As Boas Obras

por

Reverendo Sérgio Ribeiro Santos




Introdução

Jesus Cristo disse: “Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto (Jo. 15:6). Com estas palavras, o mestre nos ensinou que a nova vida é evidenciada através dos seus frutos. As doutrinas da graça, longe de ensinarem um cristianismo apático e meramente teórico, nos estimula a ação. Temos a promessa de que o Filho trabalhará por nosso intermédio. Seremos instrumentos de Jesus Cristo, logo é natural que os frutos seja evidentes (Lc. 6:43-44).

Esses frutos também são chamados nas Escrituras de “boas obras” . Vejamos com mais detalhes o que são boas obras.


I - O que são boas obras

As boas obras são todo o cumprimento da vontade de Deus. Tudo aquilo que ele nos pede em sua palavra. Sejam preceitos que regulam a nossa conduta como indivíduos diante de Deus, em relação ao próximo ou à sociedade em geral.

1 - São provenientes da fé

Quando falamos de boas obras, precisamos ter em mente que nem tudo o que costumamos chamar de boas obras, na realidade o são segundo critérios bíblicos. Podemos fazer muitas coisas que tenham uma boa aprovação social. Os ímpios inclusive também o fazem (Mt. 7:11; Rm. 2:14). Porém, a questão é, qual o princípio que nos leva a praticar boas ações? Quais os requisitos para que elas sejam consideradas boas obras diante de Deus? Pois a própria Bíblia afirma que os nossos melhores atos são considerados como “trapo da imundícia” (Is. 64:6). Se esta é a nossa situação e todas as nossas ações estão contaminadas pelo pecado, e não há ninguém bom sobre a terra (Sl. 14:1-3; Mt. 19:7; Rm. 3:10-12), como elas podem ser consideradas boas obras?

A resposta está em Hebreus 11:6 onde lemos que “sem fé é impossível agradar a Deus” . Isto significa que os nossos atos de justiça ou as nossas boas obras, elas são aceitas diante de Deus, porque elas foram santificadas pelo sacrifício de Cristo Jesus. O sacrifício de Jesus também é a base para que não somente eu, como também as minhas obras sejam aceitas diante de Deus. Por isso, ele mesmo disse: ”sem mim nada podeis fazer” (Jo. 5).


2 - São para a glória de Deus

Outro princípio que devemos avaliar para sabermos se estamos ou não praticando boas obras, são as nossas intenções. Jesus advertiu severamente aos seus discípulos para que se guardassem de “exercer a justiça diante dos homens, como o fim de serdes vistos por eles” (Mt. 6:1) e também para que não fizéssemos nada pensando em recompensa (Mt. 6:3). O que nos deve motivar à práticas das boas obras é nosso desejo de obedecer a Deus, que o seu nome seja glorificado (Mt. 5:16) e que seu reino seja estabelecido. “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co. 10:31).

Contudo, é importante salientar que mesmo trabalhando sempre para a glória de Deus, ele prometeu nos recompensar de uma forma justa no dia do seu juízo (Ec. 12:14; Mt. 16:27; 1 Co. 15:58; Hb. 6:10; 1 Pd. 1:17; Ap. 14:13; 22:12).


II - Chamado para as boas obras

1 - Evidência da salvação

Nós não somos salvos pelas nossas boas obras. Aliás, para que elas sejam boas, elas precisam brotar de um coração regenerado, precisa ser fruto de fé. Contudo, também não fomos salvos para a inatividade (Mt. 3:8-10; 7:16-20; 12:33; 13:8; Lc. 3:8-9; 6:44; At. 2:10; Rm. 6:22; Cl. 1:10; 2 Ts. 2:16-17; 1 Tm. 2:10; 5:10; 2 Tm. 2:21; 3:17; Tt. 1:16; 2:7, 14; 3:8, 14; Hb. 10:24; Tg. 2:17; 1 Pd. 2:12)


III - Obras de caráter pessoal

Por obras de caráter pessoal queremos somente reforçar aquilo que aprendemos quando estudamos sobre santificação. São aquelas obras que tem a ver com o meu relacionamento com Deus. Podemos descrevê-las através das palavras do apóstolo Paulo: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei.” (Gl. 5:22-23). Isto também inclui a minha vida de oração e o estudo da palavra de Deus.

Porém, a Bíblia nos ensina que não somos ilhas. Somos membros de um mesmo corpo (Rm. 12:5) e devemos cooperar em favor uns dos outros “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço” (Ef. 4:12). A pergunta que nos fazemos é, onde se dá o desempenho deste serviço e qual serviço é este? Será somente o evangelismo? Creio que não? Jesus Cristo, como rei sobre todas as coisas, deseja que sejamos agentes transformadores numa sociedade corrompida e que através do nosso viver o seu reino seja proclamado. Isso inclui todas as áreas da nossa vida. Portanto, o local do nosso “serviço” é o nosso trabalho, a política, o meio-ambiente, a família, a igreja, ou seja, cada local onde as leis do nosso Senhor Jesus Cristo precisam ser obedecidas. Por isso, podemos falar de obras de caráter social.


