Restaurando a Teologia da Evangelização

por

Rev. Augustus Nicodemus Lopes



Eu gostaria de começar citando uma palavra de Michel Green, um dos mais conhecidos teólogos na área de missões que temos hoje no mundo. Ele disse uma frase interessante num dos livros dele: 'Quase todo teólogo não gosta de evangelismo, e quase todo evangelista não gosta de teologia'. Infelizmente essa é uma verdade que constamos na prática. Ou seja, freqüentemente esse divórcio entre teologia e evangelização se encontra na mente e na visão missionária de muitas igrejas da nossa própria denominação. Muitas pessoas entendem que a teologia é, na verdade, um empecilho na evangelização ou obra missionária, porque a definem basicamente como polêmica em torno de temas doutrinários difíceis e acham que teologia divide. Em vez de ficar discutindo teologia e doutrina, deveríamos mesmo era cair em campo e fazer o que se deve fazer.

Recentemente eu tinha escrito alguma coisa a respeito da marcha pra Jesus. Uma reflexão a respeito do seu objetivo, analisando as motivações que estariam por detrás desse movimento, que tem um alcance nacional. E recebi uns dois ou três e-mails de pessoas zangadas comigo, dizendo que em vez de eu ficar fazendo teologia, eu deveria estar marchando pra ganhar pessoas pra Jesus Cristo. E eu respondi para elas pelo e-mail, que entendia que, pra marchar pra Jesus, primeiro eu precisava saber qual era a motivação e o embasamento bíblico, pra que eu fosse sair para marchar pra Jesus, ou fazer outra coisa prática na vida da igreja.

Na verdade, existe uma relação inseparável entre teologia e prática; nós não podemos desassociar as duas coisas. Toda verdadeira teologia deveria desembocar em alguma atividade prática da igreja, particularmente na área de evangelização e missões. E toda verdadeira evangelização e obra missionária têm um arcabouço teológico, se nós vamos ao mundo anunciar alguma coisa, temos que ter alguma coisa pra anunciar. Que mensagem vamos levar, o que vamos dizer às pessoas? Então não podemos separa a teologia da missão da igreja; na verdade, a teologia, a concatenação das idéias, o arcabouço doutrinário, isso é o esqueleto em cima do qual se monta a ação da igreja. Se a ação da igreja, ação missionária, evangelística, não tiver um embasamento sólido nas escrituras, ela se torna simplesmente ativismo ou uma tentativa de fazer coisas sem que se tenha uma razão por trás, uma motivação, um alvo, uma fundamentação bíblica. Eu penso que esse é, provavelmente, um dos maiores problemas que nossa igreja enfrenta hoje. Porque nos preocupamos muito com a questão de estratégias e métodos. E se fossemos perguntar qual é a teologia missionária ou evangelística da nossa igreja, teríamos que ficar em silêncio como resposta.

Então nosso objetivo aqui é exatamente analisarmos essa questão, da teologia missionária ou de missões. E ver de que maneira a Bíblia nos auxilia a alinhavar alguns pontos que não podem ficar de fora, à medida que refletimos a partir da Palavra de Deus sobre o trabalho missionário e sobre a tarefa que temos de realizar, que é plantar igrejas.

Minha primeira observação é essa, de que não podemos separar as duas coisas: teologia e ação, elas andam juntas. Há uma segunda observação que está relacionada com a base da nossa reflexão. Eu penso que, se vamos fazer uma teologia de missões ou de evangelização, qualquer que seja o título, nós temos de partir da regra de fé e prática da Igreja, que são as escrituras sagradas. A Bíblia tem que ser referencial.

Pode ser que eu esteja afirmando o óbvio, mas não é. Hoje em dia muitas igrejas montam estratégias, modelos missionários e de plantação de igrejas, exatamente à parte de pesquisas de marketing. Observando modelos de outras denominações que deram certo, visando alvos numéricos ou tomando atitudes pragmáticas, e raramente levam em consideração o que a Palavra de Deus tem a nos ensinar, em torno da motivação do método, do objetivo, do propósito e da reflexão e ação missionária da igreja.

O pragmatismo que chegou nas igrejas, através do movimento de crescimento de igreja na sua forma mais radical, tem, freqüentemente, levado o efeito de que pastores caiam nessa tentação. Porque, convenhamos, não é fácil você ser pastor de uma Igreja Presbiteriana de 50 membros e na esquina ter a Universal do Reino de Deus, que em menos de um mês tem 300 a 400 pessoas freqüentando vários cultos durante o dia. Você fica pressionado, e começa a se perguntar porque aquilo está funcionando e a sua congregação está tão pequena. E não são poucos os pastores que têm caído na tentação de seguir modelos pragmáticos, modelos que não são exatamente bíblicos, mas que prometem resultados imediatos de encher a igreja e, exatamente, porque existe uma pressão, às vezes por parte do presbitério, uma cobrança da comunidade, ou da sua própria consciência, de que se ele não estiver crescendo no mesmo ritmo de outras igrejas, então ele tem um problema vocacional, com as suas habilidades, com seu chamado e assim por diante.

Não estou dizendo que nós não devamos crescer, aliás, sou a favor do crescimento, creio que havemos de crescer, senão ninguém estaria participando deste congresso, falando sobre este assunto, se não acreditassem em evangelização e missões. Apenas acho que não devemos ceder às tentações e pressões do imediatismo e da busca de resultados a qualquer custo, quando nós temos a Palavra de Deus que nos dá uma base para reflexão sólida a respeito desse assunto.

Muito bem, então a nossa tarefa é exatamente essa: refletir sobre o que seria uma teologia de missões. Como vocês todos sabem, o cristianismo começou judeu, pois nasceu dentro do Judaísmo. A princípio, ele foi confundido como uma das seitas do Judaísmo; é que quando as primeiras autoridades romanas foram intimadas ou convidadas a decidir as questões entre os líderes judaicos e Paulo, por exemplo, vários deles disseram: isso é um problema de vocês. Pensaram que cristianismo era uma seita a mais de dentro do judaísmo, e então que era uma briga religiosa, e as autoridades não quiseram se envolver. Isto porque o cristianismo nasceu judeu.

