Orando pelo Espírito

por

Vincent Cheung




“Pois por meio dele tanto nós como vocês temos acesso ao Pai, por um só Espírito” (Efésios 2.18)

A Bíblia ensina que devemos orar por intermédio do Filho, ao Pai, através do Espírito. Mas nem todos têm o Filho (1 João 5.12), e nem todos têm o Espírito (Romanos 8.9); logo, nem todos podem orar ao Pai. É importante compreender a relação entre a oração e a exclusividade do Cristianismo, pois se nem todos têm acesso a Deus, então aquele que ora mais adequadamente tem uma percepção correta acerca do que e de quem ele é perante Deus. Ele ainda é um inimigo de Deus, ou Deus mudou seu coração e deu-lhe a dádiva da fé para abraçar o evangelho?

A exclusividade do Cristianismo continua a ser importante e relevante para o cristão, uma vez que ele deve reter um senso de gratidão e reverência pelo fato de ter sido escolhido para aproximar-se de Deus: “Bem-aventurado aquele a quem escolhes e aproximas de ti, para que assista nos teus átrios; ficaremos satisfeitos com a bondade de tua casa – o teu santo templo” (Salmos 65.4). Antes do que ter a arrogante e tola atitude de que Deus deveria agradecer ao homem por crer no evangelho, o indivíduo humano deve desenvolver sua nova vida “em temor e tremor”. (Filipenses 2.12-13), ciente de que é aceito na presença de Deus somente por causa do Seu prazer e discrição.

O cristão não fez nada para merecer a salvação, e em si mesmo não é melhor do que o não-cristão, que será condenado ao castigo eterno no inferno. Assim, o cristão não pode se vangloriar de nada, seja pelo seu bom senso em escolher a Cristo, visto que Cristo diz “Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi” (João 15.16), seja pela sua superioridade moral, visto que “Como os outros, éramos por natureza merecedores da ira” (Efésios 2.3). Assim, portanto, que aquele que se gloria não glorie-se em si mesmo, mas glorie-se no que Deus fez por ele em Cristo (1 Coríntios 1.31).

O cristão em si não era intelectualmente e moralmente superior ao não-cristão. Mas não faça confusão neste ponto – uma vez que Deus o muda e salva, o cristão é de fato intelectual e moralmente superior. Falsa humildade e ignorância bíblica podem justificar a negação desse ponto por muitos crentes, mas a Bíblia ensina que somos iluminados e santificados em Cristo, e que o nosso crescimento espiritual envolve acréscimo em conhecimento e santidade. Também, a Bíblia chama os descrentes de tolos e perversos em contraste com aqueles que têm sido mudados por Deus através de Cristo.

Se você não tem sabedoria superior, como Deus define sabedoria, então você não tem sido iluminado; se você não tem um caráter superior, como Deus define caráter, então você não tem sido transformado. Logo, se você não é intelectual e moralmente superior aos descrentes, então Deus não fez nenhuma obra em você, e você não é nem mesmo um cristão. Negar que os cristãos são intelectual e moralmente superiores aos não-cristãos é contradizer a Escritura e insultar a obra de Deus.

O Espírito Santo dá aos cristãos acesso a Deus, tornando possível a oração. Mas ele nos auxilia também em outro aspecto:

Da mesma forma o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações conhece a intenção do Espírito, porque o Espírito intercede pelos santos de acordo com a vontade de Deus. (Romanos 8.26-27)

Alguns dos gregos compreenderam as nossas limitações quando diz respeito a orar, chegando a conclusões similares sobre esse ponto: “Pitágoras proibiu seus discípulos de orarem por si mesmos, porque, disse ele, nunca poderiam em sua ignorância saber o que lhes era conveniente. Xenófanes nos conta que Sócrates ensinou seus discípulos a tão somente orarem por coisas boas, sem tentar especificá-las, deixando Deus decidir no que consistiam essas coisas boas”. [29]

O cristão não está numa tal condição infeliz, uma vez que a Escritura revela um considerável nível de conhecimento sobre a vontade de Deus, por onde podemos deduzir muita informação para entender e interpretar nossas situações particulares. A Bíblia em si reivindica ser suficiente, o que significa que se você tem um conhecimento completo do seu conteúdo, e se segue plenamente o que ela ensina, nunca irá transgredir a vontade de Deus. É claro, ninguém tem um conhecimento completo da Bíblia, e ninguém a segue plenamente, e assim precisamos regularmente pedir perdão a Deus. O ponto é que a Bíblia em si contém informação suficiente, então quando falhamos em ter uma vida perfeita diante de Deus não podemos nunca dizer que isso acontece porque a Bíblia contém informação insuficiente (2 Pedro 1.3).

