Deus é por nós ou por Ele mesmo?

por

John Piper



23 de Outubro de 1984

Eu gostaria de tentar persuadi-lo que o fim principal de Deus é glorificar a Deus e gozar a si mesmo para sempre. Ou, colocando de outra forma: o fim principal de Deus é glorificar a si mesmo ao gozá-lo.

A razão pela qual tais palavras nos soam estranhas é que tendemos a ser mais familiarizados com os nossos deveres do que com os desígnios de Deus. Sabemos porque existimos – para glorificar a Deus e gozá-lo para sempre. Mas por que Deus existe? O que ele deve amar de todo o seu coração, espírito, entendimento e forças? A quem ele adora? Ou vamos negá-lo o maior dos prazeres? Importa muito qual é o objetivo último de Deus!

Se você perguntasse a meus quatro filhos: “O que é a coisa mais importante para seu pai?” e eles dissessem “Eu não sei”, eu ficaria realmente desapontado. Mas se eles respondessem: “Não me interessa”, eu me sentiria humilhado – e com raiva. Deve importar a um filho o que seu pai considera como importante no final das contas. E nos deve importar muito com o que Deus se compromete com todo o seu coração, espírito, mente e força. O que impulsiona o Onipotente? O que ele persegue em todos os seus planos?

Deus não nos abandona nesse dilema. Ele responde a tal questão em cada momento na história da redenção, desde a criação até a consumação. Vamos avaliar alguns pontos principais para vermos o que nos dizem.

Por que Deus nos criou? Isaías 43:6-7: “Trazei meus filhos de longe [diz o Senhor], e minhas filhas das extremidades da terra; a todo aquele que é chamado pelo meu nome, e que criei para minha glória”.

Por que Deus escolheu um povo para si e Israel para sua possessão? Jeremias 13:11: “Eu liguei a mim toda a casa de Israel... para me serem por povo, e por nome, e por louvor, e por glória”.

Por que Deus os resgatou do Egito? Salmo 106:7-8: “Nossos pais não atentaram para as tuas maravilhas no Egito... antes foram rebeldes contra o Altíssimo junto ao Mar Vermelho. Não obstante, ele os salvou por amor do seu nome, para fazer conhecido o seu poder”.

Por que Deus os poupou vez após outra no deserto? Ezequiel 20:14: “O que fiz, porém, foi por amor do meu nome, para que não fosse profanado à vista das nações perante as quais os fiz sair”.

Por que Deus não abandonou seu povo quando estes o rejeitou e pediu por um rei como as outras nações? 1 Samuel 12:20-22: “Não temais; vós fizestes todo este mal; porém não vos desvieis de seguir ao Senhor, mas servi-o de todo o vosso coração. .. Pois o Senhor, por causa do seu grande nome, não desamparará o seu povo”.

Por que Deus usou seu poder soberano para trazer seu povo de volta do exílio, após punir quatro gerações de pecadores? Isaías (48:9,11) coloca desta forma: “Por amor do meu nome retardo a minha ira, e por causa do meu louvor me contenho para contigo... Por amor de mim, por amor de mim o faço; porque como seria profanado o meu nome? A minha glória não a darei a outrem”.

Ezequiel 36:22-23, 32 coloca desta forma: “Assim diz o Senhor Deus: Não é por amor de vós que eu faço isto, ó casa de Israel; mas em atenção ao meu santo nome ... e eu santificarei o meu grande nome... e as nações saberão que eu sou o Senhor. Não é por amor de vós que eu faço isto, diz o Senhor Deus, notório vos seja; envergonhai-vos, e confundi-vos por causa dos vossos caminhos, ó casa de Israel”.

Por que o Filho de Deus veio a terra e para suas horas finais e decisivas? João 17:1: “Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o Filho te glorifique”. Uma bela conspiração para glorificar a Deidade em toda a obra da redenção!

E por que Jesus voltará no grande dia da consumação? 2 Tessalonicenses 1:9-10: “Os quais sofrerão, como castigo, a perdição eterna, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder, quando naquele dia ele vier para ser glorificado nos seus santos e para ser admirado em todos os que tiverem crido...”.

Do início ao fim a força motivadora do coração divino sempre foi ser honrado e glorificado. Da criação à consumação, sua determinação última era a si mesmo. Seu propósito contínuo em tudo o que faz é para exaltar a honra de seu nome e ser admirado por sua graça e poder. Ele é infinitamente zeloso por sua reputação. “Por amor de mim, por amor de mim o faço”, diz o Senhor. “Minha glória não darei a outro!”.

Minha experiência em pregação e ensino me mostra que evangélicos americanos recebem esta verdade com algum ceticismo, se é que a recebem. Nenhum dos meus filhos nunca voltou para casa de suas escolas dominicais com uma lição intitulada: “Deus ama mais a si mesmo que a você”. Mas é absolutamente verdade, e assim, geração após geração de evangélicos cresce imaginando que realmente são o centro do universo.

