Como o Ministério Materialista Prejudica o Rebanho de Deus

por

Dr. Joel. R. Beeke


 


“Cuidai, pois, de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele adquiriu com seu próprio sangue” (Atos 20:28).

[Nas edições recentes, temos examinado a necessidade de cuidar de nós mesmos e dos nossos rebanhos na luta contra os pecados do materialismo. Esse artigo examina como nosso ministério materialista prejudica a igreja de Deus. No artigo do próximo mês, se Deus quiser, concluiremos essa série de artigos nos focando em várias formas como os ministros podem ser persuadidos a superar o materialismo.]

Todos os títulos dados na Escritura aos ministros estão dentro dos parâmetros da exortação de Paulo para cuidar de todo o rebanho. Mas o nosso título mais claro e mais amplo é aquele de pastor (Efésios 4:11). Paulo menciona isso especialmente em Atos 20:28: “Apascentai [literalmente, ‘ser um pastor para’] a igreja de Deus”.

As ovelhas são criaturas únicas. Elas estão entre as criaturas mais dependentes e mais tolas da terra. Elas são propensas a perambular. Elas deixarão pastos verdejantes por áridos, e então não serão capazes de encontrar o seu caminho de volta. E elas têm vontade obstinada, mesmo a ponto de lutar contra aquelas pessoas e meios que serviriam para o melhor interesse delas.

Sem a direção de um pastor, as ovelhas se destruirão de uma forma ou de outra. Sem um pastor, as ovelhas não podem se alimentar, se defender contra os ataques, ou se tratarem quando feridas. Sem o seu pastor, as ovelhas não podem fazer nada.

Pastorear a igreja de Deus é uma tarefa maravilhosa. Baseado no Salmo 23, aqui está o que devemos cultivar como pastores: 

Precisamos da força de um pastor para usar a vara da Palavra de Deus para trazê-las de volta às veredas da justiça, e para usar o cajado para erguê-las na dificuldade, sempre apontado-as para o Bom e Supremo Pastor, Jesus Cristo.

Cada uma dessas qualidades pastorais pode ser destruída por um espírito materialista. Como você pode ligar o coração pobre, ferido e quebrado, se o seu coração está apegado às riquezas deste mundo? Como você pode recuperar a ovelha extraviada se você mesmo está extraviado no mundo? Como você pode conhecer as fraquezas, tentações, forças e dons do rebanho se você ama mais as coisas desse mundo do que o povo de Deus?

Ministérios materialistas privam as ovelhas de alimento, ao invés de alimentá-las. Aqui está como:

 

O materialismo promove a profissionalização. O materialismo torna o ministério numa carreira ou mero trabalho. Pregação, alcance de almas, aconselhamento e visitação não são mais feitos sob a coação do chamado divino. As tarefas ainda são feitas, mas numa forma rotineira e forçada, destituída de um senso do chamado do Espírito.

Os clérigos profissionais freqüentemente alimentam-se do seu profissionalismo. Eles amam o que Spurgeon chamou de “ministerialismo”, mais do que o ministério. Eles são “pulpiteiros” ao invés de pregadores, atores ao invés de aplicadores [da Palavra], egocêntricos, ao invés de teocêntricos. Eles confiam em suas próprias habilidades ao invés de olhar para Cristo e o Seu Espírito. No final, o seu profissionalismo destruirá as ovelhas, pois as ovelhas precisam de um pastor pessoal, cuidadoso.

Nós não devemos pensar de nossas igrejas como estações de trabalho e de nossos membros como casos; devemos pensar de nossas igrejas como hospitais onde pessoas feridas encontram cuidado amoroso e terno. Como Jesus, devemos sofrer com as nossas ovelhas. Podemos evitar a armadilha do profissionalismo somente amando ao Senhor da igreja, ao Seu povo e a obra que Ele nos chamou para fazer. Como Spurgeon disse, “Nós nunca salvaremos mais até que amemos mais”.

 Ouçam o que Horatius Bonar disse sobre profissionalização:

“Amor é desejo, profundo amor, amor forte como a morte, amor tal como aquele que fez Jeremias chorar nos lugares secretos por causa do orgulho de Israel. Na pregação e na visitação, no aconselhamento e na reprovação, quanta formalidade, quanta frieza, quão pouca ternura e afeição!”.

