Discernindo o Corpo: 1 Coríntios 11:29 e a Pedo-Comunhão

por

Tim Gallant



Aquele que come e bebe de uma maneira indigna, come e bebe julgamento para si mesmo, não discernindo o corpo do Senhor. [NKJV]

Num artigo relacionado com este, “Exame e Memória”, eu argumentei que o requerimento para “auto-exame” em 1 Coríntios 11:28, bem como o aspecto “memorial” da Ceia articulado nos versos 24-25, não impede a admissão das crianças do pacto à mesa do Senhor. Eu forneci evidência contextual, tanto dentro do capítulo, bem como à partir dos temas mais amplos das epístolas, do uso da palavra por Paulo, e dos conceitos do Antigo Testamento, para mostrar que o assunto em 1 Coríntios 11:28 é quebra de pacto. Vir à mesa do Senhor, enquanto se repudia a fé através de imoralidade grosseria e divisão, significa que o participante está “comendo e bebendo de uma maneira indigna”.

Isto levanta a questão: O que Paulo quer dizer quando ele fala de “discernindo o corpo do Senhor” (v. 29)?

Muitos intérpretes tradicionais têm reivindicado que Paulo está se referindo a uma capacidade para discernir o corpo e o sangue de Cristo, seja “nos elementos” ou pelo menos na ação sacramental como um todo. Eles afirmam que Paulo está ensinando que uma certa quantia de entendimento teológico é necessário antes que alguém possa ser admitido à mesa. Quer este entendimento seja estreitamente sacramental (por exemplo, a natureza da presença de Cristo na Ceia) ou interpretado mais amplamente (por exemplo, um entendimento teológico da morte sacrificial de Cristo, etc), a implicação é que, as crianças pequenas não têm os meios necessários para satisfazer os requerimentos para participar.

Esta visão, contudo, levanta certas questões. Por exemplo: qual a medida de conhecimento que Paulo requer? A Igreja permanece em confusão com respeito ao sacramento da Ceia do Senhor, nesses dias. Isto significa que a maioria esmagadora dos participantes são “indignos”? Como isto se coaduna com a ordem de Jesus: “Comei dele, todos vós”? Além do mais, o Novo Testamento não fornece nenhuma dica sobre extensa catequese anterior à participação na Ceia. Os batizados são participantes da Ceia (por exemplo, 1 Coríntios 12:13), e Paulo batizou o carcereiro de Filipos e a sua casa quando eles ouviram um único sermão (Atos 16:32-33).

Em termos de 1 Coríntios 11, contudo, as dificuldades com esta interpretação popular são ainda mais profundas. A “visão sacramental estreita” falha de uma maneira rude especialmente aqui, pois o requerimento para discernir o corpo torna-se desconectado da preocupação predominante de Paulo no contexto; a saber, divisão na mesa (veja 11:17-22).

A questão que deve ser dirigida é: O que Paulo quer dizer por “corpo do Senhor”?
Eu creio que Paulo está se referindo à Igreja. A objeção comum a isto é que Paulo se referiu ao “corpo e sangue do Senhor”, dois versos antes (11:27), claramente com referência ao próprio corpo físico de Cristo. É sugerido que o apóstolo dificilmente teria deixado um uso de “corpo” para outro, num espaço tão curto, sem advertência.

Esta objeção, contudo, não é de forma alguma forte.

Primeiro, a fraseologia não é compatível. Quando Paulo está falando do corpo físico de Cristo, ele une corpo e sangue, pão e vinho (observe 11:24-25, 27, 28; compare 10:16). No verso 29, contudo, Paulo diz “corpo”.

Segundo, Paulo não faz este mesmo movimento no uso, exatamente no capítulo anterior:

Porventura o cálice de bênção, que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é porventura a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, sendo muitos, somos um só pão e um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão. [1 Coríntios 10:16-17]

No verso 16, a comunhão (participação comunal) do corpo de Cristo é paralela com a comunhão do sangue de Cristo – claramente, “corpo” refere-se, em primeiro lugar, ao corpo crucificado. Mas no verso 17, Paulo infere deste “um só corpo”, isto é, a Igreja.

É precisamente esta relação entre o corpo crucificado e a o corpo da Igreja que fortalece o argumento de Paulo no capítulo 11. Lembremos o contexto novamente: “há divisões entre vocês” (11:18). Em 10:16-17, Paulo mostra que o sacramento da Ceia do Senhor edifica um corpo (a Igreja) para Cristo, como resultado de Sua morte sacrificial, a auto-oferta de Seu corpo e sangue. Conseqüentemente, no capítulo 11, Paulo está atacando aqueles que estão cometendo sacrilégio contra esta auto-oferta, ao mutilarem a Igreja.

