O Poder do Espírito na Evangelização

por

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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Nos círculos evangélicos, um dos assuntos mais debatidos em nossos dias é a questão do crescimento de igreja. Há pessoas e grupos que estabelecem de forma universalizante, determinados meios que alegadamente “funcionaram” aqui e acolá, havendo sempre em cada descrição uma tentativa de legitimação de seus atos e universalização de suas propostas.

Nós, cristãos reformados, entendemos que a Bíblia é a fonte de todo o nosso conhecimento, tendo as Escrituras diretrizes para nos guiar em todas as áreas de nossa existência. Portanto, quando estudamos este assunto, faz-se necessário – como em todos os demais – buscar nas Escrituras orientação para o direcionamento de nossa vida e, conseqüentemente, para o nosso modo de agir. Estudemos então, a Igreja Primitiva. A partir daí poderemos juntos perceber o seu crescimento, como Deus agiu através de Seu povo, mesmo sendo este imperfeito como nós também hoje o somos. Ao lermos o Livro de Atos, em especial, devemos estar atentos àquilo que é descritivo e, ao que é-nos ordenado. O descritivo, ainda que sirva de parâmetro, não estabelece um mandamento divino; o ordenado, no entanto, é para ser cumprido sempre.

Atos é o “Livro eixo do Novo Testamento”, pois estabelece uma ligação entre os Evangelhos e as Epístolas, mostrando em forma de esboço o crescimento da Igreja, indo de Jerusalém à Roma, a capital do mundo gentílico.

Certamente um dos objetivos de Atos é retratar o crescimento da Igreja, ultrapassando barreiras geográficas, religiosas e culturais, culminando com a chegada de Paulo em Roma. Por isso Atos pode ser esboçado a partir dos registros do crescimento da Igreja (Vd. Atos 2:41,47; 4:4; 5:14; 6:7; 9:31; 12:24; 16:5; 19:20; 28:31). Além disso, Atos nos dá pistas a respeito dos judeus da Ásia e do Norte da África que ouviram o sermão de Pedro, muitos dos quais devem ter sido convertidos em Jerusalém (Atos 2:9-10; 2:41); fala-nos também do Eunuco etíope que após a sua conversão e batismo, continuou o seu caminho “cheio de júbilo” (Atos 8:37-39). Estes homens voltando para as suas cidades, que método usaram para difundir a sua fé? Atos também descreve como o Evangelho foi pregado por Paulo na Europa (Atos 16:9-15).

Os testemunhos históricos que temos a partir do segundo século, informam-nos que apesar de perseguidos, os cristãos davam o seu testemunho, sendo muitas vezes martirizados; aliás a palavra “testemunha” em grego significa “mártir”. Vemos também que o seu comportamento era contagiante através de sua conduta diferente, que procurava se pautar pela Palavra de Deus.


1. O PODER DO ALTO

Antes de ser assunto aos céus, o Senhor ressurreto – diante da curiosidade de seus discípulos que inquiriam o que não lhes era pertinente – lhes diz: “....recebereis poder (du/namij), ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas (ma/rtuj) tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra” (Atos 1:8).

No registro do Evangelho, Lucas empregou palavras semelhantes, oferecendo-nos, contudo, outros detalhes:

44 A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos.

45 Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras;

46 e lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia

47 e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém.

48 Vós sois testemunhas (ma/rtuj) destas coisas.

49 Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder (e)ndu/shsqe e)c e(/youj du/namin)” (Lucas 24:44-49).


