A Morte

por

Prof. Isaías Lobão Pereira Júnior

 

(Agradeço ao amigo e irmão Isaías Lobão pelo envio do texto por ocasião da morte do meu amado pai)


Se vivemos, vivemos para o Senhor; e, se morremos, morremos para o Senhor. Assim, quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor”.

Romanos 14.8

 

Ao ler a Bíblia, na Nova Tradução na Linguagem de Hoje, me deparei com este texto, em Eclesiastes 8:8: Ninguém tem o poder de dominar o vento, nem segurá-lo. Assim também ninguém pode evitar a morte, nem deixa-la para outro dia. Nós temos que enfrentar esta batalha, e não há jeito de escapar.

O Pregador, autor do livro de Eclesiastes, fala aqui com muita clareza da inevitabilidade da morte. A existência humana é marcada com a espera do dia final de cada um de nós. Talvez você esteja se questionado se continuará a me ouvir, ou não.

Alguém já disse que a morte é o único assunto que não é mencionado nestes nossos tempos em que se fala de tudo. A tecnologia médica, o aumento da expectativa de vida dos cidadãos do mundo ocidental e o desejo ardente do ser humano pela imortalidade, tentam nos convencer que podemos vencer a morte. Porém, ignorar nossa mortalidade, não a afasta. As pessoas continuam morrendo, mesmo que tentem adiar o momento final.

Talvez não achemos difícil aceitar a morte como tal, visto que somos constantemente levados a encará-la em nosso meio ambiente. Mas, reconhecer que algum dia eu haverei de morrer, ou alguém bem próximo a mim, faz o assunto elevar-se da mera especulação acadêmica.

Fisicamente o ser humano morre como qualquer animal. Entretanto, é preciso lembrar que somente nós, humanos, temos consciência deste fato. Isto nos torna diferentes dos animais irracionais.

E a Bíblia? Como ela vê a morte? Precisamos conhecer a perspectiva bíblica sobre o assunto. Em primeiro lugar, a morte é vista como o juízo divino contra o pecado . Veja só em Romanos 6:23: Pois o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus , nosso Senhor. (NVI) Se a morte é conseqüência do pecado, então o poder da morte só poderá ser removido, se o pecado for removido da vida humana. E o texto acima é claro em afirmar que recebemos a vida quando estamos em Cristo. Não existe outra alternativa. Sei que não cabe muito bem enfatizar a singularidade de Cristo nestes tempos relativistas. Diriam alguns que não é politicamente correto ou no mínimo constrangedor, afirmar a mensagem da esperança humana somente em Cristo Jesus. Mas , nosso compromisso tem que ser com a verdade. E a verdade é essa: Só recebemos a vida eterna, através do sacrifício de Cristo, na cruz do calvário.

Em segundo lugar, a cruz alterou a forma da morte. Para aqueles que confiam em Cristo, a morte não tem a palavra final. Temos uma esperança viva, que permanece mesmo quando o céu está nublado, quando nos encontramos desanimados e abatidos, quando o inevitável ocorre, somos renovados por esta ardente expectativa. A morte foi derrotada na morte de Cristo. Fora de Cristo a morte é o inimigo supremo, o símbolo da alienação de Deus. Porém, temos conosco a certeza das palavras de Jesus no Evangelho de João 5:24; Eu lhes asseguro: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não será condenado, mas passou da morte para a vida.

A cruz de Cristo é a esperança da glória final. Jesus olhava além da sua morte para a sua ressurreição, além dos seus sofrimentos para a sua glória. A esperança da glorificação torna o sofrimento suportável. A perspectiva essencial a desenvolver é a do propósito eterno de Deus. Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós. Rm 8:18.

A cruz de Cristo é a prova do amor solidário de Deus, isto é, sua solidariedade pessoal e amorosa conosco em nossa dor. Pois o verdadeiro aguilhão da morte não é o infortúnio em si, nem mesmo a sua dor ou a sua injustiça, mas, aparentemente, sermos abandonados por Deus. A dor pela perda é suportável, mas a aparente indiferença de Deus não é. Às vezes o vemos como alguém cansado de seus afazeres, tal como no filme Deus é brasileiro. Tirando uma soneca numa cadeira de balanço celestial, enquanto milhões de pessoas morrem e outras tantas sofrem por isto. Pensamos em Deus, como um espectador, desfrutando seu isolamento das criaturas finitas.

É essa terrível caricatura de Deus que a cruz desfaz em pedaços. Não devemos vê-lo numa cadeira de balanço, mas numa cruz. O Deus que nos permite sofrer, ele próprio uma vez sofreu em Cristo, e continua a sofrer conosco e para nós hoje. Cristo carregou os nossos pecados e morreu a nossa morte por causa do seu amor e justiça.

Uma peça de teatro, intitulada “O Longo Silêncio”, diz tudo [1]:

Bilhões de pessoas estavam espalhadas por uma grande planície, diante do trono de Deus. Alguns do grupo mais da frente conversavam calorosamente. Não falavam com reverência, mas em aberta beligerância. “Como Deus pode nos julgar?”, perguntavam. “O que ele sabe sobre o sofrimento?”, gritou uma loira. Arregaçando a manga de sua blusa, mostrou um número tatuado em um campo de concentração nazista. “Sofremos medo, açoites, torturas, morte”, continuou. Em outro grupo, um negro baixou o colarinho. “Que tal isto”?, exigiu mostrando uma feia queimadura provocada por cordas. “Fui linchado apenas por ser negro. Sufocamos em navios escravos. Fomos arrancados do convívio de nossos queridos, trabalhamos debaixo do chicote até que a morte nos aliviou”.

