Deus, mal e racionalidade

por

Alan Myatt



[...]

Considerações filosóficas

O uso filosófico do mal como uma objeção ao teísmo cristão tem sido normalmente baseado sobre a idéia que de alguma forma os atributos de onipotência e perfeição moral de Deus são inconsistentes com a existência do mal. Supostamente, a noção do Deus cristão se torna incoerente pela presença do mal no mundo. Sobre essa base, se sustentamos que a presença de uma contradição lógica é um motivo adequado para ter como falsa uma proposição (o que eu faço), então a reivindicação é que o Cristianismo não pode ser verdadeiro porque a noção do Deus cristão é auto-contraditória.

Este tipo de argumentação é muito comum e tem sido desenvolvida em literatura filosófica por ateístas tais como J. L. Mackie e Antony Flew (veja God and Philosophy ). Para citar Mackie (no artigo “Evil and Omnipotence”, Mind. vol lxiv, no. 254 (1955): “Em sua forma mais simples, o problema é esse: Deus é onipotente; Deus é totalmente bom; e, todavia, o mal existe”. Certamente pode ser imediatamente observado que não há contradição formal entre essas três premissas. Mackie admite isso quando ele observa que a contrição emerge somente pela introdução de duas suposições adicionais: “que bom é oposto ao mal, de tal forma que uma coisa boa sempre elimina o mal até onde ela puder, e que não há limites para o que uma coisa onipotente possa fazer”.

O problema é que esses princípios adicionais são usados como “cartas marcadas”. A fonte para a definição dos atributos de Deus na teologia cristã é a Bíblia, não as preferências de um filósofo secular. O segundo princípio, a definição de onipotência que Mackie impõe sobre Deus, não é, e nunca foi, aquela da teologia cristã. Portanto, ela não tem nenhuma força como uma objeção ao Cristianismo. Obviamente, nenhum ser onipotente que exista, incluindo Deus, pode criar um estado de coisas no qual ele nunca existiu. As leis da lógica, na teologia cristã, estão fundamentadas na maneira como o próprio Deus pensa. Deus não pode fazer o que é logicamente impossível (criar uma rocha que ele não possa mover), não porque ele seja muito fraco, mas porque tais atos são absurdos por definição. Eles não têm nenhuma referência a qualquer estado possível de coisas em qualquer mundo possível.

Voltaremos ao primeiro princípio momentaneamente, mas primeiro podemos clarificar um pouco mais a seguinte formulação de Alvin Plantinga. Plantinga, um filósofo cristão, esboça os essenciais relevantes da crença teísta da seguinte forma (veja God, Freedom and Evil ):


1. Deus existe
2. Deus é onipotente
3. Deus é onisciente
4. Deus é oni-benevolente
5. Deus criou o mundo e
6. O mundo contém mal.


Plantinga então coloca a pergunta: “Onde está a contradição aqui?”. Não há, de fato, nenhuma contradição entre qualquer uma dessas premissas, a menos que alguém introduza princípios ou definições de termos que não são necessários ao teísmo cristão. O cético responde: “Mas certamente um ser oni-benevolente não criaria um mundo onde o mal existe”. O cristão responde com um simples, “quem disse?”. Certamente nenhum teólogo cristão jamais sustentou isso. A Bíblia não diz isso. Assim, por que um cristão deveria aceitar a noção de que suas crenças são contraditórias quando para se chegar a tal conclusão é necessário aceitar uma premissa alheia ao sistema de crença cristão? Esta é uma demanda muito irracional da parte do cético.

A consideração do cético sobre o que um ser oni-benevolente faria é o mesmo que o primeiro princípio de Mackie acima. Isso é uma imposição inteiramente inapropriada sobre a teologia cristã. Ela carrega a bagagem adicional de implicar que o bem sempre eliminará o mal imediatamente, antes do que talvez tolerá-lo por um tempo para alcançar outros fins. A Bíblia indica que há razões porque Deus está permitindo o mal continuar temporariamente. Uma dessas é para que ele possa mostrar misericórdia a pessoas más, dando-lhes uma oportunidade para mudar seus caminhos antes de julgá-las. Essa última noção deveria fazer o crítico parar para pensar. Quando ele exige que Deus elimine o mal imediatamente, ele deveria considerar se há ou não algum mal dentro de si mesmo. Uma exigência para que Deus elimine todo o mal imediatamente poderia se tornar uma exigência para Deus eliminar a própria pessoa.

