Justificados

por

Vincent Cheung

 

Os cristãos são acostumados a pensar que a “salvação” vem pela fé, especialmente em oposição às obras. A JUSTIFICAÇÃO é um ato de Deus pelo qual ele declara o pecador eleito como sendo justo sob a base da justiça de Cristo. Visto que a justificação se refere à justiça de Cristo sendo legalmente creditada ao eleito, e assim, precede muitos dos outros itens na aplicação da redenção, num sentido, alguém não está errado ao dizer que a fé leva aos itens subseqüentes na ordem da salvação, para a qual a justificação é uma pré-condição. Por exemplo, Atos 26:18 diz que os eleitos são “santificados pela fé ”.

Todavia, a regeneração precede tanto a fé como a justificação, e ela nunca é dita seguir ou resultar da fé, nem deve jamais ser confundida com a justificação. É a regeneração que leva à , e é a que leva à nossa justificação.

Em outras palavras, tendo escolhido certos indivíduos para serem salvos, Deus enviou Cristo para morrer por eles e, assim, pagar pelos seus pecados. No devido tempo, Deus muda a disposição pecaminosa deles para uma que se deleita em sua vontade e lei. Como um resultado, esses indivíduos respondem ao evangelho em fé, o que, consequentemente, leva à uma declaração legal da parte de Deus de que eles têm sido feitos justos aos seus olhos.

Portanto, a fé é nossa resposta divinamente capacitada ao chamado eficaz de Deus, e a justificação é a sua resposta à nossa fé, a qual, antes de tudo, vem dele. Paulo escreve que todos aqueles que são predestinados por Deus são também chamados, e visto que o chamado é um chamado eficaz, todos que são chamados dessa maneira também respondem em fé, e são, portanto, justificados (Romanos 8:30).

A Escritura afirma que a justificação vem pela fé, e não pelas obras. Exemplos de passagens em apoio disso incluem as seguintes:

Abrão creu no SENHOR, e isso lhe foi creditado como justiça. (Gênesis 15:6)

Por meio dele, todo aquele que crê é justificado de todas as coisas das quais não podiam ser justificados pela Lei de Moisés. (Atos 13:39)

Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à Lei, pois é mediante a Lei que nos tornamos plenamente conscientes do pecado. Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da Lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que crêem. Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus... Pois sustentamos que o homem é justificado pela fé, independente da obediência à Lei. (Romanos 3:20-24, 28)

Ora, o salário do homem que trabalha não é considerado como favor, mas como dívida. Todavia, àquele que não trabalha, mas confia em Deus, que justifica o ímpio, sua fé lhe é creditada como justiça. (Romanos 4:4-5)

Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de quem obtivemos acesso pela fé a esta graça na qual agora estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus. (Romanos 5:1-2)

Sabemos que ninguém é justificado pela prática da Lei, mas mediante a fé em Jesus Cristo. Assim, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pela prática da Lei, porque pela prática da Lei ninguém será justificado. (Gálatas 2:16)

Assim, a Lei foi o nosso tutor até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé. (Gálatas 3:24)

À luz da ênfase bíblica sobre a justificação pela fé somente, especialmente nos escritos de Paulo, alguns crentes são confundidos por alguns dos versículos em Tiago 2. Por exemplo, o versículo 24 diz: “Vejam que uma pessoa é justificada por obras, e não apenas pela fé”. Mas a dificuldade desaparece quando observamos como o termo é usado e quando prestamos atenção ao contexto.

Observe que estamos discutindo como uma palavra está sendo usada por dois escritores bíblicos diferentes. Embora possamos estar certos de que todos os escritores da Escritura concordam em teologia, eles nem sempre usam as mesmas palavras para expressar os mesmos conceitos, e eles nem sempre usam as mesmas palavras com exatamente os mesmos significados ou ênfases. Por exemplo, embora João não use a palavra “justificação”, seus escritos ensinam que alguém é salvo pela fé somente tão fortemente quanto os escritos de Paulo [40]. Listaremos somente alguns exemplos aqui:

Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no nome do Filho Unigênito de Deus. (João 3:18)

Então lhe perguntaram: “O que precisamos fazer para realizar as obras que Deus requer?” Jesus respondeu: “A obra de Deus é esta: crer naquele que ele enviou”. (João 6:28-29)

Mas ele continuou: “Vocês são daqui de baixo; eu sou lá de cima. Vocês são deste mundo; eu não sou deste mundo. Eu lhes disse que vocês morrerão em seus pecados. Se vocês não crerem que Eu Sou, de fato morrerão em seus pecados”. (João 8:23-24)

Mas estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome. (João 20:31)

Com o entendimento de que a mesma palavra pode ser usada com significados diferentes por escritores bíblicos diferentes, podemos aceitar a seguinte explicação de Robert Reymond:

Enquanto Paulo pretende por “justificado” o ato real da parte de Deus, pelo qual ele perdoa e imputa justiça ao ímpio, Tiago pretende por “justificado” o veredicto que Deus declara quando o realmente (anteriormente) justificado tem demonstrado seu real estado de justiça pela obediência e boas obras...