Tomando como exemplo o apóstolo Paulo, em menos de 10 anos de atividades, provavelmente entre o ano 47 e 57 A.D., ele plantou igreja nas quatro províncias do império (Galácia, Macedônia, Acaia e Ásia), e no final, escrevendo aos romanos, ele diz: “eu já não tenho campo de ação aqui nestas regiões”. Tomando somente Paulo como exemplo, sem mencionar o trabalho dos outros missionários, apóstolos, evangelistas; em pouco tempo a igreja católica evangelizou o mundo conhecido. Breve o império romano iria descobrir que o cristianismo não era uma forma messiânica de judaísmo, mas sim uma coisa radicalmente diferente e potencialmente perigosa para o império romano, porque questionava a própria autoridade do imperador e se propunha a fazer uma revolução no império romano a partir de dentro, a partir da convicção, da fé daquelas pessoas, e foi como começaram as dez perseguições. Dez imperadores em seguida promoveram grandes perseguições.

Meu ponto aqui é que, desde o início, é uma igreja missionária, que cresce e se expande. E a grande pergunta é: o que levou aqueles cristãos a fazer o que fizeram? Porque eles fizeram isso numa época em que eram chamados de ateus (porque não criam nos deuses), numa época em que eram perseguidos e acusados de serem maus cidadãos (porque não adoraram César e não se curvaram diante da sua imagem), numa época em que eram completamente mal compreendidos: havia um boato de que eles eram antropófagos, (comedores de carne humana), de que uma vez por semana eles se escondiam em algum lugar para comer a carne e beber o sangue de alguém. Essa era a interpretação que os pagãos davam à santa ceia. No meio desse ambiente hostil, em que havia tortura, assédio da polícia, prisão, arrastamento de bens, inclusive risco de morte, o cristianismo cresceu como fogo de palha, a ponto de Tertuliano dizer que o sangue dos mártires era a sementeira da igreja.

Mas o que levou estas pessoas a enfrentar a morte, a perda dos bens da família, o nome, o que os levou a sair por toda parte anunciando a chegada do Reino de Deus, na pessoa de Jesus Cristo? E é aqui que começa exatamente a teologia das missões, ela começa na análise das motivações, o porque deveríamos sair ao mundo anunciando a chegada do Reino de Deus, conclamando as pessoas que se arrependam dos seus pecados e creiam em Jesus Cristo para entrar nesse reino.

Gostaria de mencionar quatro ou cinco motivações que encontramos no Novo Testamento e que estão na base da convicção missionária da igreja apostólica, da igreja primitiva. Quando nós estudamos o Novo Testamento indagando a respeito do que impulsionava os apóstolos, os evangelistas de igrejas em geral a sair plantando igrejas, abrindo novos campos de trabalho, anunciando a Cristo onde ele ainda não tinha sido anunciado, nós percebemos que eles não fizeram isso por arroubos sentimentais, espírito prozelitista, amor, popularidade, lucro ou fama. Às vezes, as pessoas confundem algum tipo de sentimento com essa vocação ou essa consciência do dever de anunciarmos o evangelho.

Na verdade, a igreja primitiva não era movida por nenhuma destas coisas, porque não estavam disponíveis a ela no começo, mas sim por convicções teológicas. Existe uma discussão hoje em dia na área de missões que é parecida com a discussão do ovo e da galinha: quem veio primeiro? Alguns dizem que primeiro veio a missão, os cristãos saíram anunciando o evangelho e à medida que iam anunciando, encontravam dificuldades, perguntas eram levantadas e eles refletiam nelas e a teologia ia sendo formada. Teologia a caminho.

Já outra linha entende que foi ao contrário. A igreja cristã já nasceu com um conjunto de convicções teológicas, muito bem formadas, que era exatamente o motor da ação missionária que os impulsionava a fazer missões, ou seja, missão é o resultado da teologia, das convicções teológicas e não o oposto.

É claro que, à medida que eles iam ao campo missionário e fundavam a igreja, chegavam novos convertidos, que traziam seus problemas, seus questionamentos, como por exemplo na igreja de Corinto: qual é a relação que existe entre o corpo da ressurreição e o corpo do crente enquanto estão vivos? Foi uma pergunta que surgiu na igreja de Corinto (I Coríntios 15), que o apóstolo Paulo, pela primeira vez, elaborou a teologia da ressurreição do corpo, ou como vai ser, ou como será, quer dizer quem sabe antes ele não tinha pensado a respeito disso?, mas a situação em Corinto o levou a fazer isso.

A convicção que haverá uma ressurreição de mortos, e que ela já havia se iniciado com Jesus Cristo, isso antecedia a missão de Paulo em Corinto, apenas um detalhamento e amadurecimento dessas idéias ocorreram durante o trabalho missionário. Quais seriam estas convicções teológicas, essas profundas crenças doutrinárias, que levaram a igreja a fazer aquilo? Primeira era a condição profunda de que Deus estava recebendo a glória que era devida por parte da humanidade, tendo em vista de que Ele era o criador. Talvez algumas pessoas esperariam que a primeira motivação da igreja primitiva fosse a paixão pelas almas e que nós temos de ir ao mundo, porque temos paixões pelas almas que estão se perdendo. Aliás, isso é muito divulgado num tipo de evangelismo e reavivalismo , oriundo dos avivamentos nos Estados Unidos no século XIX. Temos que ir ao mundo porque o homem está se perdendo. Entretanto, era essa a motivação número um da igreja primitiva. Quando estudamos os escritos apostólicos e demais escritos do Novo Testamento, percebemos que em primeiro lugar havia uma preocupação com a glória de Deus. Ele não está sendo glorificado no mundo como deve ser, pois ele é o criador.

Eu quero trazer como exemplo o que Paulo escreve na sua maior carta missionária, a carta aos Romanos. Interessante nessa carta é que Paulo apresenta à igreja de Roma o evangelho que ele prega, com o objetivo de obter dela apoio para os seus planos de evangelismo na Espanha. Isto que a carta aos Romanos é: uma apresentação sistemática do evangelho que Paulo prega, à luz das questões judaicas daquela época, onde ele expõe a necessidade de anunciar o evangelho na Espanha. A carta começa com Paulo dizendo que quer ir a Roma estar com eles e termina no capítulo 15 (antes das saudações do capítulo 16) dizendo: “espero que através de vocês eu seja levado para a Espanha, onde quero pregar o evangelho”. Ou seja, toda aquela parte doutrinária da metade do capítulo até o momento do capítulo 15 é o conteúdo do sanduíche, a carta é um sanduíche sendo que as duas bandas são aquelas em que o apóstolo Paulo está expondo seus desejos e planos missionários, e dentro vem a doutrina.