Mas o problema real com esse primeiro princípio é que ele professa saber o que é bom, independentemente de Deus, e então demanda que Deus se submeta a esse padrão. Contudo, isso é novamente acusar o teísmo cristão de incoerência baseado sobre sua falha em aderir aos padrões de um axioma não-cristão, que é imposto sobre ele de fora. Essa simplesmente não é uma forma logicamente válida de argumentação e, assim, não tem nenhuma força racional contra o Cristianismo.

Aqui está a forma como devo ver o problema: Se Deus existe, então ele mesmo, isto é, seu próprio caráter, é o padrão final do bem e do mal. Não há nenhum padrão de bem que esteja acima de Deus, ao qual o crítico possa apelar para acusá-lo. Deus é a realidade última, existindo antes, acima e fora do universo. Os únicos padrões objetivos e universalmente válidos de bem e mal que a criatura pode alguma vez encontrar deve vir a partir de um ponto de referência pessoal fora da criação finita, e na natureza do caso, esse ponto de referência é a mente do Criador. Portanto, a forma como conhecemos o que é bom, é porque Deus nos diz. O próprio Deus é simplesmente bom por definição. Assim, o que quer que Deus faça é bom, simplesmente porque é Deus quem o fez. Ponto! O modo como sabemos o que um ser perfeitamente bom como Deus faria é observando o que ele realmente faz. Se Deus escolheu criar um mundo onde ele permite, por um tempo, a existência do mal, então é bom para ele fazer assim. Deus não presta conta para ninguém, senão para si mesmo.

Se o crítico há de fazer sua objeção ser perspicaz, então ele tem que demonstrar que encontrou um padrão objetivo de bem fora e independente de Deus, ao qual Deus é obrigado a se submeter. A menos que ele possa fazê-lo, ele não tem nenhum argumento, somente seu preconceito pessoal. Eu estou totalmente convencido que isso não pode ser feito. Mas estou disposto a considerar cuidadosamente seus melhores esforços.

Alvin Plantinga, professor de filosofia em Notre Dame, tem se tornado a figura mais importante na filosofia da religião contemporânea. Sua influência está muito difundida e ninguém pode trabalhar no campo hoje sem contender com suas respostas às questões chaves, especialmente na epistemologia religiosa. Esse é também o caso com respeito ao problema do mal. O próprio Mackie, não muito antes de morrer, finalmente admitiu que não havia nenhuma formulação estritamente lógica do problema do mal que tornasse o Cristianismo incoerente. O resultado disso é que filósofos não-cristãos têm na maioria das vezes abandonado esse modo de ataque e se refugiado numa objeção mais subjetiva e “indutiva” ao Cristianismo. Eles argumentam que embora a presença do mal não invalide o Cristianismo, ela o torna pouco provável. Eu teria que dizer: “Mas, por que? Apenas porque você não gosta dele?” Parece-me que, no final das contas, tudo se reduz a isso. Não há nada irracional em crer num Deus bom e todo-poderoso que cria um mundo que contém o mal. Não há nada irracional em crer que ele tenha razões boas e adequadas para assim fazer, algumas das quais ele nos revelou e outras não.

(nota – embora seja sempre útil ler as fontes originais, há um belo sumário de Mackie e Plantiga, realizado por Ronald Nash, em Faith and Reason, capítulo 13.)

Assim, parece que o problema considerado filosoficamente não é tão óbvio e simples como você está determinado a tornar. Quando você começa definindo conceitos tais como bem e mal, coisas tais como crueldade, então você tem um padrão objetivo pelo qual tais coisas são definidas. Você precisa ser capaz de estabelecer a coerência lógica das definições que você está usando como a base para suas objeções. De outra forma, suas queixas são sem qualquer força racional. Elas demonstram que você pode não gostar da forma como o universo é, mas isso não é o que está em questão. Simplesmente dispensar o Cristianismo porque você não gosta da forma como Deus aparentemente governa o universo não é uma objeção racional.. É apenas uma reação irracional, automática e emocional.

Isso leva o cético a uma inteiramente nova série de problemas; problemas que existem para ele dentro de seu sistema, mas não dentro do sistema cristão. Como assim? Peguemos essa frase de Pledge of Allegiance como um exemplo: “Liberdade e justiça para todos”. Esse é um princípio nobre que assumo, com o qual todos nós concordamos. Isso significa que devemos ter alguma noção do que é “justiça”. De fato, a força inteira da objeção agnóstica ao Cristianismo, como você declara, é a implicação de que Deus é injusto. Novamente, a própria objeção pressupõe de que há tal coisa como justiça e que é possível conhecer o que ela é. Dando um passo mais adiante, parece-me que a importância de sua argumentação contra a guerra, o presidente, corporações, destruição do meio-ambiente, etc. depende da mesma pressuposição. Há tal coisa como justiça objetiva e seus padrões podem ser conhecidos.

