Santificação: Completa ou Processual?

por

Hermisten Maia Pereira da Costa

 

Introdução:

A Palavra de Deus demonstra enfaticamente que a nossa salvação não é um fim em si mesma, antes é o início da vida cristã, através da qual nos tornamos filhos de Deus e progredimos em santificação até à consumação de todo propósito de Deus em nossa vida. Devemos estar atentos para o fato de que a salvação (justificação, regeneração, união com Cristo), não é a linha de chegada da vida cristã; antes, é o ponto de partida.

1. Definição:

Podemos definir operacionalmente a santificação como ato sobrenatural de Deus que se inicia com a regeneração, consistindo no progressivo abandono do pecado em direção a Deus tendo como padrão a imagem de Jesus Cristo.

2. A Santificação como o Novo Caminho de Vida:

A santificação começa com o nosso novo nascimento; todavia, ela jamais terá fim nesta vida. Nós não somos perfeitos, nem o seremos, enquanto estivermos neste modo de vida terreno; todavia, buscamos a perfeição; caminhamos em sua direção (Fp 3.12-14).

O pecado continuará em toda a nossa peregrinação terrena a exercer influência sobre nós; por isso, qualquer conceito de perfeccionismo espiritual, que declare que o crente não mais peca, é antibíblico. A Palavra de Deus ensina enfaticamente que nós pecamos, mesmo após o nosso novo nascimento.[1] O que nos distingue da nossa antiga condição é que não mais temos prazer no pecado; podemos até dizer que o pecado é um acidente de percurso na vida dos regenerados. Calvino, escreve: “Todavia, que ninguém se engane nem se vanglorie do seu mal, ao ouvir que o pecado habita sempre em nós. Isso não é dito para que os pecadores durmam sossegados em seus pecados, mas unicamente com este propósito: que aqueles que, aborrecidos, tentados e espicaçados por sua carne, não fiquem desolados, não se desanimem e não percam a esperança; antes, que vejam que continuam no caminho certo e que tiveram bom proveito ao sentirem que a sua concupiscência vai diminuindo pouco a pouco, dia após dia, até chegarem à meta almejada, a saber, a eliminação derradeira e final da sua carne, alcançando a perfeição quando esta vida mortal tiver fim”.[2] Antes o pecado comandava o nosso pensar e agir, agora ele ainda nos influencia, todavia não mais reina. "O pecado deixa apenas de reinar, não, contudo de neles habitar."[3] “Ainda que o pecado não reine, ele continua a habitar em nós e a morte é ainda poderosa.”[4] John Murray (1898-1974) ilustra bem este ponto: “Há uma total diferença entre o pecado sobrevivente e o pecado reinante, o regenerado em conflito com o pecado e o não-regenerado tolerante para com o pecado. Uma coisa é o pecado viver em nós; outra bem diferente é vivermos em pecado. Uma coisa é o inimigo ocupar a capital; outra bem diferente é suas milícias derrotadas molestarem os soldados do reino.”[5]

Isto indica a necessidade do convertido adquirir novos hábitos pela prática da verdade em amor (Ef 4.15). A graça de Deus é educadora (Tt 2.11-15), agindo através das Escrituras, corrigindo e educando-nos na justiça para o nosso aperfeiçoamento (2Tm 3.16,17). "A santificação é um processo contínuo pelo qual Deus, por sua misericórdia, muda os hábitos e o comportamento do crente, levando-o a praticar obras piedosas";[6] todavia, continuaremos sendo pecadores até o fim desta existência. "Éramos pecadores quando iniciamos a carreira cristã, e pecadores seremos enquanto estivermos prosseguindo no caminho. Somos renovados, perdoados, justificados, e, no entanto, pecadores até o último instante."[7] (Pv 29.9; Ec 7.20; Rm 6.20; 7.13-25; Tg 3.2. 1Jo 1.8). Contudo, não existem carências em nossa vida cristã que não possam ser supridas pelo próprio Cristo, nosso Senhor; e Ele o faz nos renovando através do Seu conhecimento pela Palavra.

