A Homossexualidade no Ocidente: uma perspectiva histórica

por

Alderi Souza de Matos


A homossexualidade é um fenômeno muito antigo, do qual há evidências tanto na arte pré-histórica quanto na pictografia e nos hieróglifos de culturas da antigüidade. A antropologia tem demonstrado a ocorrência desse fenômeno entre muitos povos e culturas do passado e do presente. No entanto, a atitude das diferentes sociedades quanto ao comportamento homossexual não tem sido uniforme, indo desde a tolerância e aceitação até a penalização e a tentativa de supressão.

Os antigos hebreus, egípcios e assírios tinham leis contra as práticas homossexuais. A partir do sexto século a.C., aumentaram as referências à homossexualidade na arte e na literatura da Grécia — na poesia de Safo e Anacreon, na prosa de Platão e nas peças de Ésquilo. Isso não significa que os gregos antigos aceitavam pacificamente tal conduta. Aristóteles, Heródoto, Aristófanes e muitos filósofos cínicos e estóicos posteriores expressaram a sua desaprovação moral de tais práticas. A existência da homossexualidade na antiga sociedade romana é atestada nos escritos de Suetônio, nas sátiras de Juvenal e na poesia de Catulo e Marcial. Como na Grécia antiga, a visibilidade desse comportamento não significava que ele era amplamente aceito pela sociedade.

As referências bíblicas às práticas homossexuais são pouco numerosas, mas bastante enfáticas. O Antigo Testamento condena a sodomia como algo típico da mentalidade pagã e prescreve punições severas (Lv 18.22; 20.13). No Novo Testamento, os escritos paulinos denunciam o comportamento homossexual masculino e feminino como um estilo de vida conflitante com os valores da fé cristã (Rm 1.26,27; 1 Co 6.9,10; 1 Tm 1.9,10). Todavia, só tardiamente surgiu a noção de que as cidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas por causa de práticas homossexuais (Gênesis 19). Seu pecado é descrito de outro modo em Ezequiel 16.49,50. A nova interpretação surgiu nos pseudepígrafos, em Filo e em Josefo, e se refletiu no Novo Testamento (Judas 6,7). Teria contribuído para isso a forte hostilidade contra a cultura grega por parte dos judeus ortodoxos daquela época.

As atitudes dos cristãos em relação a esse assunto foram influenciadas tanto pelas afirmações bíblicas quanto pela lei romana. No Império Romano, o homossexualismo aparentemente era punível sob a obscura “lex Scantinia” (c. 226 a.C.), mas o interesse jurídico pela matéria data do terceiro século da era cristã. Nos séculos seguintes surgiram novas leis voltadas para essa questão. Um edito de Teodósio, Arcádio e Valentiniano (ano 390) prescrevia a morte na fogueira para os sodomitas. O imperador Justiniano publicou duas novelas contra o homossexualismo em 538 e 544, que são importantes porque pela primeira vez se invocou o episódio de Sodoma e Gomorra e porque o seu objetivo não era tanto punir como levar os ofensores ao arrependimento. As penalidades legais eram reservadas somente para os mais obstinados.

Alusões esparsas na literatura e nos cânones cristãos mostram que a igreja antiga considerava o homossexualismo masculino altamente pecaminoso, mas não como algo merecedor de castigo exemplar. As penalidades variavam de uma penitência de 9 anos à excomunhão perpétua. Considerações políticas podem explicar algumas das prescrições mais severas da Espanha visigótica do século sétimo. Os escritos penitenciais apresentam um tratamento abrangente do pecado homossexual. Eles reconhecem as práticas femininas, distinguem entre diferentes atos e tentam adaptar as penitências à suposta gravidade da ofensa. Em geral, a Idade Média considerava a homossexualidade merecedora da atenção da igreja, que impunha penalidades espirituais, mas raramente entregava os ofensores às autoridades civis. Existe pouca reflexão sobre a moralidade do homossexualismo até a discussão dos “pecados contra a natureza” feita por Tomás de Aquino na “Suma Teológica” (1265-1273).

Entre os anos 1000 e 1500, à medida que se intensificou a urbanização da Europa, aumentaram as evidências de atividade homossexual. Mais ou menos a partir da segunda metade do século 12 surgiu uma hostilidade mais intensa contra esse tipo de conduta, tanto na literatura popular quanto em escritos teológicos e jurídicos. Alguns estudiosos têm interpretado esse fato no contexto de manifestações mais amplas de intolerância contra certos grupos, como foi o caso das Cruzadas, do anti-semitismo e da Inquisição. Com o advento do Renascimento e mais tarde do Iluminismo, caracterizados pelo espírito de contestação dos valores tradicionais e de defesa da liberdade individual, a homossexualidade masculina adquiriu nova visibilidade e relativa aceitação. No entanto, as situações podiam variar grandemente de um país para outro. No século 19, enquanto na França havia tolerância sob o Código de Napoleão, o oposto ocorria na Inglaterra, onde as leis nessa área eram extremamente rigorosas.

O século 20 constituiu um dramático ponto de transição nessa história turbulenta. Nunca antes tantos homossexuais haviam alcançado tamanho destaque na literatura, nas artes, na política e em outras esferas. Ao mesmo tempo, regimes ditatoriais através da Europa perseguiram duramente os membros desse grupo, como aconteceu na Alemanha nazista e nos países comunistas do Leste Europeu. Esses e outros fatores chamaram a atenção da opinião pública para os integrantes desse segmento e despertaram crescente simpatia em relação a eles. Por fim, o surgimento de um movimento homossexual organizado e militante nos anos 70 forçou a sociedade e as igrejas a se posicionarem de uma vez por todas quanto a essa questão, o que tem acontecido de modo intensamente conflitivo nas últimas décadas.


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Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil.


Fonte: Revista Ultimato


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