O Espírito Recriador

por

Dr. Sinclair B. Ferguson

 

A união a Cristo é inaugurada pela obra renovadora do Espírito, na qual ele começa a transformação à imagem de Cristo, a qual se completará no eschaton. Assim se cumpre a antiga promessa de que Deus daria a Seu povo um novo coração e espírito pela habitação de Seu Espírito, resultando num novo estilo de vida (Ezequiel 36:24-27).

Esta transição foi marcada no Novo Testamento pelo rito do batismo. Durante o tempo de Justino Mártir e Irineu, no final do segundo século d.C., a regeneração já parecia ter se tornado tão estreitamente associada com seu símbolo do batismo, que se interpretava os dois como sendo coincidentes. Tal suposição tornou-se tão refinada que o sinal e o elemento significado relacionavam-se de uma forma sine qua non, e um ponto de vista sacramental da regeneração chegou a dominar a teologia da igreja. Mesmo para Agostinho, para quem os reformadores olhavam como o grande teólogo da graça, a idéia da regeneração à parte do batismo com água era inimaginável. A doutrina do limbus infantum, para aqueles que morriam na infância sem batismo, tornou-se assim virtualmente uma necesidade dogmática para a igreja medieval.

Embora os principais pensadores da Reforma continuassem a enfatizar o papel e necessidade do batismo como o sinal da regeneração, argumentavam que qualquer identificação dos dois deve ser vista como sacramental e mecânica; o sinal e o elemento significado não devem ser confundidos, como se a graça indicada pelo sinal estivesse contida nele.

Particularmente no ensino de Calvino, o termo "regeneração" era usado para denotar a renovação que o Espírito efetua em todo o curso da vida cristã. Para ele, ela descreve a mesma realidade denotada pela "conversão" e pelo "arrependimento", mas vista por um prisma diferente. [1] Mais tarde, em muitos escritores do século dezessete houve a tendência de tratarem a vocação eficaz e regeneração como sinônimas. Só no desenvolvimento contínuo da teologia evangélica o termo veio a ser usado no sentido mais limitado e particular da inauguração da nova vida pela soberana e secreta atividade de Deus.[2] Embora isso servisse para chamar a atenção para o poder de Deus ao doar a nova vida, quando separado de seu contexto teológico próprio, era suscetível de ser subjetivado no campo da psicologia a uma extensão tal que o termo "novo nascimento" tornou-se deslocado de suas raízes bíblicas.

Mas, o que o Novo Testamento propriamente dito pretende quando fala de "regeneração"? Na estrutura da soteriologia evangélica, a regeneração tem ocupado um papel de tal vulto que o "segundo nascimento" tem sido considerado como o elemento definitivo de genuína experiência cristã. No entantoo, o termo neotestamentário para regeneração, palingenesia (de palin, "de novo", e genesis, "começo"), ocorre somente duas vezes no Novo Testamento. Em Mateus 19:28, ele indica a "renovação" de todas as coisas, o renascimento final do universo, significado esse que se põe em marcante contraste com seu uso no pensamento estóico como sendo a restauração periódica do mundo.

Palingenesia, aqui, é a ressurreição final, a adoção concretizada dos filhos de Deus, a redenção de seus corpos e de toda a criação gemente (Romanos 8:19ss.), bem como o estabelecimento dos novos céus e da nova terra, onde habita a justiça (2 Pedro 3:13). Ela é cósmica em seus efeitos.

A única outra ocorrência de palingenesia é em Tito 3:5, onde Paulo fala do "lavar do renascer [palingenesia] e renovação pelo Espírito Santo". É difícil ser dogmático sobre o significado desta frase. O lavar consiste em renascimento, efetua o renascimento, ou simboliza o novo nascimento (através do batismo)? A afirmação indica duas ações (lavagem e renovação), ou é uma hendíadis (em que uma idéia singular se denota por suas expressões).

Esta última interpretação parece razoável e, se for válida, sugere uma notável conexão entre a regeneração do indivíduo e o raiar da nova era, já que somente o outro uso que Paulo faz de "renovação" (anakainosis, Romanos 12:2) serve à função de enfatizar o contraste entre a presente ordem mundial e aquela da era por vir. Além do mais, como realça H.N. Ridderbos, o derramamento do Espírito a que Paulo se refere neste contexto é "terminologia tipicamente escatológica". [3] Ele sublinha o fato de que Paulo vê a regeneração dentro de um contexto mais amplo, como um compartilhar na ressurreição e renovação que foram inauguradas pelo Espírito em Cristo. A renovação que se efetua na regeneração (e simbolizada no batismo) é, pois, não meramente uma mudança interior; é a incursão de uma nova ordem na presente ordem de realidade. Assim, a regeneração (palingenesia) e os cognatos (anagennao, gennethenai anothen) denotavam não simplesmente o fenômeno da mudança espiritual dentro, de baixo, por assim dizer, mas transformação de fora e de cima, causada pela participação no poder da nova era, e mais especificamente pela comunhão, através do Espírito, com o Cristo ressurreto como o segundo homem, suas primícias, o Adão escatológico (ho eschatos Adam, 1 Coríntios 15:45). Esta é a nota que se tornou emudecida no ensino da igreja pós-apostólica, mas que precisa ser redescoberta.


Nova Criação — Nova Vida

Embora

 

Monergismo Divino

Embora

 

Aspectos da Regeneração

Embora

 

 

portanto, é "monergística", [4] a obra de Deus unicamente, não "sinergística" [5] algo


[1] - Conferir Ezequiel 36:25: "Então aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados".

[2] - Observe que no Catecismo de Heidelberg, P. 73, essa expressão é interpretada como referente ao batismo.

[3] - A possibilidade que a regeneração pode permanecer inativa numa pessoa por muitos anos antes de induzir ao arrependimento e fé (regeneração dormente), ensinada, por exemplo, por Abraham Kuyper (veja E. Smilde, Een Eeuw van Strijd over Verbond em Doop [Kampen: Kok, 1946], pp. 105-6) parece ter sido abolida por essas passagens das epístolas de 1 João.

[4] - Termo formado por duas palavras gregas que significa, aqui, "trabalhar sozinho".

[5] - Termo formado por duas palavras gregas, significando "trabalhar junto", em cooperação. Oposto ao monergismo que significa "trabalhar sozinho".

 


Fonte: Revista Os Puritanos – Ano XI – Nº 03 – Julho/Agosto/Setembro/2003.


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