 

O materialismo promove a petrificação. No ministério, alguém vive e cresce ou decai e petrifica. Não importa quão amadurecido e experiente o pastor seja, ele deve continuar crescendo espiritual e intelectualmente. O materialismo impede tal crescimento. Ele mantém os ministros vivendo na borda do crescimento.

O apóstolo Paulo nunca parou de crescer. Enquanto ele estava na prisão, esperando o machado da execução, Paulo pediu a Timóteo para trazer seus “livros e pergaminhos” (2 Timóteo 4:13), de forma que ele pudesse continuar seus estudos. 

Uma forma de evitar a petrificação é trabalhar em vários níveis. Por exemplo, ensine e escreva abaixo do seu nível em algum ministério para crianças. Então, também se desenvolva e cresça estudando materiais acima do seu nível.           

Nós não podemos permitir que o nosso tempo seja gasto ou desperdiçado por causa da preguiça. Devemos orar muito, meditar freqüentemente, e estudar duro. Devemos ler os melhores livros e aprender como usá-los proveitosamente. Devemos organizar cada hora do nosso tempo, mas permanecer flexíveis às necessidades do nosso povo. Devemos lembrar os três D’s: descartar a atividade desnecessária, delegar o que podemos, e se dedicar a somente um item por vez.           

O diário de George Whitefield diz que ele estava sobre os seus joelhos chorando por ter desperdiçado trinta minutos num dia, embora devamos notar que não é tempo desperdiçado o refrescar as nossas mentes e os nossos corpos com descanso apropriado e recreação saudável. Na visão dos teólogos de Westminster, o Sexto Mandamento requer de nós que moderemos e “sejamos sóbrios no uso do alimento, bebida, remédio, sono, labor e recreações” (Catecismo Maior, Questões 135-136). 


O materialismo promove um ministério focado no prazer
. Quando um ministro fala mais sobre esportes do que sobre Cristo, despende mais tempo com um jornal do que com a Bíblia, mais tempo navegando na Internet do que orando, mais tempo acumulando possessões materiais do que promovendo o bem-estar das almas do seu rebanho, sua busca por prazer deve ser subjugada ao seu ministério. No fim do dia, o homem que se detêm mais em prazeres temporais do que em boa disciplina pode muito bem sucumbir ao alcoolismo ou adultério ou algum outro pecado da carne. Em todo caso, são as ovelhas que perdem. Podemos esperar que o nível de santidade do rebanho esteja acima do de seu pastor mundano? 

Precisamos nos afastar de toda forma de materialismo. Nossas casas, carros, fortuna, possessões e roupas não devem tornar-se um fim em si mesmas. Não é correto para o ministro “se inquietar em vão” (Sl. 39:6). Se nós pregamos ao nosso povo que eles devem separar seus corações das coisas do mundo, enquanto nosso estilo de vida expõe que nós mesmos praticamos isto, nosso ministério perde credibilidade. 

Nossa conversa diária não deve ser muito focada, ou sequer focada, sobre coisas mundanas. Se dizemos ao povo que “a boca fala do que o coração está cheio”, e nossa conversação centra-se mais sobre as posses mundanas e as buscamos mais do que nossa herança celestial, nosso ministério perde credibilidade. Qualquer coisa que venhamos a fazer ou dizer que coloque em primeiro lugar os prazeres mundanos, e só depois o serviço divino, destrói a eficácia do nosso ministério. 

O materialismo é perigoso porque ele é a prática da cobiça. A cobiça rege o nosso íntimo. Ela é como uma inundação que rompe os muros do nosso coração e transborda para fora de nossas vidas, naufragando em destruição. A cobiça faz com que a felicidade consista em coisas e não em pensamentos. Não deixe que dinheiro, posses e desejos carnais tornem-se mais importantes para você do que o ser útil para Deus e o Seu povo. Cada desejo irá esvaziá-lo e diminuí-lo. Ela irá azedar seu gosto pelo ministério. 

Deus odeia a cobiça porque ela o exclui e o insulta, e nos insensibiliza. Irmãos no ministério, crucifiquem a cobiça e andem dignos do seu chamado. Não pensem no ministério em termos de salário, mas como um investimento espiritual que oferece dividendos eternos. Como Paulo, aprendamos a estar humilhados e fartos com contentamento. 

