Gálatas 6:14-18

por

João Calvino

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[vv. 14-18]

Mas longe de mim gloriar-me senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Pois em Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão é coisa alguma, mas o ser nova criatura. E a todos quantos andarem conforme esta regra, paz e misericórdia sejam sobre eles e sobre o Israel de Deus. Quanto ao mais, que ninguém me perturbe; porque trago em meu corpo as marcas do Senhor Jesus. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja, irmãos, com o vosso espírito. Amém.


14. Mas longe de mim. Ele agora contrasta as tramas dos falsos apóstolos com sua própria sinceridade, como se estivesse dizendo: “Para não serem compelidos a levar a cruz, então negam a cruz de Cristo, adquirem os aplausos dos homens com o preço de vossa carne e terminam conduzindo-vos em triunfo. Meu triunfo e minha glória, porém, se encontram na cruz do Filho de Deus”. Se os gálatas não estivessem ainda destituídos de todo aquele comum sentimento, porventura não deveriam ter detestado aqueles a quem viam se refestelando a expensas deles?

Gloriar-me senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo é o mesmo que gloriar-se no Cristo crucificado, ainda que algo mais esteja implícito. Ele tem em mente a morte cheia de miséria e ignomínia, a qual Deus mesmo amaldiçoou; a morte que os homens contemplaram com aversão e vergonha; nessa morte, diz ele, me gloriarei, porque nela eu encontro perfeita felicidade. Pois onde o bem mais excelente existe, aí há glória. Mas, por que não também em outros lugares? Ainda que a salvação seja revelada na cruz de Cristo, onde fica sua ressurreição: Eis minha resposta: na cruz está contida a totalidade da redenção e todas as suas partes, mas a ressurreição de Cristo não nos afasta da cruz. E note-se bem que ele abomina todas as outras formas de glória como não sendo nada menos que uma terrível ofensa. Que Deus nos proteja de tal praga; isso não passa de uma monstruosidade! Eis o significado da frase que Paulo freqüentemente usa — de modo algum!

Pelo qual o mundo. Como stauros (stauros) é masculino, o pronome relativo pode, no grego, referir-se ou a Cristo ou à cruz. Em minha opinião, contudo, é preferível que se refira à cruz. Porque por meio dela, estritamente falando, morremos para o mundo. Mas, o que significa 'o mundo'? Ele é indubitavelmente contrastado com a nova criatura. Tudo quando se opõe ao reino espiritual de Cristo é o mundo, visto que ele pertence ao velho homem; ou, numa palavra, o mundo é, por assim dizer, o objeto e o alvo do velho homem.

O mundo está crucificado para mim, diz Paulo. No mesmo sentido, em outro lugar ele declara que considera todas as coisas como esterco [Fp 3.8]. Crucificar o mundo é menosprezá-lo e reduzi-lo a nada.

E ele adiciona o oposto: e eu para o mundo. Com essa expressão ele quer dizer que o mundo era completamente sem importância e deveras absolutamente nada, porque a nulidade pertence aos mortos. De qualquer forma, ele quer dizer que, pela mortificação do velho homem, havia renunciado o mundo. Alguns o expõem assim: “Se o mundo me considera como amaldiçoado e proscrito, eu considero o mundo condenado e maldito”. Isso, a meu ver, parece ser um tanto estranho ao pensamento de Paulo, porém deixo a decisão com os leitores.


15. Pois em Cristo Jesus. A razão por que ele está crucificado para o mundo e o mundo para ele é que, em Cristo, em quem o apóstolo está enxertado, somente uma nova criatura é de algum valor. Tudo mais deve ser descartado; não, perecido! Estou me referindo às coisas que obstruem a renovação procedente do Espírito. Isso é o que ele diz em 2 Coríntios: “Se alguém está em Cristo, que ele seja uma nova criatura” [2 Coríntios 5.17]. Ou seja, se alguém deseja ser considerado dentro do reino de Cristo, que ele seja reformado pelo Espírito de Deus; que não mais viva para si mesmo nem para o mundo, senão que se erga para uma nova vida. A razão por que ele conclui que nem circuncisão nem incircuncisão é de algum valor já foi mencionada. A verdade do evangelho absorve e desfaz todas as sombras da lei.


