E o Livre-Arbítrio...?

por

Presb. Rubens Cartaxo



A grande reação à idéia de que Deus predestinou uns para a salvação e, conseqüentemente, outros para a perdição eterna é que isso seria uma arbitrariedade, uma demonstração de falta de amor, uma injustiça e, principalmente, uma violação ao livre arbítrio do homem. Antes de qualquer avanço, devemos definir o que entendemos por livre arbítrio. Vamos afirmar que livre arbítrio é a capacidade que o homem tem de escolher livremente, incluindo-se aí a capacidade de responder positivamente ou não à oferta de redenção em Cristo. Em outras palavras, o homem tem a faculdade de decidir por si mesmo se deseja ou não ser salvo, e Deus só pode salvá-lo se o homem o desejar e assim decidir. Creio que esta definição se adequa ao pensamento dos que rejeitam a doutrina da Predestinação.

Concordo que a idéia de que Deus dá opção ao homem de aceitar o sacrifício de Cristo é bem mais simpática e soa coerente à primeira vista. Porém, será que ela passa pelo crivo da Bíblia? Vamos observar algumas passagens bíblicas e ver se essa idéia, a princípio simpática e coerente, se sustenta.

Partamos, portanto, desse pressuposto: Deus providenciou a salvação em Cristo e a oferece gratuitamente a todos os homens para que estes, livremente, a aceitem ou a rejeitem.

Mt 13.10-13: Como compatibilizar esta declaração de Jesus com o pressuposto acima? Como pode Jesus, que veio com a missão de apresentar a mensagem salvadora, escondê-la em parábolas e ainda justificar sua ação dizendo "porque a vós outros (os discípulos) é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas àqueles não lhes é isso concedido"? Vejamos o que nos diz Mc 4.10-12. Observe que o texto de Marcos é ainda mais incisivo, pois diz "para que vendo vejam, e não percebam e; ouvindo, ouçam, e não entendam, para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles". No entanto, se você aceitar a doutrina da Predestinação, as passagens acima fazem sentido e são coerentes, pois somente aos eleitos (predestinados) é CONCEDIDO conhecer os mistérios do reino dos céus, a fim de que os eleitos se convertam e alcancem perdão, mas aos não-escolhidos não lhes é isso concedido.

Ex 7.3,4; 9.12; 10.20,27; 14.4. Estes versículos não se coadunam com o pressuposto colocado, uma vez que Deus não somente endurece o coração de um homem como cobra dele a responsabilidade pelo pecado. Até parece sadismo. Deus dá oportunidade para que o faraó escolha entre deixar o povo ir (a vontade de Deus) e não deixá-lo ir, mas o endurece, de forma que escolha a opção errada, a fim de castigá-lo, como de fato o castigou. Onde está o livre arbítrio do faraó? Outra questão se coloca. Se o homem possui o tão propalado livre arbítrio, como pôde Deus "forçar" o faraó a tomar uma decisão? Não estaria Deus se contradizendo? Não estaria indo Deus de encontro a Si mesmo, uma vez que dotou o homem da liberdade de escolha?

At 16.6-10. A Bíblia diz claramente que o Espírito (isto é, Deus) IMPEDIU que Paulo e seus companheiros fossem pregar na Ásia. Ora, é de se supor que na Ásia haveria homens que confrontados com a mensagem do Evangelho livremente respondessem positivamente. Em vista disso, pergunto: não seria isso uma injustiça da parte de Deus, impedir que a mensagem chegasse à Ásia, privando assim aqueles homens da oportunidade de conhecerem a mensagem da salvação? Isto significa que Deus, deliberadamente, negou àqueles homens o direito de ouvir e escolher livremente se queriam aceitar ou não a Jesus.

