Uma Crítica Missiológica da Teologia de Clark Pinnock

por

João Mordomo

 

Introdução

Embora um recente sucesso do cinema "Shakespeare Apaixonado", não seja um tratado de questões teológicas, um dos personagens principais ofereceu boas respostas para aqueles de nós que se encontram lutando com tais questões. Quando lhe faziam uma pergunta que ele não sabia responder, ele simplesmente dizia, "Eu não sei. É um mistério." Que ótima resposta! Esta seria certamente uma resposta adequada a muitas questões teológicas de hoje. Não que eu esteja advogando a ignorância ou sugerindo que não há valor na pesquisa e no estudo, e no diálogo saudável; eu estou sugerindo que nos devemos aceitar que há algumas questões que nossa mente finita não pode resolver. Admitir que nós não temos todas as respostas, não é sinônimo de ignorância ou fracasso, mas, ao contrário, é um sinal de sabedoria; porque reconhecemos que Deus é muito maior do que nós e que seus mistérios são insondáveis.

Para muitas questões teológicas nossa resposta mais conveniente poderia ser, "Eu não sei; é um mistério". Parece que nenhuma outra questão recebeu mais atenção nos últimos anos (ou através de toda a história da igreja) do que "Como se reconcilia a soberania de Deus com o livre arbítrio do homem?" Depois de 2000 anos, teólogos e filósofos ainda buscam um resposta. Donald Bloesch salienta que "a mente humana não fica contente em se inclinar diante de um mistério. Desde o princípio da história do cristianismo as pessoas tem buscado resolver o paradoxo da salvação em duas direções: seja abraçando o determinismo divino, seja acentuando a responsabilidade e a autonomia humana." [1]

Apesar dos melhores esforços do homem, é improvável que um dia ele consiga reconciliar a questão do relacionamento de Deus com suas criaturas de forma exata – da soberania divina e da liberdade humana. Ele terá que contentar-se em responder, "É um mistério." Esta resposta não é uma saída intelectual, mas, é uma resposta muito apropriada, pois é bíblica. De acordo com Provérbios 25:2, "A glória de Deus está nas coisas encobertas; mas a honra dos reis está em descobri-las. Faz parte da natureza gloriosa de Deus "encobrir" certas coisas; se soubéssemos tudo, seríamos nós mesmos deuses. Como Bloesch corretamente afirma, seria demais para nós: ". .. mesmo em sua revelação, Deus permanece parcialmente encoberto (Deus absconditus). Se Deus deixasse sua luz brilhar diretamente sobre nós, isto iria nos assoberbar. Deus revela só o que é adequado para a nossa salvação e vocação como seus embaixadores e arautos. Deus permanece um mistério mesmo em sua revelação..." [2] O apóstolo Paulo afirma isto em Romanos 11:33 quando ele declara, "Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os teus caminhos!

Embora reconhecendo tal mistério [3], Clark Pinnock, Richard Rice, John Sanders, William Hasker e David Basinger estão, no entanto, entre aqueles que ultimamente tem se debatido com a questão da soberania divina e a liberdade humana. Eles tem buscado explicar a natureza de Deus e do seu relacionamento com a humanidade num livro chamado The Openness of God: A Biblical Challenge to the Traditional Understanding of God. Sua "teologia da acessibilidade", ou teísmo do livre arbítrio é um modelo novo, uma tentativa de encontrar uma posição mediana entre o teísmo clássico e a teologia do processo.

Este novo modelo, embora estimulante para a mente, levanta certos problemas teológicos que devem ser mencionados e discutidos. Além do mais, há profundas implicações missiológicas envolvidas, o que coloca em jogo a maneira como a igreja realiza missões. Se eles tivessem apenas respondido a esta antiga pergunta, "Nós não sabemos. É um mistério..." Mas como esta não foi sua resposta, já que eles propuseram um novo modelo teológico, nós devemos considerar suas implicações teológicas e missiológicas.

Visão Geral da Teologia da "Acessibilidade"

Antes de partirmos para os problemas teológicos e as implicações missiológicas da teologia da acessibilidade, vamos primeiramente ver quais são os cinco dogmas do sistema, segundo o esboço de David Basinger [4]:

Deus não somente criou o mundo ex nihilo mas pode (e às vezes o faz) intervir unilateralmente nos negócios terrenos.

