A Doutrina da Justificação (3)
O Fundamento ou Base

por

Cornelis P. Venema

 

Este é o terceiro de uma breve série de artigos sobre a doutrina da justificação pela graça somente, por meio da fé somente. Estes artigos são adaptados de duas palestras ministradas na Conferência da Banner of Truth, em maio de 1998. O primeiro artigo desta série tratou da importância da doutrina, especialmente no contexto das recentes discussões entre católicos, luteranos e representantes evangélicos. O segundo artigo tratou da natureza da justificação – o que é. Este terceiro artigo refere-se à questão de da base ou fundamento de nossa justificação. Inicia-se com uma clássica afirmação da doutrina do Catecismo de Heidelberg, pergunta e resposta 60.


60. Como você é justo perante Deus?

R. Somente por verdadeira fé em Jesus Cristo. Mesmo que minha consciência me acuse de ter pecado gravemente contra todos os mandamentos de Deus, e de não ter guardado nenhum deles, e de ser ainda inclinado a todo mal, todavia Deus me dá, sem nenhum mérito meu, por pura graça, a perfeita satisfação, a justiça e a santidade de Cristo. Deus me trata como se eu nunca tivesse cometido pecado algum ou jamais tivesse sido pecador; e, como se pessoalmente eu tivesse cumprido toda a obediência que Cristo cumpriu por mim. Este benefício é meu somente se eu o aceitar por fé, de todo o coração.

 

Sobre o que é baseada?

Se justificação tem relação com nossa posição e aceitação diante de Deus – como argumentei no artigo anterior – a questão mais importante que encaramos é: sobre o que ela é baseada? Esta é uma questão-chave, um assunto fundamental. Era assim no tempo da Reforma no séc. XVI, e permanece desta forma neste dia. Sobre qual fundamento nós encontraremos a aceitação de Deus e teremos uma posição justa diante dEle?

Em resposta a esta questão, as Escrituras ensinam que, quando Deus justifica o ímpio, quando Deus nos declara aceitáveis a Ele, Ele o faz com base na obediência e no sofrimento de Jesus Cristo. Ele faz isto tão-somente sobre a base desta justiça, que está em Cristo Jesus, que Ele concede e imputa em nós como um dom gratuito de Sua graça. Nenhuma justiça que é nossa, nenhuma obra da lei que tenhamos feito, nada que apresentemos – nada nos torna aceitáveis a Deus. Nossa justificação é inteira e exclusivamente baseada na obra de Cristo, que se tornou nossa justiça que procede de Deus (1 Coríntios 1.30; Filipenses 3.9).

Em sua Teologia Sistemática, Louis Berkhof apresentam isto bem na sua curta definição de justificação: “A justificação é um ato judicial de Deus, no qual Ele declara, com base na justiça de Jesus Cristo, que todas as reivindicações da lei [tanto em termos daquilo que a Lei exige de nós na forma da obediência positiva quanto do julgamento do pecador quanto à condenação e morte] são satisfeitas com vistas ao pecador”. Agora, neste ponto, algumas vezes cometemos um erro muito sério em nosso entendimento de justificação. Estamos tão interessados em dizer que é pela graça somente e sem obras da Lei, que passamos a impressão de que Deus justifica pecadores ao custo de sua retidão. Nós damos crédito à idéia de que Deus, de alguma forma, viola a justiça ao aprovar o culpado. Mas as Escrituras ensinam que Deus de forma alguma aprova o culpado. Ele é tão puro de olhos que não pode ver o mal. E então, a questão para o entendimento da base de nossa justificação é: como é possível que Deus possa ser justo – enquanto honra e respeita as exigências de Sua própria Lei, que é a forma como sua retidão é manifesta – e ao mesmo tempo considera perdoados os ímpios, considera aceitáveis a Ele indignos pecadores?

A resposta a esta questão é a seguinte: Deus satisfaz Sua justiça; Ele vê que a retribuição pelo pecado foi paga através da redenção providenciada para nós, por meio do sangue de Cristo. Ele vê que as obrigações da Lei foram perfeitamente cumpridas por meio da obediência de outro, nosso mediador Jesus Cristo, o Homem que, por Seu único ato de justiça tornou justos aqueles que são Seus (Romanos 5.18-19). Apesar de existirem muitas passagens bíblicas que ensinam isto, citarei apenas três, a título de ilustração.