Realcemos alguns pontos no texto:

a) Os discípulos de Cristo, só entenderam as Escrituras, quando o próprio Jesus lhes abriu o entendimento (Lucas 24:45). F. F. Bruce (1910-1990) está correto ao afirmar que: “Os crentes possuem um padrão permanente e um modelo no uso que nosso Senhor fez do Antigo Testamento, e uma parte do atual trabalho do Espírito Santo no tocante aos crentes é abrir-lhes as Escrituras, conforme o Cristo ressurreto as abriu para os dois discípulos no caminho para Emaús (Lucas 24:25ss)”. [1]

b) Os discípulos como testemunhas deveriam pregar o Evangelho profetizado e vivenciado por eles na companhia de Jesus Cristo, o Verbo Encarnado (Lucas 24:44, 47-48).

c) O alcance dessa missão primitiva teria início em Jerusalém e depois se estenderia a todo mundo: universalidade da pregação (Lucas 24:47).

d) Eles deveriam aguardar até que fossem revestidos (e)ndu/w) [2] de poder (Lucas 24:49).

e) O poder (du/namij) que receberiam seria do alto (u(/yoj) [3] (Lucas 24:49).

2. O TESTEMUNHO NO PODER DO ESPÍRITO

O Evangelho é o poder de Deus (Romanos 1:16). A Palavra da Cruz é poder de Deus (1 Coríntios 1:18); e a “Palavra da Graça” é poderosa para nos edificar (Atos 20:32) e para nos conceder sabedoria espiritual (2 Timóteo 3:15). [4] Jesus Cristo é o poder e sabedoria de Deus (1 Corintios 1:24). Paulo pregou o Evangelho com demonstração do Espírito e de poder para que a fé dos coríntios não se apoiasse em palavras mas em poder (1 Corintios 2:4-5; 1 Tessalonicenses 1:5). O Evangelho não parte de fábulas inventadas (2 Pedro 1:16). “[A] fé saudável equivale à fé que não sofreu nenhuma corrupção proveniente de fábulas.” [5]

Em Atos 4.33, lemos: “Com grande poder (du/namij) os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus....”. A Igreja cumpria a missão dada por Jesus Cristo com fidelidade, pois, Ele mesmo ordenou: “... e sereis minhas testemunhas...” (Atos 1:8).

A Igreja teve uma experiência pessoal com o seu Senhor e foi comissionada por Ele mesmo a dar testemunho perante o mundo dos atos salvadores de Deus e das Suas virtudes (Mateus 16:16; 28:29,20; 1 Pedro 2:9-10). A eficácia do ministério da Igreja consiste em apontar para a obra eficaz de Jesus Cristo, testemunhando, então, o perdão do seu próprio pecado. A Igreja apresenta-se como resultado histórico, fruto da ação misericordiosa de Deus em Cristo. Ela não cria nem é a mensagem; é apenas o sinal mais ou menos luminoso, dependendo de sua fidelidade à Palavra, que aponta para o Seu Senhor (Mateus 5:14-16; Atos 2:14ss; 5:30-32; 20:27-21; 22:12-15; 26:22-23; 1 João 1:2-3).

A Missão da Igreja inspira-se e fundamenta-se no exemplo Trinitário. O Pai envia o Seu Filho (João 3:16), ambos enviam o Espírito à Igreja (João 14:26; 15:26; Gálatas 4:6), habitando em nossos corações (Romanos 8:9-11, 14-16); e nós somos enviados pelo Filho, sendo guiados pelo Espírito de Cristo (João 17:18; 20:21).

 

A) EM JERUSALÉM

O resultado da pregação eficiente e de uma vida cristã autêntica, além de outras coisas secundárias, redunda na Glória de Deus (Mateus 5:14-16; 2 Coríntios 9:12-15), resultando naturalmente, conforme o exemplo bíblico, no crescimento espiritual e numérico da Igreja. O Livro de Atos registra que enquanto a Igreja testemunhava e vivia o Evangelho, “acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos” (Atos 2:47); e mais: “Crescia a palavra de Deus e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé” (Atos 6:7. Leia também: Atos 2:41; 4:4; 9:31; 12:24; 14:1).

