sociedade.

- Então, os objetivos da educação são semelhantemente abrangentes: incluem tanto a piedade como o conhecimento, tanto o buscar se deleitar em Deus como preparar-se para fazer todas as coisas bem na vida diária.


6- Conclusão:

- Perguntas que podem ser úteis para o auto-exame do jovem que se diz cristão fazendo uma faculdade hoje:

1. Quem são as pessoas com quem você passa mais tempo na faculdade? São cristãos ou não-cristãos?

2. Quantas horas, além do tempo de sala de aula e de biblioteca, você fica na faculdade conversando com amigos não-cristãos?

3. Você procura ler livros como objetivo de encontrar respostas para questões levantadas em sala de aula ou em conversas com colegas não-cristãos?

4. Quando foi a última vez que você participou de uma atividade extracurricular e cultural na faculdade - cinema, centro acadêmico, palestras etc.?

5. De que maneira você procura se informar sobre as tendências que estão lhe influenciando?

6. Você consegue se lembrar da última pessoa para quem fez uma apresentação clara do Evangelho?


- Sugestões:

1. Tenha uma vida “salgada” pelo conhecimento prático e relevante da Palavra de Deus.

2. Construa uma vida de oração e intercessão como o recurso mais poderoso para “vencer o mundo”.

3. Saiba utilizar as várias disciplinas acadêmicas disponíveis para desenvolver uma cosmovisão bíblica que permita, por um lado, identificar as premissas das posições filosóficas e religiosas, que mais influenciam a sociedade e, por outro lado, oferecer respostas apologeticamente adequadas e academicamente respeitáveis.

4. Tenha capacidade e coragem para criticar inteligentemente e biblicamente nossa cultura com o objetivo de questionar suas motivações, suas mensagens e suas propostas.

5. Procure, qualquer que seja sua vocação, seguir o modelo de liderança que reúne as qualidades de servo, encorajador e visionário.

6. Promova a formação de projetos de sociedade que tenham como base os princípios do Reino de Deus e, em seus respectivos contextos de vida comunitária, saiba como capacitar seus irmãos e irmãs para uma participação na sociedade.

7. Trabalhe em prol da mobilização da população para reivindicações humanizadoras visando a devida valorização da vida humana, particularmente no contexto das necessidades daqueles que se encontram excluídos do acesso à educação e melhores condições de vida.

8. Trabalhe com o intuito de moldar a opinião pública, visando o alcance e eficácia do testemunho do evangelho no debate público sobre questões contemporâneas, utilizando-se dos meios de comunicação disponíveis, da atuação política, das artes, dos fóruns de discussão, de ensaios acadêmicos e da literatura em geral.

- Filipe Melanchthon (1497-1560): “Pois alguns não ensinam absolutamente nada das Sagradas Escrituras; alguns não ensinam às crianças nada além das Sagradas Escrituras; ambos os quais não se deve tolerar”.


Bibliografia:

LEWIS, C.S. Cristianismo puro e simples. São Paulo, ABU, 1992. 129 p.

LYON, David. O cristão e a sociologia. São Paulo, ABU, 1996. 103 p.

GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo - um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo, Vida Nova, 1997. 250 p.

PORTELA NETO, F. Solano. Educação cristã. São José dos Campos, Editora Fiel, s/d. 15 p.

RAMOS, Robson L. Lições aprendidas na Universidade da Babilônia: o "crente" e o mundo universitário. In: Vox Scripture 4:1 (1994) p. 93-98.

RYKEN, Leland. Santos no Mundo - Os Puritanos como realmente eram. São José dos Campos, Editora Fiel, 1992. 288 p.

SHAEFFER, Francis. A morte da razão. São Paulo, ABU e São José dos Campos, Editora Fiel, 1986. 95 p.

_________________. A Igreja do final do século XX. Viçosa, Ultimato, 1995. 134 p.

SPROUL, R.C. Razão para crer. São Paulo, Mundo Cristão, 1991. 114 p.

STOTT, John R.W. Crer é também pensar. São Paulo, ABU, 1994. 59 p.



NOTA SOBRE O AUTOR: Franklin Ferreira é doutorando em teologia, professor de Teologia Sistemática e História da Igreja no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil e na Escola de Pastores, ambos no Rio de Janeiro.


www.monergismo.com

Este site da web é uma realização de
Felipe Sabino de Araújo Neto®
Proclamando o Evangelho Genuíno de CRISTO JESUS, que é o poder de DEUS para salvação de todo aquele que crê.

TOPO DA PÁGINA

Estamos às ordens para comentários e sugestões.

Livros Recomendados

Recomendamos os sites abaixo:

Academia Calvínia/Arquivo Spurgeon/ Arthur Pink / IPCB / Solano Portela /Textos da reforma / Thirdmill
Editora Cultura Cristã /Edirora Fiel / Editora Os Puritanos / Editora PES / Editora Vida Nova