A Visão Instrumentalista da Educação

por

Cornelius Van Til



Certamente John Dewey é hostil à fé cristã. Ele tem se oposto consistentemente a todas as formas de transcendência. Rejeita a noção cristã do Deus transcendente e auto-existente. Porém, também, se opõe à noção filosófica de transcendência dada pelos idealistas. Dewey freqüentemente parece considerar estas como idênticas. Ao menos as considera como igualmente hostis a uma visão apropriada da experiência humana. Falaremos mais tarde com respeito a esta identificação. Primeiro devemos notar a oposição de Dewey a toda forma de transcendência.

A essência comum de todas estas teorias, em resumo, é que o que é sabido antecede ao ato mental de observação e investigação, e não se vê afetado para nada por estes atos; de outra forma não seria fixo e imutável. Esta condição negativa, que os processos de investigação, indagação e reflexão, involucrados no conhecimento, se relacionam com algo que tem existência prioritária, fixa de uma vez por todas as principais características atribuídas à mente, e aos órgãos do conhecimento. Estes devem se encontrar fora do que é conhecido, como para não interatuar de nenhuma forma com o objeto que vai a se conhecer. Se se usasse a palavra 'interação', não poderia denotar essa produção aberta de mudança, que significa em seu uso ordinário e prático. [1]
Vemos aqui que, para Dewey, a idéia de transcendência implica uma condição estacionária pura. E esta condição estática não lhe faz justiça à experiência humana, a que concebe simplesmente como uma inter-relação ativa de experiência consigo mesma e com seu ambiente. E a visão estática não lhe faz justiça a isto, pois para ela, a atividade humana é um assunto de indiferença. O estatiticismo tem uma visão da vida de mero espectador. Quando aqueles que sustentam a visão estática da realidade querem adjudicar-lhe alguma realidade aos atos da mente humana, têm que fazê-lo às custas do que sustentam que é verdade. Se a mente intervém no conhecimento, então, o conhecimento já não é conhecimento no pleno sentido do termo. Cada vez que a mente do homem contribui com algo para o conhecimento da situação, a falsifica.

Dewey assinala que este estaticismo é essencialmente dualista.

Tem-se criticado várias teorias sobre o processo de conhecimento nas páginas anteriores. Apesar de suas diferenças, todas concordam num aspecto fundamental que contrasta com a teoria que tem sido positivamente apresentada. Esta última assume continuidade; as primeiras declaram ou implicam certas divisões, separações ou antíteses básicas, tecnicamente chamadas dualismos. [2]


A. AS AFIRMAÇÕES DE DEWEY.

A posição de Dewey é francamente anti-cristã. Ele sustenta com clareza que o homem é o ponto final de referência na experiência humana. O homem deve olhar para dentro, e somente para dentro, se há de ter continuidade em sua experiência.

Ao estudante se lhe deve mostrar como estabelecer seus próprios ideais. Ele deve aprender a descobrir os critérios dentro de si mesmo. Deve aprender a confiar em sua própria investigação como fator de motivação. Só então aprenderá a ver legitimidade e significado no que se lhe pede que faça. [3]


1. Os Critérios

O assunto de um critério, padrão ou norma poderia se particularizar para uma discussão posterior. Dewey é consciente das dificuldades neste ponto. Ele tem enfatizado que a experiência humana é o crescimento, um crescimento contínuo e progressivo. Porém, como podemos distinguir o crescimento humano do crescimento animal? Existe alguma direção do crescimento como tal? Os mestres podem determinar quais experiências são educativas e quais experiências não o são?

Está claro que a experiência do robô é "não-educativa" . Ao estudante se lhe deve aconselhar que há experiências que devem ser evitadas. Dewey sustenta que: "não é educativa qualquer experiência que tenha o efeito de refrear ou distorcer o crescimento da experiência adicional". [4] Qualquer experiência que conduza à privação, a uma falta de sensibilidade e capacidade de resposta, não é educativa. As experiências mais ricas no futuro são vistas restringidas por tal experiência.


2.
A Aplicação da Prática

Então, os critérios devem ser sempre internos à experiência humana em si. O estudante deve encontrar o critério dentro de si mesmo, e o mestre deve lhe ajudar a encontrá-lo ali. O mestre deve ajudar ao aluno “a selecionar a classe de experiências presentes que vivem de maneira reflexiva e criativa na experiência subseqüente”. [5] É deste modo que se realizará a direção no crescimento ou a direção como parte do crescimento. [6]

Contudo, ao ajudar o estudante, o mestre não “transmite crenças, emoções e conhecimento”. [7] Se o fizesse, romperia o "contínuo da experiência", o crescimento progressivo e a continuidade na experiência.


B. A PURIFICAÇÃO DO AMBIENTE

A direção do crescimento do estudante deve ser alcançada por um processo de purificação do ambiente.

