Questões sobre o Livre-Arbítrio

por

Pb. Rubens Cartaxo Junior

 


Tendo em vista os inúmeros questionamentos que sempre recebo por ocasião de qualquer menção à doutrina da Predestinação, questionamentos estes acerca de pontos bem específicos, creio já ter crédito suficiente para também levantar alguns tendo em vista a proposição oposta, a qual, ao que parece, detém a preferência nacional.

Espero que estas perguntas sirvam para a reflexão daqueles que defendem com ardor o Livre Arbítrio e que percebam que, se a doutrina da Predestinação não consegue responder a todos os seus questionamentos, a doutrina do Livre Arbítrio também não.

 

1) Existe Predestinação?

Esta é uma questão crucial que deve ser respondida antes que qualquer outro passo possa ser dado. Se se responde que não (como aliás várias pessoas incautamente o tem feito) surge uma outra pergunta. Se não existe, por que a Bíblia fala expressamente e tantas vezes sobre predestinação, utilizando inclusive este termo, além de termos correlatos , como eleitos e escolhidos ? Em caso de dúvida, consulte os textos a seguir: Rm 8.28-30; Rm 9.11-18; Ef 1.4,5,11,12; Rm 11.5; 1 Ts 1.4; 2 Ts 2.13-14; 2 Pe 1.10; Mt 24.24; Mc 13.20-22,27; Rm 8.33; Rm 16.13; Cl 3.12; 2 Tm 2.10; Tt 1.1; 1 Pe 1.1-2; 1 Pe 2.9; Ap 17.14; SI 139.16; 2 Tm 1.9.

É bom lembrar aos que se dizem arminianos que Arminio nunca negou a predestinação, mas afirmou que ela era condicional, ou seja, Deus só pode predestinar aqueles que Ele sabia que no futuro iriam se converter. Quanto a essa idéia, também muito popular nos nossos dias, gostaria de reproduzir um comentário de J.l. Packer (O Novo Dicionário da Bíblia, Predestinação. Ed. Vida Nova, V. III, 1979):

Tem sido argumentado que a presciência de Deus não é preordenação, e que a eleição pessoal, no NT, está baseada na previsão de Deus de que as pessoas escolhidas responderão sozinhas à chamada do Evangelho. As dificuldades desse ponto de vista parecem ser (1) isso assevera, em realidade, uma eleição de conformidade com as obras e o merecimento, en­quanto que as Escrituras asseveram que a eleição é inteiramente devida à graça (Rm 9.11; 2 Tm 1.9), e que a graça exclui toda a consideração sobre aquilo que o homem possa fazer por si mesmo (Rm 4.4; 11.6; Ef 2.8 e Seg.; Tt 3.5); (2) se a eleição visa a fé (2 Ts2. 13 e as boas obras (Ef 2.10), não pode depender da previsão sobre essas coisas; (3) conforme essa posi­ção, Paulo deveria estar apontando, não para a eleição de Deus, mas para a própria fé do crente, como a base de sua certeza de salvação final; (4) as Escrituras parecem equiparar a presciência com a preordenação (cf At 2.23).

 

2. Qual a situação do homem frente o bem e o mal?

Se se aceitar que o homem está numa posição de neutralidade, podendo escolher livremente, sem influência de ninguém tanto o bem quanto o mal, isso implica que:

a) o homem tem pelo menos um mérito em sua salvação, pois afinal de contas a escolha foi dele, totalmente dele. Esta conclusão entra em choque com a revelação acerca da graça, na qual o ho­mem não tem qualquer mérito em sua salvação (Rm 3.28);

b)  o homem não está perdido até o momento em que ele decidir se quer aceitar a Cristo ou não, só se tomando perdido a partir do momento em que rejeitar livremente o evangelho. Ora, se assim for, a melhor coisa que pode acontecer a ele é que não lhe seja pregado o evangelho, pois dessa forma pode argumentar no dia do Juízo que não pode ser condenado ao inferno, pois nunca rejeitou a mensagem de Cristo. Visto sob este ângulo, a pregação do evangelho é um risco altíssimo, pois pode levar o homem para a perdição;

c) caso a resposta seja que o homem natural está perdido, é inimigo de Deus, é totalmente corrompi­do e que sua natureza pecaminosa o leva a ser escravo do pecado e das paixões da carne, como compreender que ele possa escolher livremente o bem e o evangelho se a Escritura diz que o pen­dor da carne é para o pecado (I Co 2.14; Rm 8.7)?

d) caso a resposta seja que o homem, exceto sua vontade, está corrompido, e que portanto ainda pode exercê-la livremente, o problema é embasamento bíblico. Tal proposta vai de encontro a tex­tos como Rm 3.9-12, 20; Is 64.4 e CI 2.13.