IV - Obras de caráter social

Anthony Hoekema (1913-1988), teólogo reformado, escreveu:

“Somos santificados não apenas como membros do corpo de Cristo, mas como cidadãos do Reino de Deus. O reino de Deus é o seu reinado sobre todo o universo criado, dinamicamente ativo da história humana através de Jesus Cristo. Estar sujeito a esse reino significa obediência a Deus em cada área da vida.” [1]

 

Estas palavras ecoam o ensinamento de Jesus quando ele dirigiu-se aos cidadãos do reino com as seguintes palavras:

“Vós sois o sal da terra (...) Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.” (Mt. 5:13-16)

Este ensinamento nos mostra que temos uma responsabilidade social muito grande, principalmente por que ela é produzida pelo motivo certo: a glória de Deus, e é fruto da nossa fé em Jesus Cristo. Porém , antes de prosseguirmos, precisamos fazer algumas considerações para que não percamos o foco de como deve ser o envolvimento social da igreja evangélica.


1 - Não confundirmos Igreja com Estado

É comum os ativistas sociais apelarem para os profetas do Antigo Testamento buscando argumentos para o seu trabalho social. É verdade que eles denunciaram a injustiça e a opressão. Porém, não podemos nos esquecer de que na nação teocrática de Israel, estado era igreja e igreja era estado. Com isto não queremos dizer que não devamos ter uma mensagem profética contra estes abusos. O que queremos enfatizar é que na nova dispensação há uma diferença bem definida entre igreja e estado. Devemos denunciar e chamarmos os nossos governantes a juízo, nos posicionando quando necessário. O que não podemos fazer é assumir o papel do Estado. A igreja deve preparar bons cidadãos, para que contribuam com a formação de um bom Estado e não assumir a responsabilidade deste.


2- O modismo

Este é outro perigo. De tempos em tempos somos acometidos por modismo, e a igreja também está sujeita a isto. O terceiro setor tem sido amplamente discutido. Debate-se muito sobre a responsabilidade social. Porém, devemos trabalhar, não movidos por modismos e sim pelas motivações corretas. Proclamar a glória de Deus, expressando assim a nossa fé em Jesus Cristo. Se assim fizermos, os modismos virão e irão, mas nunca abandonaremos o nosso trabalho e sempre teremos uma perspectiva cristã correta do mesmo.


3- Não perdermos de vista as prioridades

É importante e necessário o nosso envolvimento social, porém a Bíblia nos dá algumas prioridades quanto ao exercício do mesmo. O povo de Israel deveria se preocupar com os estrangeiros em seu meio (Lv. 19:10, 33-34; 23:22; 24:22; 25:6). Jesus louvou a fé da mulher cananéia que desejou comer das migalhas que caíam da mesa dos filhos de Israel (Mt. 15:27; Mc. 7:28) e Paulo nos exortou a fazermos o bem à todos (Gl. 6:9). Deus também manda chuva e sol sobre maus e bons (Mt. 5:45), concedendo fartura e alegria até mesmo aos pagãos panteístas (At. 14:17). Logo, se devemos amar e fazer o bem até mesmo aos nossos inimigos (Mt. 5:44), não deveríamos ajudar os nossos compatriotas, aqueles que passam fome, desabrigados, injustiçados e lembrarmo-nos dos encarcerados (Hb. 10:34; 13:1-3). Aliás, não seria a pregação do evangelho o maior bem que poderíamos fazer a alguém? Não é este o maior tesouro que possuímos e é justamente este que temos que repartir? Porém, a Bíblia nos orienta a antes de sair e ajudar os estrangeiros, lembrarmo-nos dos da nossa casa, os da família da fé. Devemos ser diligentes no auxílio tanto aos de fora, como aos da própria igreja, aos nossos irmãos, os quais o Senhor chama de pequeninos (Mt. 10:42; 11:25; 18:6; 25:40, 45; Mc. 9:42 Lc. 10:21). [2]

“E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não desfalecermos. Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé (Gálatas 6:9-10).

Creio que é muito mais fácil nos envolvermos com os de fora, dos quais podemos nos desligar quando quisermos, do que nos envolvermos com nossos irmãos, o que exige compromisso. Porém, é exatamente este envolvimento que a Bíblia recomenda (Tg. 2:15-16; 1 Jo. 3:16-17). Vejamos, então, quais áreas podemos nos envolver, frutificando em boas obras.

3.1 - Ação social - A igreja, quando possuir condições para tal, ela pode e deve se envolver na ação social. Temos diversos exemplos bíblicos de como, tanto indivíduos como igreja se envolviam nesta tarefa (At. 9:36; 2 Co. 9:8-11; 1 Tm. 6:17-18; Tt. 3:14; Hb. 10;24; Tg. 2:14-17). Isto pode ser feito de duas formas:

a - envolvimento pessoal – Não precisamos de uma instituição organizada para ajudarmos aos pobres. Tal como Dorcas (At. 9:36), podemos nos envolver pessoal e informalmente nesta tarefa.

b - envolvimento organizacional – Podemos também, como igreja, desenvolver alguma atividade organizada, com pessoas devidamente preparadas para tal, a fim de atender alguma necessidade da sociedade local. É importante que cada cristão reconheça a sua vocação e seus dons, para que não tenhamos frustrações ou problemas administrativos nestes tipos de trabalhos.