O que é que ele prega? E porque ele precisa pregar aquilo? É interessante que quando Paulo vai anunciar o evangelho, o que ele precisa pregar na Espanha, ele não começa assim: “Eu tenho que pregar o evangelho na Espanha porque o homem é bom, porque Deus é bom para com todos e ama todas as pessoas”.

Paulo começa dizendo que a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça. Que Deus se revela à humanidade através da criação, do que chamamos de revelação natural, os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de suas mãos. Ele diz nos versos 19 e 20 que os atributos de Deus, sua glória, divindade, majestade são conhecidos pelas coisas que Deus criou. No final do verso 20 ele diz que os homens são indesculpáveis, Deus se revela na natureza mostrando sua glória, seu resplendor e majestade de tal forma que ninguém pode apresentar como desculpa no dia do Juízo que não sabia que existia Deus, glorioso e criador de todas as coisas. No verso 21 ele diz: “Tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus”. Aqui está a preocupação de Paulo, Deus não foi glorificado pelos pagãos como deveria ter sido, como criador, majestoso, que se revela na natureza, não deram graças a Deus.

No verso 22 tornaram-se loucos. No verso 23, outra vez, a preocupação com a glória de Deus; mudaram Sua glória incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível. A preocupação de Paulo é: Deus, criador de todas as coisas, não está recebendo a glória que a humanidade lhe deve, e esta não tem desculpa porque a glória de Deus é manifesta. O que a humanidade fez? Mudou a glória de Deus, em vez de adorar e honrar esse Deus, pratica a idolatria.

Como conseqüência, Paulo diz a partir do verso 24 até o final do capítulo 1: “Deus entregou tais homens à imundícia do seu próprio coração”, foi a retribuição, o castigo de Deus, foi entregar o mundo pagão às trevas cada vez maior. Pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do criador, o qual é bendito eternamente. E no verso 28 ele diz: “Eles desprezaram o conhecimento de Deus, por isso Deus os entregou a uma disposição mental reprovável”. A preocupação de Paulo era pregar o evangelho, anunciar o reino de Deus ao mundo pagão, à Espanha, não é tanto porque ele sente compaixão daqueles que não conhecem a Deus e, portanto, vão morrer sem o conhecimento do salvador, mas porque Deus não está sendo glorificado como deveria, nem recebendo a glória que Lhe é devida, pois foi transmudada pela idolatria ignorante dos homens. Essa é a motivação.

Quando ele vai falar a respeito dos judeus, você vê outra vez a preocupação do apóstolo Paulo com a questão da glória de Deus. Do verso 1 ao 16 ele repreende os judeus, porque eles estão pensando que, pelo fato de condenarem os pagãos ou criticá-los por causa da idolatria e de outros pecados, os judeus se livrariam do juízo de Deus. Não vão se livrar de coisa nenhuma. Ele diz no verso 17, aqui está o ponto: “Tu porém que tens sobrenome judeu, repousa na luz, te glorias em Deus, que conhece a sua vontade”. Paulo faz uma relação dos privilégios que os judeus têm. No verso 24 ele diz: “você que ensina outro, não se ensina a si mesmo, tu que pregas não deve furtar, que não se deve cometer adultério e cometes, abominas os ídolos e lhe rouba os templos, por causa de vós, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios”. Qual era a preocupação de Paulo? Com o fato de os judeus, mesmo tendo recebido a lei e guardado-a, estavam indo pro inferno, não é porque o nome de Deus estava sendo blasfemado. A preocupação bíblica, a motivação número 1 na Bíblia e deveria dizer, para o trabalho e obra missionários, é a glória de Deus.

Nós vamos ao mundo anunciar o evangelho e chamar os homens ao arrependimento, para virem a Cristo Jesus, não só primeiramente porque eles são pecadores e estão indo para o inferno, mas porque o Deus da criação, o Senhor de todas as coisas, não está sendo honrado, glorificado, obedecido e adorado como tem o direito de ser por toda humanidade. E como isso faz a diferença na hora de partirmos para o campo missionário. Se você é motivado a plantar igrejas, evangelizar, fazer missões, estudar, ‘ralar' para aprender a ser um missionário e você está motivado apenas pela paixão às almas perdidas, essa é uma motivação menor, não é que deixa de ser nobre, verdadeira ou boa, mas ela é uma motivação menor.

Quando você está motivado pela glória de Deus, inflamado pelo fato de que seu criador, o Senhor de todas as coisas, não está recebendo a glória que merece, quando você ama a Deus a ponto de seu coração ficar partido porque Ele não está recebendo a glória que lhe é devida, então esta é uma motivação mais nobre, permanente, profunda e muito mais abrangente. Talvez a razão pela qual muita gente vai pro campo missionário, começa como missionário, plantando igreja, como seminarista, como pastor e depois desiste, é que nunca teve a motivação correta, faltava-lhe uma boa teologia missionária. Começou talvez pelos motivos errados, nunca entendeu o porquê anunciarmos o evangelho ao mundo. Em Romanos 1, Paulo nos dá com clareza essa primeira motivação. O Deus criador de todas as coisas, não está recebendo a glória que lhe é devida. E por isso nosso coração se quebra, se parte e sentimos esse desejo, esse impulso de trazer todos os homens à obediência de Cristo para a glória dEle.

Quando Cristo deu a grande comissão para sua igreja, Ele aproximou-se dos discípulos e disse: “todos os homens são pecadores e vão pro inferno, por isso ide, pregai o evangelho a todas as nações”. Foi isso que ele disse? Claro que não. “Todo poder me foi dado no céu e na terra, por tanto ide”, ou seja, a motivação que ele colocou diante da igreja foi essa: Eu recebi todo o poder no céu e na terra, sou o Senhor sobre tudo e todos, vão ao mundo anunciar isso, falar da minha glória e trazer os homens para debaixo do meu domínio, a fim de que sejam meus discípulos. Segunda motivação encontrada na Bíblia, que deve funcionar como base para nossa teologia missionária, é a convicção que a igreja primitiva, apostólica tinha, de que estava vivendo em dias de cumprimento das antigas promessas de Deus. Vamos chamar isso de motivação escatológica . Pra igreja primitiva, a vinda de Cristo ao mundo, o derramar do Espírito no dia de pentecostes e o arrebatamento dos gentios na igreja, representavam o início daquilo que eles chamam dos últimos dias, a nova era ou o Reino de Deus.