A cobiça não acrescenta nada ao homem. Use os talentos que Deus lhe tem dado. Quando Robert Murray M'Cheyne visitou Israel, Deus usou William Burns para conduzir o reavivamento na igreja de M'Cheyne. M'Cheyne ficou tão feliz quanto [ficaria] se ele mesmo tivesse liderado o reavivamento. Ele exultou na dádiva de Burns. Ele seguiu a Deus de modo mais excelente que a maneira cobiçosa de seu mundo. “Em humildade de mente, considerando cada um os outros superiores a si mesmo.” (Fl. 2:3). 

Finalmente, não cobice mulheres, e especialmente as esposas de outros homens. Ande prudentemente. Ore diariamente para manter-se livre da tentação. Apoie-se na força do Espírito. Pense nEle para preservá-lo removendo os seus desejos quando a tentação estiver presente e para remover a tentação quando estiverem presentes os desejos. 

Recuse-se a participar de qualquer forma de flerte. A melhor maneira de evitar a cobiça é cultivar um excelente casamento com sua esposa e mostrar seu coração unicamente devotado a ela. Poucas mulheres arriscarão flertar com você quando elas vêem quão dedicado você é para com sua esposa. 

Pense nas palavras de Isaías: “Purificai-vos vós que lavais os utensílios do SENHOR” (52:11). E relembre esta oração de um pastor:

 

Serei verdadeiro, pois há aqueles que confiam em mim;

Serei puro, pois há aqueles que aprendem com meu exemplo;

Serei forte, pois há muito sofrimento;

Serei bravo, pois há muitos desafios.


Relembre, também, o que Jesus disse a Seus discípulos, “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação”. Isto é como se Jesus dissesse: “Eu vos treinei. Vocês têm visto o Meu exemplo. Mas não pensem que porque vocês se formaram no melhor seminário da terra vocês estão livres de tentação. Vigiai e orai”. 

Vigilância, oração, e leitura diária da Bíblia são os melhores antídotos para a tentação. Poucos ministros que mantiveram estas disciplinas espirituais caíram. Guarde no coração a advertência de Abraham Booth: “Embora eu seja em grande parte estimado entre as pessoas religiosas; ainda assim, é possível para mim, em uma única hora de tentação, dinamitar meu caráter, arruinar minha utilidade pública, e fazer meus mais queridos amigos cristãos se envergonharem de mim. Toma-me pela tua mão, ó Senhor, e eu estarei seguro!”. 


O materialismo promove a frivolidade.
Ministros que são faltos de atenção sóbria e que não carregam nenhuma atitude de seriedade sobre a vida, o julgamento por vir, e a eternidade, criam em torno de si uma atmosfera que extingue o temor a Deus. Eles instilam em seu povo uma atitude de complacência e indiferença, deixando-os então adormecidos e desavisados da aproximação do perigo. 

Há um lugar para o humor no ministério, especialmente em conversas privadas. Não se deve supor que um ministro deva ser triste, antipático e anti-social. Mas ele deve manter um humor cauteloso, que nunca deve descambar em algo sugestivo ou indecente (Ef. 4:29; cf. Ef. 5:12). Conversação séria, religiosa, deve ser o cerne de cada visita que fazemos. E cada visita deve ser temperada com oração. Belike James Hervey resolveu “nunca entrar em qualquer companhia onde ele não pudesse obter acesso a seu Mestre”. 

Considere o que Thomas Boston disse: “Quando você passar algum tempo em companhia, deixe algo do cheiro do céu escorrer de seus lábios. Aprenda aquela química divina de extrair algo espiritual das coisas terrestres. Que vergonha para você é sentar-se em companhia, e novamente levantar-se, despedir-se deles, e nunca uma palavra de Cristo ser ouvida”. 