É digno de nota que, tomando-se em conta a novidade da Igreja, temos um forte paralelo com o Israel do Antigo Testamento. Pecar contra a comunidade do povo de Deus, enquanto se participa da adoração, é sacrilégio. Particularmente notável é Amós 4:

Ouvi esta palavra vós, vacas de Basã, que estais no monte de Samaria, que oprimis aos pobres, que esmagais os necessitados, que dizeis a vossos senhores: Dai cá, e bebamos. (Amós 4:1)

Todos estes pecados ocorriam enquanto as “vacas” estavam fazendo sacrifícios e oferecendo dízimos e ofertas voluntárias (Amós 4:4-5).

Por que está passagem é tão notável? Porque o assunto em 1 Coríntios 11 é bebedeira (11:21) e envergonhar aqueles que nada têm (11:22). Na própria mesa do Senhor, onde o povo de Deus celebra Sua provisão e sua unidade, os pobres são oprimidos, enquanto os ricos se deleitam. Neste contexto, Deus administra julgamento contra o Seu povo:

Odeio, desprezo as vossas festas, e as vossas assembléias solenes não me exalarão bom cheiro. E ainda que me ofereçais holocaustos, ofertas de alimentos, não me agradarei delas; nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais gordos. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos; porque não ouvirei as melodias das tuas violas. Corra, porém, o juízo como as águas, e a justiça como o ribeiro impetuoso. (Amós 5:21-24)

Deus pronuncia ais àqueles que estão sossegados em Sião, que salmodiam e cantam, “mas não se entristeceram pela ruína de José” (Amós 6:1-6). Em outras palavras, a adoração não é um ato privado, mas um ato comunal, um ato que afirma o povo de Deus. Aqueles que oprimem os pobres e vêem à adoração, estão testificando contra si mesmos (veja também Isaías 1:10-17).

Torna-se aparente que Paulo não está inventando um requerimento radialmente novo quando ele fala de “discernindo o corpo” em 1 Coríntios 11:29. Ele está reafirmando o mandato antigo para “se entristecer pela ruína de José”, justamente como a comunidade do povo de Deus. Aparte disto, a participação na Ceia, assim como foi o caso nas festas do antigo pacto, torna-se uma abominação que provoca julgamento.

O fato intrigante é que, aquelas festas do antigo pacto que levavam o requerimento de tal discernimento eram festas das quais as crianças do pacto participavam. Quando Deus prescreveu um lugar central de adoração (Deuteronômio 12), Ele mandou que “vossos holocaustos, e os vossos sacrifícios, e os vossos dízimos, e a oferta alçada da vossa mão, e os vossos votos, e as vossas ofertas voluntárias, e os primogênitos das vossas vacas e das vossas ovelhas” fossem ofertados ali (Deuteronômio 12:6). Estes deveriam ser ofertados com regozijo por “vós e as vossas casas” (12:7); “vós, e vossos filhos, e vossas filhas”, bem como pelos outros membros da casa, tais como os servos (12:!2). Novamente:

Depois celebrarás a festa das semanas ao SENHOR teu Deus... E te alegrarás perante o SENHOR teu Deus, tu, e teu filho, e tua filha...A festa dos tabernáculos celebrarás...alegrar-te-ás, tu, e teu filho, e tua filha...(Deuteronômio 16:10, 11, 13, 14)

Da mesma forma, a Páscoa foi uma festa familiar (Êxodo 12:3), a qual devia ser celebrada por “vós, e para vossos filhos para sempre” (Êxodo 12:24). Neste caso, “filho”, com quase toda certeza, refere-se às crianças, porque a mesma palavra aparece dois versos mais tarde (onde a NKJV traduz por crianças): “E acontecerá que, quando vossos filhos vos disserem: Que culto é este?” O fato da participação de “vós e vossos filhos” é, na realidade, o que proporciona a pergunta dos filhos,

A questão, então, é que “discernimento do corpo” é um requerimento enraizado nos sacramentos e festas do antigo pacto. Visto que estes rituais incluíam crianças, não temos fundamento para supor que, sob o novo pacto, o mesmo requerimento irá excluir as crianças.

Pelo contrário, dada a lógica de Paulo com respeito ao corpo de Cristo e o sacramento, em 1 Coríntios 10:16-17, aqueles que pertencem ao corpo, pertencem à mesa. Discernir corretamente o corpo envolve acolher nossas crianças de volta à mesa, pois elas são deveras parte do corpo de Cristo; elas são aqueles “que nada têm”, e, todavia, às quais pertencem o reino dos céus (Mateus 19:13-14). Se você deseja prestar atenção ao chamado para “discernir o corpo”, arrepender-se do nosso hábito atual de excluir as crianças do pacto da mesa, seria um bom lugar para se começar.



Para ver uma argumentação mais completa, tanto biblicamente, como teológica e historicamente, veja o meu livro “Feed My Lambs:  Why the Lord's Table Should Be Restored to Covenant Children”. 


Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 22 de Fevereiro de 2005.



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