 

Passagens Bíblicas


Romanos 3.24-26

Em Romanos 3, versículos 24 a 26, o apóstolo Paulo fala que somos “justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. Ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus”.

O ponto que o apóstolo Paulo especialmente foca nestes versos é o sacrifício propiciatório de nosso Senhor Jesus, Seu sofrimento vicário pelo desprazer de Deus contra o pecador. Deus demonstrou Sua justiça não por permitir o pecado, não por ignorar eternamente o pecado, mas por, na plenitude dos tempos, pronunciar na Cruz de Cristo que nós somos culpados e estamos sob a condenação da Lei e sentença de morte. Quem, de acordo com essa passagem, assumiu o lugar do culpado? Quem carregou o peso do pecado por nós? Quem foi pisado por nossas transgressões? Nosso Senhor Jesus Cristo! Ele tomou nosso lugar e sofreu o castigo da Lei em nosso benefício.

O Catecismo de Heidelberg, no trecho em que se pergunta a respeito da base de nossa justificação, ecoa o ensinamento desta passagem ao falar de Deus concedendo e imputando em nós a perfeita justiça, satisfação e obediência de Jesus Cristo. Então, o que o apóstolo Paulo nos conta nestes versos é que a base sobre a qual Deus nos justifica é a obra expiatória de Jesus Cristo. Esta obra expiatória, Paulo sustenta, é uma expressão da graça e perdão de Deus para conosco. Não é algo que nós tenhamos conquistado ou merecido. Pelo contrário, é um dom gratuito da graça de Deus para conosco. É por isto, na porção seguinte de Romanos 4, que Paulo nos mostra um contraste entre o trabalhador que recebe um justo salário por seu trabalho e aquele que recebe o dom gratuito. Nossa justificação não é como um salário merecido por um trabalhador, mas um dom gratuito da graça de Deus. Portanto, falar de obras como base de nossa justificação contradiria a graça de Deus e faria o sacrifício expiatório de Cristo sem efeito.

 

Romanos 4.25

Agora, se você observar o verso 25 em Romanos 4, o apóstolo nos dá uma breve descrição de como nossa justificação é baseada somente na obra de Cristo. Cristo, ele declara, “por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação”.

Então, não importa o quanto de Cristo em relação às obrigações da Lei fosse exigido, Ele foi completamente justo. Ele veio para cumprir toda justiça, e assim Ele o fez. Portanto, diante da mesa de julgamento de Deus, a sentença que Ele merecia inegavelmente seria “inocente, não culpado”. Mas esta é a maravilha da graça de Deus para conosco em Cristo: Ele colocou-Se em nosso lugar – Ele foi entregue à morte por causa de nossas transgressões. Nós quebramos a Lei; Cristo a guardou. Nós merecíamos carregar o castigo; Cristo tomou o castigo. Este é o fundamento sob nossos pés, diz o apóstolo, quando recebemos nossa justificação. As obrigações da Lei de Deus – que nós vivamos diante dEle em obediência, que nós sofreremos a conseqüência de nossa desobediência – foram levadas por outro. Cristo assumiu estas obrigações. E, porque Ele assumiu estas obrigações por nós, cumprindo toda a justiça, Ele foi ressuscitado para nossa justificação. Em Sua ressurreição, nós ouvimos o veredicto de Deus Pai, Seu amém ao “está consumado” de Cristo. Sua ressurreição declara-nos que nossa batalha terminou, nossos pecados foram totalmente pagos, o preço de nossa redenção foi satisfeito. O Pai apresenta Seu deleite para conosco ao levantar Seu Filho dos mortos – para nossa justificação! A ressurreição de Cristo declara o veredicto do Pai a respeito de nós.

 

Romanos 5.18-19

A última prova na Escritura que mencionarei está em Romanos, capítulo 5, versos 18 e 19: “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos justos.” Estes versos se colocam no contexto do capítulo, descrevendo o paralelo e analogia entre o primeiro e o segundo Adão. Por meio do pecado e da desobediência do primeiro Adão, todos se tornaram pecadores e são merecedores de condenação e morte. Entretanto, por meio da obediência do segundo Adão, muitos foram feitos justos e são herdeiros da vida eterna.

Nada poderia ser mais claro nestes versos do que a afirmação de que não é por nossa própria obediência ou justiça que somos justificados. Nada que nós possamos oferecer de nós mesmos diante de Deus nos concederá o Seu favor. Pelo contrário, por meio do ato de outro, a obediência de Jesus Cristo, é que somos constituídos justos, não mais merecedores da condenação que traz morte.