Corresponde ao ambiente da escola eliminar, até onde seja possível, as características indignas do ambiente existente, aquelas que influenciem os hábitos mentais. Isso estabelece um meio de ação purificado. A seleção dirige-se não somente à simplificação, mas também à eliminação do que é indesejável. Toda sociedade chega a se angustiar com o que é trivial, com a lenha morta do passado, e com o que é positivamente perverso. A escola tem a obrigação de omitir tais coisas do ambiente que provê, fazendo assim o que possa para agir contra sua influência no ambiente social ordinário. Ao selecionar o melhor para seu uso exclusivo, se esforça para reforçar o poder disto que é melhor. À medida que uma sociedade chega a ser mais inteligente, se dá conta que é responsável, não de transmitir e conservar a totalidade de seus feitos existentes, mas somente a de prover para uma sociedade futura melhor. A escola é sua agência principal para a realização deste fim. [8]

É unicamente quando se concebe a educação, de maneira negativa, como purificação do ambiente do estudante e, de maneira positiva, como estender-se para uma "sociedade futura melhor" que o princípio do "contínuo da experiência" alcança sua expressão plena. Somente desta maneira podem se evitar as influências prejudiciais sobre o estudante. As influências mais danosas são aquelas que produzem uma separação última entre grupos de homens. É nociva qualquer experiência que não seja alcançável por todos os homens, pois "quando, e somente quando o desenvolvimento de uma linha particular conduz ao crescimento contínuo, é que se deve encontrar a universalidade e não a aplicação limitada e especializada". [9]

Porém, uma vez mais , Dewey é consciente da dificuldade em seu ponto de vista. Ao menos teme que suas opiniões possam ser mal interpretadas.

Ele tem sido realmente capaz de explicar a idéia de direção na experiência humana? Se se enfatiza a idéia do "contínuo da experiência", como pode o homem tirar proveito da experiência passada? Como pode estabelecer um ideal de melhoramento para si mesmo? Isto pode ser feito somente caso se possa fazer inteligível a idéia do presente para si mesmo. Como poderá o mestre ser capaz de apontar para o estudante uma democracia ideal? Como poderá ser capaz de providenciar o meio purificador que o estudante necessita, para poder fazer um progresso para a sociedade ideal?


C. A ESCOLA COMO AGÊNCIA CENTRAL DE INTEGRAÇÃO

A purificação, note-se cuidadosamente, deve excluir de maneira absoluta qualquer coisa que não seja universalmente alcançável. Quando os estudantes que provêm de lugares e igrejas cristãs à moda antiga vêem à escola, como se lhes mostrará que os ideais que aprenderem são prejudiciais para o progresso da democracia ideal? A escola deve atuar como um centro unificar e harmonizador da experiência humana. Deve ser o molde de fundição da humanidade.

Um código prevalece na família; outro, na rua; um terceiro, na oficina ou no armazém; um quarto, na associação religiosa. À medida que uma pessoa passa de um ambiente para outro, está sujeita à impulsos antagônicos, e está em perigo de ser dividido, convertendo-se em um ser que tem diferentes padrões de juízo e emoção para diferentes ocasiões. Este perigo impõe à escola um ofício estabilizador e integrador. [10]


Quais elementos do Cristianismo terão que ser mantidos fora da escola? Qualquer concepção de Deus como auto-existe seria um contrabando. A idéia da criação do homem e do universo por parte de Deus, a queda do homem no pecado e a salvação de alguns, e não de todos os homens, seria algo mal. A idéia de que alguns homens são nascidos de novo pela obra do Espírito Santo, enquanto outros não o são, teria que ser excluída. Tais doutrinas não seriam educativas. O estudante não poderia integrar tais ensinamentos em seu intento de conseguir a sociedade humana ideal universal. Ensinar tais doutrinas seria uma violação do princípio do "contínuo da experiência".


1. O Mestre Onisciente

Faz-se cada vez mais evidente que o mestre nas escolas de Dewey deve de alguma maneira saber que estes ensinamentos do Cristinianismo não podem ser verdadeiros. Eles devem proteger seus alunos das más influências de tais doutrinas de desintegração e não educativas, de modo que devem estar seguros de que estas doutrinas não são verdadeiras. Devem saber que é impossível que possam ser verdadeiras. Devem ser capazes de assegurar a seus estudantes que não pode haver um juízo vindouro. Devem ser capazes de fazer asseverações negativas universais sobre a base da experiência presente, a qual é inteligível, sem fazer referência a nenhuma coisa além de si mesma. Em outras palavras, os mestres de Dewey devem primeiro afirmar que o homem não sabe nada de um âmbito transcendente. Porém, também devem asseverar, com efeito, que eles sabem tudo ao respeito. Devem afirmar que ninguém sabe nada sobre isso. Isto quer dizer que eles, que afirmam estar informados ao respeito, estão equivocados. E então, eles mesmos, contudo, presumem saber tudo ao respeito. Devem ser oniscientes para saber que ninguém pode afirmar, com legítimo direito, saber algo com respeito a Deus.