Isso dito, uma vez que com freqüência não sabemos tudo sobre uma situação, incluindo mesmo a nossa, e desde que não podemos conhecer todas as relações entre vários eventos e escolhas, algumas vezes não sabemos o que é o melhor para se orar em alguma situação. Podemos saber o que queremos quando isso envolve a nossa vida pessoal, porém mesmo neste caso não podemos saber se o que desejamos é sempre o melhor, ou se isso se conforma ao propósito específico que Deus tem para as nossas vidas.

Isso é simplesmente dizer que não somos oniscientes, e não que a Escritura provê informação insuficiente. Não é pecado falhar em conhecer tudo, mas aqui reside o problema prático de não saber o que orar. Isto é, não é uma questão de carecer da informação necessária para exercer a santidade, uma vez que a Escritura é de fato suficiente, mas é uma questão de incapacidade prática por causa de nossas limitações humanas.

O Espírito nos dá acesso a Deus, então podemos orar, mas nem sempre sabemos o que convém orar. Assim, Paulo diz, “o próprio Espírito intercede por nós com gemidos que não podem ser expressos em palavras”. O que isso quer dizer?

Primeiro precisamos esclarecer o que “gemidos que não podem ser expressos em palavras ” pode querer dizer. Se os “gemidos” representam pensamentos que são inexprimíveis por palavras, então isso parece ser impossível. Se as palavras são apenas sinais arbitrários que representam pensamentos, então em tese as palavras podem expressar qualquer pensamento. Por exemplo, “X” pode ser uma palavra representando absolutamente qualquer tipo de pensamento. Não importa quão profundo é um dado pensamento, se uma mente pode executá-lo, então as palavras podem expressá-lo. De fato, “X” pode designar uma proposição na sua totalidade ou mesmo todas as proposições de um livro; logo, em si mesmas as palavras sempre são adequadas para expressar qualquer tipo de pensamento.

Porém se os “gemidos” não representam pensamentos e não têm em vista originar pensamentos em outra mente, então não se pretende tê-los de fato como veículos de expressão, e assim “não podem” parece inaplicável para a comunicação verbal. Isto é, seria um erro categórico o verso realmente dizer que alguns pensamentos não podem ser expressos em palavras, uma vez que todo tipo de pensamento pode ser expresso em palavras. E qualquer coisa que pode ser expressa deve ser em pensamentos ou de forma que gere pensamentos em outra mente. De outro modo a transação não pode ser corretamente chamada de comunicação. O versículo deve ser traduzido ou compreendido de outra forma. Ou quem sabe este versículo queira dizer que não temos clareza intelectual ou capacidade de colocar esses gemidos em palavras, porém não se está dizendo que as palavras em si mesmas, ou a linguagem em si mesma é deficiente na expressão de pensamentos.

Seja como for, devemos rejeitar a noção popular que a linguagem é inerentemente incapaz de expressar muitas coisas. Isto não é nada mais que um preconceito antiintelectual. O que foi dito acima mostra que qualquer limitação na expressão deve referir-se à mente e não à linguagem em si.

No entanto, se Paulo está realmente dizendo que o Espírito provê uma solução à nossa limitação por meio de “gemidos que não podem ser expressos em palavras ” como que justificando uma limitação da linguagem em si na expressão dos pensamentos, então o meu argumento deve estar errado e não devemos levar adiante a interpretação da passagem, mas precisamos aceitar que há de fato uma limitação inerente na linguagem. Porém uma análise cuidadosa revela que não precisamos chegar a tal conclusão. Douglas Moo sustenta que o termo traduzido “que não pode ser expresso em palavras” na NVI aparece somente aqui no grego bíblico, e o sentido encerrado na sua etimologia é mais adequadamente transmitido como “indescritível” ou “inexprimível”. [30] Da mesma forma, Thomas Schreiner escreve, “ele representa muito mais adequadamente ‘sem fala', a ausência de qualquer vocalização”. [31] Independentemente do que for entendido por “gemidos”, não se trata de pensamentos que se queira transmitir em palavras; portanto, o verso não diz que existe algum tipo de limitação inerente na linguagem em si no que se refere a dar expressão aos pensamentos.