Ao povo da Aliança que se desviara do caminho do Senhor, Este lhe diz: “Aprendei a fazer o bem” (Is 1.17). A santificação é justamente isto; um santo aprendizado guiado pelo Espírito, tendo como constituição normativa e legislativa do nosso pensar, agir e sentir, a Palavra de Deus. Portanto, a santificação envolve uma nova “alfabetização” espiritual guiada pela Palavra de Deus.

Louis Berkhof (1873-1957) usa uma figura para ilustrar a nossa nova condição:

"Uma criança recém-nascida é, salvo exceções, perfeita em suas partes, mas não está no grau de desenvolvimento ao qual foi destinada. Justamente assim, o novo homem é perfeito em suas partes, mas, na presente vida, continua imperfeito no grau de desenvolvimento espiritual."[8]

O Apóstolo João, inspirado por Deus, escreve aos crentes: "Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós” (1Jo 1.10/1Jo 2.1).

O crente é chamado a uma caminhada constante. Os cristãos eram reconhecidos como aqueles que eram do caminho. Saulo, antes de convertido, pediu cartas ao sumo sacerdote "a fim de que, caso achasse alguns que eram do Caminho, assim homens como mulheres, os levasse presos para Jerusalém" (At 9.2). Lucas relata que Priscila e Áquila, após ouvirem uma pregação de Apolo, o chamaram e, "com mais exatidão, lhe expuseram o caminho de Deus” (At 18.26).

O cristianismo é essencialmente um caminho de vida, fundamentado na prática do Evangelho, conforme ensinado por Jesus Cristo. A santificação é, portanto, um desafio a perseguirmos este caminho, empenhando-nos por fazer a vontade de Deus. Por isso, a santificação nos fala de caminharmos sempre em direção ao alvo proposto por Deus, com os nossos corações humildes, desejosos de agradar a Deus, de fazer a Sua vontade com o sentimento adequado.

O grande professor de Princeton, Patton, ressalta que “a santificação é uma mudança gradual de caráter; é um despojo do homem velho, ‘que se corrompe pelas concupiscências do engano’, e um revestimento do ‘novo homem que, segundo Deus, é criado em verdadeira justiça e santidade’. Na regeneração, o filho de Deus torna-se ‘uma nova criatura’, e isto se manifesta mais e mais, à proporção que a santificação vai progredindo. O filho de Deus é objeto de novos sentimentos, novos prazeres, novos motivos e novas aspirações. ‘As coisas velhas são passadas’.”[9]

Esta concepção bíblica conduz-nos a outras:

1) A Santificação envolve um Combate Confiante:

Os crentes, apesar de sua nova natureza, terão que combater o pecado enquanto viverem. Este combate será árduo; a Bíblia não poupa figuras para descrever esta luta com cores vivas; todavia, a Palavra de Deus nos garante, com ênfase maior, a vitória que temos em Cristo. Daí a nossa certeza de que devemos lutar contra o pecado, sabedores que Deus é por nós nesta luta.

A Confissão de Westminster diz: "Esta santificação é no homem todo, porém imperfeita nesta vida; ainda persistem em todas as partes dele restos da corrupção, e daí nasce uma guerra contínua e irreconciliável – a carne lutando contra o espírito e o espírito contra a carne" (XIII.2).[10] (Rm 7.19,23; Gl 5.17; Fp 3.12; 1Ts 5.23; 1Pe 2.11; 1Jo 1.10).

Paulo escreve aos coríntios atestando a realidade da tentação mas, ao mesmo tempo, indicando que ela não é vitoriosa sobre nós: "Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel, e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças, pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (1Co 10.13).