Você percebe essa consciência escatológica nos escritos de todos os autores do Novo Testamento, e tem origem no ensinamento do próprio Jesus. Qual foi sua mensagem quando ele começou a pregar? Ele disse: o tempo está cumprido, o Reino de Deus está próximo, arrependei-vos e crede no evangelho. O tempo está cumprido, ou seja, o tempo de espera, o tempo apropriado, determinado por Deus para o cumprimento das antigas promessas dos profetas, este tempo agora se cumpriu, ele chegou. E o Reino de Deus está aqui, pelo arrependimento e pela fé em mim, vocês podem entrar nesse Reino. A mensagem de Jesus era escatológica.

O apóstolo Pedro, pregando no dia de Pentecostes, explicando o fenômeno, faz referência a Joel capítulo 2, para explicar o que estava acontecendo ali, só que ele faz uma mudança no texto de Joel: “E acontecerá que depois derramarei do meu espírito sobre toda carne”. Mas quando Pedro cita Joel 2 em Atos ele diz: “e acontecerá que nos últimos dias derramarei do meu espírito sobre toda carne”. O que Pedro estava dizendo? Que a profecia de Joel estava cumprida e que, com ela, se inaugurava o que ele chamava de últimos dias.

Paulo, quando escreve aos Coríntios no capítulo 10 de sua carta fazendo referência ao que aconteceu com Israel no deserto, diz que aquelas coisas foram escritas para exemplo nosso, sobre a chegada do fim dos séculos. O apóstolo João escrevendo às igrejas, advertindo-as a respeito do Anti-Cristo e dos falsos mestres diz: “Filhinhos, já é a última hora”. Para os apóstolos e a igreja primitiva, a última etapa do plano de Deus para a redenção já foi inaugurada, depois disso virá o fim, estamos vivendo os dias de cumprimento das antigas promessas.

Essa era a consciência escatológica da igreja. Ou seja, em Jesus as promessas messiânicas encontraram plena consumação. A nova aliança profetizada por Jeremias, Ezequiel e Isaías agora tinha entrado em vigor, selada no sangue de Jesus. Os apóstolos já haviam sido chamados parar anunciar essa mudança e a chegada do Reino de Deus; outras promessas e profecias estavam se cumprindo, por exemplo: a restauração e reconstrução de Israel através dos remanescentes fiéis que eram os israelitas que criam em Cristo Jesus, e a entrada dos gentios no povo de Deus, juntamente com os judeus, que havia sido profetizada no Antigo Testamento.

Então essa consciência que estamos vivendo nos últimos dias, tem que fazer parte da nossa teologia missionária. Já soou a última hora, o Reino de Deus está entre nós. Às vezes, a igreja não percebe isso e fica colocando a última hora como sendo um evento futurístico, ou a se localizar lá na frente na agenda de Deus mas, de acordo com o Novo Testamento, já foi inaugurado o fim dos séculos, Deus está agindo no mundo, em salvação e julgamento que vai se consumar no dia do Juízo, mas ele já esta fazendo isso hoje.

Essa motivação fazia com que os apóstolos e a igreja fossem por todo lugar levar as boas novas: o Reino de Deus está entre nós, as promessas se cumpriram, o messias veio. Deus agora convida a todos que se arrependam de seus pecados e se submetam àquele que um dia virá julgar os vivos e os mortos. Sem esse pano de fundo de cumprimento das antigas promessas, a nossa mensagem de boas novas ao mundo é vazia, ela se torna simplesmente um meio das pessoas satisfazerem suas necessidades de imediato. Mas quando você proclama o evangelho à luz do cumprimento das antigas promessas, está apresentando um plano corrente de salvação, está dizendo às pessoas onde elas se encaixam no plano de Deus. Você está mostrando uma base histórica firme em que elas possam ancorar sua fé, conforme está revelado na Bíblia. Essa é a segunda motivação que encontramos no Novo Testamento pra missão da igreja: a consciência de que os últimos dias chegaram e que o Reino de Deus está entre nós e que a boa notícia que temos pra anunciar ao mundo é exatamente essa.

Há uma terceira convicção relacionada com a missão da igreja e seu trabalho missionário: era que os apóstolos e autores do Novo Testamento, cristãos em geral, estavam convencidos de que as promessas de Deus se concretizavam historicamente naquilo que ficou chamado de igreja. A igreja que surge no formato de igreja cristã foi entendida pelos apóstolos e cristãos como sendo foco histórico, o local onde essas promessas externavam e se concretizavam. Como exemplo: o apóstolo Paulo em Efésios 1 a 10, faz uma referência de Cristo para a igreja, que nos aponta para isso. Ele está falando do plano de Deus de redenção e diz, no verso 9, que Deus nos desvenda o mistério de sua vontade segundo o seu propósito e seu beneplasto, que propuseram em Cristo, de fazer convergir nEle, na dispensação da plenitude do tempo, todas as coisas tanto as do céu como as da terra.

Paulo está dizendo que o plano de Deus era na plenitude dos tempos, Ele estava reinando. E continuando o raciocínio ele diz no verso 23 do mesmo capítulo, que Deus pôs todas as coisas debaixo dos pés de Cristo e para ser o cabeça de todas as coisas O deu à igreja, a qual é seu corpo. Nós acostumamos ouvir Cristo e a plenitude da igreja, tanto é que queremos todas as plenitudes do espírito e a de Cristo. Mas Paulo está dizendo que a igreja é a plenitude de Cristo. Em que sentido a igreja é a plenitude de Cristo? O sentido é escatológico, que a igreja é a confirmação, a consumação, na prática do plano de Deus de trazer todas as coisas debaixo de Jesus Cristo. E, nessa perspectiva, quando você começa a pensar na igreja como o corpo e o povo escatológico de Deus, que a igreja é a plenitude de Cristo. Que é na igreja (invisível) que se expressa em comodidade local evidentemente. E que nelas se refletem a verdadeira igreja de Cristo, onde as promessas encontram plenamente seu cumprimento, é se processa a redenção, é ali que pessoas são recebidas no corpo místico de Cristo, é ali que elas são alimentadas, doutrinadas, crescem, juntas adoram e servem a Deus. O que eu quero dizer é que na teologia missionária do Novo Testamento a igreja local exerce um papel preponderante e indispensável.