Deus escolheu criar-nos com liberdade incompatível (libertista) – liberdade sobre a qual não pode exercer controle total.

Deus valoriza tanto a liberdade – a integridade moral das criaturas livres e um mundo no qual tal integridade é possível – que ele normalmente não anula tal liberdade...

Deus sempre deseja o melhor para nós, tanto individualmente quanto corporativamente, e por isso é afetado pelo que acontece em nossas vidas.

Deus não tem conhecimento completo de como exatamente nós utilizaremos nossa liberdade, embora, às vezes, ele possa prever com grande precisão as escolhas que nós faremos livremente.

 

Os autores dissecam estes cinco pontos assim:

"Deus, em graça, concede aos humanos uma liberdade significativa para cooperar ou trabalhar contra a vontade de Deus em suas vidas, entrando numa relação dinâmica conosco de concessões mútuas. A vida cristã envolve um interação genuína entre Deus e os seres humanos; nós respondemos às bondosas iniciativas de Deus e Ele responde as nossas respostas... Deus se arrisca neste relacionamento de concessões mútuas, ainda que ele tenha infinitos recursos e competência para trabalhar na direção de seus objetivos finais... Às vezes... Deus trabalha com as decisões humanas, adaptando seus próprios planos para adequar-se à situação. Deus não controla tudo o que acontece, antes Ele está aberto, acessível a participação de suas criaturas. Num diálogo amoroso, Deus nos convida para participar com Ele na concretização do futuro." [5]

Os Problemas da Teologia da "Acessibilidade"

Ao analisarmos alguns dos sérios problemas teológicos propostos pelo teísmo do livre arbítrio, deve-se notar que os autores de Openness of God derrubam seus próprios argumentos por darem a impressão – aparente no livro todo – de que eles estão totalmente convencidos de suas próprias idéias. Eles se esquivam várias vezes usando saídas estratégicas. Por exemplo, através de todo o livro, os autores mostram tendência para o lado da liberdade humana ainda que ilustrem cada afirmação pertinente a sua visão. Por exemplo, na referência de número dois acima, eles dizem que Deus não pode exercer controle total sobre a liberdade humana. Isto indica que Ele pode exercer pelo menos algum controle. De fato, sua primeira pressuposição diz que Deus pode intervir unilateralmente nos negócios humanos. Em outras palavras, Deus pode fazer o que Ele quiser, quando Ele quiser, mesmo que isso signifique passar por cima da liberdade humana. Isto parece antitético para a sua premissa. Um outro exemplo pode ser encontrado na terceira pressuposição, onde eles dizem que Deus normalmente não anula a liberdade humana. Novamente, na página 159 de seu livro, eles afirmam, "Nós mantemos... que Deus voluntariamente se priva do controle sobre os negócios terrenos, naqueles casos "onde ele nos permite exercer nossa liberdade" (itálicos meus). Estas restritas "válvulas de escape" aparecem pelo livro todo, enfraquecendo meticulosamente o teísmo do livre arbítrio, de qualquer forma, os autores dão espaço para que Deus aja unilateralmente. Assim, eles acabam no determinismo, que eles tanto rejeitam, esteja Deus 1% ou 100% no controle, a humanidade ainda não é 100% livre! Deus pode ainda garantir seus resultados, o que é contrário ao teísmo do livre arbítrio como estes autores o definiram. Seu único recurso seria encarar o assunto sob o ponto-de-vista do "mistério", mas eles são muito racionais para isto.