Os gemidos não se referem a sons audíveis literais, mas são metafóricos. Encontramos amplo suporte a tal interpretação a partir dos versos que precedem a nossa passagem:

Considero que os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada. A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados. Pois ela foi submetida à inutilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra, recebendo a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Sabemos que toda a natureza criada geme até agora, como em dores de parto. E não só isso, mas nós mesmos, que temos os primeiros frutos do Espírito, gememos interiormente, esperando ansiosamente nossa adoção como filhos, a redenção do nosso corpo (Romanos 8.18-23)

Paulo descreve a tensão e a frustração que experimentamos por vivermos no presente imperfeito ainda que na expectativa do futuro perfeito. Aguardamos a consolidação da nossa salvação, outrossim “a redenção dos nossos corpos”. E assim, nosso “gemido” não é de uma natureza audível, mas uma metáfora para a tensão e a frustração que agora experimentamos. Que esse “gemido” é metafórico é ainda mais evidente quando vemos que, num sentido, a criação a um só tempo compartilha essa tensão e frustração, e “geme a um só tempo” conosco. Mas a criação em si mesma não é uma entidade racional, e não geme literalmente como uma mulher sofrendo “as dores do parto”. Assim, o “gemido” nesses versos representa uma ardente expectativa pelo cumprimento do plano de Deus, ao invés de um som audível.

Paulo escreve que, num sentido, o Espírito também geme pelo cumprimento da vontade de Deus. O versículo 26 diz “não sabemos o que devemos orar, mas o Espírito intercede por nós com gemidos que não podem ser expressos em palavras”. Uma vez que nem sempre sabemos o que orar, o Espírito intercede por nós com “gemidos” que não são expressos audivelmente. Mas o que significam? Qual é a natureza e o modo dessa intercessão?

Schreiner escreve o seguinte:

Esses gemidos não são audíveis. São os inexprimíveis anseios que surgem no coração de todo crente para fazer e conhecer a vontade de Deus. Que os gemidos surgem no coração dos crentes é sugerido pelo versículo 27, o qual diz que “Deus sonda os corações”. Isso é mais naturalmente entendido como se referindo ao coração dos crentes. Deus sonda o coração dos crentes e descobre anseios inexprimíveis para conformar suas vidas à vontade de Deus. O Espírito Santo toma esses gemidos e os apresenta diante de Deus de uma forma articulada. Muito embora os crentes não consigam especificar adequadamente suas preces a Deus desde que não conhecem suficientemente Sua vontade, o Espírito Santo traduz esses gemidos e os conforma à vontade de Deus. [32]

A passagem de fato sugere que os crentes “não sabem suficientemente a Sua vontade” [33], que o Espírito Santo faz algo a respeito disso, e que esse “algo” é relacionado aos gemidos mencionados. No entanto, discordo de Schreiner quando ele diz que esses gemidos estão “no coração dos crentes” como se fossem gemidos dos crentes, e que o Espírito transforma em orações aceitáveis a Deus.

Segundo Schreiner, o versículo 27 sugere que os gemidos procedem do coração dos crentes, pois é dito que “Deus sonda os corações”. Embora eu concorde que “corações” se refere aos corações dos crentes, discordo que o verso apóie a sua conclusão. Precisamos ler todo o versículo, que diz, “ E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos”. As palavras “aquele que sonda os corações” simplesmente identificam quem é “aquele” de quem falamos. As palavras seguintes nos dizem o que “aquele que sonda os corações” realmente faz – ele “sabe qual é a mente do Espírito”. Agora, o versículo 26 diz que o Espírito “intercede por nós”, e o versículo 27 diz que o Espírito “intercede pelos santos”, portanto é a oração do Espírito, e não a dos crentes, que esta passagem diz que Deus ouve.

Considerando um entendimento do contexto dessa passagem, isto é, ao menos dos versos 18-28, podemos parafrasear como segue: “Não sabemos sempre o que orar, mas o Espírito ora por nós inaudivelmente. Agora, ele que conhece os nossos pensamentos também conhece os pensamentos do Espírito; assim, embora o Espírito ore inaudivelmente, Deus ouve as orações que o Espírito faz por nós. E essas orações são eficazes, uma vez que o Espírito ora por nós de acordo com a vontade de Deus”. O motivo porque Paulo refere-se a Deus como quem “sonda os corações” pode ser que o Espírito é alguém que habita nos crentes, por onde Paulo de fato parece dizer “Ele que conhece os nossos pensamentos também conhece os pensamentos do Espírito que vive em vós”.