Notemos que a promessa de Jesus se refere ao Seu socorro que nos conduz à vitória; todavia, isto não exclui a gravidade da tentação, da luta contra a carne, o mundo e o diabo. Em nosso desejo renovado de agradar a Deus, encontraremos sempre no pendor de nossa carne uma luta contra este propósito, para que façamos a vontade do velho homem, surgindo daí, um combate renhido. Todavia, a nossa nova natureza triunfará pelo Espírito de Deus que em nós habita, cuja presença nos identifica como filhos de Deus (Rm 8.9,14,16).

O escritor de Hebreus, tendo em vista o combate cristão, toma o sofrimento de Cristo como um exemplo e estímulo para a Igreja: "Considerai, pois, atentamente, aquele que suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo, para que não vos fatigueis desmaiando em vossas almas” (Hb 12.3). No momento seguinte, indicando a gravidade deste combate, adverte os seus ouvintes: "Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue...” (Hb 12.4).

A Bíblia não deixa dúvida de que "qualquer santidade verdadeira em nós estará debaixo de fogo hostil o tempo todo, da mesma forma como nosso Senhor esteve."[11]

Paulo, com intenso vigor, mostra a gravidade do nosso confronto: "...A nossa luta não é contra o sangue e a carne, e, sim, contra os principados e potestades deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef 6.12). O apóstolo está descrevendo a nossa luta contra Satanás, que está empenhado em nos afastar de Deus, em nos tornar alvos do entristecimento do Espírito que nos selou para "o dia da redenção", quando se efetuará o resgate final da propriedade de Deus, que somos nós (Ef 1.12-13; 4.30).

Contudo, apesar deste combate real – e não devemos minimizá-lo[12] – a Palavra de Deus nos mostra a segurança que temos em Cristo Jesus: "...Aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até o dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). Pedro, à igreja perseguida e provada, diz: "...Sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (1Pe 1.5). Continua: "Nisto exultais" (1Pe 1.6).

Meus irmãos, a Palavra de Deus nos diz que apesar de uma luta intensa, do combate atroz contra o mundo, a carne e o diabo, podemos já, nesta vida, exultar, na certeza do cuidado de Deus, que nos garante a vitória final. Neste mesmo espírito escreveu Judas: "Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém” (Jd 24-25).

A Confissão de Westminster (1647) conclui o capítulo XIII dizendo:

“Nesta guerra, embora prevaleçam por algum tempo as corrupções que restam (Rm 7.23), contudo, pelo contínuo socorro da eficácia do santificador Espírito de Cristo, a parte regenerada vence (Rm 6.14; Ef 4.15,16; 1Jo 5.4), e assim os santos crescem em graça (2Pe 3.18), aperfeiçoando a sua santidade no temor de Deus (2Co 7.1)” (XIII.3).

Jesus morreu pelo Seu povo, e nenhum de nós será arrebatado de Suas mãos (Jo 6.37-40,44,65; 10.18-29/ Rm 6.14; Fp 1.6; 1Jo 3.9; 5.4,18). A nossa chamada é para combater o bom combate da fé, a seguirmos "O Caminho" com perseverança, confiantes unicamente na graça de Deus.

C.H. Spurgeon (1834-1892), amparado nas Escrituras, exulta confiante:

"O Senhor Jesus tem poder para nos levar lá! Ele lutará contra nossos inimigos para nós. Jesus nos guardará de cair no pecado, e levará todos aqueles pelos quais Ele morreu para a terra celestial. Ninguém será deixado para trás. Estaremos seguros e felizes com Ele para sempre. O Senhor Jesus nos apresentará a Deus e estaremos com aqueles que alcançaram o céu antes de nós."[13]

2) A Santificação e a Consciência do Pecado:

Vimos que a nossa santificação é um processo de crescimento espiritual, sendo marcado por um combate violento; e que todavia, apesar disso, temos a vitória em Cristo.