A tentativa dos autores de encontrar um ponto de equilíbrio entre os dois pólos é admirável – mesmo que eles não tenham conseguido – mas o tratamento que eles dão a natureza de Deus, especialmente a sua onisciência, é alarmante. A teologia da acessibilidade consegue fazer de Deus alguém vulnerável, não efetivo, sujeito as ações de outros e aos limites da temporalidade, incapaz de saber do futuro e capaz de cometer erros. Eles conseguem, sim, humanizar Deus e baixá-lo dos céus às profundezas do nosso mundo de um modo que simplesmente não é bíblico. Eles prestam muita atenção ao seu amor e empatia, em detrimento de seu poder (sua onipotência, como o chama Donald Bloesch), sua majestade e glória. Bloesch pode ter destacado a razão para isto quando observa que "Um Deus Todo Poderoso contradiz o caráter democrático, no qual as decisões são atingidas por consenso, não por ordem arbitrária. Isto também leva ao questionamento do individualismo da cultura ocidental, que prima mais pela liberdade pessoal do que pela adesão aos valores e tradições comunitários." [6]

Vamos agora considerar alguns dos principais problemas doutrinários do teísmo do livre arbítrio, uma teologia considerada "seriamente deficiente" por John Piper [7]. Há, de fato, muitas questões a serem discutidas num trabalho tão breve, portanto, vamos considerar apenas algumas delas.

Onisciência

O tratamento dado a onisciência de Deus talvez seja o aspecto mais alarmante da teologia da acessibilidade de Deus. Os teístas do livre arbítrio defendem uma onisciência limitada que nega a capacidade de Deus conhecer completamente o futuro de antemão. Clark Pinnock diz que "O futuro não existe e portanto, não pode ser infalivelmente antecipado, mesmo por Deus" [8]. De forma semelhante, Gregory Boyd, escreve que "assumir que [Deus] sabe de antemão como cada pessoa irá livremente agir, pressupõe que a ação livre de cada pessoa já pode ser conhecida – mesmo antes da pessoa agir! Mas não é assim... Portanto, Deus não pode prever as boas e más decisões das pessoas até que Ele crie estas pessoas e elas, por sua vez, criem suas decisões." [9] David Basinger declara que

Os proponentes da acessibilidade de Deus não crêem... que Ele sempre sabe o que aconteceria de antemão, dando-nos abertamente cada opção. De fato, nós nem mesmo cremos que Deus sempre saiba antecipadamente como as coisas exatamente vão acontecer no futuro... Deus sabe tudo o que vai acontecer de forma determinista de acordo como o que tem acontecido, e pode, como o psicanalista maior, predizer com grande precisão o que os humanos escolherão fazer em vários contextos. . . Mas... nós cremos que Deus nunca pode saber com certeza o que acontecerá num contexto envolvendo a livre escolha. [10]

Em outras palavras, os teístas do livre arbítrio afirmam uma onisciência de tudo quanto existe. Eles crêem que Deus sabe tudo que o há para se saber, mas Ele precisa processar cada pequenina informação nova e cada decisão à medida que ocorre. Esta visão parece pressupor, erradamente, que Deus de alguma forma é limitado pelo tempo, movendo-se no tempo conosco, o que é totalmente contrário a não estar "aprisionado" pelo tempo.

Pinnock sustenta que há suporte bíblico para este argumento quando ele afirma que "A Bíblia supõe um futuro que não é completamente certo." [11] Eu creio, no entanto, que a Bíblia fala claramente, em inúmeras ocasiões, da capacidade de Deus de conhecer o futuro antes que ele aconteça. O Salmo 139:4,16 é um exemplo óbvio: "Antes mesmo que eu fale, tu já sabes o que vou dizer. Os dias que tinham sido criados para mim foram todos escritos no teu livro." Estes versos esclarecem que Deus sabe das coisas antes que elas aconteçam, algumas coisas que mesmo o "maior psicanalista" não poderia prever. Ele conhece o futuro puro e simples. Romanos 8:29 é a base que apóia a presciência de Deus: "Pois os que dantes conheceu, também predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, afim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos." Não há jeito de escapar da interpretação natural deste verso: Deus conhece as pessoas do passado eterno; ele sabia quando eles iriam nascer, como eles se chamariam e como viveriam suas vidas. Ele sabia tudo isto porque Ele tinha determinado que aconteceria. Efésios 1:11 confirma esta compreensão: "Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade."