Douglas Moo chega a uma conclusão similar, e escreve:

Além disso, o mais provável é que os gemidos não são dos crentes, mas do Espírito… é preferível entender esses “gemidos” como a própria “linguagem de oração” do Espírito, um ministério de intercessão que toma lugar nos nossos corações de um modo imperceptível a nós . Logo, isso implica que os “gemidos” são de natureza metafórica… Acredito que Paulo está dizendo, então, que a nossa falha em conhecer a vontade de Deus e a conseqüente incapacidade de suplicar a Ele específica e confiantemente é encontrada pelo Espírito de Deus, que expressa Ele mesmo a Deus aqueles pedidos intercessórios que mais se harmonizam com a Sua vontade…

O versículo 27 leva adiante a discussão de Paulo sobre a intercessão do Espírito e sublinha a eficácia dessa intercessão. A razão dessa eficácia é a perfeita sintonia que existe entre Deus, “aquele que sonda os corações” e “a mente do Espírito”. Deus, que vê o interior da pessoa, onde o ministério de intercessão do Espírito residente toma lugar, “conhece”, “reconhece” e responde àquelas “intenções” do Espírito que foram manifestadas nas Suas orações em nosso favor. [34]

Tenho escutado muitos pregadores sustentarem que a nossa passagem não ensina que o Espírito ora por nós, mas que o Espírito nos ajuda a orar. Dizem que o Espírito não fará por você algo que se supõe que você faça por si mesmo, ainda que Ele o auxilie nisso. No entanto, isso envolve querer dizer que essa passagem não ensina que o Espírito ora por nós porque não pode ser verdade que o Espírito ore por nós. Porém uma vez que a passagem ensina que o Espírito ora por nós, isso significa que é verdade que o Espírito ora por nós.

Hebreus 7.25 assinala que Jesus Cristo “vive sempre para interceder” pelos crentes. Assim Ele tem um ministério de intercessão por onde ora pelos crentes, e esse ministério ocorre independentemente dos crentes. Além disso, ele ocorre no céu, e assim de fato é “imperceptível a nós”. O que a nossa passagem ensina é que o Espírito Santo também tem um ministério de intercessão. Esses pregadores perdem o foco da passagem, cuja verdadeira intenção é a de nos esclarecer que o Espírito tem um ministério de intercessão por onde Ele ora pelos crentes, e que essa é uma ação que ocorre independentemente dos crentes, de modo que também é “imperceptível a nós”.

Esses mesmos pregadores que escuto ensinariam que Cristo está intercedendo por nós, e não encontram conflito entre esse ministério de intercessão e a nossa responsabilidade pessoal de orar. Se reconhecemos que Cristo ora por nós, então é irracional insistir que o Espírito não pode também orar por nós, sobretudo porque a nossa passagem diz isso explicitamente. Cristo ora, o Espírito ora, e nós oramos – não há conflito entre esses três.

Jesus se refere ao Espírito como “outro Consolador” (João 14.16, ou “Advogado”). Que o Espírito deve ter um ministério de intercessão para o benefício dos cristãos é algo que fecha muito bem com o seu ministério de segundo Advogado, fazendo um paralelo com o ministério de Cristo como o primeiro Advogado. Cristo atua agora como o nosso Advogado no céu, e o Espírito atua agora como o Advogado residente no coração. Ambos oram por nós.

Tanto como o fato de Jesus Cristo ter um ministério de intercessão em nosso favor não nos impede ou desencoraja a orar, o fato do Espírito também ter um ministério de intercessão em nosso favor não nos deve impedir ou desencorajar de orar. Pode ser verdade que o Espírito nos ajuda a orar, mas a passagem considerada está dizendo que Ele próprio ora a Deus por nós, e uma vez que as suas orações estão sempre em concordância com a vontade de Deus, são sempre eficazes, e isto é algo que vamos analisar mais adiante neste capítulo.

Outra interpretação contrária da nossa passagem é que os “gemidos que não podem ser expressos em palavras” se referem ao falar em línguas. Uma vez que não sabemos sempre o que orar, o Espírito nos concederia palavras para falar numa língua que não conhecemos como que para contornar as limitações das nossas mentes. No entanto, se a nossa interpretação da passagem estiver correta, já eliminamos a possibilidade de Paulo estar se referindo a línguas. A nossa interpretação diz que é o Espírito que ora em “gemidos” inaudíveis de uma maneira que é imperceptível e está além dos crentes, mas essa descrição exclui as línguas de todo modo. Não se quer dizer com isso que a Bíblia não apóia o falar em línguas; se o faz ou não, esta passagem não parece ter línguas em foco.