Enquanto Paulo, quando ele repudia as “obras”, está se referindo às obras da lei, isto é, toda e qualquer obra, de qualquer espécie, feita com objetivo de adquirir mérito, Tiago pretende por “obras” atos de bondade para com aqueles em necessidade, realizados como o fruto e a evidência do real estado de justificado e de uma fé verdadeira e vital (Tiago 2:14-17)...

E enquanto Paulo cria, com todo o seu coração, que os homens são justificados pela fé somente, ele insiste tão fortemente quanto Tiago que tal fé, se sozinha, não é verdadeira, mas é uma fé morta: “Porque em Cristo Jesus nem circuncisão nem incircuncisão significam alguma coisa. [O que conta] é a fé que opera através do amor” (Gálatas 5:6), o que é dificilmente diferente em significado da expressão de Tiago: “a fé como as obras estavam atuando juntas com as obras [de Abraão], e a fé foi aperfeiçoada pelas obras” (Tiago 2:22). Paulo também fala da “obra da fé” do cristão (1 Tessalonicenses 1:3). E no mesmo contexto onde ele afirma que somos salvos pela graça através da fé, e “não por obras”, Paulo pode declarar que fomos “criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas” (Efésios 2:8-10). Resumindo, enquanto para Tiago “a fé sem obras é morta”, para Paulo “a fé que opera através do amor” é inevitável, se ela for uma fé verdadeira. [41]


Paulo queria mostrar que a justificação, no sentido da declaração legal inicial de justiça da parte de Deus, vem somente pela fé na obra de Cristo, mas Tiago estava mais preocupado em mostrar que se tal fé não resulta num estilo de vida justo, então, antes de tudo, essa fé não é uma fé verdadeira, e a declaração legal de justiça da parte de Deus nunca aconteceu, de forma alguma. Visto que alguém não é salvo pelas boas obras, mas para as boas obras (Efésios 2:10), uma pessoa não necessita produzir boas obras para ser salva, mas se ela não produz boas obras após ela reivindicar ser salva, então ela nunca foi salva.

Assim, Tiago não nega que a justiça legal venha pela fé somente – o que não está sob consideração – mas ele queria desafiar seus leitores a demonstrarem que a fé deles era genuína: “Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras” (Tiago 2:18). Sua ênfase não era sobre como alguém obtém justiça legal, mas sobre como alguém que reivindica ter alcançado tal justificação deveria se comportar: “A religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo” (Tiago 1:27).

A natureza legal da justificação significa que a justiça creditada aos eleitos é uma JUSTIÇA IMPUTADA antes do que uma JUSTIÇA INFUNDIDA. Deus enviou Cristo para pagar pelos pecados dos eleitos, então ele concede fé aos eleitos como o meio pelo qual ele credita legalmente a justiça positiva de Cristo a eles. A justiça concedida aos eleitos não é, assim, uma que tenha sido adquirida ou produzida por eles mesmos, mas uma que foi gerada por Cristo e lhes dada como um dom. Portanto, quando afirmamos que a justificação é pela fé somente, estamos de fato afirmando que a justificação não é pelos nossos próprios esforços, os quais nunca poderiam adquirir justificação, mas que a nossa justificação é por Cristo somente, que adquiriu justificação para nós.

Visto que a justificação envolve declaração, ela é um ato instantâneo. Alguém está justificado ou não-justificado; ninguém se torna justificado gradualmente, mas ele é declarado justo instantaneamente quando ele crê no evangelho. Portanto, o conceito de justificação exclui o processo pelo qual o crente cresce em conhecimento e santidade, que é parte da santificação.

Os cristãos que afirmam a justificação pela fé somente, todavia, frequentemente confundem justiça imputada com justiça infundida. A justificação é uma justiça imputada, e a santificação é uma justiça infundida. A justificação é uma declaração instantânea de justiça, mas a santificação se refere ao crescimento espiritual do crente após ele ter sido justificado por Deus.

 

(Teologia Sistemática, páginas 194-198)



NOTAS:

[42] - Nós podemos encontrar outro exemplo na doutrina da eleição. João enfatiza a soberania absoluta de Deus na salvação tanto quanto Paulo, mas os dois usam palavras diferentes para ensinar a mesma doutrina.

[43] - Reymond, Systematic Theology; p. 750.


Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts. [ http://www.rmiweb.org/ ]


Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 28 de Agosto de 2005.

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