Resumindo, a situação é exatamente como Louis Berkhof descreve em sua definição de justificação. Com base na justiça de Cristo, Deus declara que todas as exigências de Sua Lei foram plenamente satisfeitas por nós. Cristo não apenas guardou a Lei por nós, mas também sofreu sua maldição (veja Gálatas 3.20). Portanto, é somente pela graça (sola gratia), por causa de Cristo apenas (solo Christus), que Deus nos declara aceitáveis a Ele. Agora, é claro, o lado negativo disto, o qual não darei atenção especial, é a repetida ênfase das Escrituras de que nossa justificação não é por obras. Nenhum de nós conseguiu ou conseguirá jamais fazer uma satisfação pelos seus pecados. O salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna. Nenhum de nós poderia jamais chegar a cumprir toda justiça e, assim, conseguir o favor de Deus para si. As boas novas, no entanto, são que isto foi cumprido por nosso Mediador, o Senhor Jesus Cristo.

Algumas vezes imagino se nós chegamos a apreciar o que estas boas novas são para pecadores como você e eu. Nós percebemos que, em nossa justificação, Deus não diz simplesmente que nos acha toleráveis. A situação para nós é bem melhor que isto: na justificação, Deus nos declara aceitáveis, prazerosos a Ele. Correndo o risco de um antropomorfismo irreverente, devemos entender que, quando Deus nos justifica, ele não tapa Seu nariz ou cobre os olhos como se fôssemos repugnantes a Ele, como pecadores. Não, Ele nos vê como verdadeiramente somos, vestidos, cobertos e adornados com as vestes da justiça de Cristo. Então, somos todos adoráveis a Ele! Somos tão aprovados por Ele quanto Cristo é! Eu tenho que retornar neste ponto à linguagem do Catecismo de Heidelberg. Quando Deus concede e imputa em mim a perfeita satisfação, justiça e santidade de Cristo, Ele considera-me “como se eu nunca tivesse cometido pecado algum ou jamais tivesse sido pecador; e, como se pessoalmente eu tivesse cumprido toda a obediência que Cristo cumpriu por mim. Este benefício é meu somente se eu o aceitar por fé, de todo o coração.” A verdade e o conforto de nossa justificação com base na obra de Cristo são expostos de uma forma linda por Lutero em seu grande sermão sobre “dois tipos de justiça”. Ele descreve isso desta forma: “O noivo não tem nada que é apenas seu. A noiva tem uma parte completa em tudo que é do noivo. Assim, a vida, a morte, as obras, o sofrimento, tudo aquilo que é de Cristo torna-se nosso. Temos porção completa nisto. Temos parte disto. Somos adornados com isto. Os dois tornam-se um”.

 

Conclusão

Tudo isso significa, a respeito da doutrina de nossa justificação gratuita com base na justiça de Cristo, nada menos que o Evangelho. No que o Evangelho consiste? Consiste no louvor a Cristo somente, cuja justiça é suficiente para nossas necessidades e a única base para nossa confiança perante Deus.

Algumas vezes existe, nesta ligação, um profundo mal-entendido do que estava em jogo na Reforma. Alguns dizem que a questão básica da Reforma era, como posso eu, pecador, encontrar aceitação e estar em paz com Deus? Mas esta é apenas uma meia-verdade, na melhor das hipóteses, e uma séria distorção, na pior. Seria melhor dizer que a questão básica da Reforma era, como a igreja pode voltar a sua pregação de uma devida apreciação da graça imerecida de Deus para conosco em Cristo? Assim, o ponto é tanto “como eu posso ter paz com Deus?” quanto “como eu posso dar o louvor digno à justiça de Deus em Cristo?”. “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor!”. Por esta razão, quando Calvino considera as duas implicações primordiais da doutrinas de nossa justificação gratuita, a primeira que ele enfatiza é esta: a doutrina da justificação gratuita não exige que dividamos entre Deus e nós mesmos aquilo que pertence a Deus somente. Este é o coração do testemunho da Reforma a respeito da graça de Deus em Cristo: Deixe Deus ser Deus, Aquele que justifica o ímpio devido à obra de Cristo somente.

 

Dr. Cornelis Venema, colaborador da The Outlook Magazine, ensina Estudos Doutrinários no Mid-America Reformed Seminary.


Tradução: Josaías Cardoso Ribeiro Jr.



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