João Calvino e a Doutrina da Soberana e Justa Reprovação

por

Fred H. Klooster

 

Provavelmente, ninguém mais do que Calvino sabia que a doutrina da dupla predestinação é impopular “Agora, quando o homem na sua compreensão humana, ouve estas coisas”, escreveu ele, “sua insolência é tão irreprimível que ele prorrompe a esmo e em imoderado tumulto, como despertado por som de trombeta na batalha”. Calvino estava pensando nos que aceitavam a eleição e negam a reprovação.“Na verdade, muitos, como se quisessem evitar o opróbrio de Deus, aceitavam a eleição em tais termos, que acabavam negando a condenação de qualquer um,” observou; “na verdade, não existiria eleição se não houvesse reprovação”.

Calvino não queria significar que a reprovação fosse uma dedução lógica da eleição; ele fez a asserção acima plenamente convicto de que a Escritura a exige. “Se não nos envergonhamos do Evangelho, devemos confessar que a eleição está aí plenamente declarada. Deus, por sua eterna boa vontade, que não tem causa fora de si mesma, destinou à salvação àqueles de quem se agrada, rejeitando o resto. Aqueles a quem achou dignos da eleição gratuita. Ele iluminou por Seu Espírito, de modo que recebessem a vida oferecida por Cristo, ao passo que os outros descrêem voluntariamente, de modo que permanecem nas trevas, destituídos da luz da Fé”.

Calvino, falou abertamente do “plano incompreensível” de Deus e admitiu que a reprovação levanta questões que não podem ser respondidas. Considerou-se compelidos a defender a doutrina da reprovação, contudo, porque a Escritura o exige. Com referência a Romanos 9, ele disse “que está na mão e na vontade de Deus tanto o endurecer quanto o usar de misericórdia... Nem tão pouco o próprio apóstolo Paulo se empenha em desculpar a Deus - como o fazem muitos aos quais me tenho referido - com falsidades e mentiras; o Apóstolo apenas se limita a advertir que não é lícito ao barro querelar com o oleiro” (Rm 9.20).

Ao sumariar a doutrina da reprovação, de Calvino podemos empregar as mesmas divisões usadas ao sumariarmos a sua doutrina da eleição - com uma exceção. Nossa discussão da doutrina de Calvino a respeito da “soberana e justa reprovação” tratará do decreto divino da reprovação - a causa, porém, não o fundamento da reprovação - seu propósito e seus meios. A reprovação é tão soberana quanto a eleição; contudo, Calvino deu ênfase à soberania da justiça de Deus na reprovação, em contraste com a soberania da livre graça, na eleição.

O DECRETO DIVINO DA REPROVAÇÃO

Calvino entendeu o eterno conselho de Deus como expressão de Sua soberana vontade e propósito para toda a história do mundo. A história é o desdobramento deste imutável conselho de Deus. A presciência de Deus, bem como a Sua providência, estão enraizadas no Seu eterno conselho. O decreto da eleição é parte do eterno conselho de Deus. Agora seguiremos a Calvino na discussão da reprovação. A reprovação bem como a eleição dizem respeito ao decreto eterno ou ao conselho soberano de Deus. Aqui é onde começa a discussão do assunto por Calvino.

a) A reprovação envolve a obra decretiva de Deus.

A revisão das definições de Calvino a respeito da predestinação demonstra que Calvino ligava a reprovação ao eterno decreto de Deus: “Chamamos predestinação ao eterno decreto pelo qual Deus determinou, em si mesmo aquilo que deve ocorrer a cada homem, pois os homens não são criados todos em igual condição; ao contrário, uns são preordenados à vida eterna, e outros são preordenados à eterna danação.”

“Estamos dizendo que a Escritura mostra claramente que Deus, por seu eterno e imutável desígnio, determinou, de uma vez por todas, aqueles a quem queria receber para sempre à salvação e, por outro lado, aqueles a quem queria entregar à perdição”. Logo Esaú, que não diferia em mérito de Jacó, foi repudiado, enquanto Jacó foi distinguido pela predestinação de Deus.”

Estes sumários do ponto de vista de Calvino são claros. A reprovação relaciona-se com o decreto divino. Contudo, devemos observar que Calvino não fez referência especifica às distintas pessoas da Trindade em conexão com a reprovação, como fez em relação à eleição. A obra de Deus, naturalmente, é operação do Deus Triúno, como foi antes observado. Calvino não repetiu isto especificamente ao discutir a reprovação. Conquanto Calvino tenha dito que o Filho e o Pai são o autor do decreto da eleição, não fez a mesma referência com relação à reprovação.

Que o Espírito Santo é o atual mestre desta doutrina da reprovação deduz-se do ponto de vista de Calvino a respeito da inspiração da Escritura. Ele fez esta referência especifica quando mencionou os que rejeitam esta doutrina difícil: Tais pessoas não se opunham apenas a ele, mas também a Paulo e ao Espírito Santo”.