E porque estou enfatizando isto? Porque sem querer criticar ou condenar o trabalho de ninguém que esteja aqui hoje, freqüentemente o trabalho da nossa igreja é levado avante, agências missionárias. E o que as igrejas locais fazem? Pagam simplesmente, dão recursos, mandam dinheiro, quando da perspectiva do Novo Testamento, a igreja local como expressão da plenitude de Cristo está no centro do plano de Deus. Essa visão de igreja estava por detrás da motivação que levou a igreja primitiva e os apóstolos a sair plantando igrejas, porque a preocupação deles, quando chegavam numa cidade, era organizar e fundar uma igreja. Exatamente por isso, porque tinha essa visão do que era a igreja local dentro do plano geral de Deus. A igreja local não é apenas um local gostoso onde nos reunimos com nossos irmãos aos domingos, pra cantar uns hinos, ouvir a Palavra, fazer uma reflexão, é muito mais do que isso, falando da igreja local como expressão do corpo de Cristo, da plenitude de Cristo. Dentro da missiologia neotestamentário da teologia de missões, a igreja local está no centro e representa uma parte crucial.

Voltando a Paulo em Efésios 2.15 ele diz que Cristo aboliu da sua carne a lei dos mandamentos na forma de ordenança que dos dois povos criassem em si mesmo um novo homem. Quem é esse novo homem? A igreja. Porque a igreja é chamada de novo homem. Ela é colocada como novo homem, porque é a nova humanidade que foi inaugurada por Cristo Jesus, em contraste com a velha humanidade encabeçada por Adão. Cristo veio começar um novo povo. O povo escatológico, povo de Deus, que tem expressão nas comunidades locais, isto não pode ficar de fora, quando estamos planejando fazer missões, plantar igrejas que se envolvam no trabalho missionário, porque não é apenas uma questão de estratégia, mas também de teologia bíblica e que a igreja faça parte disso.

Vou para uma quarta motivação: Deus nos chamou para edificar a sua igreja, as igrejas locais. Ou seja, Deus colocou na igreja pastores, mestres, evangelistas com propósito de edificar a igreja local, como expressão da igreja universal. A linguagem edificar é difícil de encontrar no Novo Testamento, mostra de que a igreja apostólica entardia a edificação da igreja em dois sentidos:

1) no sentido de expressão - edificar a igreja era expandi-la, fazê-la crescer, por exemplo em I Coríntios 3:10, quando Paulo diz que colocou como sábio arquiteto fundamento na igreja de Coríntios, e outros agora trabalham sobre ele edificando a igreja, fazendo com que ela cresça. Dessa forma a igreja era edificada com crescente número de judeus e gentios.

2) a igreja era edificada através da consolidação interna. Em Efésios 4:12 o apóstolo fala que Deus deu à igreja diversos dons para edificação da igreja em amor. Ele fala da igreja como um edifício vivo que cresce para habitação plena de Deus. Você encontra isso em I Coríntios 3:5-9, Romanos 15:18-19, quando Paulo fala desse crescimento da igreja em termos da sua consolidação interna, e ele está convencido que tal consolidação da igreja é uma obra divina. Todas as vezes que Paulo está falando disso, fala da igreja como um edifício de Deus, quando ele se refere aos obreiros, ele chama de cooperadores, de instrumento, especialmente naquela confusão da igreja de Coríntios, nos quatros primeiros capítulos da primeira carta aos Coríntios, onde o papel dos líderes está sendo discutido. Neste contexto Paulo diz que obreiros, apóstolos, pregadores, são meros cooperadores de Deus, mas quem dá o crescimento é Deus. É Deus quem faz a sua igreja crescer.

Porque estou enfatizando este aspecto da igreja como edifício que se expande, se consolida através da ação de Deus? Porque temos a impressão, ouvindo métodos de gerenciamento de crescimento de igreja ou estratégias e projeto de crescimento que são influenciados, modelados ou fecundados por idéias trazidas do marketing secular, de que crescimento de igreja é uma coisa que depende simplesmente de aplicação de métodos e de estratégias corretas. Da perspectiva do Novo Testamento isso é um engano. Não é errado usarmos métodos, fazermos estratégias, traçar planos e colocar alvos. Aliás, Deus manda fazer isso como bons mordomos do templo, do dinheiro e dos recursos de Deus. O problema é quando confiamos que estas coisas vão fazer com que a igreja cresça, e quando vemos as coisas simplesmente em termos de gerenciamento de marketing e administração e perdemos de vista esta convicção da igreja, de que ela como um edifício que cresce, o crescimento é de Deus.

Algumas pessoas não gostam do que eu estou falando, porque dizem que esse tipo de teologia não é nem missiologia, é missiodeologia . Porque estou dizendo que a missão é, na verdade, uma coisa de Deus, enquanto estamos acostumados a ver a missão como uma coisa da igreja. O nome correto deveria ser missiodeologia, estudar como Deus executa sua missão, seu plano que é de resgatar e trazer a existência concreta desse povo escatológico: a igreja em Cristo Jesus. Ao mesmo tempo em que estou afirmando isso, preciso dizer que a história está aí pra desmentir os boatos de que essa visão missiodeológica acaba por enfezar as igrejas nas ações missionárias. Sabemos que boa parte dos pais fundadores da obra missionária e evangelística do mundo, eram calvinistas no pensamento. Eles atribuíam à soberania de Deus o crescimento das igrejas, mas ao mesmo tempo em que faziam isso, ninguém se esforçou tanto para pregar o evangelho como eles, como estes reformados que criam na soberania de Deus, dependiam do Espírito Santo pro crescimento da obra e se gastaram como ninguém pra anunciar o evangelho na Índia, entre os judeus, na China, na África. Quantos não saíram de formação reformada e calvinista que fizeram a história da igreja?