Se nossa conversa não for governada por cautela e cuidadosa sobriedade, o espírito da conversação mundana prevalecerá inevitavelmente. E a conversa mundana é dominada, como disse Charles Bridge, “pelo temor do homem, a indulgência da carne e a incredulidade prática”. Não há nenhum proveito em multiplicar palavras sem conhecimento (Jó 35:16). Não podemos edificar aqueles que estão confiados a nosso cuidado se nós os ocuparmos somente de conversas mundanas. Nós desonramos o Espírito por falharmos em falar de Sua obra na alma, e não devemos nos surpreender quando, no devido tempo, qualquer demanda por conversação e vida religiosa seja ridicularizada como legalismo. 


O materialismo promove a indiferença.
Como muitos doutores que vêem os pacientes como números, alguns ministros tratam as pessoas mais como objetos a serem manipulados do que como almas a serem salvas. Tais ministros são faltos na oração, preguiçosos na preparação do sermão, ineficazes na pregação, e negligentes na visita pastoral. 

Recentemente, um pastor foi chamado em razão de uma mulher estar no hospital, em resposta ao pedido de um parente. Quando a visitou, ele leu as Escrituras com ela, comentou-a brevemente, e terminou com uma oração. Quando ele se despediu, a mulher chorou e disse: “Meu pastor também veio, mas ele falou mais sobre si mesmo e sobre o clima, do que sobre minha condição. Ele não leu a Bíblia, não falou sobre o Senhor, e sua oração foi curta e rasa. Você acha que ele se preocupa com a minha alma?”. 

Irmãos, se não pastorearmos nosso povo tanto com as nossas mentes e os nossos corações, devemos deixar o ministério. Um ministro indiferente é um funcionário, não um pastor. Horatius Bonar descreve bem tal homem: “Muito intimamente associados com o mundo, nós temos em grande medida nos acostumado a seus modos. Conseqüentemente, nossos gostos foram viciados, nossas consciências cegas, e aquela ternura sensível de sentir que, antes sofrer na própria pele a ter o mais remoto contato com o pecado, foi descartada e deu lugar a um amontoado de calosidades das quais nós em outro tempo, nos nossos primeiros dias, acreditávamos ser incapazes”. 

“Deus salva todos os tipos de pessoas, inclusive ministros”, escreveu John Kershaw, um pastor batista do século XIX. Embora a tendência do ministério seja isolar um pastor das atrações do mundo, um dos grandes perigos do ministério é o de ele elevar um pastor a lidar tão freqüentemente com o sacro que isto se torne banal para ele. É verdade que nós podemos lidar com a Palavra de Deus como se ela fosse nada mais do que palavras de homens. Nós podemos tomar aquilo que é santo enquanto vivemos vidas profanas. Nós podemos urgir outros à santidade, mas, como os fariseus, não mover uma polegada em nossa direção. Consequentemente, nos movemos em nosso ministério mais pela indiferença e pela descrença do que pela fé. 

Estejam alertas, irmãos, pois a indiferença é o fruto do materialismo. Ela nos torna frios em nossa pregação, fechados em nossas visitas, irreverentes no manuseio das realidades eternas, e relapsos em todos os nossos deveres sacros. 

Não seja vencido por um espírito materialista e incrédulo. Relembre que tudo o que vocês dizem é filtrado pelas grades das mentes do nosso povo. Se o registro acumulado de tudo o que eles sabem sobre vocês indica mais materialismo do que santidade, nossas ovelhas irão morrer de fome mesmo enquanto se alimentam de todas as nossas mensagens.

Nós não podemos amar a Deus e ao mundo. Nós não podemos servir a dois senhores. Quem de nós pode, como ministros, manter nossa integridade espiritual, nosso amor a Deus, nossos corações de pastor, e nosso proceder religioso, se secretamente flertamos com o mundo? Quem de nós pode viver como um peregrino e forasteiro quando ambicionamos mais pela terra do que pelo céu?

Cuide do rebanho. Alimente a igreja com a Palavra; não os deixe morrer de fome com o materialismo. Atente ao alerta de Thomas Scott: “O ministro que não consegue manter-se longe do mundanismo que ele mesmo desaprova e diz ao povo para se afastar, deve manter uma considerável distância de si mesmo. Se ele caminha perto da borda, outros caíram no precipício”.


Original:
Revista The Banner of Sovereign Grace Truth, Setembro de 2004.


Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto / Márcio Santana Sobrinho
Cuiabá-MT, 29 de Novembro de 2005.


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