Calvino sustentou também que esta doutrina da reprovação foi claramente ensinada pelo próprio Cristo. Calvino pergunta: “Toda árvore que meu Pai não plantou será arrancada” (Mt 15.13) - paráfrase?” E Calvino acrescenta: “Isto significa plenamente que todos aqueles a quem o Pai não condescendeu em plantar como árvores sagradas no seu campo, estão marcados e votados à destruição. E se (meus adversários) dizem que isto não é sinal de reprovação, nada mais pode ser provado a eles, por mais claro que seja”

Contudo, Calvino sabia que um apelo a uma passagem clara da Escritura não fechava a boca de seus opositores. Por isso apelou outra vez para a Carta aos Romanos: “Observem os leitores que Paulo, para por fim aos murmúrios e maledicências, reconhece soberania suprema à ira e ao poder de Deus, uma vez que é iníquo sujeitar, à nossa opinião, os profundos juízos de Deus, que absorvem todos os recursos da nossa mente”.

Calvino estava se referindo as palavras de Paulo: “Que diremos, pois, seDeus, querendo mostrara sua ira, e dar a conhecer o seu poder suportou com muita longanimidade os vasos da ira, preparados para a perdição a afim de que também desse a conhecer as riquezas de sua glória em vasos de misericórdia, que para a glória preparou de antemão?”. Ao argumento de que a frase nas frases - “preparados para a perdição” e “preparou de antemão” - parece excluir a reprovação do decreto, Calvino respondeu: “Mas, ainda que eu concorde que Paulo, com o seu modo diferente de falar, abranda a aspereza da primeira frase, está muito longe de concordar em transferir, a outro fator, a preparação para a perdição, senão atribui-lo ao secreto conselho de Deus, visto que ainda há pouco, no contexto, ele afirmou que Deus “instigou a Faraó” (Rm 9.17) e, em seguida. acrescentou: “Logo, tem ele misericórdia de quem quer, e, também, endurece a quem lhe apraz (Rm 9.18). Conclui-se dai que a causa do endurecimento está no secreto conselho de Deus”.

Calvino endossa a interpretação de Agostinho, que disse: “Quando Deus transforma lobos em ovelhas, usa de graça mais poderosa para domar a sua dureza; logo, Deus não converte aos obstinados, porque não emprega essa graça mais poderosa, que Ele poderia propiciar se quisesse, pois não é destituído dela”. Ainda que Calvino não empregue tais distinções como preterição e condenação - que teólogos reformados posteriores empregaram na discussão da reprovação, nós encontramos estas idéias distintas na sua discussão. Referir-nos-emos a isto quando considerarmos o pecado em relação ao decreto de Deus.

A REPROVAÇÃO É PARTICULAR

Para Calvino, a reprovação, como o decreto da eleição relaciona-se especificamente com indivíduos; eleição e reprovação são especificas e particulares. O decreto da reprovação não traduz a intenção geral de Deus, e não é limitado em sua referência a uma classe de pessoas, como contendiam os Arminianos posteriores. As definições gerais de predestinação, citadas atrás, tornam isso claro; assim também as referências especificas a Esaú, diferentemente de Jacó. Só à luz da reprovação individual ou particular poderia surgir o problema que Calvino considerou. O problema origina-se da alegada inconsistência do fato de dizer-se que Deus, “desde toda a eternidade, ordenou, segundo a sua vontade, àqueles que Ele quis que recebessem o seu amor e àqueles sobre os quais Ele quis manifestar o Seu juízo”, e o fato de Deus “anunciar salvação a todos os homens indiscriminadamente”.

Os opositores desafiam a justiça de Deus precisamente porque o decreto de Deus se relaciona com os indivíduos. Ainda que o decreto de Deus, a respeito da reprovação se refira claramente aos indivíduos, Calvino insistiu em dizer que nos não sabemos quem são os reprovados. Isto só Deus sabe. Por isso, no curso da história não podemos tratar com qualquer indivíduo como se ele ou ela fosse claramente um reprovado. Temos obrigação de pregar o Evangelho a todos e podemos também desejar a salvação de todos aqueles a quem pregamos, e nunca temer, por agir assim, que estejamos indo contra a vontade de Deus, pela qual Ele, “soberanamente, decretou a reprovação de alguns”.

Mesmo quando a Igreja, obediente à ordem do seu Senhor, se vê na necessidade de excomungar um de seus membros, nem mesmo nesse caso a pessoa excomungada deve ser mantida como claramente reprovada, porque tal pessoa “está na mão e sob o juízo de Deus somente”. “Um dos objetivos da disciplina da excomunhão é levar o pecador ao arrependimento; para isto, a Igreja deve continuar a orar”. Aqui também está o ensino e o exemplo do apóstolo Paulo, que Calvino repete.

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Transcrito do livro “A doutrina da Predestinação em Calvino” Fred H. Klooster, página 53-58, Editora SOCEP, com permissão. Fonte: Revista Os Puritanos, Ano VIII, No 1, Janeiro, Fevereiro, Março de 2000.

 


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