Oração e Transcendência

por

Vincent Cheung




No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (João 4:23-24).

Deus é um espírito transcendente. Ele existe numa forma mais alta do que a Sua criação. Embora isto seja verdade, Ele não está distante do Seu povo, visto que por Sua onipotência Ele é capaz de governar Sua criação e Se comunicar com as Suas criaturas. Todavia, Sua transcendência significa que Ele não é local. De fato, a Bíblia ensina que Ele é onipotente: “Para onde poderia eu escapar do teu Espírito? Para onde poderia fugir da tua presença? Se eu subir aos céus, lá estás; se eu fizer a minha cama na sepultura, também lá estás” (Salmos 139:7-8).

Que Deus é onipresente não significa que Ele ocupa todo espaço físico, pelo menos não no sentido que nós ocupamos todo espaço físico. Visto que “Deus é espírito” e não matéria, Ele não ocupa nenhum espaço físico de forma alguma. Deus diz em Jeremias 23:24: “Não sou eu aquele que enche os céus e a terra?”. Agora, se Ele enche Sua criação em termos de seu espaço físico, então nada mais pode existir como matéria física ou ocupar o espaço físico, visto que não seríamos capazes de ocupar o mesmo espaço físico que Deus. Onipresença significa, não que Deus enche todo o espaço físico, mas que Ele conhece e controla toda a Sua criação, incluindo todo o espaço físico, de forma que o mesmo verso de Jeremias enfatiza, “Poderá alguém esconder-se sem que eu o veja?”. Neste mesmo sentido real, Deus está em todo lugar, e não há lugar na criação para onde você possa ir onde Deus não esteja, ou até onde Seu conhecimento e poder não se estendam. Este capítulo explora algumas das tremendas implicações que este atributo divino tem sobre a oração.

Preparando o caminho para o nosso texto sobre a natureza espiritual de Deus e a natureza da verdadeira adoração está um ponto criado pela mulher samaritana: “Nossos antepassados adoraram neste monte, mas vocês, judeus, dizem que Jerusalém é o lugar onde se deve adorar” (João 4:20). Por “neste monte” a mulher quis dizer Monte Gerazim, e ela está se referindo ao debate entre os Judeus e os Samaritanos sobre o lugar apropriado de adoração. Jesus responde que a verdadeira adoração não deve ser identificada com localidade, mas com se a pessoa está adorando “em espírito e em verdade”. Jesus apela à natureza espiritual de Deus como a base desta réplica.

Falhando em entender a natureza espiritual e transcendente de Deus, os inimigos de Israel disseram em 1 Reis 20:23, “Os deuses deles são deuses das montanhas. É por isso que eles foram fortes demais para nós. Mas, se os combatermos nas planícies, com certeza seremos mais fortes do que eles”. Eles pensavam que Deus era local. Aqueles que entendiam a natureza de Deus sabiam mais, de forma que até mesmo quando Salomão dedica o tempo judeu, ele exclama, “Mas será possível que Deus habite na terra? Os céus, mesmo os mais altos céus, não podem conter-te. Muito menos este templo que construí!” (1 Reis 8:27). Ele sabia que um Deus transcendente não “vive” num templo físico. Embora a forma de adoração que o povo de Deu assumiu durante este período da história redentora incluiu o uso de um templo local, aqueles que tinham entendimento sabiam que Deus não era local.

A vinda de Cristo significou que o que o Antigo Testamento antecipou estava para ser cumprido. Os comentários de Romanos 12:1 de Kenneth Wuest são muito aplicáveis neste ponto: “Isto está em contraste com a adoração dos sacerdotes que consistia de formas exteriores, simbólicas em si mesmas da verdade espiritual, e, todavia, não racionais no sentido que esta adoração não era destituída de conexão material...Israel pregou o evangelho através do uso de lições de objetos, do tabernáculo, do sacerdócio e das ofertas. A Igreja prega o mesmo evangelho em termos abstratos”. [55]

A adoração da Antiga Aliança era deveras fundamentada sobre a verdade intelectual, mas muita coisa estava associada e era implicada por expressões e rituais exteriores. O cumprimento de Cristo da Antiga Aliança e a inauguração da Nova Aliança assinalou o surgimento de uma nova era na qual o povo de Deus estava livre para adorá-Lo de espírito para espírito, de mente para mente, de intelecto para intelecto. A verdadeira e aceitável adoração agora é independente de nossa localização, e muito menos associada com expressões e rituais exteriores; [56] antes, a ênfase corretamente retorna para a sinceridade e verdade, para o motivo e doutrina.