Isto me faz levantar uma questão relacionada ao falar em línguas, embora não tenha relevância direta com a nossa passagem. Independentemente de considerarmos se o falar em línguas é algo para o presente, e independentemente de considerarmos o que ele faça, muitas pessoas que falam em línguas o fazem de um modo como que para evitar o esforço de passar pelas dificuldades de orar em inglês (ou na sua língua conhecida). Isto é, sempre que acharem difícil se expressar em inglês, ou sempre que acharem difícil prolongar suas orações, simplesmente começarão a falar em línguas, assim evitando passar por maiores esforços na oração. Como resultado, alguns aspectos importantes do seu crescimento espiritual são comprometidos.

Essa é uma crítica que Neil Babcox faz contra o falar em línguas. Embora ele seja da opinião que o falar em línguas não é para hoje, e ainda que esteja errado nisso, o que ele diz abaixo é aplicável:

Em nenhum outro momento somos tão conscientes da nossa fraqueza e deficiência do que quando nos ajoelhamos para orar… Diante de tal inaptidão espiritual, línguas podem tornar-se uma muleta. Por exemplo, quando me vi mudo e sem reação em Sua presença, poderia de longe mui rapidamente ter contrabalançado a situação orando em línguas. Também, quando oprimido por um senso de culpa e me sentindo alienado de Deus, teria sido muito mais fácil orar em línguas do que sondar o meu coração buscando o motivo dessa culpa. Mas o que seria tudo isso senão uma evasiva? Ao passo que antes podia evitar as dificuldades inerentes à oração recorrendo às línguas, agora me vi orando “Senhor, ensina-me a orar”. [35]

Há muitas razões porque você pode encontrar dificuldades quando ora em inglês, mas em quase todos os casos isso diz respeito a problemas na mente. Talvez os seus pensamentos são incertos; talvez você se distrai facilmente; talvez falte a capacidade de colocar os pensamentos em palavras; ou talvez a sua ignorância do ensino bíblico o impede de se relacionar com Deus de forma adequada. Seja qual for a razão, antes de desistir ou recorrer às línguas, você deve se empenhar para adquirir fluência na oração. E uma vez que a maioria dos problemas tem origem na mente, essa é a área que deve ser trabalhada por você. Peter Kreeft escreve, “A origem de um determinado ato humano é sempre interna, não externa. Por ‘um determinado ato humano' me refiro a alguém formulando uma questão, desenvolvendo um trabalho artístico, fazendo uma escolha moral, defendendo uma outra pessoa, ou se deleitando com a beleza da natureza – ou orando… Pois no pensamento é que se inicia a ação… O pensamento é o primeiro campo de batalha”. [36]

Embora o crescimento espiritual envolva muito esforço e muita luta, se temos um senso de direção e propósito, e se temos em mente o que fazer, então o esforço e a luta vão render bons frutos. O empenho penoso na oração não deve se dar em você forçar a si mesmo a orar ainda que não consiga fazê-lo direito, mas deve envolver o desenvolvimento de uma mente espiritual pela leitura e meditação. Se deseja orar melhor, então deve tornar seus pensamentos mais claros e ricos. Assim, as coisas mais importantes que você pode fazer a fim de aperfeiçoar a sua oração são o estudo teológico e a prática da meditação, que envolve muita leitura e reflexão. Por exemplo, você não será capaz de enriquecer a sua oração e adoração empregando dons divinos se você não os conhece. Oração e adoração eficazes dependem de conhecimento teológico. Assim, ler um livro de teologia sistemática coopera muito mais para aprimorar a sua vida de oração do que a leitura de um livro que trata especificamente de oração, mas cujo conteúdo é nitidamente pragmático, anedótico ou teologicamente superficial em algum aspecto.

