Cristianismo na África

por

Prof. Isaías Lobão Pereira Júnior




Os primeiros cristãos


A atividade cristã na África é muito antiga. De fato, muitos dos primeiros Pais da Igreja eram africanos. Nomes bem conhecidos como Agostinho de Hipona, Orígenes e Tertuliano. Além disto, foram encontrados muitos manuscritos antigos da Bíblia. O norte da África é uma região propícia a preservação de documentos antigos, não só os bíblicos, e por isto desde cedo, foram encontrados muitas cópias dos textos bíblicos.

Isto mudou com a expansão islâmica, no sétimo século. O cristianismo retraiu, perdendo espaço para a nova fé que surgia no cenário africano. Os muçulmanos, vitalizados pela dinâmica de uma nova fé, pela esperança de saquear em nome da religião e pelo zelo de converter incrédulos a sua fé, espalharam rapidamente da Arábia para o norte da África, Ásia e mesmo para a Europa através da Espanha.

As porções oriental e ocidental da Igreja se enfraqueceram com as perdas pessoais e territoriais para o islamismo, mas as perdas da Igreja oriental foram maiores que as do Ocidente. A sólida igreja do norte da África desapareceu e a Terra Santa deixou de pertencer ao cristianismo. A Igreja oriental conseguiu apenas manter os exércitos islâmicos fora de Constantinopla. Como conseqüência, a atividade missionária, exercida principalmente pela Igreja ocidental, centralizou-se no noroeste da Europa.


A conquista portuguesa

Somente no período moderno, a África foi alvo do pensamento missionário cristão. Em 1402 as Ilhas Canárias foram colonizadas pelo barão Norman e alguns missionários franciscanos puderam trabalhar entre os nativos. Os franciscanos depois foram para a Ilha da Madeira, descoberta em 1420, e para as ilhas de Cabo Verde, descoberta pelos portugueses, entre 1456 e 1460. Estas ilhas se tornaram importantes bases para os escravos em trânsito e para fornecer provisões para os navios europeus que comercializavam na costa africana.

Neste período, africanos foram educados em Lisboa e encorajados a ser tornarem padres e participar ativamente do trabalho da Igreja na África. Durante o natal de 1652, o conhecido Padre Antônio Vieira visitou as ilhas e descreveu posteriormente sua admiração pelos clérigos africanos.

Entre 1482 e 1632 foi a vez de Gana receber missionários cristãos portugueses. Em 1503, a Igreja cresceu admiravelmente, com a conversão do rei de Efutu e de seis de seus ministros. E seguindo seu exemplo, muitos oficiais e suas famílias se converteram também. Os portugueses construíram um castelo em Gana, que ficou conhecido como Castelo de Elmina. Este era um óasis europeu na África. Onde uma comunidade auto-suficiente, com clérigos e comerciantes, supervisionados por uma autoridade central. Ele preservava aspectos da vida feudal portuguesa.

Os capuchinhos franceses também iniciaram seus trabalhos de evangelização na África, em 1637. Eles se instalaram na costa da Guiné. Enquanto que os dominicanos franceses chegaram mais tarde (1687-1703). Auspiciados pela Companhia Guiné, fundada pelo rei Luís XIV. Esta obra missionária ficou muito associada ao agressivo mercantilismo promovido por Luís XIV.

São Tomé e Príncipe foram ilhas descobertas pelos portugueses em 1470, mas permaneceram vinte anos inabitadas, até quando foram ocupadas por colonizadores brancos, incluindo algumas levas de crianças judias deportadas. São Tomé proveu uma rica fonte de açúcar e foi a área de teste para o sistema de plantation. Que posteriormente seria levado para o Brasil. São Tomé se tornou a capital comercial dos interesses portugueses na costa da Guné. Em 1534, um bispado foi estabelecido ali. Padres agostinianos usaram a ilha como base para introduzir o cristianismo no continente.

Depois, os portugueses se estabeleceram no Benin e no Warri. Transferindo sua estrutura eclesiástica européia para o solo africano.


Paradigma de Missões: Serra Leoa

Foi uma época de muita frustração missionária. A mensagem cristã chegou, junto com o colonizador e com o comércio de escravos. Não foi um período rico de conversões. Como foi o período entre 1787 e 1893 que redefiniu o mapa religioso africano.