16. E a todos quantos andarem conforme esta regra.
“Que todos quantos sustentam esta regra”, diz ele, “desfrutam de prosperidade e felicidade!” Isso equivale tanto como uma oração por eles quanto como um sinal de aprovação. Sua intenção, portanto, é que todos aqueles que ensinam esta doutrina são dignos de amor e beneplácito; e, por outro lado, os que a abandonam não são dignos de ser ouvidos. Ele sua a palavra regra para expressar o sólido e contínuo curso que todos os piedosos ministros do evangelho devem seguir. Pois como os arquitetos, ao erigir edifícios elaboram um plano, para que todas as partes se harmonizem em perfeita proporção e simetria, assim o apóstolo confia aos ministros da Palavra um cânon por meio do qual pudessem edificar a Igreja adequada e ordeiramente.

Esse lugar deve gerar profundo zelo aos fiéis e honestos mestres e a todos quantos se permitem conformar a essa regra, pois nela ouvem Deus abençoando-os pelos lábios de Paulo. Não carecemos de recear os trovões do papa, se Deus nos promete do céu paz e misericórdia. O verbo andar, aqui, pode aplicar-se tanto ao ministro quanto ao povo, ainda que sua referência seja primordialmente aos ministros. O tempo futuro do verbo é usado para expressar perseverança.

E sobre o Israel de Deus. Esta cláusula se constitui num motejo indireto à vã ostentação dos falsos apóstolos, os quais alegavam ser os descendentes de Abraão segundo a carne. Ele, pois, produz um duplo Israel: um, uma simulação e visível somente aos homens; o outro, visível somente a Deus. A circuncisão era um sinal aos olhos humanos; a regeneração, porém, é a verdade aos olhos de Deus. Numa palavra, ele agora os chama o Israel de Deus, a quem anteriormente se chamavam filhos de Abraão pela fé, e portanto se incluíam todos os crentes, quer gentios, quer judeus, que foram unidos numa mesma Igreja. Em contrapartida, o Israel segundo a carne só pode reivindicar o nome e a raça, e disso ele trata em Romanos 9.


17. Que ninguém me perturbe.
Ele agora fala com voz de autoridade, com o fim de refrear seus adversários, pois manifesta todo o direito de seu poder superior: “Que eles parem de obstruir o curso de minha pregação”. Estava pronto, por amor a toda a Igreja, a solucionar as dificuldades, mas não será obstruído pela oposição.

Perturbar é opor-se com o fim de subverter o progresso de alguma obra.

Quanto ao mais, ou seja, todas as coisas que se acham além da nova criatura. Eis sua intenção: “Esta única coisa é bastante para mim. Outras questões são sem importância e não me interessam. Que ninguém me aborreça com elas”. E assim ele se coloca acima de todos os homens e não dá a ninguém o direito de assaltar seu ministério. Literalmente, significa: “quanto ao resto do que ficou”. Em minha opinião, Erasmo estava errado ao referi-lo ao tempo.

Porque trago em meu corpo as marcas. Ele mostra que a ousadia de sua autoridade repousava nas marcas de Cristo, as quais ele levava em seu corpo. E que marcas eram essas? Prisões, cadeias, açoites, calamidades, apedrejamentos e muitos tipos de maltratos que ele sofreu em decorrência do testemunho do evangelho. Pois assim como as guerras terrenas têm suas condecorações com as quais os generais honram a bravura de um soldado, também Cristo, nosso General, tem suas marcas pessoais, das quais ele faz bom uso para condecorar e honrar a alguns de seus seguidores. Essas marcas, porém, são muito diferentes das outras; pois elas contêm a natureza da cruz, e aos olhos do mundo não passam de ignomínia. Isso é sugerido pela palavra 'marcas', pois literalmente significam ferroadas, as marcas com que os escravos estrangeiros, ou fugitivos, ou malfeitores, eram marcados. Paulo, portanto, fala mui estritamente quando alega ser distinguido por essas marcas com as quais Cristo costumava honrar seus mais distintos soldados. Aos olhos do mundo, essas marcas eram vergonhosas e símbolo de desgraça; mas diante de Deus e dos anjos elas excedem a todas as honras do mundo.


18. A graça de Cristo seja com o vosso espírito.
Ele ora não para que a graça fosse derramada sobre eles gratuitamente, mas para que pudessem ter em sua mente um sentimento correto sobre ela. Realmente, ela só é usufruída por nós quando atinge o nosso espírito. Devemos, pois, pedir a Deus que prepare nossa alma para ser uma habitação de sua graça. Amém.



Fonte: Extraído do comentário de Gálatas de João Calvino, publicado pela Editora Paracletos, páginas 188-192.


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