O Cristão e a Lei

por

Gordon Haddon Clark




Não somente as denominações diferem em suas interpretações de várias doutrinas bíblicas, mas dentro de cada denominação os membros individuais também têm suas peculiaridades pessoais. Portanto, quando os ministros se reúnem para um seminário tranqüilo ou quando os estudantes universitários se ajuntam para uma discussão em grupo amigável, e surge uma doutrina bíblica, a discussão está destinada a se tornar interessante.

Nos dois anos passados dois de tais encontros aconteceram; um formado quase que exclusivamente de ministros e professores, o outro quase que exclusivamente de estudantes. Pode ser que não seja tão surpreendente que o assunto da direção divina e da conduta correta foi levantado em ambos encontros, mas é digno de nota que no primeiro encontro um ministro, de uma denominação litúrgica bastante formal, e no segundo encontro alguns estudantes, de grupos muito mais informais, expressaram sentimentos similares sobre a relação do cristão para com a lei de Deus. Pode ser digno de nota também que poucos dos ministros concordam com o ministro, enquanto a maioria dos estudantes concordaram com o estudante.

Os sentimentos aos quais se faziam referência enfatizavam a salvação pela graça e a proximidade de Deus da alma humana; mas esta ênfase chegava até ao ponto de negar que os mandamentos de Deus, os quis, certamente, são lei, tivessem para a vida cristã. Não estamos debaixo da lei, mas debaixo da graça, diziam; e tendo começado no Espírito, somos agora aperfeiçoados na carne? A lei não é da fé. Quando estávamos na carne, as paixões pecaminosas, que eram através da lei, faziam com que nossos membros produzissem fruto para morte; mas agora temos sido libertos da lei, para que sirvamos em novidade de espírito e não na antigüidade da letra. Pois a letra mata, mas o Espírito dá vida.

O oposto deste repúdio da lei é que nossas decisões diárias devem ser dirigidas imediatamente pelo Espírito. O novo nascimento nos deu uma nova natureza, e nesta nova natureza o Espírito nos instrui o que fazer.O Senhor nos guiará com a Sua vista, e nem a lei do Antigo Testamento, nem os mandamentos do Novo Testamento, nos impõe qualquer obrigação. Nem são eles pré-requisitos para a salvação, nem orientação para a vida. Esta era, basicamente, e sem exagero, a posição mantida.

Em mais de uma ocasião e em mais de um tema, homens devotos têm expressado opiniões das quais outros têm derivado posteriormente conclusões penosas. Eu conheço um homem que tomou tal visão da direção divina tão seriamente que uma tarde ele permaneceu por uma hora em seu galinheiro esperando que o Espírito lhe dissesse se tinha ou não que alimentar as galinhas. Tenho escutado rumores de pessoas que oram pedindo direção se devem ou não desobedecer algum mandamento bíblico. Nas épocas anteriores da história da igreja (e.g., os primeiros gnósticos) um repúdio da lei que leva à pecado grosseiro. Alguns têm caracterizado este antinomismo por meio de uma paródia de um hino evangélico: “Livre da lei, ó bendita condição; eu posso pecar o quanto quiser e ainda ter remissão”.

Tal conclusão não era intenção do ministro e dos estudantes acima mencionados; mas ainda que se achasse longe de sua intenção, cada um de nós deve determinar se esta visão da lei e da direção divina conduz ou não, de maneira lógica, ao que é absurdo e pecaminoso. Cada um de nós deve também determinar que significado os Dez Mandamentos e os vários mandamentos e diretrizes do Novo Testamento têm para nós.

Talvez um ponto de acordo geral do qual podemos começar é o ensino bíblico de que Cristo nos salva não somente da penalidade da lei, mas do próprio pecado. “Ele morreu para que pudéssemos ser perdoados; Ele morreu para nos fazer bons”. Ou, em linguagem escriturística, “Permaneceremos no pecado, para que a graça seja mais abundante?” “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal”. “Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras”.

Se houve acordo sobre isto, se todos admitimos que já não devemos ser servos do pecado, mas que devemos apresentar nossos membros como instrumentos de justiça para Deus, a seguinte pergunta lógica é: O que é pecado? O que são boas obras? O que é justiça? Queremos fazer boas obras? Desejamos evitar as más obras; mas, como podemos diferenciar entre elas?

É necessário que não haja conjecturas vagas quanto às respostas a estas perguntas. A Escritura fala de forma mui definitiva. A Escritura diz precisamente o que é o pecado. “O pecado é a transgressão da lei” (1 João 3:4) “Onde não há lei também não há transgressão” (Romanos 4:15). “Pela lei vem o conhecimento do pecado” (Romanos 3:20). Deveria ser claro, então, que o pecado é sempre definido pela lei. A menos que alguém comece com a lei de Deus, não pode saber o que é errôneo, mal ou pecaminoso.