Rm 9.11,14-18; 19-24. Como encaixar estes textos com a idéia de liberdade plena de escolha do homem? A Bíblia é bem clara neste ponto: "Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia"; "não depende de quem QUER (vontade do homem), ou de quem corre (ação do homem), mas de usar Deus a sua misericórdia"; "logo, tem ele misericórdia de quem quer, e também endurece a quem lhe apraz". Sinceramente não sei se dá para enxergar a doutrina do livre arbítrio em textos como estes. Ficamos então em um dilema: ou existe livre arbítrio e Paulo está mentindo deliberadamente, ou não existe livre arbítrio.

Vemos, portanto, que o conceito de livre arbítrio tem problemas com a própria Bíblia, já que esta relata Deus agindo de maneira contrária à proposição acima, ora falando de forma velada com um intuito definido de não conceder perdão (Mateus e Marcos), ora impedindo que a mensagem salvadora chegue a uma determinada região do planeta (a mais populosa, por sinal), tolhendo-lhes, assim, a oportunidade de livre escolha, condenando-os, automaticamente ao inferno, uma vez que nenhum homem pode salvar-se por boas obras.

Insistindo ainda no pressuposto da liberdade de escolha do homem, onde ficou o livre arbítrio de Jonas? Jonas decidiu fugir de Deus e não realizar o trabalho que Deus lhe propôs, entretanto que fez Deus? Violou de forma escandalosa a liberdade de Jonas, forçando-o por meios violentos a fazer o que Ele queria. Um verdadeiro tirano.

Vemos, portanto, que se mantivermos o pressuposto do livre arbítrio, temos obrigatoriamente de concluir que Deus é injusto, tirano e sádico!

A esta altura outro a pergunta a fazer é: A Bíblia fala que o homem possui livre arbítrio? Em primeiro lugar devo dizer que até hoje não encontrei um só versículo que diga algo parecido com "o homem tem livre arbítrio", "e assim criou Deus o homem e o dotou de livre arbítrio", "o homem tem liberdade de escolha". Você já? Mas textos inteiros falando que há homens predestinados há em profusão: Rm 8.28-30; Rm 9.11-18; Ef 1.4,5,11,12; Rm 11.5; 1 Ts 1.4; 2 Ts 2.13-14; 2 Pe 1.10; Mt 24.24; Mc 13.20-22,27; Rm 8.33; Rm 16.13; Cl 3.12; 2 Tm 2.10; Tt 1.1; 1 Pe 1.1-2; 1 Pe 2.9; Ap 17.14.

O que se coloca como ponto central em nossa discussão é: Sou livre para escolher a Jesus ou rejeitá-lo? A resposta é NÃO (Jo 15.16; Rm 8.5-8; Jo 6.37-39,44; Mt 11.27). E por quê? Em primeiro lugar devemos compreender que nossa vontade está corrompida, sempre pendendo para o mal, para o pecado (Rm 8.6,7; Jm 17.9; Is 64.6; Jo 8.36). Em segundo lugar, devemos ter em mente que a condição do homem natural é de morte espiritual (1 Co 2.14; Ef 2.1,5; Cl 2.13). Ora, um morto não pode exercer a vontade de reviver (lembre-se que Lázaro não reviveu porque ele quis, ou tenha resolvido assim fazer, mas reviveu porque JESUS QUIS. Jesus impôs a Sua vontade de dar vida a Lázaro sobre aquele corpo inerte). Um morto não tem possibilidade de escolher nada. Imagine o seguinte quadro: num necrotério encontram-se 10 cadáveres. Jesus aproxima-se e ressuscita 3 deles. Responda-me: Jesus foi injusto com os outros 7 cadáveres por não ter-lhes dado a vida novamente? Não. Da mesma forma ocorre com a humanidade. Todos nós estávamos mortos espiritualmente e Deus resolveu dar vida a alguns. Há injustiça da parte de Deus? Não (Rm 9.14).Você então pode indagar: Mas porque só alguns e não todos? A resposta encontra-se em Rm 9.14-24. Deus é soberano sobre tudo e sobre todos. ele detém em Suas mãos o governo de toda a história.