Quinta motivação: é uma combinação de motivação que tem a ver com metodologia. Estou convencido de que a igreja primitiva quando escolheu um método para abrir e edificar igreja fez isso não pragmaticamente, mas teologicamente. Porque entendo que a igreja primitiva, os apóstolos e os primeiros missionários cristãos estavam convencidos que era através da proclamação das boas novas e do estabelecimento de igrejas locais, que esta edificação do corpo de Cristo haveria de acontecer, tanto no sentido da expansão, no crescimento, adesão de novos membros, como edificação dos que estavam ali; e era pela mensagem do evangelho que Deus haveria de reunir os gentios e o remanesceste fiel.

Veja só o crescimento da igreja que encontramos escritos e narrados em Atos, é descrito como a multiplicação da Palavra de Deus; Atos 6:7 diz que crescia a Palavra de Deus e, em Jerusalém, se multiplicava o numero de discípulos. O que é crescer a Palavra de Deus como ela crescia? Não é que a Palavra crescia, mas sim o número daqueles que ouviam e criam na Palavra de Deus. Lucas descreve o crescimento da igreja em Jerusalém em termos dos números daqueles que ouviam e criam na Palavra. Veja Atos 12:24 - depois da morte de Herodes, Lucas diz: “entretanto a Palavra do Senhor crescia e se multiplicava”. O que significa isso? Que aumentava e se multiplicava o número de pessoas que ouviam e criam na Palavra. Mesma coisa em Atos 19:20, descrevendo o ministério de Paulo em Efésios: “A Palavra do Senhor crescia e prevalecia poderosamente”. Lucas está descrevendo o crescimento da igreja, só que faz isso em termos do crescimento, da multiplicação e da prevalência da Palavra de Deus. Por quê? Porque no Novo Testamento é essa maneira pela qual a igreja cresce, pela Palavra de Deus. É o método que Deus elegeu e determinou, pelo qual a igreja levasse avante o cumprimento do seu ministério. Aliás, é neste termo que Paulo se refere ao cumprimento de seu ministério; em Colossenses 1:25 diz que está disposto a fazer qualquer coisa pra dar cumprimento ao seu ministério, ele diz que é a mesma coisa que dar cumprimento à Palavra de Deus. O que ele quer dizer? Dar cumprimento ao ministério que é pregar e aumentar a Palavra de Deus.

Então vejam como essas convicções influenciam profundamente a ação da igreja apostólica. Falamos que eles estavam convencidos de que Deus não estava recebendo a glória que Lhe era devida, não somente entre os pagãos mas também entre os judeus, que os últimos dias tinham chegado e que finalmente arrompem neste mundo de trevas, e se manifestou aos homens em graça e misericórdia, mesmo que a humanidade tenha se rebelado contra Ele. Que a igreja e o local onde Deus realiza suas promessas, ele está edificando essa igreja, e isso pela Palavra e pela plantação de igrejas. Penso que estas eram as convicções que estavam por detrás da motivação da igreja primitiva, e que formava o cerne da sua teologia missionária. Eles não estavam motivados só pelo desejo de salvar almas, embora este motivo também seja nobre, mas não era essa a motivação principal, de simplesmente multiplicar igrejas por multiplicar. Veja como isso determinava a ação da igreja primitiva.

Primeiro eles percorriam as estradas romanas, anunciando o evangelho e organizando discípulos nas principais cidades das províncias; o objetivo, segundo as palavras de Paulo em I Coríntios 9:18-22, era salvar o maior número possível. Eu não consigo conceber o apóstolo Paulo colocando um alvo numérico no seu ministério, ele nos dá um alvo, que era ganhar o maior número possível sempre. Paulo queria ver a plenitude dos gentios entrando. Fica difícil falar de alvos numéricos em planejamento missionário, estratégicos e de plantações de igrejas, quando a Palavra de Deus nos diz que os apóstolos visavam a plenitude dos gentios, ganhar o maior número possível. E como que eles faziam isso? O método era proclamar e ensinar as boas novas, não tinha substituto. Eu não estou querendo fazer pouco de teatro, cantata, coreografia, exibição de filme ou qualquer outra coisa, não quero menosprezar. Mas o que eu estou dizendo é que, biblicamente falando, não é questão de estratégia e de método, é questão de teologia. Deus leva avante seu Reino através de homens e mulheres que Ele levantou e capacitou e que anunciam a chegada do Reino de Deus, esse é o método que encontramos. Paulo não conhece nenhum outro (I Coríntios 2:10). Neste sentido ele se via como pregador, mestre e onde ele chegava com os demais apóstolos, organizava os convertidos em comunidades, batizava-os, elegia presbíteros, supervisionava por um tempo, isso é o que você vê no Novo Testamento, que a missão e a evangelização se centram na fundação de igreja, criar novas igrejas, a igreja vista como sendo a expressão concreta desse novo povo, a nova humanidade em Cristo Jesus.

O que podemos aprender pra nós?

1) não podemos separar teologia de missões e vise versa. Quando planejamos plantar igrejas ou fazer missões, temos que ter a base de teologia para isso. Não é simplesmente uma questão de ação e pragmatismo, mas tem que ser o resultado de convicções teológicas e doutrinárias profundas, nós vamos fazer o que temos que fazer, porque estamos persuadidos a respeito de Deus, quem Ele é, o que faz e o que Ele vai fazer na história.

2) através da Palavra de Deus que sua igreja é identificada nos dois sentidos, tanto na expansão quanto na edificação interna, existe uma necessidade de restaurarmos isso no campo missionário, a pregação bíblica. Nós vivemos num país que é ignorante na Bíblia. Na semana passada eu estava discutindo a questão do papel das mulheres na igreja, e um dos seminaristas do debate que eu estava participando perguntou ao meu oponente: “o que o senhor diz de Coríntios 1:14 a respeito das mulheres?” Esse professor disse: “Eu não sei, que diz Coríntios 1:14 a respeito disso?” Se existe ignorância entre aqueles que são “profissionais” na Bíblia, imagine os outros.

Que tipo de evangelismo temos que fazer? É um evangelismo que ensina, doutrina, e qual o método para isso? A pregação expositiva ensina a Palavra de Deus, pregar a Palavra, ensiná-la.

 

*Elleder Marques: Qual seria o jeito mais simples de trazer de volta a forma como a igreja fazia no princípio, de ela própria estar enviando? De você estar se filiando a uma agência, de levantar sustento? Qual seria a forma mais simples de conseguir trazer de volta aquilo como começou?