Daniel era um homem piedoso. A maioria dos cristãos hoje não pode reivindicar se aproximar da sua devoção espiritual, do seu caráter extraordinário e da sua destreza intelectual. Quantos de nós podemos reivindicar ser “dez vezes” maior do que a elite intelectual dos nossos dias “sobre todos os assuntos de sabedoria e conhecimento” (Daniel 1:20)? Muitos teólogos dos nossos dias insistem que os hebreus preferiam a sabedoria “prática” e não a sabedoria teórica ou acadêmica. Isto não é verdade. Pelo menos com Daniel e os seus amigos, não há dúvida que a ênfase é colocada em seu “conhecimento derivado de livros”, [57] visto que o verso 17 diz, “A esses quatro jovens Deus deu sabedoria e inteligência para conhecerem todos os aspectos da cultura e da ciência[58]. Certamente, isto não contradiz nem mina algum dom sobrenatural que Deus escolheu lhes dar: “E Daniel, além disso, sabia interpretar todo tipo de visões e sonhos” (v. 17). Para o nosso propósito, o ponto é que Daniel em todos os aspectos era um espécime superior de crente.

Todavia, quando Daniel orou, ele foi para um quarto onde “as janelas davam para Jerusalém” (6:10). Agora, aqueles que tinham entendimento sabiam que isto era desnecessário, e Daniel provavelmente nem sempre orou desta forma. Daniel não estava errado fazendo isto sob a Antiga Aliança, mas sob a Nova Aliança, seria sem significado ele fazer o que fez. De fato, o único significado transmitido orando-se voltado para Jerusalém, hoje, seria uma negação da obra de Cristo. Deus não está preso a qualquer ponto no espaço, ou nem mesmo associado com qualquer ponto no espaço. Jerusalém não é um lugar especialmente santo hoje, e não há tal coisa como uma “terra santa” de uma perspectiva cristã.

Peregrinar para uma certa área geográfica é desnecessário, e denuncia não somente uma falta de entendimento, mas também uma evasão do dever espiritual real, que pertence mais às coisas como doutrina, oração e boas obras. Assim, e daí se você viajar para o túmulo vazio que Jesus ocupou? Por que você se sentirá “mais próximo” dEle? Jesus não está mais lá; Ele deixou aquele lugar há dois mil anos atrás. Agora, talvez visitar alguns dos lugares bíblicos possa excitar você sobre as narrativas bíblicas que você já leu, e por causa disto, você se sente mais perto de Deus. Mas o sentimento é enganoso, e qualquer intimidade real vem de meditar sobre as palavras que você já leu na Escritura, e você pode fazer isto em casa. A Bíblia diz que somente aqueles que crêem na verdade e obedecem aos Seus mandamentos estão pertos de Deus.

Qualquer benefício real que você possa receber visitando estes lugares ocorre somente porque eles te lembram do que você já leu na Bíblia, que nos traz de volta ao ponto de que a verdadeira espiritualidade depende do intelecto e do relacionamento com a verdade revelada; não tem nada a ver com a sua localização. Mas, visto que estes benefícios ocorrem somente na mente, você pode recebê-los lendo sua Bíblia em todo lugar que você esteja, sendo que a única diferença é que os benefícios serão maiores, visto que você está gastando mais tempo lendo e pensando, antes do que fazendo excursão, e tentando convencer você mesmo de que você está chegando mais perto de Deus ao assim fazer. Meu ponto é que você não deve tratar Deus como se Ele fosse local; Deus é espírito, e você deve tratá-Lo como tal, adorando-O em espírito e em verdade, e não indo à Jerusalém. Você também é espírito, criado em Sua imagem, e, portanto, você pode se relacionar com Ele interagindo com as palavras da Bíblia, que é a Sua revelação para você.

Um de meus colegas de classe na escola secundária era um muçulmano. Ele tinha um tapete de oração com um compasso costurado nele para que ele pudesse se virar para a direção de Meca quando ele orava. Os muçulmanos são muito preocupados com Meca; a fé deles é entrelaçada com este lugar. Assim, Robert Morey sabiamente sugeriu que os Estados Unidos deveria ameaçar destruir Meca para deter os terroristas muçulmanos. [59]

Eu vi uma estátua de Buda de cinco toneladas, na Tailândia, que foi feita de fino ouro. Os monges a cobrem com lama durante o tempo de guerra para protegê-la. A estátua não pode se proteger; ela não pode falar, ouvir ou fazer algo. Quando o Deus cristão ordenou o uso de objetos físicos na adoração, Ele ainda deixou claro que Ele mesmo transcendia àqueles objetos, e que não tinha nenhum relacionamento direto com eles. Assim, quando Uzá estendeu a mão para segurar a arca do concerto durante o transporte, Deus o matou (1 Crônicas 13:9-10). Ele não seria tratado como uma estátua budista.

