Quanto é lícito matar alguém em auto-defesa?

por

Tomás de Aquino

 


 

Objeção 1. Parece não ser permitido a ninguém matar um homem em auto-defesa. Pois Agostinho disse a Públio (Ep.xlvii): “Não concordo com a opinião de que alguém deva matar um homem a fim de que não seja morto por ele; a menos que seja um soldado, exerça um ofício público, de modo que não faça isto por si mesmo mas pelos outros, tendo o poder para assim fazer, desde que autorizado por alguém.” Assim, aquele que mata um homem em auto-defesa, o mata para que não seja morto por ele. E isto parece ser ilegal.

Objeção 2. Ademais, ele diz (De Lib. Arb. I, 5): “Como são livres do pecado devido à providência Divina, quem são esses culpados para tomar a vida de um homem por conta de coisas semelhantes?” E entre coisas semelhantes ele fala “daquelas que os homens não podem sofrer a perda voluntariamente,” como percebemos pelo contexto (De Lib. Arb. i, 5): e a maior dessas é a vida do corpo. Portanto não é lícito a qualquer homem tomar a vida de outro por conta da vida de seu próprio corpo.

Objeção 3. Mas não só, Papa Nicolau [Nicolau I, Dist. 1, can. De seus clérigos] diz em seu Decreto: “Com relação aos clérigos sobre os quais você nos consultou, a saber, os que mataram um pagão em auto-defesa, a respeito se, depois de corrigirem-se pelo arrependimento, podem retornar ao seu estado anterior, ou sobem à um grau mais elevado; saiba que em hipótese alguma é lícito a eles matar um homem, não importa quais sejam as circunstâncias.” E, os clérigos e os leigos estão sob os mesmos limites de observância dos preceitos morais. Por conta disto, tampouco é lícito aos leigos matar quem quer que seja em defesa própria.

Objeção 4. Ademais, o assassinato é um pecado mais grave que a fornicação e o adultério. Ora, ninguém pode livremente cometer fornicação ou adultério ou qualquer outro pecado mortal a fim de preservar sua própria vida; uma vez que a vida espiritual deve ser preferida à vida do corpo. Portanto nenhum homem pode livremente tomar a vida de outro em auto-defesa, a fim de salvar sua própria vida.

Objeção 5. E mais, se a árvore for má, assim serão os seus frutos, conforme Mt. 7:17. Ora, a auto-defesa parece ser ilegal em si mesma, de acordo com Rm. 12:19: “Não defendam [significando: não vinguem] a vós mesmos, meus amados.” Portanto seu resultado, que é o assassinar a um homem, também é ilegal.

Em contrário, está escrito (Ex. 22:2): “Se um ladrão for achado entrando numa casa ou arrombando-a, e sendo ferido, morrer; aquele que o feriu não será culpado do sangue.” Ora, é muito mais lícito a alguém defender sua vida do que sua casa. Portanto não é culpado de homicídio aquele que mata outro para defender sua própria vida.

Eu respondo que, Nada impede que um ato tenha dois efeitos, somente um dos quais desejado enquanto o outro não-intencionado. Ora, qualificam-se os atos morais de acordo com a intenção, e não de acordo com o que não fora intencionado, uma vez que isto é acidental, como explicado acima (43, 3; I-I, 12, 1). Sendo assim, o ato de auto-defesa pode ter duplo efeito, o de preservar a própria vida, e o de matar o agressor. Por isso este ato, desde que a intenção seja salvar a própria vida, não é ilícito, pois é natural que se queira “existir” o mais que se possa. E, embora provenha de uma boa intenção, um ato pode se tornar ilícito, caso não esteja voltado para tal fim. Assim, se um homem, em defesa própria, usa mais violência do que é necessário, seu ato torna-se ilícito: contudo se ele repelir o agressor com violência moderada sua defesa é lícita, porque segundo os juristas [Cap. Significasti, De Homicid. volunt. vel casual.], “é lícito repelir a força pela força, cuidando para não exceder os limites de uma defesa sem culpa.” Tampouco é necessário à preservação [da vida] que o homem abdique do ato de auto-defesa moderado a fim de evitar matar outro homem, uma vez que é obrigação maior cuidar da própria vida do que da de outrem. Mas por ser ilícito tirar a vida de um homem, à exceção da autoridade pública visando o bem comum, como indicado acima (3), não é lícito a um homem intentar matar outro ao defender-se dele, a não ser aos que têm autoridade pública e que, ao terem a intenção de matar um homem em defesa própria, visem com isto o bem público, como no caso do soldado lutando contra o inimigo, e o oficial de justiça lutando contra os ladrões, contudo também estes pecam se forem movidos por animosidade pessoal.

Resposta à Objeção 1. As palavras citadas de Agostinho referem-se ao caso em que um homem tenciona matar outro para salvar a si mesmo da morte. A passagem proferida na Segunda Objeção deve ser entendida no mesmo sentido. Por isso ele diz explicitamente, “devido a essas coisas,” indicando assim a intenção. Isto é suficiente como Resposta à Segunda Objeção.

Resposta à Objeção 3. A irregularidade resulta do ato, embora não pecaminoso, de tirar a vida de um homem, como no caso do juiz que justamente condena um homem à morte. Por essa razão um clérigo, embora mate um homem em auto-defesa, está irregular, pois não pretendia matá-lo, mas, defender a si mesmo.

Resposta à Objeção 4. O ato de fornicação ou adultério não é direcionado necessariamente à preservação da vida de alguém, como em algumas circunstâncias o ato de tirar a vida de um homem.

Resposta à Objeção 5. A defesa proibida nessa passagem é aquela que nasce do instinto de vingança. Por isso ele concorda em dizer: “Não defendam a vós mesmos – isto é, não golpeiem seu inimigo pelas costas.”

 

(Summa Theologica, II-II, q.64, a.7)

 


Traduzido por: Márcio Santana Sobrinho


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