É errado adorar Maria e de ajoelhar diante dos anjos? É errado pegar mercadorias de uma loja de bugigangas? É errado trabalhar no Dia do Senhor? Não precisamos ficar num galinheiro esperando uma resposta para estas perguntas. A direção divina é uma coisa maravilhosa, mas mais maravilhoso é o fato de que Deus já nos deu Sua direção em sentenças facilmente compreensíveis.

O contrário também é certo. Se o pecado é o que a lei de Deus proíbe, as boas obras são aquelas que a lei ordena. Não é necessário conjecturas. As Escrituras dizem com exatidão o que são as boas obras. As boas obras são unicamente aquelas que Deus ordenou em Sua Santa Palavra, e não aquelas que carecem de uma justificação bíblica, que são concebidas por homens a partir de um zelo cego ou por qualquer pretensão de boas intenções. Aqueles que adoram a Deus de maneira vã, ensinando como sendo doutrinas os mandamentos de homens, podem ter um certo zelo, mas não segundo o conhecimento. “Ele tem te mostrado, ó homem, o que é bom”. Portanto, deveria ser evidente que o bem e o mal são definidos unicamente pela lei de Deus.

Esta conclusão é reforçada pela severidade com a qual Deus impõe a obediência. “Este é o caminho, andai nele, sem vos desviardes nem para a direita nem para a esquerda”. “E não te desviarás de todas as palavras que hoje te ordeno, nem para a direita nem para a esquerda”. Não se deveria pensar que estes princípios do Antigo Testamento não se aplicam a nós, nem deveria alguém supor que tudo isto é inconsistente com a graça. A salvação é a doutrina do Antigo Testamento: Paulo a tomou de Habacuque. A regeneração, da qual Nicodemus deveria ter conhecimento, é explicada em Ezequiel 36. Portanto, se a graça e a lei não são incompatíveis no Antigo Testamento, a priori, não há uma razão pela qual elas devam ser no Novo Testamento.

Contudo, para deixar duplamente certo e não confiar unicamente no Antigo Testamento, algumas passagens do Novo Testamento podem ser aduzidas. Jesus disse: “Se me amardes, guardareis os meus mandamentos”. E mais adiante: “Aquele que diz: Eu conheço-o e não guarda os seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade...E aquele que guarda os seus mandamentos nele está, e ele nele...Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: quando amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos. Porque esta é a caridade de Deus: que guardemos os seus mandamentos”.

Tais declarações específicas deveriam ser aceitas como decisivas.

Há um ponto final que deve ser feito. Alguém pode agora admitir que estamos debaixo da obrigação de obedecer aos mandamentos de Deus, porém pode argumentar que em adição à Bíblia, necessitamos de uma direção adicional. A Bíblia está correta em tudo quanto diz, mas a vida cristã é mais ampla do que a Bíblia; nos deparamos com situações que os mandamentos da Bíblia não cobrem, de modo que devemos buscar a Deus solicitando informação adicional sobre o que fazer. Depois de tudo, há algum dano em se adicionar algo à Bíblia, desde que não subtraiamos nada dela?

Contudo, este tipo de argumento contradiz a declaração expressa da Escritura, e portanto, desonra a Deus. Sem dúvida estamos familiarizados com a frase: “Toda Escritura é dada por inspiração de Deus”, mas temos lido cuidadosamente o que se segue? Certamente, a Escritura é proveitosa para a doutrina, e para a instrução na justiça; mas com que propósito? Note o verso seguinte: “para que o homem de Deus seja perfeito [ou, aperfeiçoado] e perfeitamente instruído [completamente instruído, ou equipado] para toda boa obra [para cada boa obra] ”. A declaração é abrangente: ela inclui cada boa obra. Não há boa obra para a qual a Escritura não nos prepare perfeitamente. É a lei de Deus declarada nas Escritura que define o pecado e as boas obras.

Deus nos tem dado toda a direção que necessitamos. Não precisamos da tradição Católica Romana; não precisamos de visões místicas; não precisamos de revelações adicionais. Mas precisamos, e precisamos urgentemente, de uma grande quantidade de estudo da Bíblia. Na Bíblia, se somente na Bíblia, encontramos as normas para a vida.

P.S. Se você tem galinhas, um cavalo, ou um cachorro de estimação, leia Êxodo 20:10; 23:5, 12; Deuteronômio 25:4; Provérbios 12:10; Mateus 12:11; e alimente-os.


Reimpresso por permissão da revista HIS, publicação estudantil da Inter-Varsity Christian Fellowship. Copyright 1957

Março 1979


Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 09 de Junho de 2005.


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