Acho que temos que fazer uma distinção entre as agências que apenas facilitam a ida do missionário para campo no exterior e aquelas que estão fundando e organizando igrejas. No caso das agências que facilitam o envio do missionário, de recursos, de sustento, isso faz parte da administração, não tem problema porque o missionário está sendo enviado por uma igreja local, com sua benção e ela está envolvida com ele.

O que eu não acho é que o trabalho missionário não deve ser feito exclusivamente por agências, porque perde esse conceito de igreja; tem igreja local que é central na teologia missionária do Novo Testamento. Então eu penso que é necessário um reavivamento da idéia de importância do papel da igreja local na obra missionária, o envolvimento maior da igreja não somente contribuindo, mas se envolvendo.

Recentemente tive notícias de uma estratégia missionária que nunca ouvi, mas soou como música aos meus ouvidos. Em uma igreja de São Paulo, o pastor tomou um ônibus com várias famílias e foram passar três meses no Nordeste, fundando uma igreja em uma cidade que não tinha igreja evangélica. Passaram três meses lá, pregando o evangelho, vivendo no meio do povo, depois as famílias voltaram e deixaram o trabalho organizado e começado. É apenas uma forma em que houve envolvimento da igreja local. E as agências que apenas facilitam o envio de recursos são necessárias. O que eu acho que não pode acontecer é que toda a obra missionária seja feita por agências, que elas mesmas tomam os missionários, selecionam, enviam, levantam recursos e coisas dessa natureza, e a igreja acaba ficando de lado nesse processo.

 

*Vanderley José de Oliveira: O pastor falou que a liderança e a comunidade primitiva da igreja tinham convicção que o crescimento vinha de Deus. Hoje vemos que a liderança geralmente tem essa visão, mas a comunidade não. Eu queria que desse uma palavra de motivação para a igreja refletir as missões.

Muitas vezes, a razão pela qual o conselho e as igrejas medem o sucesso do pastor pelo número é por causa do impacto que as igrejas reformadas (principalmente as nossas igrejas presbiterianas) estão recebendo de modelos eclesiásticos das igrejas neopentecostais, onde o crescimento, número de membros e da arrecadação é visto como benção de Deus e sinal de que a igreja está no caminho certo. Isso impacta os membros da igreja, porque nossa membresia é muito eclética. Domingo eles estão conosco, na segunda eles vão pra sessão do descarrego na Universal, no sábado vão para o louvorzão na comunidade e outro dia da semana vão pra uma vigília de oração na Assembléia de Deus. E no domingo vão perguntar pra nós porque nossa igreja não é igual às outras. Há uma rotatividade muito grande dos membros da igreja e isso causa uma consciência de que a igreja não está crescendo por causa da liderança, do pastor. Enquanto o pastor estudou as escrituras e está vendo que de fato o crescimento vem da parte de Deus.

Eu queria dizer uma palavra à igreja nesse sentido, e também à liderança. Então se durante anos e anos estávamos no mesmo lugar, e de fato não existe um crescimento numérico, deveríamos auxiliar algumas coisas antes de colocar a responsabilidade na soberania de Deus. Às vezes, de fato, o obreiro não está pregando o evangelho mas sim gastando tempo. Eu sei de pastores que passam várias horas do dia na internet sem fazer nada, quando poderiam estar levando avante o trabalho pastoral. Não motivam, nem ensinam os membros a evangelizar, os cultos não têm uma conotação evangelística, no qual os membros poderiam trazer os amigos para serem evangelizados; então, antes de dizer da soberania de Deus, temos que dar uma olhada no que estamos fazendo com os recursos dEle.

 

*Ronivaldo Pedrosa Silva (Seminarista): O senhor falou que a missão deve ser fruto de convicções teológicas e não tenho dúvida disso. Como pôr isso em prática diante de uma igreja imediatista como é a nossa?

A igreja reformada representa esta perspectiva que acabamos de colocar, ela representa um percentual pequeno dentro da realidade brasileira, mais de 70% das igrejas evangélicas são pentecostais ou neopentecostais, e dentro delas uma grande parte está guiada ou influenciada pela teologia da prosperidade, que é bastante imediatista nos resultados e também naquilo que ela oferece. Como eu disse, isso acaba criando uma consciência ou acaba influenciando os membros da nossa igreja que querem ver resultados imediatos, soluções rápidas para situações que existem no mundo. O pastor está num dilema: ou ele pára e explica para a igreja quais são os princípios bíblicos e o que é evangelização, o que é crescimento da igreja, ou ele corre atrás de resultados, ou ele não vai ficar muito tempo na igreja.

Acredito que os pastores deveriam receber maiores informações no seminário, de uma teologia missionária bíblica teocêntrica (centralizada em Deus) e não imediatista visando satisfazer de forma mercantilista a necessidade do homem moderno. O seminário é tão importante para treinamento de líderes, leigos, congressos nas igrejas, porque quem põe e tira pastores das igrejas geralmente são os presbíteros e eles precisam entender como funciona a questão do crescimento da igreja, e ter todos esses princípios. A igreja deveria ter reciclagem, educação teológica para leigos, formação de lideranças, cursos para presbíteros e diáconos.

O pastor precisa ter paciência e embasamento para mostrar à comunidade e ela precisa ver que ele não está defendendo sua inércia e a falta de resultado dele que, às vezes, pode parecer. Ele tem que mostrar que é trabalhador e evangelizar, mas ao mesmo tempo quer atribuir toda glória e resultados a Deus. E ele pode ensinar a igreja através disso.

Se o pastor não faz nada e chega na igreja defendendo que o crescimento vem de Deus, a igreja vai desconfiar que ele está dizendo isso para desculpar a falta do trabalho dele ou de crescimento da igreja. Porém, se ele mostrar que é um pastor ativo, trabalhador e dizer à igreja que o crescimento vem de Deus, ela vai escutar. O que acontece é que geralmente quem está defendendo que o crescimento vem de Deus, a igreja parece não crescer e o pessoal fica preocupado, temos que levar em conta isso também.

 

*Infelizmente hoje o leigo não é valorizado nas igrejas e a maioria, apesar de não ter conhecimento teológico, se esforça para ver o crescimento da igreja. E o leigo não é valorizado. A começar na igreja presbiteriana como nós deveríamos fazer para resgatar isso?

