“Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, mas sim o Espírito que provém de Deus, a fim de compreendermos as coisas que nos foram dadas gratuitamente por Deus”
(1 Coríntios 2.12)
Começo com outra pergunta – o que seria “aceitar a Jesus”? Para muitos crentes, esta é a definição daquilo que acontece quando as pessoas vão à frente e dizem “agora eu creio que Jesus pode me tirar desta vida”, e então estas pessoas recebem o Espírito Santo, são regeneradas (nascem de novo) e então, salvas.
Assim, a ordem seria a seguinte – ouço a pregação do Evangelho, percebo que é uma mensagem poderosa (com a colaboração do Espírito Santo, que me convence) tenho fé, aceito a Jesus e então experimento o benefício da salvação conhecido como “novo nascimento”, o “nascer de novo” de João 3 e me torno parte da “nova criação”, conforme 2 Coríntios 5.17.
Não quero entrar na questão de dizermos “aceitar a Jesus” ou não, mas entender a passagem. Aqui, Paulo está nos ensinado justamente o contrário do que disse logo acima, em sua carta aos Coríntios. Iremos passo-a-passo no texto, a fim de demonstrarmos a ordem real das coisas segundo a Bíblia.
1) Não temos o espírito do mundo
Paulo começa o trecho falando sobre o espírito do mundo. A questão aqui não é a definição deste “espírito”, mas o motivo de ele falar que não temos. No versículo anterior, Paulo diz que apenas o Espírito de Deus pode compreender as coisas de Deus (v.11).
Temos aqui dois pontos a serem pensados. Uma conclusão e uma pergunta:
a) Por conseqüência do raciocínio do primeiro parágrafo, apenas aqueles que não têm o espírito do mundo são capazes de compreender as coisas de Deus.
b) E a pergunta agora é – seria o Evangelho uma mensagem humana, que aqueles que não têm o Espírito podem compreendê-la?
Pelo que lemos em todo o Novo Testamento, o Evangelho é algo completamente divino, uma mensagem de salvação que vem de Deus, que é “codificada” por Deus, e que apenas o Espírito de Deus pode comprreendê-lo. A Palavra é clara quanto a isto.
Marcos já inicia sua obra dizendo que Jesus pregava o Evangelho de Deus (Mc 1.14), Paulo diz que o Evangelho é Poder de Deus (Rm 1.16), que pelo Evangelho ele gerou crentes (1 Co 4.15) e que o Evangelho é de Cristo (2 Co 9.13). Em 1 Tessalonicenses, há uma distinção entre o Evangelho chegar apenas em meras palavras ou discurso, e ele chegar em poder, no Espírito Santo que provém de Deus . E em uma de suas visões, João vê um anjo carregando o Evangelho que salvaria homens de toda tribo, raça, língua e nação (Ap 14.6).
No entanto, a melhor prova, talvez, seja justamente a diferenciação que Paulo faz sobre o Evangelho que ele pregava e o “evangelho” enganoso que estava sendo pregado entre os gálatas. O falso evangelho, que manifestava que o pregador era um maldito de Deus (anátema) se contrapõe com o Verdadeiro Evangelho. E então, o Apóstolo faz uma interessante distinção entre estes dois tipos de mensagem – Paulo afirma claramente que o Evangelho pregado por ele não vem de homens (Gl 1.11), mas de Jesus Cristo.
Voltemos aos dois pontos iniciais.
Assim, temos que o Evangelho é “coisa de Deus” e, portanto, apenas é possível de ser compreendido pelo Espírito de Deus. Se compreendemos algo que é completamente de Deus, a única forma de fazer isto é por meio do “Espírito que provém de Deus” .
2) Por que recebemos o Espírito que provém de Deus?
A resposta é simples e está no próprio versículo – afim de que [ou seja, com o objetivo, com o propósito] compreendamos as coisas que nos foram dadas gratuitamente por Deus.
Desta forma, podemos perceber claramente a ordem em que as coisas acontecem quando um homem é salvo (conhecida pelos teólogos como Ordo Salutis , ”Ordem da Salvação”). Como Paulo diz em todo o capítulo 2 de 1 Coríntios, o homem natural não consegue compreender as coisas de Deus . Se, por natureza, somos incapazes de compreender as coisas de Deus, como o Criador poderia nos salvar, se Ele grita a mensagem, mas nossos ouvidos não ouvem?
Você diz: se a pessoa receber o Espírito Santo, ela ouvirá. E eu respondo que você está correto. E então, este mesmo Espírito que estava presente na Criação, pairando sobre a face do abismo (Gn 1.2), gera um Novo Homem, uma Nova Criatura – plenamente capacitada para ouvir e entender a mensagem que é transmitida. Como disse, ela é algo codificado, e o Espírito Santo transforma o nascido de novo em alguém capaz de entender o código, enquanto aqueles que não O recebem não têm esta capacidade.