De maneira similar, as profecias do Velho testamento, refletem esta presciência. Isaías 42:9 declara: "Vede, as primeiras coisas se cumpriram, e novas coisas eu vos anuncio; antes que venham à luz, vo-las faço ouvir." Note-se que a onisciência de Deus está intrínsicamente e perfeitamente entrelaçada com Sua onipotência, pois sua capacidade de antever o que vai acontecer se relaciona com sua capacidade de fazer as coisas acontecerem. Nós podemos confiar em cada promessa e profecia que Ele fez, porque Ele, somente Ele, pode cumpri-las. "...O que eu disse, eu o cumprirei; formei um plano e o executarei." (Isaías 46:11b).

Onipotência

Enquanto a teologia tradicional assegura que Deus tem poder sobre todas as coisas, a visão da acessibilidade rouba de Deus esta característica, propondo que Ele não tem controle absoluto sobre o futuro, ao contrário, que Ele poder ser pego de surpresa, e mesmo se entristecer, com eventos que estão fora de seu controle, assim como os humanos são: "...nós, ao contrário dos proponentes da soberania específica, não precisamos assumir que existem propósitos divinos para cada coisa ruim com que nos deparamos. Não precisamos, por exemplo, assumir que quando alguém morre "Deus o levou prá casa" por alguma razão... Nós podemos assumir de forma justificável, que Deus freqüentemente fica tão desapontado quanto nós quando alguém termina sua existência terrena em tenra idade..." [12] Isto quer dizer que Deus não está no controle da situação e que pode ser pego desprevenido. Mais do que isto, a lógica final deste raciocínio é que Deus pode até falhar: "Deus determinou alvos para a criação e redenção e os realiza ad hoc na história. Se o Plano A falhar, Deus tem o Plano B pronto." [13] Em outras palavras, o Plano A, produzido por Deus, pode e às vezes, falha. Esta falha pode ser logicamente imputada a Deus, já que o plano era dele. Mas isto está muito longe do que a Bíblia ensina sobre os planos de Deus para o futuro e sua capacidade de realizá-los. De fato, a Bíblia refuta este exemplo específico (sem mencionar o princípio geral) em numerosas ocasiões:

Sl. 139:16 – "Os dias que tinham sido criados para mim foram todos escritos no teu livro quando ainda nenhum deles existia".

Sl. 31:15 a - " Os meus tempos estão nas suas mãos. . ."

Sl. 36:9 a – "Porque em ti está o manancial de vida. . ."

Sl. 37:18 a – "O Senhor conhece os dias dos retos..."

Sl 39:4-5 – "Faze-me conhecer, Senhor, o meu fim, e a medida dos meus dias quão é, para que eu sinta o quando sou frágil. Eis que fizeste os meus dias como a palmos, o tempo da minha vida é como nada diante de ti; na verdade, todo homem, por mais firme que esteja, é totalmente vaidade".

Sl. 40: 5b – "Tens feito muitos planos maravilhosos para o nosso bem. Ainda que eu quisesse não poderia falar de todos eles, pois são tantos, que não podem ser contados".

At. 17:28 – "Porque nele vivemos, nos movemos e existimos".

Fp. 1:6 – "Aquele que em vós começou a boa obra, há de completá-la até o dia de Cristo Jesus".

Cl. 1:16,17 – "Porque nele foram criadas todas as coisas que há no céu , na terra visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele".

Por estes textos constatamos que Deus é clara e totalmente capaz de completar seus planos para a criação no seu tempo.

Auto-Suficiência (Transcendência)