No modelo de evangelismo que estamos propondo aqui, que tem no centro a igreja local como a plenitude do corpo de Cristo, ele não pode se concretizar se não tiver a participação integral de todos os membros da igreja. Acho que é o único modelo que valoriza a participação de todos os membros, porque outros modelos centralizam na figura do pastor, de um evangelista de eventos. A importância do leigo é vital dentro desta visão bíblica de missões que vimos, mas o caminho passa pelo seminário, pela preparação dos pastores, realização de encontros, divulgação de material de conscientização.

Hoje não estou bem seguro das estatísticas nesse livro que mencionei. O autor diz que são dois os métodos mais eficazes usados nas igrejas que estão crescendo nos Estados Unidos: o primeiro é o púlpito, sem dúvida, é a pregação bíblica, a maioria dos convertidos diz que alcançou o conhecimento da verdade ouvindo o pastor expor a escritura e o outro era o evangelismo da amizade. As pessoas eram levadas à igreja pelos vizinhos, amigos ou parentes, ficavam e acabavam se convertendo, às vezes até na Escola Dominical. Então é indispensável a participação de todos, porque um pastor pode pregar bem, mas pra quem ele vai pregar? O pastor não gera ovelhas, quem gera ovelha é outra ovelha, eles têm que trazer ou têm que ir, o que seria a visão bíblica mais correta é levar o evangelho. A tarefa do pastor é equipá-los, prepará-los de acordo com Efésios 4. Acho que você tocou na questão certa, tem que ter a participação dos leigos.

*Wagner Vieira da Silva (Seminarista): A respeito da participação da igreja de um modo geral, de todos os membros da igreja vemos que a igreja hoje em dia na sua maioria está acomodada nos bancos; não seria a princípio a visão de revitalizar essa igreja para depois evangelizar? O que adianta trazermos pessoas para uma igreja que está morna e que não está com uma vida sadia espiritualmente?

Eu acredito que missões sejam o resultado de convicções e não o contrário. Então para que uma igreja se torne missionária, primeiro ela precisa ser motivada ao nível de suas convicções, os cristãos precisam ficar expostos a grande doutrina bíblica, a essa consciência que os fins dos tempos já raiaram, que a nova era já começou em Cristo Jesus, que a última hora do relógio de Deus já tocou. Estamos vivendo o que o Novo Testamento chama de últimos tempos, e o Reino de Deus já está entre nós. Então a melhor maneira é falar da glória de Deus, em vez de ficar falando que os homens estão indo para o inferno. Falar da glória de Deus, da Sua grandeza, motivar a igreja, dar uma visão concreta de quem é Deus, da grandeza da redenção, da chegada desse Reino, que são as motivações que encontramos no Novo Testamento. E nessa parte o pastor, como equipador da igreja, seu papel é essencial como pastor e mestre, expor esta grande verdade para os membros.

E à medida que essas verdades forem absorvidas, naturalmente os membros vão querer compartilhar com seus amigos, ir até onde eles estão, e se envolverem num trabalho missionário. Para que haja um avivamento missionário, primeiro precisa haver um doutrinário em nossa igreja, o despertar para essas doutrinas. Mas o que se vê nas igrejas hoje: pastor só prega sobre isso, faz uma reflexão, uma devocional, fala do amor de Deus, das bênçãos dEle. Eu sei que tem gente aflita, oprimida na igreja que precisa ouvir estas coisas mas na Bíblia tem muito mais que isso. E, às vezes, as mensagens são apenas assim: de conforto, alívio, claro temos que falar isso mas as mensagens não são doutrinárias, elas não tomam estes grandes temas bíblicos que impulsionam, desafiam a igreja, fica muito raso. Primeiro tem que haver um avivamento na pregação doutrinário que com o resultado, tenho certeza a igreja vai ser missionária.

Sempre foi assim, nos grandes avivamentos ocorridos dentro das igrejas reformadas. A reforma protestante foi isso mesmo. Na hora que redescobriram a doutrina da justificação pela fé, incendiou um fogo que consumiu a Europa toda. E qual era o motor do avanço da reforma? É claro que tinha elementos políticos e tudo mais. Mas qual era o motor? Exatamente a redescoberta das verdades bíblicas, das antigas doutrinas da graça, que eu penso, deveria acontecer entre nós hoje. Mas a nossa teologia está muito rasa e a pregação também, infelizmente.

Quero concluir com o resultado de uma pesquisa feita nos Estados Unidos que causou extraordinário furor lá no meio missiológico. Um cidadão chamado Gan Wainner escreveu um livro intitulado: Igrejas, evangelistas efetivos, baseado em uma pesquisa que ele fez em 546 igrejas batistas do sul que cresciam. Tem um capítulo intitulado: “10 surpresas”, porque os Estados Unidos é o país de crescimento de igrejas da metodologia, se você pegar uma revista típica evangélica, vai encontrar propaganda assim: nós fazemos a igreja crescer, duplicar de membros em um ano ou seu dinheiro de volta, você vai encontrar agências que fazem isso.

•  Poucas igrejas que cresciam realmente usavam eventos evangelísticos (poucas, quase nenhuma).

•  Que os ministérios durante a semana não contribuem nada para o crescimento da igreja.

•  Que o evangelismo de porta em porta está vivo e passando bem nos Estados Unidos.

•  Que a localização da igreja não é um fator decisivo para o crescimento dela.

Ele diz o seguinte: o que fez estas igrejas crescerem? Pregação bíblica, oração, testemunho intencional dos membros, ênfase em missões e escola dominical.

A minha palavra final é esta. Nós queremos ver a igreja crescer mas não podemos fazer isso sem ter uma orientação bíblica, firme e correta. Que estejamos alertas à questão do pragmatismo, da mercadologia evangelística que é oferecida hoje. E em tudo estejamos submissos ao nosso Deus, que em todas as coisas dá o crescimento.


Sobre o autor:

Dr. Augustus Nicodemus G. Lopes
Doutorou-se em Hermenêutica e Estudos Bíblicos (Ph.D., NT) no Westminster Theological Seminary (1993). É Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de vários livros, entre eles "Calvino, o Teólogo do Espírito Santo" (1996), "O que Você Precisa Saber sobre Batalha Espiritual" (1997), "Calvino e a Responsabilidade Social da Igreja" (1997), "A Bíblia e a Sua Família" (2001), "O Culto Espiritual" (2001), "A Bíblia e Seus Intérpretes" (2004), além de diversos artigos.



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