E agora, sim, acontece a diferença entre o crente e incrédulo. Existe um motivo para o incrédulo não crer na mensagem do Evangelho – ele não consegue! Ele não compreende as coisas de Deus. Você só pode crer em algo se é capaz de compreendê-lo. Veja – eu não estou dizendo que só cremos depois de vermos (no sentido “Tomé” da afirmação), pois isso iria contra a definição básica de fé, em Hebreus 11.
Estou dizendo que cremos naquilo que nossa nova capacidade, a mente de Cristo que Paulo citará em versos seguintes, nos capacita a fazer. Esta nova capacidade nos faz compreender realmente o que é a graça de Deus e de uma forma irresistível, somos levados a crer. Isto inverte o que grande parte das pessoas pensa sobre sua salvação – você não se tornou uma nova criatura porque creu, mas se tornou uma nova criatura para poder crer.
E isto é claro por toda a Escritura – Jesus escolheu os discípulos para que eles pudessem escolhê-lO (João 15.16), Deus nos conheceu de antemão para muito depois podermos conhecê-lO (Romanos 8.29) e nós amamos porque Ele nos amou primeiro (1 João 4.19).
3) As coisas que nos foram dadas gratuitamente por Deus
O que é algo gratuito, senão uma coisa que ganhamos sem ter pago ou nos esforçado por ela? Acho que essa é uma verdade básica até entre os não-crentes. Você pode ganhar um carro por comprar determinado produto, mas você não pagou pelo carro. Mesmo que exista uma necessidade de responder a uma pergunta e mandar uma carta, ainda assim foi uma decisão do marketing (ou o que for) realizar a promoção que daria gratuitamente o prêmio.
No caso da Graça de Deus, nem uma “compra de produto” você realizou. Na verdade você detestava o produto - "quando éramos inimigos de Deus fomos reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho" (Rm 5.10).
Então, tenho certeza absoluta que aqueles que têm o Espírito Santo podem compreender que eles receberam gratuitamente o Espírito e foram transformados para que pudessem crer. Não tivemos de crer (ou seja, pagar um preço, fazer algum trabalho, mesmo o mero esforço “intelectual” de crer) para receber o Novo Nascimento; apenas fomos amados por Deus primeiro, para vir a amá-lO.
Nunca se esqueça disso – você verá que sua definição de graça mudará significativamente.
Por fim...
Talvez existam aqueles que não compreenderam isso. Ou acham que compreenderam, mas que perdi um bom tempo de minha vida explicando coisas inúteis. Com isso, não falo dos crentes, pois estes deveriam se preocupar com o assunto – se não se preocupam, deveriam repensar sua postura. Não digo que devam entender tudo claramente, porque às vezes posso usar termos difíceis, mas sei que os crentes ao menos têm uma idéia do que estou falando.
Falo daqueles que reconhecidamente não são religiosos e sabem que não têm qualquer fagulha do Espírito Santo neles; aqueles que compreendem sua incapacidade de crer. E mesmo que você, não sendo crente, acredite que as palavras que escrevi são verdadeiras, percebe que não merece algo do tipo, da parte de Deus.
Se você realmente não foi capaz de levar a sério isso, ou não compreende o assunto em questão, esta é a prova mais clara da afirmação de Paulo quanto ao homem natural (o homem sem Cristo) não compreender as coisas espirituais. E aí você diz – “eu não mereço!”. Se alguém merecesse, não seria gratuito, não seria graça!
Assim, sua incômoda posição diante desse texto pode mudar. Você pode pedir para compreender. Simplesmente, admita – “Senhor, eu não entendi isso, me dê a capacidade de entender as coisas espirituais, pois percebo que não a tenho” .
Então você me responde: você acabou de dizer que eu não creio sem compreender! Eu respondo: se você realmente pediu para compreender, e pediu isto sinceramente, não há dúvida, já existe um “trabalho de parto” em andamento. Não duvido que, em pouco tempo, um Novo Homem, capaz de compreender, crer e se deleitar nestas verdades, terá nascido.
“Não que possamos reivindicar qualquer coisa com base em nossos próprios méritos, mas a nossa capacidade vem de Deus.” (2 Coríntios 3.5)
Sobre o autor: O autor do presente artigo é estudante de teologia na Faculdade Teológica Batista de Brasília e membro da Terceira Igreja Batista do Plano Piloto (Brasília-DF), onde atua nas áreas da Juventude, Missões e dá aulas na classe de adolescentes da EBD. É um dos colaboradores nas traduções do Monergismo.com.
E-mail/MSN: josaias@hotmail.com