Mesmo sendo vista como uma parte do incomunicável atributo de Deus chamado de onipotência, a auto-suficiência, é digna de nossa especial consideração. A teologia da acessibilidade de Deus enfatiza mais as qualidades como a generosidade, sensibilidade e vulnerabilidade do que o poder e o controle. Isto permite-nos pensar que Deus se arrisca. Ao invés de colocar Deus acima e além da história, ela enfatiza a atividade de Deus na história, respondendo aos eventos à medida que eles acontecem..." [14] Noutra parte, Pinnock afirma que "Deus está presente em tudo que existe... Deus está presente em cada criatura criada." [15] Michael Horton destaca de forma correta que, "Esta visão identifica Deus com o mundo de tal forma que o criador e a sua criação estão como que fusionados". [16] Quando Deus é colocado de alguma forma dependente de sua criação é criada uma interdependência que não é bíblica. Ele não "existe" independente de sua criação e Ele não pode atingir seus alvos sem a participação humana. Ele precisa de nós. " ... Muito da atividade de Deus consiste em responder as decisões e ações humanas. O que de fato ele decide fazer, depende diretamente das ações dos seres humanos." [17] Se nós fizermos as escolhas certas, os Seus objetivos são atingidos. Se não, de acordo com esta visão, os planos de Deus podem ser frustrados. Mas esta visão está totalmente contra as Escrituras. Ela força Deus a se submeter a alguém fora de si mesmo, a algo fora do seu controle. Na verdade, Ele não precisa de nós e seus planos nunca são frustrados. "O Eterno acaba com os planos das nações e não deixa que eles se realizem. Mas o que o Eterno planeja dura para sempre, e as suas decisões permanecem eternamente." (Sl. 33:10, 11). Alguns têm argumentado que Deus precisa de nós por causa da solidão; mas isto também é errado, pois "Ele é uma comunidade de pessoas em si mesmo e a satisfação de uma comunhão íntima deriva-se dele mesmo, sendo Ele uma Trindade." [18]

O nome divino de Deus, "EU SOU O QUE EU SOU" (Êx. 3:13,14), também mostra esta auto-suficiência. Ele é qualitativamente distinto do resto de sua criação. Somente Ele é o grande "EU SOU." "Como cristãos que crêem na Bíblia, nós devemos afirmar que Deus não tem uma necessidade fundamental do mundo, Ele criou o mundo por sua generosidade, não por uma necessidade metafísica ou racional." [19]

Imutabilidade

A teologia evangélica clássica defende a imutabilidade de Deus, "Ele nunca muda". Ele não muda sua natureza e Ele não muda sua mente (embora em alguns textos das Escrituras Ele escolha dar a impressão contrária). O teísmo do livre arbítrio, no entanto, contende que enquanto o primeiro tipo de imutabilidade de Deus é verdadeiro, o segundo, não é. De fato, Pinnock e seus amigos devotam muito de seu primeiro capítulo demonstrando que Deus realmente muda sua mente (Ele se arrepende e até sente remorso pelo que fez) pois às vezes, as ações dos homens o surpreendem – não são o que Ele esperava ou desejava – e O forçam a mudar para um Plano B. Gregory Boyd, nas suas Letters from a Sceptic (Cartas de um Cético), afirma mais ou menos a mesma coisa. [20]

Talvez a questão mais alarmante que surge deste ponto-de-vista é a possibilidade de Deus ser falível, cometendo erros. David Bassinger afirma que "... já que Deus necessariamente não sabe exatamente o que vai acontecer no futuro, é sempre possível que mesmo em Sua inigualável sabedoria Ele creia que o melhor curso de ação num dado momento, não venha a produzir, a longo prazo, os resultados antecipados." [21] Em outras palavras, embora Deus possa "mirar" no melhor, nem sempre ele poderá obtê-lo; Ele pode ter a segunda escolha ou a pior delas. Este é um outro erro cabal; não é apropriado a Yavé. Embora seja o resultado lógico da visão da acessibilidade, e seja confirmada pelo teísta do livre arbítrio Gregory Boyd no seu tratamento de Jeremias 3: 19b-20, onde Deus diz, "Tu me chamarás de pai e de mim não te desviarás. Deveras, como a mulher se aparta aleivosamente do seu marido, assim, aleivosamente te houvestes comigo, ó casa de Israel, diz o Senhor." John Piper comenta que

Deus predisse uma coisa e outra aconteceu: "Ele genuinamente pensava que seu povo se comportaria diferente." Ele suaviza isto com as palavras, "O Senhor pensa que uma coisa provavelmente vai ocorrer todavia outra coisa acontece." E mais uma vez, O Senhor, conhecendo o perfeito e preciso valor de todas as probabilidades, pensou que seu povo não se desviaria naquela situação," mas eles não fizeram o que ele pensou que fariam. Dr. Boyd não chama isto de "erro", por que ele não crê que você erre quando prevê algo baseado no melhor conhecimento disponível no momento. Mas a maioria das pessoas chama isto de erro. [22]