Jesus em algumas ocasiões orou noites inteiras, do entardecer até a manhã (Lucas 6.12). O conteúdo da sua mente era muito rico e o seu conhecimento era muito amplo. Não podemos atingir o seu nível, mas podemos nos empenhar para melhorarmos. E o Espírito está envolvido nisso tudo – é ele quem nos provê conhecimento e entendimento, quem nos faz voltar e obedecer a palavra de Deus, e quem transforma o nosso pensamento e o nosso caráter com base na Escritura. Embora a nossa passagem não trate especificamente da forma que o Espírito nos ajuda na oração ainda que declare que o Espírito ora em nosso favor, outras passagens bíblicas nos asseguram que ele está aqui para nos ajudar em cada aspecto da nossa vida espiritual, incluindo a luta em orar melhor constituindo em nós uma base de maior conhecimento e mais profunda reflexão pelas coisas de Deus.

Paulo está falando do ministério intercessório do Espírito. Porque o Espírito sempre ora “segundo a vontade de Deus” (Romanos 8.27), suas orações são sempre eficazes. O verso 28 então descreve o resultado desse ministério efetivo: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”. [37] A HCSB é melhor: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus: daqueles chamados segundo o Seu propósito”. [38]

Embora Peter Masters tenha em foco outro tópico, o seguinte alerta contra o que ele chama de “falar pietista” também considera o mal uso de Romanos 8.28 feito pelos crentes:

Muitos cristãos têm considerado uma forma de pensar e falar que é altamente destrutiva à orientação genuína. Podemos chamá-la de falar pietista. Esses amigos freqüentemente atribuem toda sorte de eventos diários a intervenções diretas e especiais do Senhor, como se suas vidas fossem constituídas de pequenos milagres. Eles crêem que essa forma de pensar e falar é o que o Senhor deseja do Seu povo. Crêem que isso reflete uma gratidão e atitude espiritual. No entanto, essa tendência freqüentemente leva a alguma forma de “superstição” espiritual…

É significativo que quando crentes consideram o costume de um pensamento e falar pietista, tendem a enfocar… questões terrenas ao invés de espirituais. E mais importante, tratam-se geralmente de eventos favoráveis e não de eventos duros ou dolorosos. Temos escutado amigos dizerem: “O Senhor mandou um ônibus para mim esta manhã”, e, “O Senhor possibilitou que eu passasse no exame, pois eu realmente fui muito mal”. Outros comentários sobre as intervenções diretas do Senhor dizem respeito a ocorrências diárias, como o tempo, ou o Senhor impedindo os bolinhos de queimarem…

Não devemos ser levados a pensar que apenas coisas boas, terrenas e corriqueiras são exemplos da Sua providência. Por que deveríamos escolher as belas surpresas da vida e as coincidências como exemplos da obra de Deus nas nossas vidas? Por que não falar dos dias em que nada de mais notável aconteceu? Por que não falar das doenças e das ocasiões de fracasso? Acima de tudo, Deus comanda todas as coisas que acontecem aos Seus filhos. [39]

A relevância do que foi comentado acima para um correto entendimento de Romanos 8.28 está no fato que devemos considerar “bom” o caminho que Deus define, e não o caminho que gostaríamos nós definir. Na nossa passagem, Paulo procura nos dar uma perspectiva adequada pela qual interpretar as coisas que sofremos nesta vida. Ele diz no versículo 18, “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós”. Então, quando o versículo 28 diz que “todas as coisas cooperam para o bem”, as “todas as coisas” devem realmente incluir “todas as coisas”. Deveras, Romanos 9 diz que mesmo a criação e a destruição dos réprobos glorifica a Deus e edifica os cristãos.

Mas a ênfase principal em Romanos 8.28 parece estar no sofrimento. A maioria das pessoas reconhece isso mesmo sem atentar ao contexto da passagem, mas podem mesmo assim compreender mal o versículo se têm um entendimento falso de “bem”. Por exemplo, o verso não pode significar “Todas as coisas, sejam boas ou ruins, cooperam juntas para o seu bem – isto é, para torná-lo rico”. O “bem” no nosso verso não pode significar riquezas materiais, pois não é como Deus define “bem”. Jesus diz, “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui” (Lucas 12.15). Nem pode o verso significar “Todas as coisas, sejam boas ou ruins, cooperam juntas para o seu bem – isto é, para torná-lo popular”, pois Deus não define “bem” como popularidade.

Nossa resposta está no versículo 29, que diz que Deus nos predestinou para sermos “conformados à imagem de seu Filho”. Assim Deus define “bem” no verso 28 cuja função está em avançar a nossa santificação. À medida em que fracassamos em considerar as coisas espirituais, isso pode não ser o item principal na nossa agenda, Deus é grandemente interessado nisso, e trabalha todas as coisas – mesmo a vida dos outros e o destino das nações – para efetuar a nossa santificação. “Pois esta é a vontade de Deus; a vossa santificação… porquanto Deus não nos chamou para a impureza, e sim para a santificação” (1Tessalonicenses 4.3-7).