 

3. Uma das acusações prediletas dos arminianos é que a Predestinação implica necessaria­mente em injustiça da parte de Deus. Passaria, entrementes, o Livre Arbítrio pela prova da Justiça?

Para que houvesse justiça, adotando-se a doutrina do Livre Arbítrio, necessário seria que to­dos os homens em todos os tempos e lugares tivessem a mesma oportunidade de ouvir o evange­lho e decidir livremente se aceitavam ou se rejeitavam o sacrifício de Cristo. No entanto, é plenamente sabido que isso nunca ocorreu em nenhum período da história, logo, os que tiveram a oportunidade de ouvir a mensagem e se converteram tiveram uma vantagem sobre aqueles que, morando em lugares inóspitos ou em países fechados ao cristianismo, nunca tiveram sequer a oportunidade de ouvir o evangelho, o que se caracteriza em uma injustiça.

 

4. Se existe Livre Arbítrio, todos os homens têm vontade livre, logo, ninguém, inclusive Deus, pode forçá-los a fazer qualquer coisa que eles não queiram.

Como conciliar esta proposição com Ex 7.3,4; 9.12; 10.20,27; 14.4; com o texto de Jonas, que mostra como o profeta fugiu da missão, mas Deus o levou a cumpri-la, mesmo contra sua vontade; que falar de Judas, conforme o texto de Jo 17.12 ? Como falar de Livre Arbítrio se estes homens, como vários outros no relato bíblico (Balaáo, Moisés), não fizeram a sua vontade, mas a vontade de Deus? Se a vontade humana é livre então é inviolável, mas nesses casos e em vários outros, ela foi violada, logo, a vontade do homem é violável e, portanto, não é livre.

 

5. O crente pode perder a salvação?

O arminiano genuíno responderá SIM a esta questão (em geral os pentecostais, os metodistas, os adventistas, os participantes da Igreja do Nazareno), enquanto os batistas de modo geral, apesar de não crerem na predestinação, dirão um sonoro NÃO à pergunta (aqui temos uma postura interessante, arminiana no que diz respeito à predestinação e calvinista no que diz respeito à segurança eterna dos salvos).

Para fins de raciocínio, consideremos que a postura arminiana genuína esteja correta, ou seja, o homem tem livre arbítrio e pode decidir livremente se quer ou não aceitar a oferta da salvação; e seu livre arbítrio permanece inalterado durante toda sua vida, ou seja, este mesmo homem que num dado instante decidiu livremente, sem nenhum constrangimento de qualquer espécie, aceitar a oferta divina, pode também decidir, de maneira igualmente livre, rejeitar o sacrifício de Cristo e assim perder a salva­ção. Tudo muito lógico se isso não ferisse de morte um dos pontos da própria doutrina arminiana: a predestinação segundo o conhecimento antecipado de Deus, ou seja, Deus elege os que Ele sabe aceitarão a oferta da salvação. Digamos que o Sr. Jota aos 20 anos aceitou genuinamente a Jesus, estando portanto salvo. Aos 55, decidiu não mais crer no evangelho e morreu em um desastre uma semana depois, sem ter tempo de decidir aceitar a Jesus novamente. Obviamente, pela formulação arminiana o Sr. Jota, apesar de ter sido crente por 35 anos não gozará a eternidade ao lado de Deus, antes está condenado ao inferno. Pergunta-se: o Sr. Jota foi predestinado para ser crente somente por 35 anos? A predestinação segundo esse conhecimento antecipado foi frustrada? Deus foi pego de surpresa com a decisão do Sr. Jota de rejeitar a mensagem da cruz? Quem, no final das contas é o responsável pela salvação eterna — Deus, cujo trabalho se limita a montar o plano da salvação, ou o homem, a quem cabe perseverar diariamente na fé e que deve decidir diariamente se continua fiel a Jesus? Note que sobre o homem repousa uma responsabilidade tremenda.