 

B) “ATÉ AOS CONFINS DA TERRA”

Após o eloqüente e desafiante sermão de Estevão e, a sua conseqüente morte por apedrejamento (Atos 7:1-60) – a forma judaica de executar os culpados de blasfêmia (Levítico 24:16; João 10:33) – o grupo inquisidor estimulado por esta atitude assassina, promoveu “... grande perseguição contra a igreja de Jerusalém” (Atos 8:1), com a permissão do sumo sacerdote (Atos 8:3; 9:1-2).

O termo usado em Atos 8:1 para descrever a “perseguição” apresenta a idéia de uma caça violenta e sem trégua. Lucas, inspirado por Deus, pinta este quadro de forma mais forte, adjetivando “grande”, indicando assim, a severidade da perseguição. Saulo foi o grande líder desta ação contra os cristãos (Atos 8:1; 9:1-2; 22:4-5; 26:9-12).

Nesta primeira grande perseguição vemos claramente a direção divina:

1) Os apóstolos não foram dispersos, permanecendo em Jerusalém (Atos 8:1), podendo assim, sedimentar a mensagem do Evangelho em Jerusalém.

2) Até agora a Igreja não havia cumprido a totalidade da ordem divina, que dizia: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra” (Atos 1:8). Os apóstolos, ao que parece, não haviam saído dos limites da Judéia com o objetivo de proclamar o Evangelho.

O verbo usado para descrever a “dispersão” (diaspei/rw) está ligado à sementeira e semeadura, sendo empregado unicamente por Lucas no Novo Testamento e somente para descrever este episódio (*Atos 8:1,4; 11:19). Assim, através da perseguição, os discípulos saíram de Jerusalém levando as Boas Novas do Evangelho (Atos 8:4), semeando a semente do Evangelho de Cristo (1 Pedro 1:23).

Filipe, um dos diáconos eleitos (Atos 6:5), pregou em Samaria e muitos se converteram (Atos 8:5-8), posteriormente ele evangelizou, mediante a direção de Deus (Atos 8:26), um judeu etíope que era tesoureiro da rainha Candace – título esse semelhante ao de “Faraó”, não indicando o nome próprio de uma pessoa – que se converteu, sendo então batizado (Atos 8:38). Após o batismo do etíope, “... Filipe veio a achar-se em Azôto; e, passando além, evangelizava todas as cidades até chegar a Cesaréia” (Atos 8:40).

Outro fato que evidencia a ação providencial de Deus na perseguição de Jerusalém, está registrado em Atos 11:19-21, onde lemos no verso 19: “... Os que foram dispersos (diaspei/rw), por causa da tribulação que sobreveio a Estevão, se espalharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia...”. Nos versos 20 e 21 temos ainda a proclamação expandindo-se: “Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de Cirene, e que foram até Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus. A mão do Senhor estava com eles, e muitos, crendo, se converteram ao Senhor”. Vemos, desta forma, que o Evangelho estava sendo disseminado, tendo como elemento gerador uma perseguição que parecia ser fatal para a Igreja de Cristo; entretanto Deus a redundou em bênçãos para o Seu povo (Gênesis 50:20; Romanos 8:28).

A difusão do Evangelho é demonstrada mais tarde, ainda no período neotestamentário, através das Epístolas de Tiago e Pedro, sendo a de Tiago destinada “... às doze tribos que se encontram na Dispersão” (Tiago 1:1) e a de Pedro, “... aos eleitos, que são forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia, e Bitínia” (1 Pedro 1:1. Leia também Atos 17:6).

3) Através do zelo cego de Saulo, em perseguir os cristãos, Deus o chamou eficazmente (Atos 9:1-5), regenerando-o, porque para Deus, Saulo era “... um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel” (Atos 9:15). Mais tarde, Paulo, o antigo Saulo, escreveu aos gálatas: “Quando, porém ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu pregasse entre os gentios....” (Gálatas 1:14,15). Saulo, o grande perseguidor, agora era Paulo, o apóstolo de Cristo levando a mensagem salvadora do Evangelho a todos os povos, chegando à capital gentílica (Roma) e, desejando prosseguir em sua missão, se possível, atingir a Espanha (Atos 28:16ss; Romanos 15:22-29).