Segue-se necessariamente, a partir do exposto acima, que se alguém não pode demonstrar que sua cosmovisão é capaz de fornecer uma definição objetivamente válida de justiça, bem como demonstrar que sobre a base de seus axiomas a justiça é conhecível, então os argumentos morais que tal pessoa tem construído sobre tal fundação frágil deve desmoronar. Para colocar de forma mais clara, a menos que você possa sugerir algumas razões boas para crer que a justiça existe e que ela é conhecível, não há realmente sequer uma razão debaixo do sol pela qual alguém deva prestar a mínima atenção a qualquer um de seus argumentos a favor ou contra qualquer posição moral, seja qual for.

Assim, esse é o meu primeiro desafio aos agnósticos que pensam que Deus poderia fazer um trabalho melhor. Eu quero saber, sobre a base dos axiomas de sua cosmovisão, de onde ele consegue a noção de “melhor”. Como ele sabe o que é “bom”? A partir de onde ele deriva o padrão moral pelo qual ele determina que o sofrimento é “cruel” ou “mal”? Qual é o padrão para dizer que uma coisa é melhor ou pior do que outra? E se ele produz um padrão, por que deveríamos prestar atenção a ele? Sobre que base ele é objetivamente válido e universalmente aplicável?

Todo sistema ético requer três coisas: um padrão, um objetivo e uma força de motivo. O padrão nos diz o que é bom e o que é mal. O objetivo nos diz a direção apropriada na qual devemos nos mover. A força de motivo explica como é que podemos esperar que seja possível alcançar o objetivo. Quais são essas três coisas para o agnóstico ou cético, e de onde elas vêm?

O teísmo cristão satisfaz esses requerimentos. Ele oferece uma base perfeitamente racional para a ética e justiça. Ele estabelece a existência de padrões objetivos de justiça universais, de certo e de errado, e de direitos humanos inalienáveis universais. Por outro lado, as pessoas têm tentado estabelecer tais padrões sobre a base do naturalismo filosófico por pelo menos uns 2.500 anos. Ninguém teve sucesso ainda. Tudo o que eles conseguem é sugerir normas socialmente determinadas que devem sucumbir ao declínio do relativismo e anarquia, ou do governo totalitário e arbitrário imposto pelo monarca o ditador. E como uma bola de ping-pong, apenas vacilam entre os dois.

O que está em questão é se as reivindicações do teísmo cristão são verdadeiras ou não. O Deus Triuno da Bíblia existe ou não? Se você sustenta que aquelas reivindicações são falsas e que ele não existe, então você tem uma obrigação de apresentar uma alternativa intelectualmente coerente que estabeleça a racionalidade de sua visão, incluindo suas objeções. Você tem uma obrigação moral e intelectual de fornecer uma teoria coerente de ética e uma teoria viável de conhecimento. Se você esperar manter a racionalidade de sua rejeição do Cristianismo, então você deve também apresentar uma teoria alternativa plausível de realidade e finalmente uma explicação razoável quanto ao propósito de tudo isso (porque deveríamos nos preocupar sobre alguma coisa). Você também tem a obrigação de fornecer uma explicação coerente da pessoa histórica de Jesus Cristo e os eventos ao redor de sua morte e ressurreição que refutam as reivindicações do Cristianismo. Eu gostaria de ver você estabelecer o seu caso.

 

Original em inglês:

http://imagoveritatis.myatts.net/comments.php?id=P68_0_1_0_C

http://imagoveritatis.myatts.net/comments.php?id=P70_0_1_0_C

 

 


Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 05 de Novembro de 2005.

Este artigo é parte integrante do portal http://www.monergismo.com/. Exerça seu Cristianismo: se vai usar nosso material, cite o autor, o tradutor (quando for o caso), a editora (quando for o caso) e o nosso endereço. Contudo, ao invés de copiar o artigo, preferimos que seja feito apenas um link para o mesmo, exceto quando em circulações via e-mail.


http://www.monergismo.com/

Este site da web é uma realização de
Felipe Sabino de Araújo Neto®
Proclamando o Evangelho Genuíno de CRISTO JESUS, que é o poder de DEUS para salvação de todo aquele que crê.

TOPO DA PÁGINA

Estamos às ordens para comentários e sugestões.

Livros Recomendados

Recomendamos os sites abaixo:

Monergism/Arquivo Spurgeon/ Arthur Pink / IPCB / Solano Portela / Spurgeon em Espanhol / Thirdmill
Editora Cultura Cristã /Editora Fiel / Editora Os Puritanos / Editora PES / Editora Vida Nova