O Mito do Livre-Arbítrio

por

Washington Onias Alves


RESUMO

O tema do livre-arbítrio tem ensejado discussões acirradas nos mais diversos segmentos do saber humano. Filósofos, teólogos, psicólogos e sociólogos produziram uma vasta literatura sobre a matéria. Este pequeno trabalho pretende trazer uma simples reflexão sobre o tema proposto, que para muitos se reveste de uma evidência inconteste, nada obstante, observa-se que mediante uma análise mais cuidadosa, pode-se chegar à conclusões não muito comuns. Apresenta-se, neste trabalho, três aspectos da questão, o psicológico, o sociológico e o teológico.


PALAVRAS-CHAVES:

Mito, livre-arbítrio, vontade, decisão, Deus.


ABSTRACT

The free will theme has brought discussions in a lot of areas of the human's knowledge. Philosophers, theologions, psychologists and sociologists made a vast literature about the subject. This paper intend to bring a simple reflexion about the proposed theme. We could observe through an analisys more careful that we can reach conclusions that are not so common, and a lot of people find that this theme has an incontestable evidence. This paper has three aspects about the question: the psichologycal, the sociological and the theological.

 

KEYWORDS

Myth, free will, wish, decision, God.



INTRODUÇÃO

A questão do livre-arbítrio tem sido objeto de polêmicas desde as épocas mais remotas da história humana, especialmente nos círculos acadêmicos, sem, contudo, chegar-se a uma solução definitiva da controvérsia. Filósofos como Aurélio Agostinho, Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzche produziram trabalhos específicos sobre o assunto. No palco da teologia, podemos destacar a atuação de expoentes como Martinho Lutero, João Calvino, Jonathan Edwards, R. K. Mc Gregor Wright e R. C. Sproul. Já no campo da psicologia evidenciam-se os pensamentos de Carl Gustav Jung e Sigmund Freud. Apesar dos incansáveis e acalorados debates e reflexões desses gigantes da história humana, ainda há muito que se discutir sobre a matéria em tela.

Em certo sentido, poderíamos pensar que o livre-arbítrio seria apenas uma mera conclusão fundamentada em capacidade sensitiva e intuitiva da mente humana, produzindo, assim, a sensação de liberdade plena. Dessa forma essa liberdade produzida pela química da mente humana seria meramente ilusória, uma liberdade virtual.


DEFININDO OS TERMOS

Etimologicamente falando, mito vem do latim mythos ou mythus - que é uma fábula, uma lenda, é uma afirmação ou narrativa inverídica, inventada.

Livre-arbítrio, por sua vez, é assim definido por Aurélio “Possibilidade de exercer um poder sem outro motivo que não a existência mesma desse poder; liberdade de indiferença”. Antonio Houaiss, no seu “Dicionário Houaiss da língua portuguesa” como sendo “possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante”. Quero chamar a atenção para o caráter, a condição de independência da vontade, exigida pela definição.


O CENTRO DAS DECISÕES

A mente humana é o centro de onde emanam as decisões que se exteriorizam como expressão volitiva do ser. Observa-se, contudo, que os processos decisórios, antes de concretizarem uma deliberação, podem sofrer interferência de alguns fatores, sejam eles internos ou externos. A nossa mente, nesse processo, é suscetível de tomar como referência, os pressupostos que se sedimentaram em nós, à medida que acumulamos informações durante o nosso desenvolvimento, de forma que não temos como nos livrar dessa influência. Ainda podemos sofrer disposições psíquicas de outras pessoas, pois não estamos imunes a tais influências, já que não temos como precisar ou comprovar com exatidão se a nossa vontade está decidindo livre da ação de fatores inibidores da liberdade individual. Assim, os fulcros de nossas decisões não são claramente delineados pela nossa razão, levando-nos à incerteza da legitimidade de nossas decisões. Para ilustrar esse fato, tomamos a experiência do filósofo Jean-Paul Sartre, conforme o relato abaixo: [1]

Por volta dos seus doze anos, na cidade de La Rochelle , envolvido em situações corriqueiras da infância, subitamente lhe ocorreu o pensamento de que Deus não existia. Sartre afirma não saber exatamente de onde surgira tal idéia ou como nele se instalara, mas o fato é que, a partir de então aquela pequena intuição o acompanharia, quase como uma certeza, "uma verdade que me surgira com evidência, sem nenhum pensamento prévio (...) um pensamento que intervém bruscamente, uma intuição que surge e determina a minha vida" [2]. Notável é também o fato de que um pensamento surgido aos onze anos o levasse a nunca mais perguntar acerca desta questão.

Sartre, conforme a perícope acima, afirma não saber de onde surgiu a idéia da inexistência de Deus e como nele se instalara, mesmo assim, sua vida foi norteada por essa estranha idéia, o que corrobora o argumento acima apresentado.

 

LIVRE-ARBÍTRIO E OS FATOS SOCIAIS

Outro fator a ser considerado, nessa análise, é a base cultural de nossas decisões. O sociólogo Émile Durkheim, analisando os fatos sociais, observa que eles “consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotados de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem” [3]. No entendimento durkheimiano, a sociedade tem uma ética universal, o que ele chama de “consciência coletiva” e esta impõe, coercitivamente, determinados cursos de ação, ao tempo em que incentiva outros. Sendo os fatos sociais intersubjetivos, a influência promovida entre os seres sociais é inevitável, assim, somos conduzidos, socialmente, a tomar decisões influenciadas pela coerção dos fatos sociais, limitando, desta forma a liberdade de ação.

 

PERSPECTIVA TEOLÓGICA

Ao abordarmos o livre-arbítrio sob a ótica da teologia cristã, gostaria de tratar apenas um aspecto da questão e para isso, precisamos considerar como axioma, premissa universal e verdadeira, a existência de Deus, incluindo os seus atributos incomunicáveis, especialmente o da onisciência, que é a qualidade ou determinação em que Ele tem conhecimento infinito sobre todas as coisas, inclusive o nosso futuro. Sendo toda a nossa existência patente, aberta aos olhos de Deus, todos os nossos pensamentos, decisões, atos e realizações já lhe são conhecidas, antes mesmo de se concretizarem no tempo, e nós não temos como agir diferente desse prévio conhecimento divino. Dessa forma estamos presos ao conhecimento que Deus tem de nós, pois nada do que fizermos lhe será uma surpresa, já que Ele não está preso no tempo. Deus está sobre o tempo. Tudo o que vamos decidir já é conhecido dEle e nós não podemos decidir diferente daquilo que ele está vendo, senão negaríamos o seu conhecimento. Dessa forma não somos autônomos, estamos presos, historicamente limitados pela onisciência de Deus.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao adentrarmos em um assunto tão vasto, complexo e polêmico, estamos pisando em um campo minado, onde o conhecimento humano não se encontra completo ou suficientemente dilucidado. A questão continua aberta, exigindo uma fundamentação epistemológica concisa, já que o alto nível de abstração, a interioridade, a cognição e a subjetividade são aspectos inerentes ao tema. A nossa compreensão está sujeita aos processos mentais de percepção e de raciocínio, que nos conduz a uma inferência inevitável, ao mito do livre arbítrio.


NOTAS:

[1] - Transcrito do http://existencialismo.sites.uol.com.br/sartre.htm#_edn2, capturado em 29.12.2004.

[2] - BEAUVOIR, Simone de . A Cerimônia do Adeus e Entrevistas com Jean-Paul Sartre (Agosto/Setembro 1974). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1982. p. 564, citado no artigo do site http://existencialismo.sites.uol.com.br/sartre.htm#_edn2.

[3] - DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico.




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