A Igreja e a Batalha Espiritual: Você Está em Guerra!
(Resenha do Livro)
por
Augustus Nicodemos Lopes

A Igreja e a Batalha Espiritual: Você Está em Guerra!
Neusa Itioka
Sepal, 1994 - 76 pags.
Resenha: Augustus Nicodemus Lopes

Este é o segundo livro de Neuza Itioka na série Batalha Espiritual editada pela SEPAL. Na Apresentação é dito que, através dos seus livros nesta série, Itioka pretende esclarecer alguns mal entendidos acerca do seu ministério e das suas posturas teológicas acerca de "batalha espiritual". Itioka é apresentada como parte de um grupo cada vez mais expressivo "que está produzindo muito no Reino de Deus ao aplicar os princípios da teologia sobre batalha espiritual" (p.5). Porém, não é dito qual o tipo ou a orientação da teologia que Itioka vai aplicar. Resta ao leitor descobrir através da sua leitura. A Apresentação já antecipa o óbvio: "É possível que você não concorde com todas as afirmações da Neuza neste livrete" (p.5).

O livrete é bem escrito e fácil de ler. Após uma breve introdução (pp.9-14), a autora trata da posição e autoridade que a Igreja tem, dadas por Jesus Cristo, sobre os principados e potestades, sobre os espíritos malignos (pp.15-22); em seguida, ela oferece uma análise do mundo onde a Igreja está inserida, destacando o crescimento do ocultismo e da Nova Era em várias partes do mundo, particularmente no Brasil. Essa leitura da situação mundial é informada pela crença da autora de que todas as diversas manifestações de miséria e decadência são resultado de opressão maligna (pp.23,34).

Em seguida, Itioka faz uma apresentação dos princípios que regem a luta contra os principados e potestades (pp.35-50). Segundo ela, os principados e potestades se alimentam da iniqüidade humana (p.36); exercem controle sobre as estruturas sociais, econômicas e eclesiásticas, uma tese que defende baseada no trabalho de Robert Linthicum (p.38); depois, Itioka procura dar embasamento bíblico para a idéia da existência de espíritos territoriais (pp.43,44).

Este material é aplicado em seguida com relação a missões (pp.51-58) e ao trabalho pastoral (pp.59-69). Nestes capítulos, Itioka ensina diversas táticas ou manobras de batalha espiritual a serem usadas pela Igreja, como o amarrar e destronar as potestades através da oração, identificar as entidades malignas, submeter áreas geográficas ao senhorio de Cristo, correntes de oração, orar numa determinada área geográfica.

Abordando o trabalho pastoral, Itioka defende principalmente a tese de que crentes podem ficar endemoninhados, e que, além da conversão, é necessário romper com os vínculos feitos com as hostes malignas antes da conversão, através da identificação das entidades espirituais com as quais tais vínculos foram feitos, e a rejeição vocalizada de cada uma delas.

O livro é um exemplo bem representativo dos principais conceitos do movimento de "batalha espiritual" tão em voga no Brasil e no mundo hoje. Um aspecto positivo é que chama a atenção da Igreja brasileira para a realidade de que ela está, de fato, envolvida num conflito espiritual com as hostes malignas. Um outro aspecto positivo, é a ênfase na oração dada por Itioka.

Entretanto, o livro apenas mantém e reafirma as antigas posições de Itioka, pouco ou nada trazendo de novo ao que já foi dito por ela em outros livros. Pessoalmente, não fiquei mais esclarecido sobre as posições da autora, nem creio que algum possível mal-entendido tenha sido explicado. Itioka mantém as mesmas posições básicas de obras anteriores, em que pesem as promessas feitas na Apresentação.

O livro contém conceitos teológicos altamente discutíveis, como a possibilidade de um crente genuíno ficar endemoninhado (pp. 29,62-64,65), o endemoninhamento de estruturas políticas, sociais ou eclesiásticas (pp. 37, 42,52-57), ou ainda, que igrejas têm suas próprias entidades espirituais malignas, que se alimentam dos pecados não tratados das mesmas (pp. 36,39,40,67). A certa altura, Itioka desfecha um ataque à suficiência de Cristo, e qualifica a confiança do crente na obra de Cristo como "ufanismo festivo" e "triunfalismo vazio", um empecilho ao progresso da igreja (p.17). Como um bom corretivo para essa ênfase desequilibrada de Itioka, recomendo o livro de John McCarthur, A Suficiência de Cristo, publicado pela Fiel, especialmente o capítulo sobre Batalha Espiritual.