A base desta mudança foi a ocupação dos ex-escravos, que retornaram para Serra Leoa e para a Libéria. Este retorno foi incentivado pelas leis inglesas que proibiram o tráfico dos escravos. Dois textos foram influentes, neste período, na crítica do tráfico de escravos. Refiro-me aos livros de Ottbah Cugoano e Olaaudah Equiano, que mais tarde ficou conhecido como Gustavus Vassa, o africano. Cugoano era um Fanti de Gana e Equiano era Ibo da Nigéria. Eles escreveram seus livros contando suas experiências como escravos, Cugoano publicou seu livro em 1797 e Equiano em 1789. Cugoano suplicou ao governo britânico a supressão do tráfico escravo na costa africana.

Equiano apelou para ineficiência econômica do tráfico e sugeriu o comércio legítimo como o melhor caminho para a acumulação de riqueza no império britânico.

Ambos eram entusiastas defensores da evangelização da África, que eles entendiam como uma forma de modernizar o continente. Cugoano queria retornar a África como missionário para seu povo, especialmente com os retornados dos Estados Unidos.

Estes retornados tiveram muitas dificuldades em se adaptar ao continente africano. Eles já não eram mais africanos e não se sentiam como legítimos ocidentais. Esta adaptação gerou conflitos, entre os nativos e com os colonizadores brancos. Mas, abriu espaço para a chegada dos missionários ocidentais.

Em 1799 um grupo de líderes cristãos ingleses, oriundos da Igreja Anglicana, fundou a Sociedade Missionária da Igreja. Entre seus fundadores estão leigos e clérigos apoiados por William Wilberforce e pela “seita Clapham”, ( grupo evangélico dentro da Igreja Anglicana). Porém, antes de 1815, a Sociedade Missionária, não conseguiu atrair ingleses para o campo missionário. Os primeiros missionários eram alemães, membros da Igreja Luterana, que foram recrutados e treinados em Berlim.

Em 1804, os primeiros dois missionários, Melchior Renner e Peter Hartwig, chegaram em Serra Leoa para trabalhar com o povo Susu. Foi um fracasso...

Os dois missionários ficaram em Freetown por dois anos. Para se acostumarem com o clima e conhecer a cultura dos Susu. Mas, não conseguiram. Peter Hartwig abandonou a vocação missionária, desaparecendo nas terras Susu, não para converter os africanos a fé cristã, mas para traficar escravos.

Admiravelmente, em 1806, a Sociedade Missionária enviou mais três missionários, todos alemães: Leopold Butscher, Johann Prasse e Gsutavus Nylander. Nylander se tornou o representante da Igreja Anglicana em Serra Leoa e professor em uma escola mantida pelo governo. Ele pode ser entendido como o símbolo da ligação entre a colonização e a missão cristã. Ele criou a conexão formal entre educação e missão. A capela fica de mãos dadas com a escola. Quatro anos depois de sua chegada, mais de mil alunos haviam estudado sob sua orientação.

Em 1810, o governo local construiu uma nova escola para Nylander, e no final do ano, ela já tinha 150 alunos. apesar do sucesso acadêmico, ele falhou em conduzir estes alunos para a igreja. Isto pode ser explicado pela relutância dos missionários em treinar pastores locais. Muito dificilmente os africanos ocupavam cargos de liderança nas igrejas locais. Os europeus, por outro lado, estavam satisfeitos com a igreja. Que mantinha as características ocidentais.

Em 1818 Nylander encontrou–se com o povo Bulom , e começou a estudar a língua daquele povo. Ele compôs uma Gramática e Vocabulário Bulom, e traduziu o evangelho de Mateus para aquela linguagem. Esta foi a primeira tradução da Escritura em Serra Leoa. Antes disto em 1081, Henry Bruton, havia publicado uma gramática Susu e alguns catecismos. Os livros de Bruton são considerados os primeiros livros publicados em uma língua do oeste africano.

A experiência missionária protestante em Serra Leoa relatada acima, pode ser usada como paradigma do contato do europeu cristão com o nativo africano em todo o século XIX.


O grande século

Uma série de fatores contribuíram para fazer o século XIX um período positivo para as missões protestantes mundiais. A era do Iluminismo e o racionalismo do século XVIII haviam sido substituídos por uma nova era de romantismo. Passou-se a rejeitar a confiança excessiva na razão, dando-se mais espaço às emoções e à imaginação.

O pragmatismo, um modo de pensar tão marcante na cultura norte-americana, surgiu nesta época. Ele bradava: “chegou a hora de colocar a teoria em prática”. Com a expansão da cultura norte-americana, o pragmatismo influenciou outras culturas.