2. O Dilema do Científico

Porém, talvez não devamos culpar aos mestres nas escolas de Dewey por esta difícil situação. Depois de tudo, eles, por sua vez, aprendes dos científicos. Pois é unicamente através da ciência que se obtém o conhecimento autêntico e digno de confiança [11]. A ciência nos ensinou o método operacional de investigação. Por meio deste método operacional, o homem aprendeu a descartar todas as formas de aprendizagem baseadas no dualismo. A ciência nos ensinou a substituir os objetos por informação. Por informação se entende a matéria de estudo para uma interpretação posterior; algo sobre o qual se deve refletir. Os objetos são finalidades; estão completos, terminados; requerem reflexão unicamente na forma de definição, classificação, disposição lógica, inclusão em silogismos, etc. Porém, a informação significa material servir; são indicações, evidência, sinais, chaves para e de algo que ainda há de se alcançar; não intermediárias, não finais; meios, não finalidades. [12]

Esta substituição dos objetos por informação, liberou a atividade construtiva da mente do homem. Garante a completa flexibilidade da matéria com a que se encontra a mente.

É nesta maneira que Dewey busca se desfazer de todos os atos que são conhecimentos anteriores que o homem tinha deles, que tenham ainda algum caráter revelacional. Segundo a teoria de Dewey, não pode haver revelação de Deus ao homem.

Não pode haver tal revelação porque os únicos objetos através dos quais tal conhecimento poderia ser mediado foram liquidados nos dados. Estes dados não nos dizem nada até que o homem tenha posto sua própria mensagem neles. É assim como o científico capacita ao mestre a ensinar ao estudante que não pode haver tal Deus como o Cristianismo professa que há.


D. A RELIGIÃO NO SISTEMA DE DEWEY

Portanto, o dilema de Dewey e o cristão não é o da religião como tal. Não é que Dewey queira excluir a religião do currículo da escola. Ao contrário, substitui a religião cristã histórica pela religião da ciência moderna. Isto significa que em lugar das realidades objetivas (os fatos) do Cristianismo histórico, Dewey coloca a auto-suficiência do adjetivo (descrições). O homem é religioso, disse Dewey. É um fato histórico que o é. Seu ajuste a seu ambiente é um procedimento religioso. Projeta, para si mesmo, uma sociedade ideal. Estabelece padrões de ação para a conduta individual e grupal. E logo ensina aos estudantes por meio da integração a alcançar a sociedade ideal do futuro. Tudo isto é religião. E concretiza no processo da educação. Pois na educação, tratamos “com aquela totalidade imaginativa que chamamos de universo”.


E. SUMÁRIO

Este é, claro está, um simples esboço da posição de Dewey. Porém, parece adequado e justo, porque temos tomado os elementos que Dewey esteve interessado em enfatizar. A experiência humana como auto-explicativa no momento presente é a base de tudo quanto existe. Esta experiência humana é social e racial por natureza. E o crescimento é sua principal característica. Este crescimento progride para uma sociedade ou democracia ideal. Esta democracia ideal deve excluir o Cristianismo. Ao ter a meta de não ensinar doutrina aos estudantes, ainda assim se lhes ensina que as doutrinas do Cristianismo não são verdadeiras. Por meio do “método científico” se lhes ensina aos estudantes a participar duma “fé comum”. Tal fé comum está de acordo com o princípio do “contínuo da experiência”. Esta “fé comum” é a única coisa que pode se afirmar com razão, acerca do universo como um todo.

Então, de acordo com Dewey, os mestres devem apresentar aos estudantes como religião uma filosofia da realidade que exclua absolutamente o Cristianismo. Diz-se que esta filosofia da realidade há de estar involucrada na adoção da maneira metodologia científica. Pois este método científico implica na idéia de mudança última. E como tal, deve excluir a noção do Deus do Cristianismo, que é Ele mesmo para sempre.

(De seu livro Ensaios sobre a Educação Cristã)


NOTAS:

[01] — A Busca da Certeza, (New York, 1929) p. 23.
[02] — Democracia e Educação, (New York, 1920) p. 388.
[03] — Experiência e Educação, (New York, 1938) p. 17.
[04] — Ibid, p. 13.
[05] — Ibid, p. 17.
[06] — Democracia e Educação, p. 28ff.
[07] — Ibid, p. 26.
[08] — Ibid, p. 24.
[09] — Experiência e Educação, p. 29.
[10] — Democracia e Educação, p. 26.
[11] — A Busca da Certeza, p. 79.
[12] — Ibid, p. 99.



Tradução livre: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 28 de Novembro de 2004.

www.monergismo.com

Este site da web é uma realização de
Felipe Sabino de Araújo Neto®
Proclamando o Evangelho Genuíno de CRISTO JESUS, que é o poder de DEUS para salvação de todo aquele que crê.

TOPO DA PÁGINA

Estamos às ordens para comentários e sugestões.

Livros Recomendados

Recomendamos os sites abaixo:

Academia Calvínia/Arquivo Spurgeon/ Arthur Pink / IPCB / Solano Portela /Textos da reforma / Thirdmill
Editora Cultura Cristã /Edirora Fiel / Editora Os Puritanos / Editora PES / Editora Vida Nova