Faz-se necessário destacar que, em meio a esta luta, muitas vezes nos sentimos como que totalmente vencidos, tendo a consciência aguda de nossa fraqueza e pecado, com a nítida sensação de sermos derrotados, que as nossas provas vão além de nossa resistência. O próprio Pedro que, conforme já indicamos, recomenda a exultação da Igreja pelo fato de sermos guardados por Deus (1Pe 1.5-6), diz: "Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações” (1Pe 1.6). Paulo também, ao olhar para si mesmo, declara: "Desventurado homem que sou! quem me livrará do corpo desta morte?" (Rm 7.24).

Nós também talvez tenhamos nos sentido assim em diversas ocasiões, como o homem "desventurado" e "miserável" diante da bondade de Deus. E, aqui, não há atenuante; diante de Deus, da contemplação da Sua augusta presença, da meditação de Sua majestade, conforme revelada nas Escrituras, todos nós nos sentimos miseráveis pecadores, homens de lábios impuros, o principal dos pecadores, conforme expressão de Paulo.

Entretanto, esta consciência de nosso pecado nos acompanhará sempre e, se me permitem, digo mais: ela é uma das características dos homens regenerados, que crescem em sua fé.[14] A santificação traz consigo u’a maior consciência da grandeza de Deus e concomitantemente de nossa pequenez; daí a genuína compreensão de nossa miserabilidade diante de Deus. Quanto mais perto estivermos do Santo, mais certeza da nossa impureza teremos. Antes, talvez não julgássemos pecado determinadas práticas triviais de nossa vida; agora, porém, já não nos sentimos bem neste procedimento, temos uma consciência mais apurada da santidade de Deus e do que Ele requer de nós; assim, crescer em santidade significa aprimorar a consciência de nossas falhas. Deste modo, Paulo, nos seus últimos anos de vida, escreve: "Fiel é a Palavra e digna de toda aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal" (1Tm 1.15). Calvino enfatizou que “quanto mais eminentemente alguém se destaca em santidade, mais ele se sente destituído da perfeita justiça e mais que claramente percebe que em nada pode confiar senão unicamente na misericórdia de Deus.”[15] Do mesmo modo, Murray: “Quanto mais profunda é a sua percepção da majestade de Deus, maior será a intensidade de seu amor a Deus; quanto maior a sua persistência na busca de alcançar o prêmio da sublime vocação de Deus em Cristo, maior será a sua consciência da seriedade do pecado que permanece nela, e mais penetrante será sua repugnância por ele.”[16]

O nosso conforto é que mesmo Deus sendo santo, não podendo conviver com o pecado, odiando a iniqüidade (Is 61.8), e nós sendo miseráveis pecadores, Ele nos perdoa e purifica quando, arrependidos, lhe confessamos os nossos pecados: "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1.9).[17]

3) Existem Graus de Santificação:

A santificação, como um processo, é eminentemente progressiva; mesmo que, muitas vezes, a sua trajetória seja lenta, ela está sempre se desenvolvendo, enfrentando em sua caminhada um combate que traz consigo necessariamente, a idéia de graus de santidade. Contudo, com esta declaração, faz-se necessário alguns esclarecimentos.

Isto não quer dizer, que:

a) Haja pessoas mais regeneradas, justificadas ou perdoadas do que outras. A regeneração, a justificação e o perdão ocorrem uma única vez, definitiva e completamente em Cristo.

b) Haja na Igreja pessoas melhores do que outras; na realidade, todos nós somos inteiramente dependentes da graça misericordiosa de Deus; a pretensão de erguer, ainda que uma só partícula de merecimento, por menor que seja, como justificativa para a nossa aceitação diante de Deus, significa uma total ignorância da mensagem do Evangelho.