Tudo isto teve início no século XIX.

Os movimentos missionários tiveram origem nas nações industrializadas, especialmente na Inglaterra. As raízes deste pioneirismo inglês podem ser traçadas na Revolução Inglesa e na ditadura puritana. Que forjou uma teologia mais piedosa, onde a conversão ocupou um grande espaço. A Igreja oficial ligava a filiação mais ao nascimento, enquanto que os movimentos separatistas ligavam a filiação eclesiástica a conversão de mente e coração a doutrina bíblica.

O racionalismo francês dos séculos XVII e XVIII havia prejudicado a Igreja Católica e a Revolução Francesa cortou definitivamente o sustento financeiro das missões católicas. Na América Latina, os movimentos de independência, influenciados por este racionalismo, consideravam a Igreja oficial como um baluarte de um regime superado e opressivo.

O protestantismo, por outro lado, crescia. Os reavivamentos evangélicos do século XVIII que começaram na Inglaterra com George Whitefild e com os irmãos John e Charles Wesley, desempenharam papel importante do despertamento de líderes e leigos cristãos para a responsabilidade de evangelização mundial. Foram criadas para cumprir este papel evangelizador, diversas sociedades missionárias. Que eram, às vezes, ligadas as igrejas oficiais, como também a voluntários despertados pelas pregações evangélicas.

Por mais importantes que o despertamento evangélico e as novas sociedades missionárias fossem para a difusão do evangelho no mundo, sem a existência de tendências seculares, a causa missionária na África teria sido encurtada.

Tanto o colonialismo como a industrialização, tiveram efeitos de longo alcance na expansão do cristianismo. A Revolução Industrial havia proporcionado novo poder a Europa e com ele veio o impulso de conquista. O colonialismo e o imperialismo estavam prestes a tornar-se regra aceita de governo e como tal tiveram bastante impacto nas missões.

O laço íntimo entre o colonialismo e as missões levou muitos historiadores a acusarem os missionários de serem instrumentos do imperialismo. Os missionários, em muitos casos, foram agentes de opressão e conquista. Outros precederam a conquista e prepararam terreno para a dominação estrangeira. Os missionários em toda parte acolhiam alegremente quaisquer privilégios que um poder colonial amigável lhes concedesse.

Apesar deste relacionamento, muitas vezes íntimo demais, os missionários e os imperialistas por vezes entravam em conflito. Algumas potências coloniais preteriram os missionários, para favorecer o crescimento do Islã. O domínio colonial patrocinou a educação islâmica e proibiu a chegada do missionário cristão.

A associação entre eles, missionário e colonizador, raramente era harmoniosa. A relação entre as missões e a expansão colonial é complexa demais para aceitarmos respostas simplistas de ambos os lados. Se as missões se associam com a ascensão do imperialismo, elas igualmente se acham ligadas aos fatores que precipitaram a sua destruição.

Os esforços missionários protestantes neste período abriram caminho para o estabelecimento do governo democrático, escolas, hospitais, universidades e fundamentos políticos para as novas nações.

Embora este progresso social fosse valioso, ele não se realizou sem a introdução da cultura ocidental, acompanhada em alguns casos por uma destruição quase total das tradições e costumes nativos. A medida que os missionários se espalhavam pela África, eles levavam consigo uma cultura eivada de novos e estranhos conhecimentos.


Algumas observações finais

A África tem um longo passado cristão, que preparou o continente para a evangelização do século XIX. hoje a África participa do ativamente do movimento missionário. Não somente como receptora de missionários, mas como enviadora.

A ascensão das igrejas independentes africanas, contribuiu para a indigenização da mensagem bíblica. Os africanos não se sentem menos africanos por serem cristãos, mas entenderam o cristianismo como elemento importante de sua cultura, assim como o Islã e as religiões tradicionais.

A participação de líderes cristãos no movimento de independência dos países africanos demonstram que a fé não exclui uma visão crítica da realidade.

A África sofre muito, com guerras, fome e doenças. E geralmente é esta a única imagem que o ocidente conhece de lá. Mas ledo engano, neste continente encontra-se um povo forte, culturalmente rico e com uma história fantástica.

O cristianismo é um elemento desta realidade. Que como toda realização humana, carrega consigo uma ambigüidade, contudo ele contribuiu para o crescimento e engrandecimento do continente.


 


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