3.2 – Política - É comum ouvirmos que política não é para crente. Infelizmente, os exemplos que temos no nosso país e também fora dele, tem contribuído para a construção de uma imagem negativa quanto a política. Cremos que o problema não é a política em si e que nem todos os políticos são corruptos. A Bíblia nos ensina que toda autoridade é instituída por Deus e que o governo é uma instituição divina (Rm. 13:1; 1 Pd. 2:13-14). O amor ao próximo, a luta pela justiça social e pela verdade são uma tônica tanto nas pregações dos profetas do Antigo Testamento (Sl. 82:3; Pv. 4:31; 19:17; 21:13; 29:7; Is. 3:15; 6:18; Am. 5:24; 8:6; Mq. 6:8) como nos ensinamentos de Jesus Cristo e seus apóstolos (Mc. 12:31; Lc. 18:22; At. 24:17; Rm. 13:10; 15:26; Gl. 2:10; 5:14; Ef. 5:9; Fl. 1:11Tt. 2:25; 3:1, 18; 5:1, 4). Fomos chamados não somente para ficarmos enclausurados nas nossas igreja, fazendo do cristianismo uma seita sectária, mas sim, sermos sal da terra e luz do mundo.

Não precisamos de políticos cristãos, e sim de cristãos, que, ao possuírem vocação política, lutem pela justiça, pela verdade e pela justiça social (Mq. 6:8).

3.3 – Ecologia - Quando Deus criou o homem, ele ordenou-lhe que sujeitasse, dominasse, cultivasse e guardasse a terra e tudo o que ela continha (Gn. 1:28; 2:15). Isto significa que deveria haver um trato responsável para com as coisas criadas, como bons mordomos de Deus. Inclusive a Bíblia refere-se ao cuidado para com os animais como expressão de uma vida justa e piedosa (Pv. 12:10). Este cuidado refletia-se nas próprias leis do povo de Israel (Dt. 22:6). Logo, os cristãos, pelos motivos certos deveriam ser os primeiros ecologistas.

3.4 – Estudo - É notório a importância que a Bíblia dá ao estudo desde a criação. Lemos que Jesus crescia em graça e sabedoria, diante de Deus e dos homens. Como cristãos, aos invés de desprezarmos os estudos, devemos lutar para que eles sejam a cada dia melhor aplicados e nós dedicados a eles.

3.5 – Saúde - Infelizmente no nosso país o sistema de saúde é muito precário. Devemos trabalhar para que haja melhora neste sentido. Ao contrário “dos curandeiros” que há a nossa volta, Jesus valorizou os médicos e o apóstolo Paulo tinha um a sua companhia (Lucas). Apliquemos este princípio cuidando da nossa própria saúde que é presente de Deus e nos empenhemos para que ela melhore a cada dia no nosso país.


Conclusão

Poderíamos ainda discutir sobre muitos aspectos sociais das boas obras, mas podemos encerrar este tópico com as palavras do Dr. Hoekema:

“Concluímos que a santificação não é completa sem a preocupação social. A santificação significa que devemos promover a justiça para todos, através da legislação, da ação política e através da mídia. Devemos nos opor a toda forma de injustiça: racismo, opressão de minorias, o tratamento dos trabalhadores como se fosse máquinas e não gente, etc. Santificação significa oposição à demanda pelo aborto, pois causa a morte de milhões de potenciais portadores da imagem de Deus. Santificação significa preocupação com a educação das crianças; isso implica não só o estabelecimento e manutenção de boas escolas cristãs, mas o cuidado com o bem estar das escolas públicas.

Crescer em santificação requer preocupação com o ambiente – usando nossa influência para se opor à poluição do ar e da água, ao corte irresponsável das florestas, etc. Isso significa sofrer pela fome mundial e trabalhar pelo alívio da pobreza. Significa envolver-se na luta contra as drogas, na reabilitação de drogados e na restauração dos alcoólicos. Isso inclui a preocupação com melhores prisões e por programas de redução do crime. Significa diligência na obra pela paz mundial e o fim da desastrosa corrida armamentista nuclear.” [3]


NOTAS:

[1] - Anthony Hoekema, Salvos pela graça, p. 235, São Paulo, 1997, Editora Cultura Cristã

[2] - Em alguns textos Jesus chama as crianças de pequeninos (Mt. 18:10; 19:14; 21:16; Mc. 10:14; Lc. 18:16), mas neste caso em específico, Jesus se refere aos seus discípulos.

[3] - Anthony Hoekema, Salvos pela graça, p. 237, São Paulo, 1997, Editora Cultura Cristã

 



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