Isto significa que:

"[a santificação] não é igual em todos os crentes, e nesta vida não é perfeita em crente algum, todavia sempre avança para a perfeição."[18]

O que ocorre conosco é um processo gradativo de submissão a Deus, de prazer em fazer a Sua vontade, em usar os meios que Ele nos fornece para o nosso aperfeiçoamento; daí, as recomendações bíblicas para que cresçamos, desenvolvamos a nossa fé. Se não houvesse essa possibilidade, ou se a santificação fosse apenas um ato único efetuado por Deus, tais recomendações não teriam razão de ser; no entanto, a Bíblia nos exorta, repetidas vezes, para que cresçamos espiritualmente, nos submetendo à vontade de Deus, desenvolvendo a nossa salvação: “... Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.12b-13. Ver: 1Ts 4.1,10; 1Pe 2.2; 2Pe 3.18). Aqui, também, subjaz a importância da nossa atividade em nossa santificação: Deus nos oferece todos os recursos para o nosso crescimento, dá-nos uma nova disposição e requer o uso consciente, responsável e submisso do que Ele nos tem oferecido (Vd. Rm 12.1-3; Gl 5.13-16, 25,26; Hb 12.14; 1Pe 1.13-15; 2Pe 1.3-11). “A palavra [santo] implica tanto devoção quanto assimilação. Devoção no sentido de viver uma vida de serviço a Deus; assimilação, no sentido de imitação, conformidade e serviço da forma como próprio Deus serve.”[19]

Com este propósito, Jesus e Paulo oram em favor da Igreja de Deus: "Santifica-os na verdade", roga Jesus, provavelmente no dia anterior à Sua auto-entrega sacrificial (Jo 17.17). "O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo", intercede Paulo pela jovem Igreja de Tessalônica (1Ts 5.23).

Neste processo de formação e de crescimento, obviamente haverá lutas, combates, disciplina: nem tudo é tranqüilo e pacífico, visto que Deus, pelo Espírito, está formando um novo homem à Sua imagem (Rm 8.29-30/Gl 4.19/Hb 12.4-14).[20]

Devemos acrescentar que a nossa santidade, por mais elevada que seja, sempre será inadequada diante do escrutínio perfeitamente santo de Deus; por isso, a nossa confiança nunca deverá estar amparada em nossa "bondade", "boas obras" ou "alto nível espiritual", mas unicamente nos méritos de Cristo. Daí a advertência de Paulo: "Não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.9). É Deus mesmo Quem por Seu soberano poder nos mune dos meios necessários para a nossa salvação e santificação (2Pe 1.3).[21]

4) A Santificação tem um sentido escatológico:

Já indicamos que a Santificação é um processo que não encontra a sua perfeição nesta vida. A sua conclusão se dará em nossa glorificação futura, quando Deus completar a Sua obra iniciada em nós (Rm 8.29-30: Fp 1.6). Nesse sentido, a consumação da santificação tem dois aspectos: um espiritual e outro físico: espiritual, em nossa alma quando morrermos; físico, quando Cristo voltar em glória, ressuscitarmos e tivermos os nossos corpos glorificados. Assim, a santificação será total.[22] A perspectiva do encontro com Cristo, quando Ele regressar em glória, deve nos motivar hoje, solicitamente, à santificação, a fim de vivermos em santidade na Sua presença, puros como Ele é puro.

A santidade perfeita no céu encontra os seus primórdios na vida dos eleitos aqui na terra. Isto indica a nossa responsabilidade presente. "Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque havemos de vê-lo como ele é. E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro" (1Jo 3.2-3). “Como na presente vida não atingiremos pleno e completo vigor, é mister que façamos progresso até à morte.”[23]

Cristo morreu por nós para que Ele nos apresentasse "a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem cousa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.27). Dentro desta perspectiva, a Igreja procura viver de forma santa, para se encontrar com Cristo, conforme o Seu propósito sacrificial. "Teremos de ser santos antes de morrer, se quisermos ser santos quando estivermos na glória”.[24]

O desejo da Igreja deve ser de se encontrar com Cristo de forma íntegra e irrepreensível; por isso a Igreja é chamada a viver hoje na presença de Deus, estando sempre preparada para o Seu encontro final e jubiloso com o Senhor Jesus; este era o alvo da intercessão de Paulo, conforme vimos (1Ts 5.23).