Através do trabalho de Filipe, Pedro, Paulo, Barnabé, Silas, Timóteo, Tito e de milhares de irmãos anônimos, o Evangelho proliferou em todos os continentes. Nós hoje somos herdeiros desta proclamação. O crescimento da Igreja impulsionado pelo Espírito, era operado através de todos os irmãos; todos estavam comprometidos com a obra missionária quer em suas cidades quer em outras regiões. [6]

O mesmo Espírito que forma a Igreja, também a comanda na Evangelização. Deus escolhe, envia e dirige os Seus servos na proclamação do Evangelho (Atos 8:39-40; 13:1-4). Isto o Espírito faz ordinariamente através da Igreja como instituição, ainda que não exclusivamente. [7] Seja como for, o meio usado pelo Espírito para dirigir a Sua obra missionária é a Palavra de Deus; por isso que, “sem o poder do Espírito Santo a evangelização é impossível.” [8]

NOTAS:

1 F. F. Bruce, Interpretação Bíblica: In: J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo, Junta Editorial Cristã, 1966, Vol. II, p. 753. Vd. Também: João Calvino, As Institutas, I.9.3.

2 e)ndu/w tem o sentido literal de “vestir-se” (Mt 6.25; 27.31; Mc 1.6; Lc 15.22; At 12.21) e, quase que exclusivamente em Paulo, a aplicação figurada de “revestir-se”: a) De poder (Lc 24.49); b) Das armas da luz (Rm 13.12); c) Do Senhor Jesus (Rm 13.14; Gl 3.27); d) Do novo homem (Ef 4.24; Cl 3.10); e) De toda armadura de Deus (Ef 6.11,14); f) De ternos afetos (Cl 3.12); g) Da couraça da fé e amor (1Ts 5.8). A palavra descreve também a nossa ressurreição como um revestimento de imortalidade e incorruptibilidade (1Co 15.53-54).

3 u(/yoj literalmente tem o sentido de “altura”, como no texto de Lucas e, também, de “dignidade” (Tg 1.9) (*Lc 1.78; 24.49; Ef 3.18; 4.8; Tg 1.9; Ap 21.16). O verbo (u(yo/w) é traduzido em geral por “elevar” (Mt 11.23; Lc 10.15; Jo 3.14); “exaltar” (Mt 23.12; Lc 1.52; 14.11; 2Co 11.7; Tg 4.10; 1Pe 5.6) e “levantar” (Jo 3.14; 8.28; 12.32).

4 A palavra usada em ambos os textos é du/namai.

5João Calvino, As Pastorais, São Paulo, Paracletos, 1998, (Tt 1.14), p. 320. “Se porventura desejarmos conservar a fé em sua integridade, temos de aprender com toda prudência a refrear nossos sentidos para não nos entregarmos a invencionices estranhas. Pois assim que a pessoa passa a dar atenção às fábulas, ela perde também a integridade de sua fé.” [João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.14), p. 320]. “Fábulas (...) aqueles contos fúteis e levianos que não têm em si nada de sólido.” [João Calvino, As Pastorais, (1Tm 1.4), p. 29].

6 Vd. Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP., Fiel, nº 6, 2000, p. 19ss.

7 Vejam-se: R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan, Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Christiana Reformada, 1985, p. 220ss.; Idem., Evangelização Teocêntrica, São Paulo, PES. 1976, p. 100, 151-152.

8 John R.W. Stott, Crer é também Pensar, São Paulo, ABU., 1984 (2ª impressão), p. 49.


Sobre o autor: Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa, pastor da I.P. Ebenézer, Osasco, SP e professor de Teologia Sistemática e Filosofia no Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, São Paulo, Capital.

 


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