E que erro custoso, de fato, em Deuteronômio 18:20-22 é claro que alguém que faz uma falsa previsão deve ser morto! À luz desta conseqüência, é inconcebível que Deus faça uma previsão errada! A implicação é profunda: Deus pode fazer sua previsão absoluta baseado no seu infinito conhecimento do presente todavia ainda erre por causa da auto-determinação humana. Ele seria vulnerável e incapaz de governar o mundo com perfeição e de concretizar seus planos. Esta não é a figura majestosa de Deus que a Bíblia retrata!

Outra conseqüência problemática é que um Deus que muda está sujeito a aprendizagem, tal qual a sua criação. Pinnock escreve que "A realidade de nossas decisões seria seriamente minada se elas fossem conhecidas antecipadamente... Isto significa que Deus aprende coisas..." [23] No entanto, se Deus aprende, Ele não pode ser considerado totalmente efetivo, completo ou perfeito. Isto é uma "afronta" a um Deus bíblico que é caracterizado pela perfeição (Dt. 32:4; 2Sm. 22:31; Jó 37:16; Mt. 5:48), cuja palavra é "provada" (Sl. 18:30) e cuja vontade é perfeita (Rm 12:2). Claramente, Deus não pode ser um Deus que muda no sentido definido por esta visão.

Problemas Missiológicos da Teologia da "Acessibilidade"

Se os problemas teológicos com a teologia da acessibilidade são significativas, as ramificações missiólogicas são imensas. O próprio Pinnock louva esta visão, mas ele aparentemente não segue suas proposições até suas conclusões lógicas ou ele pensa que estas conclusões não são prejudiciais a causa de Cristo. Eu vou enumerar algumas razões porque um cristão que leva a sério a Grande Comissão, não pode aceitar a visão da acessibilidade.

Por que os seguidores de outras religiões precisam saber que Yavé é, de forma ABSOLUTA, mais poderoso (incluindo sua onisciência) do que o(s) deus(es) dele(s), principalmente quando se trata do Islamismo. Eles precisam saber que Deus é poderoso, como Alá, mas que o é de forma absoluta. Ainda assim o teísmo do livre arbítrio nega esta possibilidade tornando Deus vulnerável e dando a impressão de que Ele é menos do que onipotente, chegando a ser quase um irresoluto, sem personalidade. Como podemos esperar que um muçulmano se converta ao um cristianismo onde deus é incapaz de realizar seus planos e anseios? Certamente, este deus, aos olhos de um muçulmano, não é digno de devoção e serviço leais. Da mesma forma, como podemos esperar que um animista dê mais crédito a um deus tão "fraco" do que ele dá aos outros seres do mundo espiritual? Ele vê este deus meramente como mais um espírito que ele pode tentar manipular através de encantamento e feitiçaria. Ele não é aparentemente diferente, por exemplo, do "deus do céu" dos Zulus, que "é limitado a controlar o tempo e suas intempéries, que os Zulus não podem prever ou antecipar." [24] Além do mais, quão mais semelhante ao homem Deus parece ser, menos razões para crer nele terão os envolvidos nos misticismos orientais e no movimento da Nova Era. Afinal, eles já são, ou estão no processo de se tornarem deuses. Este deus da visão da acessibilidade, parece não merecer nenhuma posição especial no seu sistema de crença.

"Porque a presciência de Deus sobre tudo que vai acontecer é vista por Isaías como evidência de sua singularidade dentre todos os deuses." [25] Isaías 46:9-10 diz, "Lembrai-vos das coisas passadas desde a antiguidade; que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim. Que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade." Esta razão é similar a primeira, enquanto que a primeira enfocava a onipotência de Deus, esta enfoca a onisciência. Se a Deus faltasse a capacidade de prever tudo totalmente, Ele se uniria a de outros deuses e seria qualitativamente indistinguível dentre eles; não sendo digno de mais serviço ou adoração do que eles.