Jesus Cristo, que se santificou pela Igreja e que se entregou por ela, exerce o Seu poder para apresentá-la com alegria a Si mesmo, uma Igreja irrepreensível, diante do escrutínio da Sua glória. O apóstolo Judas encerra a sua epístola com uma doxologia, cuja primeira parte nos diz: "Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória” (Jd 24. Vd. Ef 5.25-27).

Conclusão:

O nosso padrão de santidade não é um simples “melhoramento” diante dos padrões humanos, mas, sim, sermos conforme Cristo: Fomos eleitos para Cristo, a fim de sermos “conformes à imagem” dEle; portanto devemos ser seus imitadores, seguindo as suas pegadas (Vd. Rm 8.28-30/ Jo 13.15; 2Co 3.18; Ef 4.32; 5.1-2; Fp 2.5-8; 2Ts 2.13; 1Pe 1.13-16; 2.21). "A santidade não é negativa, é positiva; é ser como Deus (...). A santidade não significa simplesmente obter vitória sobre pecados particulares. É ser como Deus, que é santo."[25]

--------------------------------------------------------------------------------
São Paulo, 24 de novembro de 2003.
--------------------------------------------------------------------------------
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa é pastor da I.P. Ebenézer em Osasco - SP e professor de Teologia e Filosofia no Seminário Presbiteriano José Manoel da Conceição, São Paulo - SP.
--------------------------------------------------------------------------------

[1] “.... A referida perversidade da nossa natureza nunca cessa em nós, mas constantemente (Rm 7.7-25) e produz em nós novos frutos, quais sejam, as obras da carne acima descritas como uma fornalha acesa sempre a lançar labaredas e fagulhas, ou como um manancial de águas correntes continuamente vertendo sua água. Porque a concupiscência nunca morre nem é extinta por completo nos homens, até quando, livres da morte pela morte do corpo, sejam inteiramente despojados de si mesmos. É certo que o Batismo nos garante que o nosso faraó foi afogado e que a nossa carne está mortificada. Todavia, não ao ponto de que o nosso inimigo não mais exista e que já não nos incomode, mas somente no sentido de que já não nos pode vencer. Porque, enquanto vivermos encerrados na prisão que o nosso corpo é, os restos e as relíquias do pecado habitarão em nós. Mas, se pela fé retivermos a promessa que Deus nos fez no Batismo, essas forças adversas não nos dominarão e não reinarão em nós”. [João Calvino, As Institutas, (1541), III.11]. Ver: J. Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo, Paracletos, 1997, (Rm 13.14), p. 462.

[2] João Calvino, As Institutas, (1541), III.11.

[3] Calvino, As Institutas, III.3.11.

[4] João Calvino, Efésios, São Paulo, Paracletos, 1998, (Ef 1.20), p. 44.

[5] . Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1993, p. 162.

[6] A. Booth, Somente pela Graça, São Paulo, Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 44-45.

[7] J.C. Ryle, Santificação, São José dos Campos, SP., FIEL., 1987, p. 56.

[8] L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP., Luz para o Caminho, 1990, p. 541.

[9] Francisco L. Patton, Compendio de Doutrina e a Egreja, Lisboa, Typ. A Vapor de Eduardo Rosa, 1909, p. 97.

[10] Vd. Catecismo Maior de Westminster, Pergunta 78.

[11] J.I. Packer, Na Dinâmica do Espírito, São Paulo, Vida Nova, 1991, p. 108.