Suponhamos, ainda assim, que a grande maioria de vocês não pretendam usurpar o lugar de Deus como o centro de seu universo. Você provavelmente tem duas outras objeções vindo à mente contra encarar Deus como tão egocêntrico. A primeira é que nós não gostamos de pessoas que agem desta forma, e a outra é que a Bíblia nos ensina a não agir desta forma. Tentarei responder a estas duas objeções, e assim sendo, espero também poder mostrar porque o compromisso de Deus em mostrar sua própria glória é imensamente relevante para nossa vida.

Primeira objeção: nós não gostamos de pessoas que são apaixonadas por si mesmas.

Nós simplesmente não gostamos de pessoas que se mostram em excesso apaixonadas pelas próprias habilidades, poder ou aparência. Não gostamos de estudiosos que anseiam por exibir seu vasto conhecimento ou quem nos recita todas as suas mais recentes publicações e leituras. Não gostamos de empresários que se prolongam sobre como sagazmente investiram uma alta soma em dinheiro e como alcançaram o topo nos negócios deixando sempre todos os outros para trás. Nós não gostamos de crianças que gostam de repetirem por horas que são melhores que as outras. A menos que sejamos um deles, desaprovamos homens e mulheres que se vestem de forma não usual, simples e inofensiva, mas permanecendo sempre na última moda. Eles fazem isso de forma que serão tidos como estando “por dentro”, ou como sendo legais, atrativos ou descontraídos, ou qualquer outra coisa que o mundo diga que você deve ser.

Por que não gostamos de tudo isso? Imagino que seja porque nenhuma destas pessoas seja autêntica. Elas são o que Ayn Rand chama “de segunda mão”. Elas não vivem pela alegria de alcançar suas próprias metas e causas próprias. Em vez disso, elas vivem de segunda mão, da honra e cumprimento de outros. Nós não admiramos pessoas de segunda mão, admiramos pessoas serenas e seguras o suficiente para não sentirem a necessidade de sobrepor suas fraquezas e compensarem suas deficiências tentando receberem o máximo de elogios possíveis.

O argumento é tolerável, entretanto, qualquer que incluísse Deus na categoria dos “de segunda mão” seria suspeito aos cristãos. E para muitos o ensino de estar Deus buscando honrarias e com intuito de ser admirado e fazer coisas para exaltação do próprio nome, de fato o coloca em tal categoria. Mas deveria? Uma coisa podemos dizer com certeza. Deus não é fraco ou possui qualquer deficiência. “Porque dele, e por ele, e para ele, são todas as coisas” (Romanos 11:36). Ele sempre foi. Todo o resto deve seu ser a ele e desta forma não pode lhe acrescentar nada que já não flua dele. Isso é o que significa ser Deus e não criatura. Entretanto, o zelo de Deus por sua glória e por ser louvado por homens não deve ser atribuído à sua necessidade de superar suas fraquezas e compensar suas deficiências. Ele pode parecer, a um olhar superficial, se enquadrar na categoria dos “de segunda mão”. Mas, ele não é como eles e a aparente similaridade deve ser explicada de uma outra forma. Deve haver algum outro motivo que o incita a buscar o louvor de sua glória.

Segunda objeção: buscar a própria glória não é amar.

Existe outra razão, por experiência, pela qual não gostamos daqueles que buscam a própria glória. Não é apenas por sua falta de autenticidade, numa tentativa de encobrir fraquezas e deficiências, mas também por serem desatenciosos. São sempre tão preocupados com a própria imagem e honrarias que não se importam com qualquer outra pessoa. Esta observação nos leva à razão bíblica pela qual parece tão ofensivo que Deus busque sua própria glória. 1 Coríntios 13:5 diz: “O amor não busca os próprios interesses”. Agora, isso parece criar uma crise, pois se - como eu penso que as Escrituras ensinam claramente - Deus tem por objetivo final ser honrado e glorificado, como pode, então, ele ser amoroso? Pois “o amor não busca os próprios interesses”, mas lemos que “por amor de mim, por amor de mim o faço. A minha glória não a darei a outrem” (Isaías 48:11). Mas se Deus é um Deus de amor, ele tem de o ser por nós. Então, Deus é por nós ou por ele mesmo?

Aqui está a resposta com a qual desejo persuadi-lo. Desde que Deus é único como o mais glorioso de todos os seres, totalmente auto-suficiente, ele deve ser por si mesmo se ele é por nós. Se ele abandonasse o objetivo de se auto-exaltar, nós é quem perderíamos. Seu empenho em trazer glória para si mesmo e seu empenho em trazer glória para o seu povo, tratam-se de um único esforço. Eles se levantam ou caem juntos. Imagino que perceberíamos isso se fizéssemos a seguinte pergunta.