"Porque a visão da acessibilidade de Deus lhe imputa uma ignorância tremenda e um processo contínuo de aprendizado e adaptação a um futuro desconhecido, o qual contraria a perspectiva bíblica da pessoa de Deus." [26] A Bíblia descreve um Deus, onipotente, onisciente, magnífico e majestoso que é digno da glória dos homens (Ex. 14:31;Ex 15:6; Sl. 8:1; Is. 42:8). Este é o Deus digno de ser seguido!

"Porque Jesus ensina que sua capacidade de prever os atos livres de pessoas responsáveis é uma parte essencial da glória divina (Jo. 6:64; 13:19), então, a negação de sua presciência é, quer intencionalmente ou não, uma injúria a divindade de Cristo." [27] Sem o Deus-Homem Jesus Cristo como ponto central de nossa crença, não há mensagem para se pregar e não há um caminho para a salvação.

Porque "a negação de que Deus previu as volições pecaminosas das criaturas responsáveis tende a enfraquecer a confiança no plano da salvação." [28] Se Deus não pudesse ver a livre escolha de Adão para pecar – seguindo-se a queda do homem- Ele não teria necessidade de planejar o oferecimento da salvação através de Jesus Cristo. E mesmo se Ele tivesse, o Deus do teísmo livre não seria capaz de fazer o plano redentor realizar-se. Entretanto, de acordo com 2Tm. 1:9, foi exatamente isto o que aconteceu. Desde a eternidade Deus planejou a salvação através de Jesus Cristo em resposta às conseqüências da Queda que Ele havia previsto. E Ele fez tudo acontecer assim.

Porque dizer que "o destino eterno de cada pessoa será finalmente determinado por Deus com base na "luz" disponível para ele ou ela (ou por outro critério)," [29] leva-nos a concluir que o sacrifício de Cristo na cruz não é único na história da redenção e que talvez nem fosse necessário. Isto diminui a necessidade de invocar Seu nome para ser salvo (Rm. 10:9) e dá a falsa impressão de que outras religiões e ideologias podem de alguma forma levar `a reconciliação com Deus. Isto é potencialmente prejudicial ao movimento missionário evangélico, pois remove uma das principais motivações para se fazer missões. Jesus mesmo ensinou contra esta forma de universalismo quando disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim" (Jo. 14:6). [30]

Porque comunica a idéia de que Deus e o mundo são mutualmente interdependentes ao afirmar que, "Deus está em todos os lugares presente em tudo o que existe... Deus está presente em cada ser criado", margeia o panteísmo, isto é, Deus está substancialmente presente em tudo. [31] A Bíblia assegura-nos com todas as letras que Deus existe separado de sua criação e tem supremacia sobre ela (Gen. 1:1; Sl. 8:3-8).

Porque a idéia de que a salvação seja uma escolha, implica que as decisões humanas – obras - podem ser responsáveis pela salvação. Além do mais, um Deus que não tem a capacidade de fazer seus planos se concretizarem, não pode garantir que alguém permaneça num relacionamento com Ele uma vez que tenha decidido relacionar-se com Ele. A responsabilidade recai pesadamente nos ombros humanos. O que equivale a dizer que a salvação é conquistada por obras e pode ser perdida por obras. Todavia a Bíblia ensina claramente que "é pela graça que somos salvos, por meio da fé – e esta não vem de vós, é um dom de Deus – não por obras para que ninguém se glorie." (Ef. 2:8,9)

Conclusão

Clark Pinnock, Richard Rice, John Sanders, William Hasker and David Basinger fazem um esforço louvável para providenciar evidencias racionais e sistemáticas para sua crença em um Deus "acessível, aberto". Eles (de fato é Basinger, em nome deles) não obstante, concluem seu livro com uma nota muito subjetiva, afirmando que

...é óbvio que da maneira como eu discuti estas implicações, que eu, como os outros autores deste livro, consideramos que o modelo acessível não é só significativamente diferente dos seus competidores mas, também superior... E não considero nosso modelo logicamente superior aos outros... Nem creio que ele seja experimentalmente superior... Mas eu creio que o modelo acessível é superior no sentido de que eu pessoalmente acho que ele é a mais plausível, atraente conceptualização deste relacionamento. [32] (itálicos meus)