[12] Lutero (1483-1546), em 1529, comentando a terceira petição da Oração Dominical, diz: “Se queremos ser cristãos, devemos estar seguramente preparados e cientes de que temos por inimigos o diabo, juntamente com todos os seus anjos, e o mundo, que nos infligem toda sorte de infortúnios e pesares. Porque onde a palavra de Deus é pregada, aceita ou crida e produz fruto, aí também não há de faltar a amada e santa cruz.” (M. Lutero, Catecismo Maior, In: Os Catecismos, São Leopoldo/Porto Alegre,RS. Concórdia/Sinodal, 1983, § 65, p. 466). Calvino (1509-1564) colocou de forma precisa a questão ao dizer que, "aqueles que a tal combate se preparam na confiança de si próprios não compreendem suficientemente com quão aguerrido e bem equipado adversário se tenham de haver" (Calvino, As Institutas, III.20.46). “Ao falar do poder do inimigo, Paulo se esforça por manter-nos mais zelosos. Ele já o denominara de diabo, mas agora usa uma série de epítetos, para que seus leitores pudessem entender que esse não é um inimigo a ser tratado com descaso.” [J. Calvino, Efésios, (Ef 6.12), p. 189]. O experiente ministro, Lloyd-Jones (1899-1981), também disse: "O homem que ainda não descobriu o poder da tentação é o mais típico novato em questões espirituais (...). O poder do inimigo contra nós somente é inferior ao poder de Deus. Ele é mais poderoso que qualquer homem que jamais viveu; e os santos do Velho Testamento caíram diante dele" (D.M. Lloyd-Jones, Por Que Prosperam os Ímpios?, São Paulo, PES., 1983, p. 16-17).

[13] C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo, PES., 1992, p. 12.

[14] Vd. Catecismo de Heidelberg, Pergunta 115. (Vejam-se também, as Perguntas: 13,42,43,56,60, 62,70, 81, 103, 117, 126).

[15] João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo, Paracletos, 1999, Vol. 2, (Sl 32.1), p. 42.

[16] John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, p. 161.

[17] Na Imitação de Cristo, Thomas à Kempis pergunta: “Que posso eu fazer em expiação dos meus pecados, senão confessá-los humildemente e chorá-los, implorando incessantemente vossa misericórdia? (...) Detesto sumamente todos os meus pecados, e proponho nunca mais cometê-los; arrependo-me deles e me hei de arrepender enquanto viver....”. (T. Kempis, Imitação de Cristo, 9ª ed. Petrópolis, RJ. Vozes, 1945, IV.9.3. p. 242-243).

[18] Catecismo Maior de Westminster, Pergunta 77.

[19] J.I. Packer, O que é santidade e por que ela é importante?: In: Bruce H. Wilkinson, ed. ger. Vitória sobre a Tentação, 2ª ed. São Paulo, Mundo Cristão, 1999, p. 31.

[20] Vd. J.I. Packer, Na Dinâmica do Espírito, p. 112-117.

[21] Vd. John Calvin, Calvin's Commentaries, Grand Rapids, Michigan, Baker Book House, 1981, Vol. 22, (1Pe 1.3), p. 369.

[22] Vd. Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo, Vida Nova, 1999, p. 625.

[23] João Calvino, Efésios, (Ef 4.15), p. 130.

[24] J.C. Ryle, Santificação, p. 46.

[25] D. Martyn Lloyd-Jones, O Combate Cristão, São Paulo, PES., 1991, p. 127.

 


 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa, pastor da I.P. Ebenézer, Osasco, SP e professor de Teologia Sistemática e Filosofia no Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, São Paulo, Capital.

 


www.monergismo.com

Este site da web é uma realização de
Felipe Sabino de Araújo Neto®
Proclamando o Evangelho Genuíno de CRISTO JESUS, que é o poder de DEUS para salvação de todo aquele que crê.

TOPO DA PÁGINA

Estamos às ordens para comentários e sugestões.

Recomendamos os sites abaixo:

Academia Calvínia/Arquivo Spurgeon/ Arthur Pink / IPCB / Solano Portela /Textos da reforma / Thirdmill
Editora Cultura Cristã /Edirora Fiel / Editora Os Puritanos / Editora PES / Editora Vida Nova