Alguns pontos chaves do livro ficaram sem a necessária comprovação exegética, como a elaborada e sofisticada teologia da ocupação geográfica por hierarquias de demônios (pp.37,42,45-50,52,53,56) — será que podemos construir toda uma teologia de demônios territoriais baseados nas pouquíssimas passagens bíblicas que sugerem que alguns demônios atuam em certas áreas geográficas? Não é uma boa prática exegética tomar variantes textuais do texto Hebraico como suporte a essa tese, como Itioka faz, seguindo sugestão de Michael Green (pp.43,44). Para Itioka, a Igreja deveria levar a sério o pressuposto que crentes podem ter demônios ou ficar endemoninhados, mas ela falha em fornecer qualquer evidência bíblica (p.65). Citar experiências onde pessoas supostamente regeneradas estavam "endemoninhadas" não é evidência persuasiva.

Uma das mais sérias deficiências do livro diz respeito às suas fontes. Em sua bibliografia (p.71), procura-se em vão por bons livros de teologia, que vem sendo usados pela Igreja há séculos, e que possam ter informado a autora, já que este livro é apresentado como uma aplicação "da teologia" ao assunto. É surpreendente encontrar nas notas bibliográficas fontes como "fatos constatados e verificados nas ministrações pessoais", depoimentos pessoais, e testemunhos de ex-pais de santos.

É destas últimas "fontes", totalmente inaceitáveis em um trabalho que pretende ser acadêmico, e feito por uma autora que porta o título de "doutor" em teologia, que Itioka tira o fundamento para grande parte do seu livro. Por exemplo, a sua convicção de que crentes verdadeiros podem ficar endemoninhados baseia-se, não em exegese das Escrituras, mas na narrativa de várias experiências que teve (pp.29,30; 61-64).

Itioka freqüentemente usa experiências como fonte autoritativa de conhecimento. Ela afirma, com base na sua experiência de aconselhamento, que certos demônios "adquirem" o direito de se sentarem no pescoço das pessoas (p. 30). Com base em testemunhos, ela afirma que as orações da Igreja diminuem o índice de criminalidade, roubo e violência, que as entidades de uma rua podem ser atadas, etc. (pp.52,53). Uma de suas crenças mais curiosas, a de que determinadas igrejas tem entidades malignas que se alimentam dos pecados não resolvidos da comunidade e seus pastores, é defendida principalmente com base em vários testemunhos (pp.67-69). O que é mais sério, Itioka faz várias especulações sobre os demônios que dominam o Brasil baseada na doutrina da Umbanda sobre estas entidades (p.49).

Uma outra deficiência do livro é a exegese defeituosa e forçada que Itioka por vezes faz de algumas passagens bíblicas, como por exemplo tomar Efésios 1.20-22, que refere-se à posição triunfante do Cristo ressurreto, e transferir sem qualquer qualificação para a Igreja ainda vivendo na terra (militante), pp. 18,19. Ou ainda, tomar Efésios 6.18 para provar que pela oração a Igreja pode manietar e amarrar as forças demoníacas (p.52). E ainda, Itioka afirma que os anjos das cartas de Apocalipse (Ap 2-3) são anjos literais que incorporam e absorvem o estado espiritual da Igreja, e que alguns deles são substituídos por demônios, devido à decadência espiritual da comunidade que representam. Tudo isso, baseada nas sugestões (sem exegese) de Walter Wink e R. Linthicum em Apocalipse 2-3 (pp.40,41).

Infelizmente, muito mais é afirmado no livro do que pode ser provado através de estudo bíblico cuidadoso. E isso pode ser dito, com temor e tremor, e profunda tristeza, da maior parte das práticas advogadas pelo movimento de "batalha espiritual". Não recomendo esse livro aos pastores que procuram boa literatura sobre o assunto, para alimentar o rebanho, e ensiná-lo acerca desse importante assunto, que o conflito da igreja com os principados e potestades nos lugares celestiais.

Para os que desejam uma melhor literatura sobre o assunto, sugiro ainda, além da obra de McCarthur citada, o livro de Martyn Lloyd-Jones, O Combate Cristão, publicado pela PES, que é uma exegese de Efésios 6. E para os que podem ler inglês, recomendo o excelente livro de David Powlison, recém-publicado nos Estados Unidos, Power Encounters: Reclaiming Spiritual Warfare (Grand Rapids: Baker, 1995).


Augustus Nicodemus Lopes, doutor em Novo Testamento, é professor de Exegese do Sem. Presbit. José Manoel da Conceição, em São Paulo e Diretor do Centro Presbit. de Pós-Graduação Andrew Jumper, São Paulo.


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