Espero ter demonstrado porque eu não creio que a teologia da acessibilidade seja superior no sentido de que eu pessoalmente acho que ele é extremamente deficiente à luz das evidências das Escrituras e extremamente perigoso à luz das ramificações missiológicas. Esta visão satisfaz a Pinnock e outros, pois lhes providencia uma estrutura na qual eles encontram as respostas que precisam baseados nas pressuposições que têm de Deus. O modelo tradicional evangélico, no entanto, me satisfaz e a muitos outros através de toda a história da igreja. Para nós, é a "mais plausível, atraente conceptualização" do relacionamento de Deus com o homem. Ele nos dá uma estrutura para conhecer e entender Deus até o nível que Ele nos permite, e nós dá a liberdade de responder a difíceis questões como a soberania de Deus versus o livre arbítrio do homem com um simples, "Eu não sei. É um mistério."

1. Donald Bloesch, God the Almighty, p. 71.

2. Bloesch, p. 36.

3. Clark Pinnock, et al., The Openness of God, p. 101. "O conceito de Deus é o mais importante de teologia – e o mais misterioso."

4. Pinnock, et al., p. 156.

5. Ibid., p. 7.

6. Bloesch, p. 54.

7. John Piper, "God, Foreknowledge and the Baptist General Conference," p. 5.

8. Pinnock, et al., p. 123.

9. Piper, p. 5.

10. Pinnock, et al., p. 163.

11. Ibid., p. 122.

12. Ibid., p. 170.

13. Ibid., p. 113.

14. Ibid., p. 125.

15. Ibid., p. 111.

16. Michael Horton, "Is the New News Good News?" Modern Reformation, September/October 1999, p. 13.

17. Pinnock, p. 25.

18. Bloesch, p. 44.

19. Ibid., p. 22.

20. John Piper refuta Boyd habilidosamente nas pp.29-35 de seu livreto intitulado, "God
Foreknowledge and the Baptist General Convention."

21. Pinnock, et al., p. 165.

22. Extraído de um trabalho não publicado de Greg Boyd, "A Bíblia e a Visão Aberta do Futuro," como citado por Piper na p. 12 de seu livreto intitulado, "God, and the Baptist General Convention."

23. Pinnock, et al., p. 123.

24. John Mark Terry, Ebbie Smith, Justice Anderson, Missiology, p. 353.

25. Piper, p. 13.

26. Ibid., p. 12.

27. Ibid., p. 13.

28.Ibid., p. 13.

29. Pinnock, et al., p. 175.

30. David Basinger faz esta declaração abruptamente em "The Openness of God". Em nenhum ponto ele tenta justificar esta visão biblicamente.

31. Pinnock, et al., p. 111.

32. Ibid., p. 176.

English Abstract
Missiological Misgivings About "Openness of God" Theology
João Mordomo

The author, executive director of CCI-Brasil, a missions organization based in Curitiba, Paraná, Brazil, and professor of missiology at the Paraná Baptist Theological Faculty, begins with an overview of the so-called "openness of God" theology that has been propagated by some noteworthy proponents among North American Evangelical theologians (such as Clark Pinnock) over the past ten years. After identifying certain theological problems of this "freewill theism", which in many ways resembles the more liberal "process theology", the author addresses what he sees as the greater danger associated with this theological framework, namely, its implications on how the Church fulfills her mission.

Portuguese Abstract
Uma Crítica Missiológica da Teologia de Clark Pinnock
João Mordomo

O autor, diretor executivo da CCI-Brasil, uma agência missionária sediada em Curitiba, Paraná, Brasil, e professor de missiologia na Faculdade Teológica Batista do Paraná, começa com um resumo de uma "nova" teologia de certos teólogos evangélicos norte americanos (entre eles Clark Pinnock) que desafia os conceitos clássicos concernentes a doutrina de Deus. Depois de identificar os problemas teológicos destas novas conceitos, que tem muito em comum com o mais liberal teologia de processo, o autor trata aquilo que ele acha o maior perigo desta teologia, que é as implicações dela na maneira de que a Igreja realiza a sua missão.


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