Este conceito da morte espiritual do homem é importante para que entendamos que o homem natural, em si mesmo, não tem condição de escolher ter fé em Jesus, já que esta fé salvadora é dada ao homem a fim de ser salvo. Analisemos Ef 2.8. O pronome ISTO refere-se a um substantivo. Só há dois substantivos antecedendo ao pronome: "graça" e "fé". Ora, para referir-se a "graça" o pronome teria de ser "aquilo" pois o substantivo "graça" encontra-se distante do pronome no período. ISTO é usado para referir-se a um substantivo próximo, no caso "fé". Assim, a fé é que é o dom de Deus, que é dado àqueles que foram eleitos (Mt 11.27; Jo 6.65; I Co 12.9; Rm 12.3)

Outra realidade paralela a esta é que o arrependimento também é dado por Deus, não sendo uma ação resultante da vontade do homem (Mt 13.11, At 5.31; At 11.18). A própria Bíblia faz distinção entre "tristeza do mundo" que leva à morte, e "tristeza segundo Deus" que leva à vida. Ora, obviamente o homem não pode produzir, nem em si nem em outros, a tristeza segundo Deus para arrependimento, esta é uma tarefa do próprio Deus.

Como compreender também o texto de Atos 13.48 em que está expresso "creram todos os que HAVIAM SIDO DESTINADOS para a vida eterna" dentro do contexto do livre arbítrio? Estaria por acaso Lucas também mentindo, à semelhança de Paulo?

Por todas estas razões, não comungo do conceito de Livre Arbítrio do homem, muito embora concorde em que há passagens bíblicas que pareÇAm indicar isso: Textos como Mt 23.37; Jo 7.17: Rm 7.18; 1 Co 9.17; 1 Pe 5.2; Fm 14 indicam que o homem tem UMA CERTA LIBERDADE DE ESCOLHA. Ou seja, o homem tem liberdade, mas essa liberdade de escolha é limitada, conforme vimos acima. Essa liberdade, embora limitada, é que confere responsabilidade ao homem pelos pecados que comete.

O fato de que a liberdade do homem é limitada é patente em nossa própria vida, e convivemos tranqüilamente com ela. Por exemplo: Quantos de nós escolhemos a cor de nossos olhos, pele e cabelo? Quem de nós escolheu data e local de nascimento? Quem de nós escolheu os nossos próprios filhos?

Quero confessar que ainda não consegui harmonizar o fato de o homem ser responsável pelos seus atos e a doutrina da Predestinação, mas há uma imagem que pode nos auxiliar. Quando você vê uma moeda, você só consegue ver uma face de cada lado. Ou vê a Predestinação ou vê a Responsabilidade Humana, que alguns confundem com Livre Arbítrio. Deus, porém, consegue ver as duas faces como realidade de uma só verdade. Deus predestinou homens desde a eternidade para serem salvos, porém tais homens não são forçados a aceitar a mensagem e entregar-se a Jesus, assim como os que rejeitam a Jesus o fazem espontaneamente.

Apelar para Dt 29.29 pode parecer fuga, mas é apenas o reconhecimento de que eu não consigo compreender tudo, eu não tenho a mente de Deus e que o lugar do homem é de humildade diante de Deus. Estou convencido de que Deus nos ocultou algumas coisas para que reconheçamos o nosso lugar, abaixo do Criador, para que tenhamos humildade, afinal "Deus resiste aos soberbos, mas aos humildes concede a sua graça" (I Pe 5.5b).

Assim sendo, creio ser mais complicado defender o livre arbítrio do que defender a predestinação, pois defender aquele implica em chegar à conclusão que Deus é injusto, sádico e tirano. Enquanto que na predestinação encontramos um Deus soberano que, não precisando fazê-lo, apiedou-se dos homens e escolheu alguns deles para Si, aplicando aos outros a Sua justa ira (Rm 9.19-24).

A minha reação a esta realidade é curvar-me humildemente em louvor diante deste Deus Todo-Poderoso que me escolheu, mesmo sendo eu tão pecador e indigno, para ser seu filho, herdeiro de Deus e co-herdeiro com Cristo.

 


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