A Necessidade da Morte

por

Gerard Van Groningen

 


Houve três eventos históricos à época da libertação de Israel e saída do Egito quando a morte tornou-se uma realidade necessária. Para se entender a razão pela qual é correto falar da necessidade da morte, é necessário lembrar da declaração de Deus Yahweh antes da queda: “porque no dia em que você comer dela, morrendo você morrerá ou certamente morrerás” (Gênesis 2.17). O comentário do Novo Testamento que explica esta declaração do Antigo Testamento é: “O salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23). [47] Deus Yahweh havia deixado claro para Adão e inspirou Paulo a entender muito bem o que havia pretendido comunicar. Desobedecer a este comando, rejeitar seu modo de vida, afastar-se da sua comunhão de amor, traria o resultado inevitável da morte. E, como discutido previamente, a morte deve ser entendida adequadamente neste contexto. [48] Refere-se, especificamente, à separação de Deus Yahweh, a única fonte de vida e amor, para uma cessação eventual da vida animada (i.e., respiração e circulação sangüínea iriam cessar, fazendo com que o corpo físico se deteriorasse e voltasse ao pó). Adão e Eva imediatamente experimentaram a realidade da morte espiritual: sua separação de Deus Yahweh e a quebra da comunhão íntima com ele. Eles não experimentaram imediatamente a realidade da morte física uma vez que Yahweh deteve isto deles e, assim, eles foram capazes de serem restaurados para a vida espiritual e comunhão através da iniciativa de Deus Yahweh. O efeito certo do pecado, no entanto, sempre permaneceu: separação de Deus e a separação dos aspectos internos e externos da pessoa humana. O primeiro poderia e seria dominado através da experiência real da morte espiritual, isto é, separação de Deus por alguém aceitável a Deus como um substituto. Deus Yahweh proveu para esta experiência de morte, enviando seu Filho para morrer como um substituto para os pecadores arrependidos, confessos e crentes.

Os três eventos nos quais a morte teve um papel importante são a morte dos primogênitos do Egito, a morte do cordeiro pascal, e a morte dos perseguidores egípcios.

Os filhos primogênitos do Egito, tanto os nascidos da nobreza como os de escravos, morreram quando o último ato de julgamento contra o Egito foi requerido por Deus Yahweh. Os primogênitos do Egito deveriam morrer por causa do pecado persistente e da rebelião de Faraó, demonstrados especificamente em sua recusa em despachar Israel do Egito, o primogênito de Deus Yahweh (Êxodo 4.22). A razão pela qual Yahweh se referiu a Israel como seu primogênito deve ser entendida. Israel foi escolhido por Deus Yahweh para servir como seu representante privilegiado e amado entre todas as nações da terra. Ser o primogênito de Deus Yahweh era ser agente específico pactual profético sacerdotal e real em nome do Rei cósmico Yahweh. Através do primogênito, o programa de reino de Deus Yahweh seria executado e seus propósitos e metas alcançados. [49] No entanto, Faraó se recusou a reconhecer o reinado soberano de Deus Yahweh sobre o Egito como também seu relacionamento específico com Israel e seus propósitos para ele. Faraó assumiu prerrogativas que somente Deus Yahweh poderia reivindicar justamente. Ele apresentou-se como o governador soberano; seu filho mais velho, como o filho sucessor dos deuses, iria controlar o destino de Israel. Consequentemente, o golpe desferido contra o primogênito de Faraó, assim como o de todas as famílias egípcias, foi o golpe mais devastador que Faraó poderia receber. Significava que ele e seu filho mais velho não eram o que alegavam ser. Ele foi forçado a reconhecer que o Deus que podia passar sobre a terra e “ferir cada primogênito - de homens e animais” (Ex 12.12-29) [50] era, de fato, capaz de trazer julgamento sobre todos os deuses do Egito e seus agentes e filhos humanos. Assim, a morte de todo primogênito, a cessação efetiva de sua vida animada física, foi necessária para fazer Faraó perceber que ele não tinha a prerrogativa de manter e controlar o agente pactual eleito de Deus Yahweh entre as nações. Esta separação dos machos mais velhos das famílias foi uma conseqüência direta da separação espiritual de Faraó de Deus Yahweh (assim como do povo egípcio) como evidenciado pela sua rebelião de coração endurecido contra Deus Yahweh e sua rejeição a ele.