Mas você poderia dizer, não, a formulação arminiana clássica não é aceitável neste ponto, pois o crente não pode perder a salvação, conforme lemos em Jo 10.28-29, o que nos conduziria, aparen­temente, ao melhor dos mundos: livre arbítrio e segurança eterna. Mas será que é assim mesmo? Va­mos refletir um pouco mais. Se esta formulação é verdadeira, significa que o crente uma vez salvo, mesmo que queira, não pode mais rejeitar a Jesus, posto que não há possibilidade de perda da salva­ção. Logo, forçoso nos é concluir que o homem só tem livre arbítrio até a conversão , cessando ela a partir daí, pois não há possibilidade alguma de o crente vir a perder a salvação, logo, ele não pode decidir após a conversão abandonar o evangelho. Abraçar essa idéia significa aceitar que o homem tem livre arbítrio durante um período da vida, e não durante toda a vida. Poder-se-ia perguntar se se pode chamar isso de livre arbítrio.

Vê-se, portanto, que a posição arminiana, quer a forma genuína quer a forma mitigada, tem di­ficuldades de lógica interna, com formulações se chocando (livre arbítrio X predestinação baseada no conhecimento prévio de Deus; ou livre arbítrio X segurança eterna; extensão do livre arbítrio).

Para resolver o problema do Arminianismo clássico só negando a predestinação de forma radi­cal, mas conforme vimos acima, negar peremptoriamente a predestinação é ainda mais complicado, tendo em vista os inúmeros textos que falam expressamente de predestinação. Para resolver o pro­blema do Arminianismo mitigado, só abrindo mão do livre arbítrio ou da segurança eterna.

 

6. Se o homem tem livre arbítrio, qual o sentido de se orar por sua conversão?

Pense bem, se a decisão do homem é totalmente livre da influência divina, se ele decide por si mesmo, para que orar pedindo por sua conversão, posto que Deus não pode “forçá-lo” ou mesmo in­fluenciá-lo a decidir-se? Afinal, a decisão cabe ao homem, e não a Deus.

 

7. Por que a decisão final cabe ao homem?

É inquestionável que no esquema arminiano, quer o clássico quer o mitigado, o homem ocupa uma posição central, uma vez que a ele cabe a decisão final sobre seu destino eterno. A pergunta que se faz é se isso tem respaldo na Revelação. Ao homem cabe decidir se o sacrifício de Cristo terá valido a pena ou não. Hipoteticamente toda a humanidade poderia ter rejeitado a mensagem da cruz e Deus não poderia fazer absolutamente nada para reverter a situação, pois implicaria em violar a vontade do homem. Ou seja, em certo sentido, a vontade de Deus está limitada pela vontade do homem. Dessa forma, o homem ocupa uma posição central na soteriologia arminiana, cabendo-lhe a palavra final so­bre seu destino eterno.

Creio, entretanto, que isso não se coaduna com a Revelação bíblica, cujo centro é Jesus, sua vida, morte, ressurreição e atuação presente na Igreja. Como compreender esse peso na decisão hu­mana, se a própria palavra nos diz “porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (FI 2.13)? Só posso compreender essa centralidade do homem no pro­cesso da salvação como expressão teológica do pecado original, que foi o desejo do homem de ser igual a Deus (Gn 3.5,6). O arminiano concorda com o calvinista que a obra da salvação foi realizada por Jesus na cruz do calvário, mas reserva ao homem a decisão final se a deseja ou não, ou seja, o homem, no final das contas, assume uma posição de centralidade, de decisão final no esquema arminiano.

Haja vista essas considerações, creio ter ficado evidente que a posição arminiana tem vários problemas, problemas estes, creio, mais graves que os levantados contra a posição calvinista que de­fende a predestinação baseado na soberania de Deus.

A questão que se coloca então é qual das duas posições é mais ou menos problemática. Em meu ponto de vista, a posição arminiana é mais problemática porque apresenta incoerências lógicas internas, não responde a questões cruciais e entra em choque com elementos fundamentais da Revelação.

 

 


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