Grupos semelhantes se articulavam em toda aquela planície. Cada um se queixava de Deus pelo mal e sofrimento que permitiu no mundo que Ele mesmo criara. “O que Deus sabe sobre o que a humanidade suportou? Como Deus é feliz por morar no céu. Lá não há lágrimas, medo, fome, ódios. Deus leva uma vida bem confortável”, afirmavam.

Então cada grupo decidiu enviar um representante diante de Deus; escolhido pelo que mais sofreu. Havia um judeu, um negro, um marginalizado da Índia, um bastardo, uma japonesa de Hiroshima, um preso de um campo de concentração russo, uma mulher africana contaminada com HIV, cujos filhos morreram de fome.

Antes se reuniram no centro daquela vasta planície para se organizarem chegaram a um consenso. Antes que Deus se qualificasse para julgá-los, precisaria experimentar o que eles experimentaram. Decidiram sentenciá-lo: que ele viva na terra como homem.

Mas como era Deus, estabeleceram algumas salvaguardas. Ele não poderia se valer de seus poderes divinos para se proteger. “Que nasça judeu; que a legitimidade de sua paternidade seja questionada e que ninguém saiba com segurança quem foi o seu pai; que lidere uma causa tão justa e tão radical, que atraia o ódio e a condenação dos poderosos; que a religião oficial se esforce para eliminá-lo; que tente descrever o que nenhuma pessoa jamais provou, ouviu ou percebeu; que tente comunicar Deus aos homens; que seja traído por um dos seus amigos mais queridos; que seja indiciado com provas falsas; que seja julgado por um júri preconceituoso e que o seu juiz seja um covarde; que experimente o que é sentir-se completamente abandonado por todos; que seja torturado e que morra. Mas que sua morte seja a mais humilhante, e que morra ao lado de ladrões ordinários”. 

À medida que cada líder anunciava a sua sentença, um murmúrio se espalhou pela planície. A aprovação parecia unânime! Mas quando o último expressou a sua sentença, houve um profundo silêncio. Ninguém se atreveu falar, ninguém se moveu. De repente, todos perceberam: – Deus já cumprira a sentença dos réus.

E em último lugar, a morte é um ganho para os crentes, porque estarão mais perto de Cristo. Não falamos sobre isto como escapismo e rejeição à vida, mas um anelo real de uma vida eterna com Deus, onde Ele enxugará toda lágrima e extirpará toda dor que arde em nosso coração.

Entre os crentes pode haver tristeza por causa da perde de um ente querido, mas essa tristeza é pela saudade que a pessoa deixa e não o desespero pela incerteza do seu destino final. Em nosso coração existe a firme convicção que nos encontraremos com Deus na glória.

No final dos anos 80, era moda entre alguns jovens evangélicos, o uso de um bottom com uma mensagem evangelística. Ele era bem grande e nele estava escrito: quem nasce uma vez, morre duas e quem nasce duas vezes, morre uma.

Isto significa dizer: aquele que nasce da carne, morre espiritualmente e fisicamente, porém, aquele que nasceu da carne e do Espírito, só morre fisicamente.

O céu parece não estar na agenda da igreja pós-moderna, que hereticamente o abandonou em troca das promessas anunciadas nas campanhas de fé, curas e prosperidade, carregadas do triunfalismo mundano, e não conforme o que a Escritura afirma.

Somos peregrinos e aguardamos a nossa pátria real, como disse o poeta cristão no antigo hino Anelos do Céu, conforme a letra do hinário Salmos e Hinos. (592)

Da linda pátria estou bem longe, cansado estou.
Eu tenho de Jesus saudade: quando será que vou?
Passarinhos, belas flores querem me encantar.
Oh! Vãos terrestres esplendores! De longe enxergo o lar.

De Cristo tenho aqui promessa: Vem me buscar.
Meu coração está com pressa; eu quero já voar.
Pecador e corrompido, mui culpado sou,
Mas, no seu sangue redimido, eu para a pátria vou

Qual filho do seu lar saudoso, cheio de amor,
Minha alma aspira ao bom repouso junto ao meu Senhor.
Sua vinda aqui é certa; quando não o sei;
Mas Ele manda estar alerta: Do exílio voltarei  


As ideologias humanas surgem e são suplantadas por outras. O homem sem Deus vive abatido e sem esperança. Nunca se viu um tempo como o nosso. A apatia do pós-modernismo permeia com pessimismo todo projeto humano. Os cristãos por sua vez, são confiantes do futuro. Nossa esperança é um porto seguro onde podemos nos abrigar, em meio ao temporal do mundo.

Existe a firme certeza de que não seremos abandonados pelo caminho, que seremos preservados até o fim. Se nós crentes nos atrevemos a dizer, como na verdade o fazemos, que ao morrer vamos para o céu e que estamos seguros da salvação final, não é porque cremos que somos justos, nem porque somos fortes, nem auto-suficientes, mas, pelo contrário, porque confiamos no amor inalterável de Deus, no amor que jamais poderá nos desamparar.



NOTAS:

[1] - Conforme publicado no livro de John Stott, A Cruz de Cristo. Editora Vida.

 



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