Os católicos tomam cuidado para segurar o “pão e vinho” da comunhão, para que eles não derramem o corpo e sangue de Cristo! Até mesmo alguns que se chamam cristãos agem como se a própria Bíblia isto é, o objeto físico consistindo de papel e tinta — fosse especialmente santa, e alguns agem como se o crucifixo tivesse poderes especiais. Mas o poder de Deus não está preso a estes objetos físicos, e o poder da Bíblia está em suas palavras, não no livro físico em si mesmo. Nós nos apropriamos do poder da “Bíblia”, não a segurando fisicamente, mas lendo-a e crendo em suas doutrinas. O cristão deve repudiar os tipos de práticas e superstições encontradas no Islã, no Budismo e no Catolicismo. Nós adoramos a Deus “em espírito e em verdade”, e não se voltando para uma certa direção ou beijando um livro.

Você se aproxima de Deus pelo conhecimento e pela fé, não por técnica ou postura física. A oração não é melhor quando você a faz na igreja, ou quando você está em Jerusalém, mas você deve orar “em espírito e em verdade”. Se você está em ignorância ou em incredulidade quando se depara com as doutrinas bíblicas, ou se você louva a Deus com seus lábios enquanto seu coração está longe dEle, então você não será ouvido, e você não estará perto de Deus, mesmo que fique face a face com Cristo.

Segue-se da transcendência de Deus que podemos oramos em qualquer lugar e em qualquer hora. Você pode até mesmo orar com sua mente e Deus te ouvirá, pois mesmo antes do Salmo 139 mencionar sua onipresença, ele diz, “Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me sento e quando me levanto; de longe percebes os meus pensamentos. Sabes muito bem quando trabalho e quando descanso; todos os meus caminhos são bem conhecidos por ti. Antes mesmo que a palavra me chegue à língua, tu já a conheces inteiramente, Senhor” (v. 1-4). O filósofo francês Jean-Paul Sartre não podia suportar a idéia de Alguém constantemente “com os olhos fixos” nele, e que está ciente de tudo que ele pensa e faz, e, assim, ele precisava ser um ateu. Agora, embora os atributos divinos possam produzir nos cristãos um santo temor, eles também trazem paz e conforto invencíveis, e nós não os teremos de outra forma.

 


NOTAS:

[55] - Kenneth S. Wuest, Romans in the Greek New Testament; William B. Eerdmans Publishing Company,
1955. [voltar]

[56] - A adoração não é completamente independente do físico. Por exemplo, nossos corpos “formam” o templo de Deus (1 Coríntios 6:19), e nós ainda temos os rituais de batismo e comunhão. Todavia, a significância de todos os três depende do relacionamento de nosso intelecto com a verdade, isto é, o relacionamento da nossa mente com a Escritura. [voltar]

[57] - Qualquer assim chamada sabedoria “prática” deve ter como seu fundamento um entendimento intelectual da Escritura. O que muitos cristãos consideram sabedoria prática não é nada mais do que formas convenientes, mas mundanas e anti-bíblicas, de fazer coisas que não têm fundamento bíblico. Mas, em primeiro lugar, eu rejeito a distinção entre sabedoria teórica e prática. Sabedoria “prática” é somente sabedoria teórica sobre o que consideramos coisas “práticas”. De outra forma, não seria “sabedoria” de forma alguma, mas apenas um hábito ou instinto não examinado. Se for “sabedoria”, então ela é intelectual, acadêmica e teórica. [voltar]

[58] - Suas habilidades foram testadas contra os “escribas” (v. 20) daqueles dias. “Mágicos” talvez seja uma tradução equivocada. Veja Young's Literal Translation of the Holy Bible, de Robert Young. [voltar]

[59] - Robert Morey, Winning the War Against Radical Islam; Christian Scholars Press, 2002. [voltar]

 

 


Nota sobre o autor: Vincent Cheung é o presidente da Reformation Ministries International [Ministério Reformado Internacional]. Ele é o autor de mais de vinte livros e centenas de palestras sobre uma vasta gama de tópicos na teologia, filosofia, apologética e espiritualidade. Através dos seus livros e palestras, ele está treinando cristãos para entender, proclamar, defender e praticar a cosmovisão bíblica como um sistema de pensamento compreensivo e coerente, revelado por Deus na Escritura. Ele e sua esposa, Denise, residem em Boston, Massachusetts. http://www.rmiweb.org/


Extraído e traduzido de Prayer and Revelation, de Vincent Cheung, capítulo 10.

Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 20 de Maio de 2005.


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