Do ponto de vista da beleza infinitamente admirável de Deus, seu poder e sabedoria, o que envolveria seu amor pela criatura? Ou, colocando de outra forma: o que Deus poderia nos dar para demonstrar todo o seu amor? Há apenas uma resposta possível, não é? ELE MESMO! Se Deus deseja nos dar o que há de melhor e mais satisfatório, isto é, se ele nos ama de forma perfeita, tem de nos oferecer nada menos que a si mesmo para nossa contemplação, companheirismo e alegria. “Tu me farás conhecer a vereda da vida; na tua presença há plenitude de alegria” (Salmo 16:11).

Foi essa, exatamente, a intenção de Deus ao nos enviar seu Filho. Efésios 2:18 diz que Cristo veio para que pudéssemos ter “acesso ao Pai em um mesmo Espírito”. E 1 Pedro 3:18 diz: “Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus ”. Deus busca nos dar o que há de melhor – não é prestígio, riqueza ou mesmo saúde nesta vida, mas um caminho livre para intimidade com ele mesmo.

Agora estamos no limiar do que, para mim, foi uma grande descoberta, e a solução para nosso problema. Para ser alguém que ama de forma suprema, Deus tem que nos dar o que para nós será o melhor e nos satisfará ao máximo; ele tem de se dar a nós. Mas o que fazemos quando somos levados ou guiados a algo excelente, algo que desfrutamos? Nós o enchemos de honra. Nós elogiamos pequenos recém nascidos: “Ó, olhe esse belo rostinho redondo; e todo esse cabelo, e suas mãos, não são grandes?”. Elogiamos o rosto da amada após um longo período de ausência. “Seus olhos são como o céu; seus cabelos como a seda; ó, você é tão linda para mim ”. Nós elogiamos o pênalti marcado no fim do segundo tempo quando estamos perdendo por um. Nós elogiamos as árvores no outono.

Mas minha grande descoberta, com o auxilio de C.S. Lewis e Jonathan Edwards, foi que não apenas louvamos o que nos agrada, mas que este louvor é o clímax da alegria em si. Não se trata de uma mudança na direção, mas faz parte do prazer. Veja como Lewis descreve essa percepção em seu livro “Reflections on the Psalms”.

Mas o fato mais óbvio sobre o louvor – seja a Deus ou a qualquer outra coisa – estranhamente me escapou. Pensei a respeito dele em termos de elogios, aprovação, ou prestar honras. Nunca havia notado que todo prazer espontâneo transborda em louvor, a menos que (algumas vezes mesmo que) a timidez ou o medo de chatear outros venha deliberadamente a extingui-lo. O mundo está repleto de louvores – amantes elogiam seus amados, leitores os seus poetas favoritos, andarilhos as belezas do campo e jogadores o seu esporte – louvores quanto ao tempo, vinho, banho, atores, cavalos, amigos, países, personagens históricos, crianças, flores, montanhas, selos raros, insetos raros, algumas vezes até políticos e estudantes... Minha maior e mais básica dificuldade sobre o louvor a Deus dependia da minha negação absurda a nós, com respeito ao supremamente Valioso, do que nos deleitamos em fazer — o que de fato não podemos continuar fazendo — sobre tudo o mais que valorizamos.

Imagino que tenhamos prazer em louvar o que nos agradar porque a louvor não meramente expressa, mas complementa o gozo; ele é a sua consumação apontada. Não é sem razão que os amantes continuam dizendo uns aos outros quão belos eles são; o deleite é incompleto até que ele seja expresso (Reflections on the Psalms, pp. 93-95)

 

Aí está a chave: nós louvamos o que nos agrada porque o deleite não se completa até que o expressemos em louvor. Se não pudéssemos falar a respeito do que valorizamos e celebramos, do que amamos e louvamos, do que admiramos, nossa alegria não seria completa. Jonathan Edwards disse: “Alegria é um grande ingrediente no louvor... O louvor é a tarefa mais alegre do mundo”. Entretanto, se Deus é verdadeiro para nós, se ele quer nos dar o melhor e tornar a nossa alegria completa, ele deve fazer do seu objetivo o ganhar nosso louvor para si. Não porque ele necessite encobrir alguma fraqueza em si mesmo ou compensar alguma deficiência, mas porque ele nos ama e busca a plenitude da nossa alegria, que pode ser encontrada somente em conhecer e louvar o mais belo de todos os Seres.

Deus é o único Ser no universo para quem o egocentrismo ou a busca pela própria glória é um ato máximo de amor. Para ele, auto-exaltação é a maior de todas as virtudes. Quando ele faz todas as coisas “para o louvor de sua glória”, ele preserva para nós e nos oferece a única coisa no mundo inteiro que é capaz de nos satisfazer por completo. Deus é por nós, e, portanto, tem sido, é agora e sempre será, em primeiro lugar, por si mesmo. Eu imploro que você não se entristeça com a centralização de Deus em suas próprias afeições, mas que experimenta-a como a fonte de alegria eterna.

 

 


Tradução: Victor Bruno
Revisão:
Felipe Sabino de Araújo Neto
Janeiro de 2006


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