No entanto, não se quer com isso dizer que Deus não nos concede coisas agradáveis. No contexto da exortação às pessoas ricas, Paulo escreve que Deus “tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento” (1Timóteo 6.17). O ponto não é que Deus nos concede somente coisas agradáveis ou coisas desagradáveis, ou que somente certas coisas avançam a nossa santificação, mas sim que todas as coisas cooperam juntas segundo a providência e sabedoria de Deus para avançar o grande propósito da nossa santificação, que diz respeito ao nosso crescimento em conhecimento e em santidade (Colossenses 3.10; Efésios 4.24).

Mas então voltamos novamente à exclusividade do Cristianismo, pois todas as coisas cooperam juntas para o bem, não de todas as pessoas, mas somente “daqueles que amam a Deus” (v.28). Paulo escreve, “Se alguém não ama o Senhor, seja anátema” (1Coríntios 16.22). Já sabíamos por outros versículos que a ira de Deus permanece sobre os não-cristãos, e que não há escapatória do julgamento exceto por meio de Jesus Cristo.

Quem são então “aqueles que amam a Deus”? São aqueles que escolheram a Cristo por seu próprio “livre-arbítrio”? São aqueles que tiveram o bom senso e a capacidade moral de aceitar o evangelho? A Escritura diz que ninguém pode escolher a Deus se primeiro não tiver sido escolhido por Ele. Assim o verso diz que aqueles que amam a Deus são aqueles “que foram chamados segundo o Seu propósito”. Não é dito que se tratam daqueles que amam a Deus porque escolheram amá-lo a partir de suas motivações pessoais, mas que amam a Deus porque foram escolhidos por ele segundo o seu propósito. Aqueles que amam a Deus são aqueles que foram “convocados por preferência”. [40]

O resto da humanidade será “lançado no fogo e queimado” (João 15.6). No desígnio de Deus, eles servem para produzir um ambiente no qual os eleitos podem avançar na santificação, além de promover a glória de Deus pela sua destruição e condenação. Suas vidas não têm por elas mesmas um significado positivo. Muitos ficam horrorizados e ultrajados com esse Deus que é soberano, e que se atreve a exercer a sua soberania, mas “Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?” (Romanos 9.21).

NOTAS:

 

[29] — William Barclay, The Letter to the Romans (The Daily Study Bible Series) ; Westminster John Knox Press, 1975; p. 112.

[30] — Douglas J. Moo, The Epistle to the Romans (The New International Commentary on the New Testament) ; William B. Eerdmans Publishing Company, 1996; p. 524.

[31] — Thomas R. Schreiner, Romans (Baker Exegetical Commentary on the New Testament) ; Baker Books, 1998; p. 445.

[32] — Schreiner, p. 446.

[33] — Novamente, o que os crentes sabem de forma insuficiente não corresponde ao que a Bíblia revela suficientemente. Isto é, a nossa falta de conhecimento não contradiz a reivindicação da Escritura de conter informação suficiente, já que a Escritura não alega prover o que essa passagem diz que nos falta. Mesmo assim, eu sustentaria que se o nosso conhecimento da Escritura fosse completo, é duvidoso que muito, ou algo da falta de conhecimento a que se refere essa passagem fosse permanecer.

[34] — Moo, p. 526-527.

[35] — Neil Babock, My Search for Charismatic Reality ; The Wakeman Trust, 1985; p. 65-66.

[36] — Peter Kreeft, Prayer for Beginners ; Ignatius Press, 2000; p. 38-41.

[37] — Thomas Watson, All Things for Good ; The Banner of Truth Trust, 2001 (original: 1663).

[38] — Holman Christian Standard Bible ; Holman Bible Publishers, 2000.

[39] — Peter Masters, Steps for Guidance ; The Wakeman Trust, 1995; p. 119-122.

[40] — Richmond Lattimore, The New Testament ; North Point Press, 1996; p. 343.

 

 


Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts. http://www.rmiweb.org/


Extraído e traduzido de Prayer and Revelation, de Vincent Cheung, capítulo 3.

Traduzido por: Marcelo Herberts
03 de Setembro de 2005.


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