O primogênito de Israel também foi considerado parte da população egípcia. Estes primogênitos também estavam sob a ameaça de morte física. Deveria ser entendido que ninguém que vivia no Egito egípcio, israelita ou membros de outras nações poderia esperar ficar isento da ameaça de morte. Ninguém poderia ser considerado justo, pelos seus próprios méritos, diante de Deus Yahweh. Por esta razão, para que todos os primogênitos de Israel continuassem vivendo, deveriam ser protegidos da morte por um sinal divinamente imposto a saber, o sangue no portal da casa em que viviam (Ex 12.7). Para que o sangue servisse como sinal, a vida tinha que ser confiscada. Um tipo especificamente prescrito de cordeiro tinha que ser abatido para se obter seu sangue. [51] A carne tinha que ser comida por todos que participariam na libertação que aconteceria depois da morte dos primogênitos egípcios e da continuação da vida dos primogênitos de Israel. Yahweh também mandou que os cordeiros pascais fossem abatidos anualmente por toda a história de Israel a fim de que o dom da vida e da liberdade da escravidão física e espiritual do Egito fossem lembrados (Ex 12.14-20).

O terceiro evento no qual a morte ocorreu foi no mar (Ex 14.21-28). Os israelitas, no seu caminho até Canaã através do deserto, foram guiados por Yahweh para a margem oeste do mar onde foram “encurralados entre o deserto e o mar”. [52] Deus Yahweh sabia que Faraó não estava completamente submisso a ele; assim, seu coração foi endurecido mais uma vez (Ex 14.4, 8). Ele enviou seu exército para perseguir, capturar e fazer com que os israelitas voltassem para a escravidão. Deus Yahweh deu aos israelitas uma rota de escape miraculosa [53] que se tornou uma armadilha mortal para o jactante exército egípcio, seus oficiais, cavalos, carruagens e tropas. O texto é misterioso e realístico: “nenhum deles sobreviveu” (Ex 14.28). Faraó, pessoalmente, e todo o Egito não foram somente humilhados em submissão, eles tiveram que perceber que estavam completamente vencidos; toda a habilidade de exercer o poder e a influência estava removida. Assim, o agente e servo representativo terreno do reino parasita satânico foi totalmente derrotado. A semente de Satanás foi esmagada. E, neste esmagamento por morte, a vida e a liberdade foram dadas com garantia aos israelitas em fuga.


NOTAS:

[47] - Comentaristas e teólogos do Antigo Testamento, como regra, não tem discutido a morte e sua relação com o pecado em muitos, se é que com algum, detalhes. Eichrodt (Theology) pode ser tomado como um exemplo. No vol. 1, existem umas poucas referências à pena de morte (77-79); no vol. 2 existem referências à morte em sua discussão de nepes (136); sheol e túmulo (210-33); a lei (259); pecado, sua origem, conseqüências, e sua remoção (400-83). Suas declarações são gerais: por exemplo, “A vida é um dom de Deus sobre a qual, os homens não tem controle” (497); “Deus retira o fôlego da vida” (244); “a morte não quebra a comunhão [de Deus] com [o crente]” (259); e “a morte, como resultado do pecado, é tratada de forma ambígua” (406).

[48] - Ver a discussão no capítulo do livro.

[49] - Van Groningen, Messianic Revelation, 218-21 (Revelação Messânica, LPC). Ver também Keil e Delitzsch, Pentateuch, 1:457-58.

[50] - Cassuto corretamente lembra seus leitores de que os primogênitos dos animais, aos quais um caráter divino era atribuído, também deveriam morrer e, assim, seria mostrado que todos os deuses do Egito estavam sujeitos a Deus Yahweh (Exodus, 133).

[51] - Ver Van Groningen, Messianic Revelation , 221-25 (Revelação Messiânica , LPC).

[52] - Israel estava entre o deserto que estava a leste do Nilo mas a oeste do Mar Vermelho; assim, Israel ainda estava em território egípcio.

[53] - Childs reviu a discussão iniciada por Noth em que ele declarou que a travessia do mar estava no coração da tradição do êxodo que, Noth sugeriu, não estava conectada com a Páscoa e nem com as tradições das pragas. No entanto, Childs vê alguma conexão, mas as soluções sugeridas aos problemas levantados pelos escritores que postulam uma variedade de fontes para as “tradições do êxodo”, não são de grande ajuda. Aparte dos materiais de Êxodo atribuídos às várias fontes, ele acha que a linguagem mitológica da “batalha do mar e da travessia do Mar Vermelho foi influenciada pela travessia do rio Jordão”. Finalmente, Childs também acredita, incorretamente, que um papel eventualmente dado à Páscoa no culto de Israel “afetou fortemente a figura da tradição do mar” ( Exodus , 221-24).

A explicação de Willem H. Gispen é fiel às Escrituras. Ele escreveu que o relato da travessia através do Mar Vermelho é, de um ponto de vista literário, um dos mais belos nas Escrituras. Essa travessia do mar foi, de fato, uma realidade nacional e espiritual da mais alta ordem e prefigurava a grande vitória obtida no Calvário para o povo de Deus. Gispen adicionou que nenhum argumento bem fundamentado pode ser colocado contra a historicidade deste evento miraculoso. Ver Exodus Korte Berklaring der Heilige Scrift (Kampen: Kok, 1951), 145.

 


Fonte: Criação e Consumação - Volume 1. Gerard Van Groningen. Editora Cultura Cristã.


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